Pousei o jornal em cima da mesa, e li e reli a mesma página, porque não queria olhar para a porta. Estava sempre a entrar gente, e não me agradava ser um daqueles que, por levantarem e baixarem a cabeça, denunciavam uma expectativa idiota. que temos nós a esperar, para temer-mos tanto o desapontamento? No jornal da tarde havia o crime do costume e uma desordem parlamentar por causa do racionamento dos açucares, e Virgínia estava atrasada 5 minutos. Foi pouca sorte minha, mas surpreendeu-me a olhar para o relógio. Ouvi lhe a voz que dizia:
- Desculpe, vim de autocarro e o trânsito era muito.
- O metropolitano é mais rápido.
- Bem sei. Mas não queria chegar adiantada.
Muitas vezes me desconcertara ela com a verdade. Nos bons tempos do nosso amor, tentava fazê-la dizer mais que a verdade: que a nossa aventura não teria fim, que um dia haveriamos de casar. Não acreditaria, mas teria gostado de ouvir da sua boca essas palavras, talvez só para saborear o prazer de as rejeitar. Mas ela nunca jogava ao "como se", e, subitamente, desarmava a minha reserva com uma declaração de tal doçura e amplitude...
Lembro-me que, uma vez em que eu ficara amargurado com a sua afirmação de que as nossas relações acabariam, ouvi logo depois, com alegria incrédula: "nunca, nunca amei um homem como te amo a ti, e nunca mais voltarei a amar assim" Pois era, não sabia, pensava eu, mas afinal também caia no mesmo jogo de acabar convencido.
Sentou-se ao meu lado e pediu um copo de cerveja:
- Marquei uma mesa no Rule – disse eu.
- Não podemos ficar aqui?
- Sempre costumávamos ir lá.
- É verdade.
Talvez, embora à nossa maneira, não estivessemos muito à vontade, porque reparei tinhamos atraido a atenção de um homenzinho sentado num sofá próximo.
Tentei atrapalhá-lo , e foi fácil. Usava bigodes compridos e tinha olhos de corça, que se desviaram apressadamente: deu com o cotovelo no copo de cerveja, deitou-o ao chão, e ficou completamente confundido. Tive pena dele, porque me ocorreu que talvez me houvesse reconhecido pelos retratos: podia até ser um dos meus leitores. Estava com ele um rapazinho, e que crueldade é humilhar o pai na presença dos filhos! O rapaz corou até às orelhas quando o criado se precipitou, e o pai começou a apresentar desculpas com prepositada veemência. E Virgínia disse:
- Claro que pode almoçar onde quiser.
- É que nunca mais lá voltei.
- Nunca tinha sido um dos seus restaurantes, pois não?
- Vai lá muitas vezes?
-Dá-me jeito. Duas ou três vezes por semana.
Levantou-se repentinamente: - Vamos lá. – e de súbito teve um acesso de tosse. Parecia uma tosse grande demais para um tão pequeno: e a testa perlava-se de suor, com o esforço de a fazer sair.
- Que coisa medonha.
- Oh, não é nada, desculpe.
-Taxi?
- Vamos antes a pé.
Quando se sobe Maiden Lane, há há esquerda um vão de portas e uma grade no chão que passámos sem trocar palavra. Depois do nosso primeiro jantar, em que, interrogando-a acerca dos hábitos de Harry ela se sensibilizou com o meu interesse, beijara-a ali, um tanto desastradamente, a caminho do metropolitano. Não sei porque o fiz, a menos que a imagem no espelho me tivesse vindo à ideia, porque não nutria quaisquer intenções de amá-la: nem sequer tencionava tornar a encontrar me com ela. Era demasiado bela para que a noção de acessibilidade me excitasse.
Mal nos sentámos, um dos criados antigos observou:
-Há muito tempo que o Sr não vinha cá. – e fiquei arrependido de ter mentido a Virgínia.
- É que costumo ir para o andar de cima.
- E a senhora também há muito tempo.
- Há quase dois anos. – respondeu ela, com a exactidão que eu às vezes detestava.
