Mais tarde naquela noite, na fortaleza de Mesogog, Elsa ficou andando de um lado para o outro em seus próprios aposentos, tensa com o fato de terem perdido permanentemente Trent, o ranger branco, para as fileiras de Tommy Oliver, que já estava sempre atrapalhando os planos de seu Mestre Mesogog sem aquele reforço. Trent, embora tendo sempre agido de forma imprevisível, era um aliado poderoso e agora estava permanentemente contra eles.
Elsa não fazia idéia do que causara aquilo, mas sabia que não era nada bom. Algo dizia à ela que Zeltrax tinha um dedinho naquela história, mas como não poderia provar nada, achou mais prudente ficar quieta.
Outra coisa que muito incomodava Elsa no momento era a criação bem-sucedida de um clone do ranger branco por Zeltrax e sob o inteiro comando dele. Ela admitia que aquela havia sido uma idéia genial, mas trazia poder demais para Zeltrax e isso também não era nada bom para ela mesma. Antes que o clone pudesse começar a agir e Zeltrax se tornasse mais importante para Mesogog, Elsa achou melhor se adiantar a ele, e começou a pensar em um novo mutante para inventar na câmara do criador genético.
Naquela manhã, Kira foi para a escola como se caminhasse em nuvens. A primeira classe que teria naquele dia era Estudos Sociais e nem Ethan ou Conner assistiam essa aula junto com ela, o que significava que seriam apenas ela e cinqüenta minutos cheios de oportunidades para olhar para Trent, sem ter que se importar com que os outros rangers poderiam pensar.
Com isso em mente, ela foi até a sua mesa e sentou-se. A sala estava meio vazia, pois ainda faltavam alguns minutos para a professora entrar. Sem muito que fazer, Kira começou a recordar o sonho que tivera naquela noite. Nele, Hayley não aparecera para atrapalhar e ela e Trent haviam dividido seu primeiro beijo Se fechasse os olhos, poderia reviver novamente a cena e foi exatamente o que Kira fez.
Perdida em seu sonho acordada, Kira nem percebeu quando a Senhora Carson entrou e colocou suas coisas em cima de sua própria mesa, em frente ao quadro negro. Ela começou a explicar o que fariam naquela manhã, mas nem isso trouxe a garota de volta.
— Senhorita Ford! — disse a mulher, parando bem ao lado de Kira.
— Hum, sim...? — Kira respondeu abrindo os olhos, meio atordoada.
— Para que os olhos fechados? — a mulher perguntou, gesticulando com pouco caso em direção ao rosto de Kira.
— Concentração, professora — Kira respondeu prontamente, sorrindo para ela com uma expressão inocente.
Alguns estudantes soltaram risinhos abafados, mas a professora não se deixou abalar.
— Muito engraçadinha. Agora, acorde e preste atenção.
Nesse ponto, Trent entrou na sala e sentou-se em sua cadeira, tentando passar-se despercebido.
— Senhor Fernandez, fico feliz que tenha resolvido se juntar a nós, aqui na escola, neste lindo dia — disse sarcasticamente a professora. — Duas horas de detenção após a aula — completou ela, voltando para a frente da sala e continuando do ponto onde parara.
Trent gemeu e afundou-se em sua cadeira. Kira olhou para ele e, atraindo discretamente sua atenção, formou sem som as palavras "sinto muito" com uma expressão de solidariedade. Como resposta, ele deu de ombros e sorriu para ela. Kira sorriu radiante de volta.
No entanto, a professora ainda não tinha terminado com Trent. Vinte e cinco minutos de muita explicação chata depois, o garoto, assim como o resto da turma, estava quase pegando no sono. Para não cair desmaiado em cima da mesa, tirou seu bloco de desenho e começou a esboçar a ranger amarela como uma personagem de quadrinhos. Depois de desenhar todos os detalhes da figura graciosa dela dentro do uniforme, ele subiu para adicionar os detalhes do elmo, mas achou uma pena cobrir um rosto tão lindo como o dela com aquela peça de plástico brilhante. Assim, usou a borracha para apagar o capacete que havia feito e colocou um rosto feminino no lugar.
