Nota de autor: É a última vez que o vou dizer: isto vai ter 10 capítulos.

(...Acho eu :') )

E há um bocadinho de acção neste afinal. É um capítulo grande como tudo.

Avisos: abuso de autoridade, menções de pedofilia, ansiedade

Nota pt-pt para pt-br:

- "rapariga" é o mesmo que "moça", não tem o significado que tem em pt-br

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- Jinx! Espera!

- Deixa-me em paz, Ekko!

- Espera, por favor, temos de falar! - implorou Ekko. - Isto foi tudo um mal-entendido, nós não pusemos escutas em nada!

- Como é que vou confiar em ti?! - gritou Jinx. - 'Tavam todos a armar nas minhas costas, a espalhar mentiras sobre o Silco!

- Eu não sabia, Jinx! Fiquei tão chocado como tu! - tentou Ekko explicar. - Não percebi metade do que se passou, eu-

- Então não sabias do Finn? Sobre a bófia 'tar atrás do Silco?!

- Eu... - hesitou Ekko, grunhindo em frustração. - Jinx, tu sabes que nós não podemos só ficar parados quando sabemos-

- Vocês não sabem nada! - repetiu Jinx num guincho. - Deixa-me em paz, Ekko!

- Não podemos deixar-te em paz quando sabemos que 'tás a ver coisas que te vão magoar, que podes fazer coisas para ele que te vão pôr em risco! Por favor, tenta ver o nosso lado também!

- Sou tão estúpida, sou tão estúpida, claro que vocês 'tavam a fazer alguma coisa, são todos amigalhaços daquela puta dos cupcakes, o Vander é amiguinho da chefona, claro que iam fazer alguma coisa, claro que iam fazer alguma coisa, sou tão estúpida!

- Jinx, por favor, volta, vamos falar sobre isto - voltou Ekko a pedir, cortando a distância entre eles com uma corrida e agarrando-a pelo braço. Ela afastou-o para longe mas Ekko voltou a agarrá-la e a puxá-la, obrigando-a a parar e a voltar-se para ele. - Jinx, pára! Por favor!

- Não! Vocês mentiram-me! - repetiu ela, voltando a pixar o braço. Ekko soltou-a, não a querendo magoar.

- Achas que o Silco não te mente? Quando te diz que não gostamos de ti, que somos maus para ti, que a tua família te pôs na rua, achas que ele não te 'tá a mentir?

- Vocês 'tão a mostrar-me que ele tem razão! Ele não 'tá a mentir, vocês é que 'tão!

O barulho que estavam a fazer estava a começar a acordar as pessoas nos prédios mais próximos também. Luzes foram acesas e ordens e pedidos de diferentes tipos de educação começaram a espalhar-se como um ruído de fundo que Jinx teria ignorado se não fosse por um grito particularmente alto de uma janela.

- Vão calar-se ou tenho de chamar a polícia?!

- Vai-te foder! - berrou Jinx em plenos pulmões. O homem ofendido respondeu com mais ameaças que lhe passaram ao lado, voltando-se de novo para Ekko. Jinx abriu a boca pronta para continuar a tentar livrar-se de alguma daquela dor quando reparou que o estúpido do polícia os tinha seguido. - Vai-te embora, tu também!

- Baixa a voz, estamos a meio da noite - exigiu Marcus, falando com o tipo de tom de alguém que esperava que as suas ordens fossem cumpridas de imediato. Aproximou-se deles. - Já chega de fita, vamos voltar e acalmar-nos.

- Achas que vou a algum lado com um bófia? - cuspiu Jinx. - Deixa-me em paz!

- Eu disse para baixares a voz - bufou Marcus. - Se não queres ajudar, então pelo menos não piores as coisas. Volta para casa do teu pai sem birras.

- Ou o quê? Não me podes prender! - gritou Jinx. - Não fiz nada!

- Estás a perturbar a paz - disse Marcus com simplicidade. - Comportamento impróprio. Obstrução à polícia. Resistência à detenção-

- Detenção? - repetiu Ekko.

- Mas vocês só inventam as provas que querem p'a prenderem as pessoas, não é?! - berrou Jinx.

- Meu, não 'tás a ajudar - disse Ekko, aproximando-se de Jinx. - Deixa-nos falar a sós.

Marcus grunhiu de frustração. Estava tudo a correr mal por causa destes idiotas. Qualquer pena que pudesse ter tido por uma miúda como Powder e a sua situação tinha desaparecido; sim, sabia que uma vítima de abuso frequentemente atirava as culpas para si própria ou negava a situação, e este último parecia ser o comportamento típico da rapariga, mas toda esta família o irritava: Silco por ser um criminoso que escapava à justiça sem os incentivos necessários que a Chefe não estava disposta a sancionar por algum motivo; Vander por ser uma péssima desculpa de pai e não tomar partido da filha, só a deixando morar com alguém que, tendo em conta os seus muitos crimes, Marcus não tinha problemas em acreditar que também era um pedófilo; Violet por ser uma rufia impaciente e sem solução com frustrações a rebentar pelas costuras; e por fim Powder, ou Jinx, ou fosse qual fosse o nome que ela queria ser tratada, esta fedelha excêntrica e esquisita com um parafuso a menos (sejamos honestos, ela tinha razões para isso, mas se Marcus quisesse compreender os problemas dos outros, tinha-se tornado psiquiatra. Além disso ela já não era assim tão nova para se comportar como uma criança) que tinha todos os trunfos na mão para resolver o caso mas se recusava a jogá-los.

- Não estou a fazer uma sugestão - disse Marcus, agarrando-a pelo braço.

Ekko e Jinx empurraram-no de imediato para longe, mas Marcus reagiu enxotando Ekko para o lado e chutando as pernas de Jinx sob ela num único movimento treinado. Jinx aterrou pesadamente, o ar cuspido dos pulmões e sentindo-se como uma boneca de trapos quando Marcus a virou de cara para baixo sem esforço e a prendeu com o seu peso. Ela começou a gritar e a contorcer-se loucamente, esquecendo-se quer dos ferimentos da briga do bar quer de uma reacção prática devido à pura fúria.

