Harry estava parado do outro lado da esquina, olhando a casa. Conferiu o número mais uma vez, depois dobrou o papel e o guardou no bolso interno da jaqueta de couro de dragão. Respirou fundo e atravessou a rua, sem tirar os olhos da fachada da casa. As janelas estavam fechadas, mas numa delas, provavelmente a da sala, a cortina se afastara o suficiente para que a luz amarela que iluminava o cômodo pudesse ser vista de fora.
Harry começou a subir os degraus de pedra lentamente. Na metade deles, parou. De novo a dúvida. O que afinal estava fazendo ali? O que pretendia? Lá dentro, Draco Malfoy o esperava. Estariam sozinhos. Para quê, exatamente? O coração do moreno batia rápido, enquanto por sua mente os flashes do último encontro com o loiro passavam incessantemente.
Certo, não havia como negar, vivia um momento de loucura. Estava totalmente atraído por um garoto, ninguém menos que o príncipe sonserino Draco Malfoy. E estava noivo, ia se casar com Gina dentro de três meses. Lembrou-se de como estivera aflito durante o encontro dessa noite com ela, de como parecera distraído, alheio, olhando o relógio a cada dois minutos.
Tinha sido o encontro mais penoso de sua vida, e quando finalmente acabou, ele quase suspirou de alívio. Viu decepção estampada nos olhos dela mais uma vez, quando a beijou levemente, um beijo tão formal que poderia ter acontecido entre Molly e Arthur. Deixara depressa a casa da noiva, ansioso para chegar logo ao local do encontro com Draco, mas nesse momento, culpa e dúvida o assaltavam de maneira atroz.
Estava parado no meio da escada, sem conseguir executar nenhum movimento. Pensou em voltar, descer os degraus e fugir dali, mas parecia pregado no chão. Se subisse, se entrasse, estaria indo espontaneamente ao encontro de algo que poderia arrasar sua vida. Mas se voltasse agora, antes que o pior acontecesse, quem sabe poderia se livrar dessa loucura e seguir sua vida normalmente? Sim, era isso. Encheu os pulmões de ar e preparou-se para descer as escadas.
Mas nesse exato instante a porta da frente se abriu e a figura de Draco, iluminada pela luz que vinha da sala, surgiu inteira diante dele.
Harry prendeu o fôlego. Olhou para o loiro. Seus cabelos platinados estavam penteados em franja sobre sua testa alva. A camisa branca, impecável. A calça preta , justa, marcava as coxas grossas do loiro. Ele sorria, olhando Harry.
—Achei que você estava precisando de algum estímulo para acabar de entrar...
Harry pensou em responder, mas não conseguiu articular nenhum som. Ficou olhando Draco descer os degraus lentamente, olhando para ele com ar sorridente. O coração do moreno recomeçou a galopar em fúria.
O loiro parou ao seu lado, agora sério.
—Se veio até aqui, acho que deve entrar. Prometo que não vai acontecer nada que você não queira.
Apesar de tenso, Harry não pode conter um sorriso irônico. Esse era o problema, a sua própria vontade. Olhou o loiro.
—Isso é loucura, Draco. Só vai nos trazer problemas, nada mais. Você tem a sua vida planejada, eu tenho a minha. Isso é...— Não conseguiu concluir.
O loiro balançou a cabeça e o olhou.
—Nós vamos subir e terminar essa conversa lá dentro. Se depois, você ainda quiser ir embora, prometo que não vou impedir. Está bem assim?
Harry o olhou e assentiu. Devia haver algo errado na lógica perfeita do sonserino, mas ainda assim o seguiu escada acima.
Entraram , e pela segunda vez no mesmo dia Harry o viu trancando a porta. Olhou em volta, para o mobiliário pesado da sala, mas antes que pudesse ver qualquer outra coisa, sentiu o loiro às suas costas, e um segundo depois estava de novo em seus braços. Sentiu seu rosto sendo virado para o lado, até que a boca do sonserino conseguisse alcançar a sua. Harry se virou de frente para ele e entregou-se ao beijo. A quem queria enganar? Sabia o que aconteceria, na verdade queria desesperadamente que acontecesse.
Depois do longo beijo, Draco tomou a iniciativa de se afastar. Harry o olhou, zonzo.
—Você queria conversar, então conversaremos. Mas antes que recomece com aquelas coisas que falou lá fora, eu quero que você saiba que eu também não planejei nada. Só sei que você tem sido a parte mais deliciosa da minha vida, e eu não pretendo abrir mão disso tão facilmente.