Trent sabia que poderia desenhar o lindo rosto de Kira até de olhos fechados, então não teve nenhuma dificuldade em preencher os pormenores do esboço que acabara de desenhar: primeiro a rica moldura de cabelos anelados castanhos claros, depois a franja que cobria a testa até as sobrancelhas, os olhos castanhos inteligentes e brilhantes, o nariz perfeito, a boca adorável e o queixo decidido da roqueira foram surgindo sob seu traço sem que ele nem tivesse que pensar muito ou mesmo olhar para conferir sua modelo, sentada na carteira ao lado. Tão entretido estava com seu desenho, que não percebeu que a Senhora Carson continuava seu longo monólogo, desta vez andando entre as fileiras. Percebendo que Trent não estava prestando a mínima atenção, ela parou exatamente ao lado dele. Ele interrompeu seu desenho e olhou diretamente para ela, tentando cobrir a folha de papel com os braços.
— Senhor Fernandez, é muito bom que você tenha todo esse pendor pelas artes — disse ela com indisfarçável desprezo, afastando as mãos dele e pegando o desenho para olhá-lo de perto. — Você até deve pensar "Por que eu deveria prestar atenção no que me ensinam aqui, já que meu pai tem tanto dinheiro que ele poderia comprar essa escola com todos os alunos dentro, só pelo prazer disso?" — ela continuou num tom de falsa condescendência — Mas a verdade é que o Sistema Educacional diz que, até às nove horas dessa manhã, você me pertence e deve fazer exatamente o que eu falar. E o que eu digo é para você sentar-se direito, pegar o seu caderno e anotar tudo o que eu estou explicando e não ficar desenhando a Senhorita Ford como uma power ranger, estamos entendidos? — ela terminou, praticamente cuspindo as últimas palavras.
A classe toda veio abaixo rindo, enquanto Kira escorregou pela cadeira e abaixou a cabeça para seu livro, para que não notassem o rubor que tingiu seu rosto.
O comentário sobre o dinheiro de seu pai adotivo deixou Trent realmente irritado. Ela poderia ter aumentado o tempo de detenção, poderia tê-lo mandado para fora. Pelo que ele ligava, ela até poderia ter usado uma régua para espancá-lo, mas tratá-lo como um riquinho mimado que nada fazia para merecer o que possuía era algo que ele não ia tolerar.
— Essa foi uma idéia excelente, Senhora Carson. Vou pedir ao meu pai para aproveitar e comprar logo uma professora de Estudos Sociais melhor para essa classe — ele respondeu num tom mais frio que gelo.
Como num jogo de tênis, os alunos se voltaram de olhos arregalados para olhar a professora, esperando sua reação.
— Parabéns, Senhor Fernandez, o senhor acabou de ganhar detenção para o resto da semana — a mulher tentou manter a conversa sob seu controle.
— Eu não sabia que a senhora gostava tanto assim de mim... — ele riu, trançando as mãos na nuca numa atitude provocadora e Kira sentiu um arrepio descendo por sua espinha, pois aquela risada lhe parecera muito com a do ranger branco, quando ele ainda estava sob a influência da maldade da dino gema branca.
A professora considerou melhor suas opções.
— Está certo, esqueça a detenção. Junte suas coisas e vá para a sala da Diretora Randall. Agora! — a professora completou praticamente rugindo, rabiscou rapidamente num papel e estendeu para ele: — Entregue isso a ela.
Percebendo que passara dos limites daquela vez, Trent não retrucou. Pegou o papel das mãos da mulher, juntou suas coisas e saiu da sala.