- Larga-me! Filho da puta!

- Sai de cima dela! - gritou Ekko, investindo contra Marcus e fazendo-lhe uma placagem para o afastar de Jinx. Marcus caiu de lado e Jinx pôs-se pé com um grunhido, voltando-se para Marcus com os dentes bramidos e atirando um pontapé que só lhe falhou o crânio porque Ekko a apanhou e girou no ar. - Whoa, Jinx!

- Larga-me, Ekko!

- Se calhar estamos a ver isto mal - cuspiu Marcus ao levantar-se. - Se calhar não és nenhuma vítima afinal, só mais outra cúmplice.

- Meu, isso não 'tá a ajudar! - Ekko tentou chamar à atenção, mas lidar com uma Jinx aos pontapés e um bófia estúpido a tentar provar alguma coisa não era fácil.

Jinx conseguiu contorcer-se até se libertar e foi directa a Marcus, atirando um novo pontapé que acertou o homem na virilha e quando ele caiu com um grunhido ela quase se preparou para um segundo pontapé à cabeça mas algum instinto ou voz da razão deve tê-la possuído, porque em vez disso aproveitou a chance para sair disparada na direcção oposta mais depressa do que qualquer um deles podia acompanhar.

- Jinx! - chamou Ekko, pronto para pelo menos a tentar apanhar.

- Filha da mãe! - praguejou Marcus, puxando da arma num reflexo. O som fez Ekko parar de imediato.

- Mas o quê que 'tás a fazer, caralho?! - atirou ele, dando uma chapada na mão de Marcus quando ele a ergueu na direcção de Jinx. - Qual é que é o teu problema, meu?!

- Bando de rufias, vocês não fazem ideia do que estão a pôr em risco - cuspiu Marcus, olhando com uma quantidade chocante de desdém para Ekko. - Não pensam nas consequências de nenhumas das vossas acções, só lixam toda a gente à vossa volta sem se preocuparem! Aquela miúda sabe que estamos atrás do Silco, era suposto ela ser uma testemunha chave e agora ela sabe o nome de outra testemunha, o que é que achas que vai acontecer quando ela voltar a correr para ele?

- Ela... ela vai vai contar nada - respondeu Ekko, sentindo a voz tremer, e Marcus escarneceu ruidosamente.

- A sério? Ela pareceu estar muito do lado do paizinho! Achas que ela vai só deixar que ele se lixe? Vai ficar quietinha sabendo que temos um caso a sério contra ele?

- Ela nunca vai denunciar a Vi. Não vai entregar nenhum de nós-

- Não tenho paciência para o teu sentimentalismo estúpido - interrompeu-o Marcus, pegando na arma. O som dos passos de Jinx tinha desaparecido. - Deixaste-la fugir. Também és um cúmplice.

- Queres mesmo arranjar inimigos entre nós? - perguntou Ekko, incrédulo.

- Sabes para onde ela vai. Sabes onde o Silco vive. Vais dizer-me agora mesmo.

- Não te vou dizer népia - respondeu Ekko de imediato. - São pessoas como tu que sempre nos fizeram desconfiar da bófia. Achas que podes mandar em toda a gente e intimidá-los. És só uma versão diferente do Silco!

Ekko sabia que estava a atacar o orgulho do homem, o que era a coisa mais estúpida que podia fazer neste momento quando ele ainda tinha a arma na mão e alguma necessidade compulsiva de exalar autoridade. Isto podia ficar feio num piscar de olhos, mas se Ekko não tinha respondido a Vi antes, com certeza que não ia responder a este idiota.

O que quer que fosse que o homem estivesse a pensar fazer foi interrompido por um vizinho corajoso ou estúpido que saiu de um prédio, olhando para ambos à distância.

- Tudo certo, senhor agente? - perguntou ele, escondendo o lado do corpo de uma forma que disse a Ekko que ele estava a esconder algum tipo de arma em caso de necessidade.

- Tudo certo, cidadão - respondeu Marcus pomposamente, mostrando a arma. - Pode voltar para casa, já acabámos aqui.

O homem assentiu, ainda que de forma cautelosa. Marcus afastou-se para o lado, guardando a pistola no coldre e fulminando Ekko com o olhar.

- Mexe-te. Agora.

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Vi conseguia ouvir Ekko a chamar Powder de Jinx (aquela merda daquele nome) e os gritos dela na rua. Ekko tinha-a apanhado. Não conseguia perceber as palavras, mas conseguia imaginar o que ela estava a dizer.

Lá dentro, estava um silêncio constrangedor que ninguém parecia muito inclinado em quebrar, ou provavelmente não sabia como fazê-lo. Claggor sentou-se ao lado de Vander, olhando para o pai dobrado sobre si próprio, as mãos e a cabeça caídas, os olhos no chão. Vi estava a tentar não olhar para ele; não confiava em si própria para não voltar a explodir, e enquanto Vander estava a tentar evitar mais discussões (porque claro que estava, era a única coisa que fazia, esconder-se e olhar para o outro lado para que as pessoas não se metessem com ele) Vi sentiu que uma nova onda de raiva estava a rugir sob a superfície só à espera de ver a cara dele. Mylo estava de pé junto à parede, os olhos esbugalhados e as sobrancelhas pesadas, parecendo perdido e por uma vez demasiado preocupado para dizer o que quer que fosse. Grayson estava no mesmo sítio, ignorando a dor surda na perna do pontapé de Powder (ela era dura, mas Powder sabia dar um bom pontapé), o rosto pesado.

A única pessoa que parecia focada era Caitlyn, que reuniu um pequeno alguidar com água da cozinha, uma toalha, ligaduras e os discos de algodão de Powder juntamente com uma garrafa de betadine da casa de banho, e se sentou ao lado de Vi para começar a lavar o pior do sangue da sua cara.

- O que é que fazemos agora? - Claggor eventualmente perguntou o que estavam todos a pensar.

- A primeira coisa é trazer a Powder para casa - respondeu Grayson, aproximando-se de Vander. - Se o Marcus não a trouxer de volta...