- Mas lembro-me que a senhora tomava sempre uma caneca.
-Tem boa memória, Alfred. – o que o fez rebrilhar de prazer. Sempre tivera aquela habilidade para tratar com criadagem. A comida interrompeu o palanfrório, e só quando terminámos a refeição ela me deu a entender o que a trouxera ali.
- Queia que almoçasse comigo, porque queria falar-lhe de Harry.
- Harry? – repeti, tentando esconder o desapontamento que transpareci na minha voz.
- Preocupa-me. Que impressão olhe fez naquela noite? Não lhe pareceu esquisito?
-Não reparei em nada.
- Queria pedir-lhe...Oh, bem sei que é uma pessoa muito ocupada...pedir-lhe que, de vez em quando, o procurasse. Julgo que se sente muito só.
- Consigo?
- Bem sabe que ele nunca deu muito por mim. Anos a fio.
- Talvez tenha começado a dar pelas ausências.
- Hoje em dia saio pouco – e a tosse muito a propósito interrompeu aquela conversa. Quando o acesso acabou, já ela tivera tempo de preparar as jogadas seguintes, embora não fosse seu hábito evitar a verdade. – Está a trabalhar noutro livro? – era como uma pessoa estranha, uma daquelas que a gente encontra numa reunião. Tal pergunta não a fizera ela, nem da primeira vez, depois do Sherry sul-africano.
- Pois claro.
- Não gostei muito do ultimo.
- Nessa altura foi preciso lutar para escrever...a paz que chegava...- e podia, do mesmo modo, ter dito: a paz que se ia embora.
- o meu receio era que voltasse às suas ideias antigas, que eu detestava. e muitas pessoas voltariam.
- um livro leva-me um ano a escrever. Para vingança é um bocado comprido.
- Se ao menos soubesse como tinha tão pouco de que vingar-se...
- Estou a brincar. Fomos bem felizes os dois; mas somos pessoas crescidas, já sabiamos que, mais tarde ou mais cedo, tudo havia de acabar. E, como vê, agora somos capazes de nos encontrar para falar de Harry.
Paguei a conta e saimos, e uma vintena de metros abaixo lá estava o vão de porta e a grade. Parei no passeio, e disse:
- Se não me engano vai para Strand?
- Não, Leicester Square.
- Eu vou para Strand.- Ela estava no vão da porta, e ninguem na rua. – Vamos despedir-nos aqui. Gostei muito de estar consigo.
-Sim.
- Telefone-me sempre que puder.
Aproximei-me dela: senti a grade debaixo ds pés. – Virgínia – Disse.
Desviou repentinamente a cabeça, como se tivesse a verificar se vinha alguém, se havia tempo...mas, quando se voltou, a tose apoderou-se dela. Dobrada no vão da porta, tossiu e tornou a tossir. Os olhos ficaram-lhe vermelhos. Dentro do casaco de peles, parecia um animal acossado.
- Desculpe-me.
E eu disse com azedume, como se me tivessem roubado alguma coisa
-Isso precisa ser tratado.
- É só uma tosse. – estendeu-me a mão – Adeus...Draco. – O meu nome sou como um insulto. Respondi:
-Adeus - , mas não lhe peguei a mão: afastei-me, apressadamente, sem olhar em volta, procurando aparentar que tinha pressa e me sentia aliviado, e , quando ouvi a tosse que recomeçava, quisera eu ter sido capaz de assobiar uma cantiga, qualquer coisa saltitante, descuidada, feliz, mas não tenho ouvido nenhum.
------------- Fim 5ª Capitulo ------------
03.Outubro.2006
N/A.: Olaa! voltei das fériazinhas...eu sei que já devia ter postado este capitulo há mais tempo...mas não sei porque meti na cabeça que já o tinha publicado...foi do sol...não liguem...bem agora vou começar a publicar mais depressa..promessa de autoraLol muito em breve as coisas vão começar a mudar... vão ser descobertos alguns segredos muito interessantes!xD
não percam...
bem portem xe bem...lol ou naum...
JoNNeZ