— Pronto. Alguém mais quer seguir o exemplo do Senhor Fernandez e fazer algum comentário? — ela perguntou, desafiando a classe a questionar sua autoridade. — Não? Ótimo, vamos continuar...
Ao final da aula, Kira começou a juntar suas coisas rapidamente, já que tinha uma reunião com a orientadora do colégio e depois sua apresentação na aula do Doutor Mercer.
Surpreendentemente, a professora Carson se aproximou dela e, sem dizer nada, largou o desenho de Trent em sua mesa. Kira preparou-se para pegar o pedaço de papel, mas Cassidy Cornell foi mais rápida.
— Você como a ranger amarela? Só pode ser piada, eu teria mais chance de ser a ranger amarela do que você! — ela disse com desprezo, examinando o retrato.
— É, para você ver, não é mesmo? — Kira comentou, sorrindo sem-jeito, tentando tirar o papel da mão de Cassidy.
— Verdade, Cass? Eu sempre achei que você estava mais para ranger rosa — disse Devin Dell Valle, aproximando-se também.
— É mesmo? Mas eu... — Cassidy entregou o desenho para Kira e virou-se surpresa e satisfeita ao mesmo tempo para Devin. Ela adorava a cor rosa.
— Olha, eu acho que você seria uma excelente ranger amarela. Ou mesmo rosa. Aliás, pelo que eu sei, você poderia ser até a ranger vermelha. Mas, agora, eu tenho mesmo que ir, tá? — Kira disse rapidamente, pegou suas coisas e saiu correndo pela porta.
— Kira Ford como ranger amarela, essa foi ótima! — Cassidy riu. — A propósito, o que diz na minha agenda sobre o que vamos fazer essa noite?
— Tentar conquistar o mundo? — Devin brincou.
— Como é que é? — Cassidy olhou para Devin como se ele fosse de Marte.
— Ahn, nada, não, esquece — ele respondeu, olhando para Cassidy como se ela não tivesse tido infância. — Que tal andarmos pela cidade como em todas as noites, tentando descobrir a identidade dos Power Rangers?
— Parece bom pra mim. Vamos fazer isso! — ela disse, batendo uma mão na outra em sinal de aprovação.
Andrea Sommers era a nova orientadora do colégio. Sua função era ajudar os alunos, especialmente os do último ano, em suas escolhas para a universidade, que se aproximava para a maioria dele. A Senhorita Sommers era uma ex-modelo com uma carreira muito bem-sucedida nos principais centros da moda, como Nova Iorque, Paris e Milão, mas havia nascido e sido criada ali mesmo na Costa dos Arrecifes, e depositava firme confiança no poder da inspiração. Ela tentava ser amiga de todos os alunos, tratava todos pelo primeiro nome e acreditava que conseguia entender a cabeça dos jovens de hoje em dia, considerando-se que tinha apenas vinte e cinco anos e havia acabado de se formar em psicologia pela Universidade de Angra das Tartarugas.
Quando Kira chegou ao gabinete da orientadora, ela já estava parada na porta, esperando por ela.
— Kira, querida, que bom que você veio — a psicóloga disse efusivamente, como se aquela fosse apenas uma visitinha social e não uma reunião obrigatória para Kira.
— Ahn... bom dia, senhorita Sommers, desculpe o atraso...
— Andrea, querida — a mulher a corrigiu. — Pode me tratar pelo meu primeiro nome.
— OK... Andrea – Kira repetiu no mesmo tom.
— Muito bem! Vamos entrando, eu tenho algumas boas notícias e outras não tão boas para te dar — ela disse, guiando a adolescente para dentro e fechando a porta atrás das duas. Sommers sentou-se à sua mesa e Kira à frente dela, em uma das duas poltronas para visitantes.