- Não vai trazer - disse Mylo sinistramente. Grayson olhou para ele. - Não conhece a Jinx. Ela nunca se vai deixar apanhar por um bófia. Já vos detestava quando éramos pequenos, quanto mais agora que tem de estar atenta por causa do Silco. Ia ficar surpreendido se ele não voltar com a cabeça partida.

- Então vamos ter um problema - disse Grayson, cansada. - Temos de vos manter a vocês e ao Finn a em segurança. Temos de tentar chegar ao Silco antes de ele fugir-

- Ele não vai fugir - disse Vander para o chão.

- Óptimo, então fazemos o miúdo dizer-nos a morada dele ou arranjamos um mandato para o cartão de crédito dele, encontramos compras que consigamos rastrear a morada. Congelamos os bens dele pelo caminho - continuou Grayson sem perder um segundo. - Deve dar-nos tempo de o prender.

- Mas disse que ele se ia safar sem problema se não houvessem provas concretas - recordou Claggor. - Não foi essa a razão para não ter feito nada ainda? E no que é que vai basear o mandato?

- Ele ainda não sabia que estávamos de facto atrás dele - respondeu Grayson. - As nossas prioridades alinharam-se sozinhas.

- Mas o Silco ainda não sabe nada, e não sabemos o que a Powder lhe vai contar, se é que vai contar alguma coisa.

- Precisamente. Não sabemos, mas não confio que a miúda vá ficar calada no estado em que está. E, de novo, o Silco não é estúpido. Precisamos preparar-nos para o pior cenário.

- O Finn não consegue arranjar provas se 'tiver escondido - disse Vi, debatendo-se para não levantar a voz.

- Não consegue arranjar provas se estiver morto - corrigiu Grayson taxativamente. - Se a tua irmã não mencionar o vosso envolvimento, como o Vander acha, há uma pequena hipótese de ficarem a salvo, mas não tem qualquer motivo para estender a cortesia à oposição do Silco.

- Ela não vai dizer nada sobre nós - repetiu Vander baixinho, e até isso foi suficiente para Vi sentir como se tivesse sido esmurrada no peito. Tentou focar-se no ardor na bochecha quando a toalha ensopada lhe tocou num corte aberto.

- Porque é que ele não vai fugir? - perguntou Mylo a Vander. - Tens estado a dizer que ele não é estúpido, porque é que havia de esperar que a polícia chegasse?

- Não é uma questão de estupidez, é uma questão de orgulho - respondeu-lhe Vander. - O Silco não chegou onde chegou sem razão. Tem pessoas no bolso, sabe como trabalhar com a lei e ainda mais à volta dela. Não vai esconder-se se acha que vai ser atacado, vai atacar primeiro, e com força.

- Bem, então ele tem alguma coisa melhor que tu - cuspiu Vi instintivamente. Caitlyn parou por um momento, olhando para Vi de maneira suplicante. Já chegava de discussões por uma noite.

Vi não partilhava do sentimento.

- Nada disto teria acontecido se não tivesses desistido - disse, voltando-se para Vander. Atrás das cordas, a frente unida contra Silco tinha sempre sido marcada por aquela chaga de que Vi nunca recuperara. - Tu deste a minha irmã.

- Sabes que não é assim tão simples, Vi - disse Vander em voz baixa.

- Não sei nada! - respondeu Vi, quase fazendo Caitlyn deixar cair a água quando se moveu. - E então se ele te ameaçou? O que é que ele te podia fazer que fosse tão pior do que eu perder a minha irmã?!

- Vi - disse Grayson firmemente. - Já chega.

- E tu vais e defende-lo? - continuou ela apesar disso. - Qual é o teu problema, caralho?

- Porque é que acreditaste numa coisa daquelas tão facilmente? - perguntou Vander, apesar de perceber de imediato que tinha tomado uma má decisão.

- Porque é que eu não havia de acreditar?! - gritou Vi, a centelha de raiva acendendo-se no peito para mais uma ronda. - Ele é um criminoso de merda, controla a minha irmã, porque é que não havia de acreditar se alguém que nos 'tá a ajudar com o caso me diz que ele a 'tá a violar?!

- Conheceste o Silco quando eras pequena, Vi - tentou Vander ainda assim. - Quantas vezes é que ele tomou conta de vocês as duas? Quantas vezes é que os teus pais te deixaram sozinha com ele? Sei que ja se passou algum tempo, mas-

- A sério? Conheceste um gajo há onze anos e achas que sabes tudo sobre ele? Ele também fazia as cenas que faz agora?

- Conheci-o ainda nem tinhas nascido. Ele mudou, sim, mas não dessa maneira.

- Bem, óptimo, porque a última coisa que preciso é que a minha irmã tenha de passar por isso também!

- Então de onde veio esta história? Pedofilia é uma acusação séria.

- Claro, porque rapto e homicídio não são.

- É pior e tu sabes.

- Óptimo! Precisamos de toda a ajuda que precisarmos p'a o prendermos! Se não o posso matar, assim pelo menos ele dura um dia na prisão.

- Não faças isto - disse Vander firmemente, endireitando-se. - Não tentes inventar coisas contra ele, muito menos uma coisa destas.

- Porque não? Aparentemente o Silco é tão melhor do que qualquer um de nós que não conseguimos apanhá-lo com nada, porque é que não me hei de agarrar a qualquer coisa que pareça minimamente promissora? Especialmente algo que me vai ajudar a manter a minha irmã longe dele? - exigiu Vi saber. - Queres fazer tudo certinho mesmo que isso signifique que ficamos presos numa tecnicalidade qualquer!

- Inventar acusações não é uma tecnicalidade - disse Grayson.

- Ele é culpado e temos de o apanhar de alguma maneira. Não me deixaram testemunhar contra ele quando ele raptou a Powder-

- Ele não raptou-

- Que se foda esta merda! - gritou Vi, levantando-se e interrompendo Grayson. Caitlyn conseguiu salvar a água por uma questão de sorte. - Vocês os dois são iguais! Têm os dois medo dele! Lutem, caralho! Façam alguma coisa! Como é que podem só aceitar as coisas sem lutar?! Párem de ser cobardes!

