Capitulo III

"Lembra-se de mais alguma coisa que possa ter interesse?" – Disse Savage, e eu recordo: para um detective deve ser tão importante como para o romancista o acumular de materiais vulgares de entre os quais poderá ser extraída a nota exacta. E quão dificilmente o extraí-la é a libertação do mais profundo ser! a enorme pressão do mundo exterior pesa em cima de nós, quel peine forte et dure. Neste caso, em que estou escrevendo a minha própria história, problema não deixa de ser o mesmo, em pior – agora que não os invento, como os factos se multiplicam! como posso eu dissociar os caracteres e o cenário denso – o jornal diário, a diária refeição, o trafego barulhentamente a caminho de Battersea, as gaivotas vindas do tamisa à procura de pão, o verão precoce de 1939 brilhando no parque, as crianças deitando ao lago barquinhos à vela - enfim, um desses verões já condenados que precederam a guerra? tento imaginar se, pensando muito, seria capaz de detectar, na reunião em casa de Harry, o futuro amante dela. Foi bebendo mau Sherry, por causa da guerra de Espanha, que nos vimos pela primeira vez. Creio ter reparado em Virgínia, porque ela era feliz, nesse tempo, o sentido da felicidade ia desaparecendo na tormenta que se aproximava. Encontrava-se nos bêbados e nas crianças, e raras vezes alhures. Simpatizei logo com ela, porque me disse ter lido os meus livros sem os misturar com a pessoa – e logo me senti tratado mais como um ser humano que com um escritor. Não fazia a mínima ideia de me apaixonar por ela. Antes de mais nada era bonita, e mulheres bonitas, especialmente se ainda são inteligentes, provocam-me um agudo sentimento de inferioridade.

Não sei se os psicólogos já classificaram o complexo de Cophetua, mas, pela minha parte,sempre senti dificuldade em experimentar desejos sexuais, sem a consciência de uma qualquer superioridade física e mental. Dessa primeira vez, só reparei na beleza, no ar feliz, e na maneira, que ela tinha de nos tocar com as mãos como se nos amasse. Apenas consigo recordar de que me disse uma coisa, além da frase já citada, pela qual começou – "Parece detestar muita gente" talvez eu tenha discreteado petulantemente acerca dos meus camaradas nas letra. Não me lembro. Que verão aquele! Não vou tentar evocar exactamente o mês – teria de regressar tão dolorosamente àquilo tudo! -, mas recordo que sai da sala quente e cheia de gente, para um passeio pelo parque com Harry, depois de já ter bebido demais muito mau sherry. O Sol tombava já rente ao chão, fazendo empalidecer a relva. Na distância, as casas eram casas numa gravura vitoriana, pequenas, sossegadas, precisamente desenhadas: só ao longe uma criança chorava. a igreja setentrista erguia-se como um brinquedo na ilha de relva – e, em tão fixo tempo seco, o brinquedo podia ficar cá fora, nas trevas. Era a hora das confidência a estranhos. Harry disse: Podíamos ser todos tão felizes.

- Pois é.

Senti por ele uma enorme simpatia, ali no meio do parque, fora da sua festa, com lágrimas nos olhos. e observei-lhe:

- Tem uma bela casa.

- Foi a minha mulher quem a descobriu.

Conhecera-o uma semana antes, noutra reunião, nesse tempo, ele trabalhava no ministério, no departamento de descoberta de artefactos das trevas, e eu cultivara-o por amor do meu material romanesco. dois dias depois viera o convite. Soube mais tarde que Sarah o fizera mandar-mo. Perguntei-lhe:

- Estão casados há muito tempo?

- Dez anos.

- Achei encantadora a sua esposa.

- É uma companheira admiravél – respondeu. Pobre Harry. Mas porque hei-de eu dizer "Pobre Harry"? Não tinha ele as cartas infalíveis – os trunfos da delicadeza, da humildade, da confiança?

- Tenho de voltas para casa. Não posso deixa-la sozinha com tudo, Malfoy – e pousara-me a mão no braço, como se nos conhecessemos havia um ano. Teria aprendido com ela aquele gesto? Marido e mulher identificam-se progressivamente. Fomos andando lado a lado e , ao abrirmos a porta do vestibulo, vi no espelho de um quartoduas pessoas separando-se como de um beijo – e uma delas era Virgínia. Olhei para Harry. Ou não vira, ou não fizera caso...ou então, pensei ainda, que infeliz não deve ele ser!

Teria o Sr. Savage considerado relevante aquela cena?Soube depois que não fora um amante quem a beijara, mas um dos colegas de Harry no ministério, cuja mulher tinha fugido na semana anterior com um marinheiro. Virgínia conhecera-o nesse mesmo dia, e parecia improvável que ele fizesse parte de uma cena de que eu fora tão decididamente excluido. O amor não leva assim tanto tempo a revelar-se.

Preferia ter deixado este passado em paz, porque, ao escrever de 193,9, sinto todo o meu ódio de volta. E o ódio deve excitar as mesmas glândulas que o amor: pelo menos produz os mesmos efeitos. Se não nos tivessem ensinado a interpretar a história da paixão, seriamos capazes de, pelas acções deles, saber qual dos dois, o invejoso Judas ou o Covarde Pedro, amava Cristo?

------------- Fim 3º Capitulo ------------

N/A.: Boas ppl! Desculçpem a demora...mas esta semana ainda vou postar outro capitulo, porque depoix vou de férias e só volto em Setembro...por isso aproveitem estes 2 capitulos pk depoix só daqui a 1 mês...espero que as vossas férias tejam a ser boas!xP

Julho. 2006

JoNNeZ