— Bem, vamos ver... — disse ela, alcançando um fichário e folheando algumas páginas. — Hum, aqui está você, meu bem: Kira Ford, dezessete anos, musicista, vai muito bem nas aulas, estagia na rede de TV local, ajuda no orfanato da Costa dos Arrecifes, lê para os cegos... — ela brindou Kira com um sorriso de aprovação — Não, espere — corrigiu-se imediatamente, fechando o cenho e olhando diretamente para a aluna, ao virar outra página. — Você parou de fazer isso há cinco meses. Por quê?
— Sim, eu sei, mas acredite em mim, eu tive um excelente motivo para parar de fazer essas duas coisas — Kira disse, estremecendo involuntariamente com o pensamento das aberrações que Mesogog poderia soltar contra as criancinhas ou os cegos, sabendo que a ranger amarela se encontrava com eles.
— Eu acredito, a vida de uma jovem como você pode ser bem corrida, mas o problema é que as universidades preferem alunos que se envolvam mais na vida de suas cidades, Kira, e com um currículo de último ano sem nenhuma atividade assim, eu não sei, não.
Kira pensou consigo mesma o que Andrea Sommers acharia de seu envolvimento com a vida da cidade, se soubesse que ela é uma power ranger, mas apenas olhou para a outra com uma expressão infeliz no olhar.
— Está bem, não precisa ficar assim tristinha, nós podemos pensar em alguma coisa, porque as suas notas são muito boas para desperdiçar em uma universidade comunitária. E se você voltasse a fazer trabalho comunitário? Quem sabe ajudar no depósito de animais, que tal?
— N-não, não, sem chance, não vai dar mesmo! — Kira responde, pensando no que Mesogog poderia fazer aos pobres filhotinhos.
— Bem, eu tenho que admitir que você é bem difícil, menina. Deixe-me ver. Já sei, você vai adorar isso! Que tal se você fizer um desfile de moda para seus colegas de escola, com renda revertida para os órfãos da Costa dos Arrecifes?
— Não. Ew. Não.
— Como é que você não gostou? É simplesmente perfeito. — O sorriso de Andrea Sommers iluminou a sala.
— Se por perfeito, você quer dizer perfeitamente estúpido, então sim — Kira respondeu rapidamente, sem pensar.
— Como é que é? — A outra arregalou os olhos e parou imediatamente de sorrir.
Kira percebeu o fora e tentou consertar:
— Quero dizer, claramente foi ótimo para você, olhe só para você, mas a minha cena é a roqueira. Se eu fizer uma coisa dessas, vai destruir a minha reputação.
— Bem, você precisa fazer algumas concessões, se estiver mesmo com a cabeça feita para ir para a universidade — a outra contrapôs com um pouco de má vontade.
O sinal para a próxima aula após o intervalo tocou e Kira tinha que fazer uma apresentação para o doutor Mercer, então foi se levantando.
— Posso pensar sobre isso? — ela disse, indo para a porta e a abrindo.
— Espero que não demore muito para pensar. Um evento como esse exige planejamento, estudo. Mas olhe pelo lado bom, você vai poder usar roupas maravilhosas, colocar seus amigos para desfilar, conhecer gente importante...
— Conhecer gente importante? —Kira repetiu sem entender.
— Sim, para isso dar certo, você vai precisar arrumar patrocinadores para o desfile. Alguém para pagar pelas roupas em troca da publicidade, entendeu? Então, o que acha?
— Acho que tudo bem... — Kira finalmente cedeu.
— Não se preocupe, vou ajudar você com isso. Você vai amar!
— Eu imagino que sim — a jovem roqueira concordou, pensando exatamente o oposto.
Randall, que estava passando pelo corredor naquele momento, ouviu o final da conversa das duas e teve uma idéia brilhante para a criação de um novo monstro que conseguiria finalmente derrotar os power rangers.
Voltando para a secretaria, Elsa deixou informado lá que gostaria de receber a Srta. Sommers, sozinha, em sua sala, após o almoço.
Não há necessidade de dizer que ninguém mais viu a jovem psicóloga depois disso.
CONTINUA
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