- Vi - foi Claggor que falou agora. - Vá lá. O Vander manteve-nos a salvo. Ele está a lutar, não está? Só porque não vai de punhos em riste não significa que-

- A Powder ainda vive com o Silco, não connosco - cortou-o Vi. - Ainda vive com todo aquele crime e drogas e violência e sabe-se lá mais o quê e isso 'tá a foder-lhe a cabeça. Ele deixa que isso aconteça, porque tem medo. Que merda é que lhe fizeste, afinal? - atirou ela a Vander, que franziu o rosto e baixou o olhar. - Porque isto tem tudo a ver com isso, e tu sabes o que foi - voltou-se de Vander para Grayson. - Não sabes? Por isso é que "temos de o fazer bem". Vocês dizem os dois o mesmo porque há mais qualquer coisa aqui e vocês não nos contam, e a minha irmã é quem tem de sofrer por causa disso! Ele sabe algum podre vosso, não sabe?

Grayson encarou a fúria de Vi com um olhar cansado mas firme. Vander ergueu a cabeça devagar, mas antes de poder dizer ou negar o que quer que fosse, a campainha tocou. Mylo voltou à vida e foi à porta, mas Grayson marchou à frente dele e carregou no botão para abrir a porta do prédio. Aguardou com a porta entreaberta para que Marcus subisse as escadas com Powder e Ekko, mas estava tudo demasiado silencioso lá fora para ser um sinal que ele estava a escoltar Powder de volta. Vi conseguiu ler a aceitação desse facto na linguagem corporal da Chefe, o ligeiro cair dos seus ombros e o longo suspiro que ela deu,

Algum vizinho devia ter-se finalmente fartado do barulho e decidido espreitar para as escadas quando ouviram os passos a subir, porque ouviram a voz de Marcus a assegurar que estava tudo bem e que a situação estava sob controlo, usando o seu uniforme da polícia como marco de autoridade. Uma voz mais suave respondeu algo; Vi perguntou-se se seria a vizinha do andar de baixo que tinha o bebé recém-nascido. Yá, era uma treta, mas não era como se a situação deles fosse melhor.

Os passos ecoaram suavemente e Ekko entrou, seguido de perto por um Marcus com a cabeça inteira mas definitivamente irritado. Tinha manchas de pó no uniforme que não estavam lá antes, como se tivesse caído ao chão.

Powder não estava com eles.

- Desculpe, Grayson - disse ele ao fechar a porta. - Ele deixou a miúda fugir,

- Tu atacaste-a e apontaste-lhe a pistola, caralho! - disse Ekko de imediato, e se Vi precisava de mais razões para querer dar um murro a alguém, Ekko acabara de lhas atirar à cara. Vander também se levantou da cadeira.

- Como é que te atreves, caralho?! - foi direita ao filho da puta mas Caitlyn segurou-a pelo braço.

- Já chega - voltou Grayson a repetiu, desta vez usando todo o poder da sua voz. Não precisava gritar. - Eis o que vamos fazer. Estão sob protecção policial, assim como o Finn. Vão ser transferidos para um local seguro assim que acorde os meus agentes.

- Não estamos seguros aqui? - perguntou Mylo, começando a ficar pálido.

- Miúdo, o Silco sabe onde vocês vivem, trabalham e vão à escola - respondeu Grayson de forma tão simples que até seria engraçado noutro momento qualquer. Voltou-se para Ekko. - E tu sabes onde ele vive.

- Oiça, Grayson...

- O mal está feito, Ekko - interrompeu-o Grayson. - Estou a tentar evitar que nos rebente na cara.

- Estás a interferir com uma investigação policial - rosnou Marcus. - Fala mas é.

- Não posso trair a Jinx assim. Ela não vai dizer nada sobre nós a ele. E não era suposto vocês irem "fazer isto bem"? - recordou Ekko, e foda-se, Vi odiava aquelas palavras.

- Fazê-lo bem é impedir a violência que um criminoso como ele é capaz - respondeu Marcus, irado. - Isto não tem nada a ver com o teu estúpido romance de adolescente, é um assunto da polícia. Sabes uma informação importante, portanto dizes-nos.

- Ouve, eu detesto o Silco e quero-o preso pelas coisas que ele faz, mas não vou trair a Jinx para-

- Não podes ter tudo, Ekko - disse Grayson. - O que quer que façamos contra o Silco vai ser lido como um ataque por ela. É tarde demais.

- Mas o contrário também é verdade - disse Caitlyn. A sala voltou-se para ela e ela colocou firmeza na voz. - Não é esse o verdadeiro problema aqui? Ambos querem o melhor para a Powder, mas é fundamentalmente removerem a outra parte da vida dela, e ela quer manter-vos aos dois.

- O Silco não quer o melhor para a minha irmã - cuspiu Vi de imediato, mas Caitlyn abanou a cabeça.

- Vi, eu compreendo que isto seja importante para ti, mas temos de tentar ser racionais - pediu ela pacientemente. - Por mais equívocas que as suas intenções possam ser, o Silco claramente preocupa-se com a Powder. Podemos não concordar e ver como não a beneficiam, mas ele está a fazer o que ele pensa que é melhor. Também temos a palavra do Vander nesse sentido. E o Silco também acha que vocês são uma má influência na Powder. Mas ela quer proteger-vos a manter-vos na vida dela apesar disso. O que quer que vocês façam uns contra os outros vai ser lido como um ataque por ela, porque é. Ela está num estado constante de stress e alerta a tentar impedir-vos de se removerem uns aos outros da vida dela.

- Então nós é que temos culpa que a minha irmã 'teja deprimida? - exigiu Vi saber, voltando-se para Caitlyn em desafio.

