"Tudo aconteceu desde o meu nascimento, o meu pai disse sempre que eu seria especial, embora nunca percebesse bem porquê. Tive uma infância normal, como qualquer miúda. Não sei bem quando, mas foi por volta dos meus 13 anos, nessa altura que conheci a Rosário, quando ficámos na mesma turma na escola.". Falou Maria, enquanto fechava os olhos, ou olhava para o vazio das chamas da lareira que o coração lhe aquecia, mas não as suas esperanças, os seus sonhos, as suas memórias. "Mas eu conheci-te na pior altura, e um ano depois aconteceu aquilo, lembraste? Nessa altura pensava apenas em vir a ser uma escritora ou pintora, não numa seguidora de Deus, e agora que sei que involuntariamente, segui os desígnios errados do nosso senhor, tu, Rosette Christopher, não sei, é tudo muito repentino", disse Rosário, tentando avivar a memória de Maria, sem sucesso. "Sim, não te queria lembrar disto, mas terá que ser, aquando do velório da tua mãe, que morrera de cancro, quando já todos haviam saído da igreja, tu pediste para ficar mais um pouco a sós. Como te estavas a demorar muito, eu entrei, e vi-te a mirar a imagem de Jesus na cruz, olhavas atentamente, como se nada mais existisse, como se a velha e sombria morada de Deus, as velas, os vitrais que deixavam passar a pouca luz das estrelas, nada existisse, e de repente, pareceu, não, minto, aconteceu mesmo, tu ascendeste do solo, cerca de três metros, ficando cara a cara com a imagem, e de repente, vi seis raios cor de sangue vivo atingirem-te, sendo que foste projectada para o chão com uma violência inimaginável, mas quando fui correr para ao pé de ti, apenas tinhas alguns ferimentos, marcas nos pulsos, pés, testa, e algo que parecia uma facada no teu peito, nada mais, peguei na minha saia e rasguei-a e usei-a como ligaduras, uma vez que sangravas dessas marcas. Eu, o teu irmão e o teu pai levámos-te para casa, no dia seguinte já não te lembravas de nada do dia anterior. Nesse dia havia descoberto o meu destino, e entrei para uma ordem de irmãs de Cristo, com autorização devida para continuar na escola e a fazer a minha vida normalmente, e sobretudo, para te vigiar, embora as minhas irmãs nada soubessem. Tudo isto há cerca de 3 anos e meio.". Do meio do silêncio que se instalara naquela sala, a voz de Maria apareceu como um alívio, "Tenho sede, mas ainda agora bebi água.". Então, da porta escura que dava acesso á cozinha, apareceu uma figura que trazia um copo com um líquido vermelho, entregando-o a Maria "Piega, bêbê-lo, te fará bienne." Maria olhou para cima e viu Nunzio, mordomo de Joseph. "Brigado", foi tudo o que disse, com um tímido sorriso, ao qual Nunzio correspondeu, e, ao beber aquele vermelho líquido, pareceu que todas as suas forças haviam tornado. Era sangue de Nunzio, pois o seu cotovelo estava cortado, e pingava. "Me retirarei", e dizendo isto, o seu corpo desvaneceu-se no ar, por entre a escuridão cuja luz escura apenas era resolvida pelas labaredas providas pelas madeiras ardentes da lareira. Uma coisa é certa, não era humano. Rosário havia ficado aparvalhada ao olhar para o vazio onde antes estava Nunzio, ao qual Joseph respondeu ao seu espanto silencioso "Ele era humano, até ser mordido por Elizabeth Bathory, vulgarmente chamada por Bloody Lady, ou insultuosamente, de Maggie, mas não me explicaram como chegaram até aqui, vocês duas." "Eu conto", disse Rosário, "Há dois dias, estávamos a celebrar uma missa em honra da mãe da Maria, proposta pelo padre da nossa paróquia, esse animal, estávamos apenas eu, Maria, o irmão dela, Diogo e o seu pai, Pedro, para além do pároco, era uma cerimónia reservada. No entanto, a cerimónia era apenas um engodo para apanhar Maria, para os propósitos da Opus Dei, penso.". Dizendo isto, começaram a voltar as lembranças, memórias. E enquanto descrevia as suas memórias, lágrimas escorriam. Memórias são almas frágeis, elas vivem entre os sons, entre as imagens, e para as compreendermos, temos primeiro de cair de amores por alguém. Continuando. "Após o fim da cerimónia, o padre pediu desculpa, mas que era a sua missão observar-nos até que chegasse o momento certo, que era este disse ele. De repente, pela porta da igreja apareceram vários, cerca de oito homens armados com armas automáticas, entrando depois um homem de cabelos brancos platinados, ao qual chamavam Lord Aion
, e por um outro, vestido de padre, alto, loiro, de óculos e luvas brancas, ao qual chamavam Anderson. Aion disse apenas "Acabem com eles, mas deixem-na viva, e obrigado Marco, fizeste um bom trabalho", dizendo isto, um dos homens deu um na cabeça do padre, caindo este para trás, com os olhos revirados, esvaindo-se em sangue. Foi nessa altura que os estigmas de Maria começaram a brilhar, embora ainda timidamente. E quando tudo parecia perdido, quando os oito apontaram as armas e começaram a puxar os gatilhos, um dos homens literalmente rebentou ao mesmo tempo que um dos vitrais, distraindo os demais. Nesta altura, a minha miga pareceu que havia entrado em estado de choque, olhei pelo vitral destruído, o qual no mesmo raio de visão se via uma senhora jovem, vestida de azul, loira, olhos vermelhos, deitada, armada com uma sniper penso, mas era uma arma enorme, duvido que um humano normal a pudesse manejar. Sorria, quando voltei a cara de novo para a frente, vi oito corpos no chão e um homem alto, de luvas brancas, cada uma empunhando uma pistola, uma branca, outra negra. Trazia grandes botas, um sobretudo e chapéu vermelho, para além de uns óculos demoníacos, apenas disse, "Fujam para as catacumbas, pela porta perto da água benta." Aquele a quem chamavam Aion desaparecera, mas Anderson continuava lá, mas desta feita frente a frente com o homem de vermelho. Não pensámos duas vezes, fugimos para as catacumbas. No vazio da minha cabeça ouvi uma voz, disse-me apenas para que protegesse-a, e para não desistir, e embora lhe tenha perguntado o nome a essa voz, ele disse que estava ocupado com um certo gajo loiro, armado com espadas. Continuámos a correr aquele corredor descendente, que deu nos esgotos, aí, à nossa espera estava Aion, encostado à parede "Até que enfim!", ele retirou uma espada das costas, e empunhou-a dizendo que se queríamos que a Maria continua-se a viver, deveríamos aceitar uma morte rápida. "Fujam", disse o Pedro, pai da minha amiga, "Eu trato dele, não esperem por mim", "Como queiras, despacho-me já de ti, em segundos vou atrás deles.". Joseph então perguntou, então, pelo pai de Maria. Maria respondeu, chorando, que nunca mais o vira, nem ao irmão, e que a partir dali a única coisa de que se lembrava era de já estar em alto mar, perto de Roma.