- São os dois. Porque se estão a opôr uns aos outros e a tentar retirar a outra parte. - Claramente tinha de ter havido alguma cedência de ambos, de outra forma como é que podiam ter vivido assim durante sete anos? Como é que tinham vivido assim? Caitlyn não queria julgar, mas parecia ser honestamente um equilíbrio insuportável. Powder não era uma pessoa fácil de lidar, e ela saber que Powder praticamente a odiava de forma cega, mas a pobre rapariga também não tinha tido uma vida fácil. - A Powder também vai ver como um ataque se o Silco fizer alguma coisa contra qualquer um de vocês. Está presa entre vocês, é de quebrar o coração.

- Kiramann, eu percebo o que estás a tentar dizer, mas isso não muda o nosso problema - disse Grayson. - Estamos a tentar prender o Silco. Isso é um ataque, e temos de prevenir o que ele vai contra-atacar.

- Eu sei, senhora. O que quero dizer é, concordo com o Vander e o Ekko. Apesar do quão zangada ela está, a Powder não vai revelar nada acerca deles. Porque se o Silco vier atrás deles, a Powder vai sair magoada. E o Silco quer proteger a Powder.

- O que é que estás a dizer? - perguntou Mylo. - Ele não vai fazer nada por causa dela?

- Talvez ele ame a Powder mais do que vos odeia a vocês.

- De que lado é que tu 'tás?! - explodiu Vi.

- O que tu disseste. Sobre o Silco atacar sempre primeiro. Ele nunca atacou abertamente nenhum de vocês, pois não? - perguntou Caitlyn à sala.

- Yá, excepto quando raptou a minha irmã e nos ameaçou! - gritou VI, aqueles momentos totalmente gravados na sua mente, quando Vander regressou a casa e lhe disse 'A Powder vai viver com o Silco agora', 'Ele vai fazer-me perder-vos a todos, Vi, tem de ser', 'Ele é perigoso', 'É melhor assim'.

- Porque não remover-vos simplesmente da vida dela? - perguntou Caitlyn, não mencionando como Silco encontrara Powder para começar; Vi confiara nela com dor e vergonha, e não queria fazer parecer que estava a acusar a namorada.

- Ele tentou - disse Ekko; lembrava-se de quando Jinx tinha deixado de ir à escola e os colegas de turma lhe perguntavam o que se tinha passado, se ela se tinha mudado para outra cidade, se ia ter saudades deles, se estava bem.

- E no entanto tu sabes onde ele vive - reafirmou Caitlyn. - Vais à casa dele, Ekko. Podias ter colocado uma escuta lá que ia expôr os crimes dele, mas ele deixou-te lá ir à mesma porque a Powder te ama. Ela veio cá para passar o fim de semana, não veio? Ele deixa que vocês se mantenham na vida dela, sob ameaças, sim, mas deixa-vos ficar porque sabe que ela gosta de vocês. Ele quer que ela seja feliz apesar dos seus próprios desejos.

- Lindo, o criminoso tem um coração - troçou Marcus. - É essa a tua defesa, Kiramann? Não vais longe na polícia.

Caitlyn inalou, tentando manter-se firme apesar das palavras. Vi voltou-se de novo para ele, os punhos cerrados com força.

- Eu colocar-te-ia a ti sob protecção policial - disse Vander, um tom na voz que por norma não estava lá. - Magoaste a minha filha. O Silco não tem o meu auto-controlo.

- Ele vai mesmo ser estúpido se atacar um polícia - resfolegou Marcus.

- Só acho... talvez estejamos a dar passos maiores do que devíamos - tentou Caitlyn de novo, temendo que os ânimos se voltassem a exaltar. - Colocamos o Finn sob protecção, sim, mas se a Powder não disser nada, o Silco não terá razão ou vontade de vir atrás de qualquer um deles.

- O Vander não é único que conheceu o Silco, Kiramann - disse Grayson. Soava cansada, mas isso não a fazia parecer fraca. Só exaltava o facto de que se devia prestar atenção redobrada a cada palavra que dizia. - A miúda vai para casa ter com ele. Ele já tinha insónias crónicas quando era novo, e não imagino que tenham melhorado na última década. Quando vir o estado de stress em que ela está, vai saber que alguma coisa se passou, e quer tenha sido ou não culpa do Vander ou da Vi, ele vai assumir que é. Ele é que o vai ler como um ataque. Se ela estiver magoada, ele vai reagir.

- Senhora.

- Estão todos sob protecção policial. Vão ser transferidos para uma casa abrigo. Vamos arranjar um mandato para o cartão de crédito do Silco e encontrar a morada dele. Tal eu como disse de começo.

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Jinx estava sem fôlego quando chegou ao prédio deles, mas tinha parado de correr há que tempos porque as costas lhe tinham começado a doer por causa da queda. Viviam em bairros diferentes, a uma hora de distância a pé e com atalhos, mas parecia uma eternidade de arquejos e de combater ataques de choro. A noite não estava fria, mas ela estava muito pouco vestida para passar tanto tempo na rua, essencialmente a usar só um soutien e meia camisa de rede na parte de cima do corpo. As pessoas com quem se tinha cruzado, um casal a regressar de uma festa e um grupo de amigos num banco público, tinham olhado com preocupação para o estado em que ela estava, mas Jinx não lhes dera hipótese de descobrir se queriam ajudá-la ou aproveitar-se dela. Estivera tão perturbada que a reacção primitiva que tivera ao carro que abrandou sinistramente ao lado dela fora atirar um pontapé à porta com violência, fazendo os dois tipos lá dentro sair aos gritos a ameaçá-la. Não demorara muito para que um deles se engasgasse.

- Merda, é a miúda do Olho - dissera o condutor, pálido sob a luz do candeeiro de rua.

- O quê, caralho? - perguntara o outro tipo, virando-se para ele em irritação.

- Rapunzel de cabelo azul, é ela - respondera o primeiro, voltando para o seu lado do carro. - Vamos, meu.

- Mas a cabra-!

- 'Bora, meu! Desculpa, ok? Não íamos fazer nada, nós só-

- Vão à merda! - gritara-lhes Jinx, e os dois tipos tinham saído a correr dali.

Cerrou os dentes com força enquanto tentava impedir que a merda das lágrimas caíssem, debatendo-se para achar as chaves do prédio, mas quando as puxou apercebeu-se que estavam mal. Eram as de Vander, o porta-chaves com um ursinho metálico e cruzes azuis e rosas nos olhos era de Vander e não de Silco. Esmurrou os bolsos nas calças apesar de saber que não as tinha, não tinha as chaves, tinha-as deixado na mala e tinha-a deixado no quarto delas porque era suposto ficar lá a passar a noite, só tinha levado o telemóvel, algum dinheiro e as chaves de Vander para a discoteca, tinha feito merda, tinha feito merda outra vez, como é que era possível, caralho?! Tinha deixado as chaves na casa deles!

Só precisava de um empurrãozinho para a que a barragem rebentasse e parecia que tinha levado com um saco de boxe em cheio na cara. Jinx deixou-se cair no degrau da porta, enterrou a cara nos braços e só chorou. O que é que ia fazer agora? Acordar Silco? Se ele ainda estivesse acordado, o que é que era suposto dizer-lhe?! Queria ter ido para o quarto sem barulho, enterrar-se na cama e esquecer-se do mundo durante umas horas, e agora?! Estava sozinha no meio da rua, às tantas da madrugada, sem telefone, depois de ter levado pancada de dois rufias na mesma noite, como é que podia esperar dizer o que quer que fosse a Silco sem o fazer passar-se?

O que é que ia dizer a Silco? O que é que lhe podia dizer? Como é que podia dizer-lhe tudo o que tinha descoberto sobre Finn hoje sem mencionar Vi e Vander e toda a gente?

Jinx arrancou o gorro da cabeça e deu um puxão no cabelo, enterrando as palmas das mãos na cara com força, querendo que doesse para que alguma coisa saísse, ia explodir, e doeu, acertou no sítio onde Sevika lhe tinha batido e gemeu como um animal ferido. Então começou a tossir alto, porque claro que sim, tinha de acontecer tudo. Um cão começou a ladrar ali perto, o som tornado ainda mais estridente quando uma janela se abriu.

- Menina? Está bem? - perguntou uma voz acima de Jinx e ela saltou, olhando para a janela ao lado da porta do prédio. A velhota do rés-do-chão estava a olhar com preocupação para ela, pressionando o robe contra o peito. - Meu Deus, és a filha do Sr Silco! Deixa-me abrir-te a porta, querida.

Jinx ficou de boca aberta, vendo a mulher regressar a casa e pressionar o interruptor. A porta do prédio abriu-se com um estalido alto e Jinx demorou um momento a perceber que podia empurrá-la, que este primeiro obstáculo para ir para casa estava ultrapassado.

A velhota abriu a porta de casa e insistiu para que ela entrasse, o cãozinho que parecia uma bola de algodão ambulante a ladrar-lhe aos pés. - Céus, estás bem? Deixa-me ir buscar-te um copo de água.

- Eu só... só quero ir para casa - respondeu Jinx, fungando e tremendo.

- Claro, deixa-me subir contigo, querida, está tudo bem.

- Sabe onde eu moro? - perguntou Jinx, confusa.

- És a filha do Sr Silco, do terceiro esquerdo, não é?

- Conhece-lo?

- É um jovem muito educado, abre-me sempre a porta - explicou a velhota, segurando as chaves com força ao fechar a porta do apartamento com o cãozinho em segurança no interior e moveu Jinx gentilmente na direcção das escadas como se tivesse medo de a quebrar sem querer. - Já comentou que és uma jovem maravilhosa e claro já te vi, com esse cabelo lindo que tu tens. Vamos levar-te para casa, querida.

- Não tenho as minhas chaves - disse Jinx, e aquele falhanço mais recente fez a voz dela quebrar e lágrimas voltarem a cair. Os seus soluços ecoaram nas escadas apesar de os ter tentado abafar sob a mão. A vizinha silenciou-a, massajando-lhe as costas suavemente.

- Está tudo bem, querida, eu estou aqui contigo, vamos falar com o teu pai - assegurou-lhe a velhota.

Tropeçou nos degraus e quase caiu, mas conseguiram chegar a casa deles e Jinx viu a vizinha bater devagar na porta.

- Sr Silco? É a Grace, do rés-do-chão esquerdo - disse ela provavelmente demasiado baixo para se conseguir ouvir do quarto, mas a porta abriu-se de rompante, revelando Silco de pijama mas totalmente desperto, os olhos arregalando-se ao olhar para Jinx.

- Meu Deus, Jinx? - ele largou alguma coisa dentro do apartamento (na parte de trás da mente, Jinx soube que era a faca que ele estivera a segurar) e puxou-a para ele de imediato, segurando-a num abraço ansioso. - O que aconteceu?!

Foda-se, pensou Jinx, Silco estava acordado. Claro que Silco estava acordado, porque claro que tinha de estar.

- Ela estava lá fora, abri-lhe a porta - explicou a velhota com suavidade enquanto Silco segurava o rosto ensanguentado e com a maquilhagem destruída nas suas mãos e Jinx deu o seu melhor para não olhar para ele, ainda não, ia começar a gritar se o fizesse, não podia pensar, não podia pensar-

- Obrigado, Dona Grace, eu tomo conta de tudo.

- Precisa de alguma coisa, Sr Silco? - perguntou a velhota, a expressão a mostrar toda a sua preocupação agora que estava a falar com outro adulto.

- Obrigado, eu trato de tudo - repetiu ele, puxando Jinx para dentro com ele. - Tenha uma boa noite, desculpe o incómodo.

A velhota ainda disse alguma coisa mas Silco já tinha fechado a porta, puxando Jinx para outro abraço que transparecia ainda mais pânico que o primeiro.

- Jinx, estás bem? O que é que aconteceu, por favor, diz-me.

O seu instinto foi de o empurrar e fugir e esconder-se no quarto, ignorar os pedidos dele e só lhe fechar a porta na cara, mas Silco não lhe deu hipótese de fazer nada disso, sentando-a no sofá e ajoelhando-se à sua frente.

- Quem é que te fez isto? O que é que aconteceu?

Ela só queria ajudar. Estava a tentar ajudar de novo mas tinha lixado tudo, tinha feito merda de novo...

A única forma que ajudas é saindo da vida de toda a gente, sua azarenta, sua azarenta de merda, porque tu dás azar-

Jinx abriu a boca e gritou, gritou quando Silco lhe agarrou nos pulsos para a impedir de arranhar a cara e puxar o cabelo, gritou contra o peito dele onde ele enterrou o rosto dela, gritou até parecer que a garganta estava a sangrar e por fim gritou quando achou que estava a sufocar e o único som que saiu foi um guincho rouco. Silco estava a dizer-lhe alguma coisa que ela não conseguia ouvir mas ele continuou à mesma, tentando levantá-la do chão onde ela se enrolou sobre si própria. Não o conseguiu fazer, mas continuou a tentar à mesma.

a culpa é minha, a culpa é minha, eles sabem sobre ele, eles vêm prendê-lo, eu ajudei-os, a culpa é minha, a culpa é minha-

- A culpa não é tua, vem cá.

a culpa é minha, aculpaéminhaaculpaéminha-

- Jinx, vem cá, estás a salvo, respira... - Silco ainda estava a tentar acalmá-la mas ela não estava a salvo, eles não estavam a salvo por causa dela, ela era um risco, Sevika não mentira, ela era um problema, ela era o problema, toda a gente se queria livrar do problema, toda a gente tinha de se livrar do problema, era o melhor ou então isto acontecia, a bófia vinha prendê-lo por causa dela, ela era um risco, tinha deixado as chaves, eles sabem, eles sabem eles SABEM! - Tu não tens culpa se a polícia vier atrás de mim, Jinx.

- Tenho sim! - soluçou ela quando quando finalmente se apercebeu que a voz na sua cabeça era na verdade a sua a falar em voz alta. - Não percebes, não consigo fazer nada bem! Sou um risco, dou azar!

- Por favor, respira e diz-me o que aconteceu.

- Não podemos ficar aqui - apercebeu-se ela, levantando-se tão depressa que fez Silco cair para trás no chão, empurrando a mesinha do café com o peso. - Não podemos ficar aqui, eles vêm buscar-te, não podemos, a culpa é minha, deixei as chaves, eles acham que me 'tás a violar, o Finn, mas eu- desculpa-

- O quê? - disse ele, levantando-se.

- Desculpa, desculpa, 'tava a tentar ajudar, só 'tava a tentar ajudar!

- Jinx, o que é que aconteceu?

- Por favor, não podemos ficar aqui, a bófia vem buscar-te!

- Não vou a lado nenhum, Jinx - disse Silco com firmeza, segurando-a gentilmente pelos ombros para a fazer olhar para ele, para respirar. - Por favor, conta-me o que aconteceu, desde o começo. Estás ferida. Quem é que te fez isto?

- Precisamos de sair daqui, Silco, por favor - repetiu Jinx, e a maneira como Silco abanou a cabeça fê-la querer começar a chorar de novo. - Por favor, vá lá!

- Tu precisas de descansar. Precisas de te sentir segura agora. Não te vou levar para um lugar estranho para-

- Não consigo sentir-me segura aqui! Por favor, vamos para algum lado, qualquer lado, por favor!

- Precisas de te lavar, mudar de roupa. Estás em casa, eu mantenho-te em segurança.

- Não! Eu fiz merda, Silco! - Porque é que ele não a ouvia?! - A polícia vem atrás de ti, têm um caso contra ti, o Finn, ele 'tá metido com a polícia! Ele não vai virar os barões, ele fez um acordo com a polícia! Eles sabem da organização, sobre ti, e agora acham que me 'tás a violar também! O Finn disse-lhes isso!

- Ai disse.

- Houve uma luta no bar, a Sev- quero dizer... - Podia mencionar a Sevika sem mencionar Vi? Como era suposto explicar o que tinha originado a briga? Seria muito mais fácil se mentisse, mas não podia mentir a Silco, pois não? Não conseguia pensar tanto agora, só queria que fossem para algum lado! - A bófia apareceu, e aquele cabrão daquele porco atirou-me p'ó chão-

- Foi o Finn que te fez isto? - perguntou Silco, olhando para o estado de descompostura em que as roupas dela estavam, não só porque Sevika lhe tinha rasgado a blusa mas porque tinha pó nas calças e arranhões no corpo. A voz dele já não estava tão calma como antes mas Jinx não conseguiu reparar bem.

- Não, foi um bófia, tentou prender-me, atirou-me ao chão e inventou uma data de merdas que eu não fiz, empurrou o Ek- o estúpido do- estúpido do bófia com o estúpido do bigodinho-

- Como se chama esse bófia?

- Eu, eu não sei o nome dele, é um bófia com cara de parvo, trabalha p'á chefona...

- Grayson.

- Eles... o Finn 'tá a trabalhar para eles. Desculpa, Silco, eles 'tavam a usar-me, a merda daquela cena do Shimmer p'ós miúdos não foi ideia dele, foi da bófia, p'a me usar p'a chegar a ti, e eu fiz pior, 'tava a tentar ajudar e quando o Finn disse aquela merda sobre ti eu só... ele disse à bófia... eles sabem sobre ti, sabem muito, e eu esqueci-me... quer dizer, deixei cair as minhas chaves, na confusão, eu- se eles descobrirem onde nós moramos, eles-

- Se a polícia descobrir onde nós moramos, não vão precisar das tuas chaves para entrar - tranquilizou-a Silco. Jinx precisava de toda e qualquer prova de que não era culpada, não importava o quão simples pudesse parecer. - E não é culpa tua se eles inventam crimes contra mim. Eles acreditam no que lhes convém.

- Podemos ir agora, por favor? - implorou Jinx, mas Silco abanou a cabeça de novo. - Não podes ficar aqui, Silco!

- Vais acalmar-te se formos para um hotel, então?

- Não - respondeu Jinx a fungar. - Não, as pessoas vão ver-nos, toda a gente me reconhece em todo o lado, vão dizer à polícia, se-

- Vais ficar segura, eu prometo.

- Não... Não tens nenhum lado seguro, outro lado qualquer, algum lado em que a polícia não te consiga encontrar?

Silco expirou e cedeu. - Ok, vamos para outro lado. Mas vais respirar, lavar a cara, e vais descansar, estás a ouvir-me? - Esperou mesmo que ela acenasse que sim antes de largar os ombros dela, instruindo-a para ir arrumar coisas para um dia ou dois fora.

Enquanto Jinx foi ao quarto dela com urgência em cada passo, Silco foi ao seu, mudando para as roupas que já tinha preparadas para o dia seguinte e pegando no telemóvel e no carregador. Os seus movimentos eram contidos, deliberados, mantendo a aparência de calma que precisava que Jinx visse e sentisse.

Queria pegar na primeira coisa e atirá-la contra a parede.

Não esperava muito diferente de Grayson e da polícia. Eles haveriam de tentar algo mais cedo ou mais tarde, e no fundo ele sabia que iam tentar usar a filha para o alcançar. E também não estava surpreendido por Finn. Fazia sentido. Até fazia sentido que acreditasse e espalhasse um rumor sobre ele só para denegrir a sua imagem.

Não.

Finn não era nada. A polícia não era nada.

Eram eles que eram o problema.

Jinx não estava naquele estado de desespero por causa de Finn ou da polícia. Já a vira assim antes, neste pânico e sofrimento. Na noite em que a acolhera. Quando a o irmã dela lhe bateu.

Eles estavam envolvidos nisto. Jinx tinha ido à discoteca com eles. Algo acontecera lá, enquanto Jinx estava com eles. Com aquele rapaz Ekko, com os dois rapazes que Vander tinha adoptado, com a irmã dela. Fosse qual fosse o caso que Grayson estava a montar contra ele não começara esta noite com alguma acusação acrescentada por Finn, estavam a fazê-lo há algum tempo, Grayson e Vander e aquela miúda Vi. Ela, ao contrário de Vander e Grayson, não tinha qualquer problema em tentar tirar Jinx dele. De usar Jinx para o atingir, independentemente do que isso lhe fizesse a ela, do quão traída e culpada a fosse fazer sentir quando descobrisse.

Ninguém iria deixar Jinx neste estado a não ser Vi.

Ela voltou a magoar Jinx.

E Vander já devia saber que isso não podia acontecer.

Silco teve de lutar contra a vertigem que fez o mundo todo guinar para a frente quando se voltou demasiado rápido, agarrando-se à parede para se manter de pé. Estava acordado há horas, o latejar doloroso em torno do olho espalhando-se por toda a cabeça e fazendo cada segundo parecer que estava prestes a vomitar. Quase se tinha aventurado a injectar-se sozinho, mas tinha tomado Shimmer no dia anterior, não podia tomar outra dose tão cedo - ou não devia, pelo menos. Já tinha demasiados problemas em mãos para ter de acrescentar o facto de que o corpo estava a criar uma resistência cada vez mais rápida à droga. Estivera a segurar a cabeça entre as mãos para a impedir de explodir, prestes a desistir e tentar preparar a seringa sob a dor nauseante, quando o ruído nas escadas o tinha alertado e pegara na faca. E então a vizinha do rés-do-chão tinha-lhe batido à porta, e ele tivera de acalmar uma Jinx a chorar e magoada.

Silco estava em demasiada dor física e mental para ser compreensível que a sua resposta instintiva fosse matar.

Bateu no telemóvel a caminho da sala, atirando as seringas e doses de Shimmer para um saco e pegando a faca do chão enquanto esperava que Sevika atendesse. Já passavam das cinco da manhã, mas ela atendeu bastante rápido.

- Eu posso explicar - foi como ela começou.

- O quê? - perguntou ele, endireitando-se.

Ouviu-se um som arrastado do lado dela. - Quero dizer... - Sevika aclarou a garganta ligeiramente. Não parecia ter estado a dormir. - As coisas descontrolaram-se, eu-

- Não tenho tempo para isto agora - cortou-o ele, aproximando-se da janela e para longe do quarto de Jinx. - Ouve-me com atenção. Encontra o Finn. Mantem-no em segurança para mim.

- Sim senhor.

- Descobre quem foi o polícia que foi chamado para uma luta num bar hoje à noite, junto com a Grayson. Quero dar-lhe um presente. - Fechou os estores com um puxão. - E faz o mesmo com os miúdos do Vander. O Deckard que a entregue.

- Ok.

- Quero uma festa no bar do Vander. Uma coisa à grande.

- O Lock vai tratar da reserva.

- E quero que tenhas uma conversa com a nossa amiga Vi.

Sevika deu um momento de pausa antes de dizer: - Quão séria?

- Para que ela entenda.

Sevika também entendeu. Após um som de concordância, Silco desligou a chamada.

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continua

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Nota de autor: Descobri uma artista chamada Banshee (bansheebbyy no instagram) que me deu o tipo de onda que o projecto musical da Jinx tem neste fic. É definitivamente muito mais tecno e fairy-like no som e temática (o som às vezes lembrou-me a banda sonora do Alice Madness Returns versão metal, tipo "Never Forgive") do que o som que imagino que a Jinx tem aqui (que seria muito à base de guitarras e bateria e muito depressiva/auto-destrutiva em termos de letras), mas no geral todo o projecto a solo da Banshee e o tipo de gritos na música dela, como "Fairy Metal" e nas letras como "LSD", é bastante interessante. E o instagram dela tem definitivamente a onda que imagino que a Jinx teria nas redes sociais neste fic. Consigo definitivamente imaginar a Jinx aqui a fazer mais tarde um album com a mesma onda do trabalho da Banshee.

Sim, eu sei que a parte da banda/música da história foi posta de lado para dar espaço à parte do crime, mas vamos ter uma pausa em breve.

Obrigada por lerem. O facto de tanta gente clicar neste fic ainda me surpreende. Espero que também checkem as recomendações de músicas que dou! Mesmo que não gostem das músicas, pelo menos saibam que elas existem.