Harry não pôde conter um sorriso , que o loiro retribuiu.
—Ok...—O moreno passou a língua pelos lábios.—Acho que você pode ter razão, mas eu vou me casar dentro de três m...
—Eu não quero ouvir nada sobre isso. —Draco cortou, num tom firme.—Não quero que fale sobre ela quando nós estivermos juntos. Nosso mundo é só nosso, nele não cabe nada além do que estamos sentindo um pelo outro.
—Desejo..—Harry deu um passo à frente.—É isso o que estamos sentindo.
—Desejo também...—Draco sorriu, fazendo o coração de Harry disparar outra vez.—Não temos que nomear, só temos que viver. E agora, Harry, cale essa boca por que eu vou beijar você até não suportar mais...
Harry riu e envolveu o loiro em seus braços. Era delicioso sentir seu perfume, o calor de sua pele por baixo do tecido fino da camisa.
Beijou o pescoço e a nuca de Draco , sentindo a pele arrepiada contra seus lábios,
Enquanto o loiro o acariciava todo, despudorado, fazendo-o gemer.
Roçavam seus corpos um contra o outro, o desejo crescente, incontrolável. Quando Draco o puxou pela mão em direção ao quarto, nem passou pela cabeça de Harry protestar.
Harry acabou passando a noite na casa de Draco. Durante todo o dia seguinte, no trabalho, teve que se policiar para não sorrir sozinho como um lunático toda vez que as lembranças o assaltavam.
Tinha sido a mais louca e maravilhosa noite de sua vida, Harry jamais imaginou que fosse possível sentir algo assim por alguém, muito menos desejar tanto reencontrar esse alguém ...
Afastou o pensamento, mas apenas por alguns segundos. Em instantes, estava sorrindo sozinho outra vez, entregue às lembranças.
Quase no fim do expediente uma coruja grande e malhada entrou pela janela e foi direto para a sua mesa, um pequeno pedaço de pergaminho preso à pata.
Com o coração batendo forte, Harry se aproximou do animal, soltou o papel e leu:
Pensei em preparar um jantar para nós. Se puder vir, mande sua resposta no verso . D.
Sorrindo, Harry apanhou uma pena e rabiscou na parte de trás da mensagem:
Ótimo, estou faminto.
Depois, prendeu a mensagem e soltou a coruja de volta para o remetente.
Não pararam mais de se encontrar. Viam-se todas as noites, mesmo naquelas em que Harry tinha que ir primeiro à Toca. Aos poucos ele ia levando peças de roupa para a casa de Draco, já não dormia em Grimmauld Place há mais de um mês. Em paralelo, os preparativos para o casamento seguiam, e Harry evitava pensar no assunto, embora notasse que Draco costumava ficar mais sério nas noites em que ele vinha da casa de Gina.
Aliás, tornara-se um sacrifício noivar. Harry não conseguia deixar de se sentir um canalha, mas já tinha concluído que não poderia parar de ver o loiro. Não por enquanto. Quando estiver mais próximo do casamento, ele pensava, adiando o problema.
Sentia-se mal perante os Weasley, sentia-se um grande traidor quando Rony o abraçava e o chamava de irmão, sentia-se um canalha com Gina, e queria morrer toda vez que demorava para conseguir fazer Draco sorrir, nas noites em que vinha da Toca. Apesar disso, o loiro jamais pronunciava uma única palavra de cobrança, sequer perguntava a Harry o que pretendia fazer.
E quando Harry se deu conta, faltavam 40 dias para o casamento. Levou um choque ao ouvir que o vestido de Gina finalmente ficara pronto, e que os convites já tinham chegado.
—Então, Harry, teremos apenas que endereça-los e contratar o correio nupcial para a entrega. Tem que ser entregues com 30 dias de antecedência, exatamente.
Molly Weasley continuou a falar, mas Harry, em pânico, não ouviu mais nada.
Suava frio, parecendo entender pela primeira vez o que ia acontecer. Felizmente, Gina também andava cansada e tensa com os preparativos, e não se importou quando Harry anunciou que precisava ir embora mais cedo.
Nessa noite, bem mais tarde, estavam deitados, Draco, de costas, um dos braços sob a nuca, a mão livre acariciando as costas de Harry, deitado ao seu lado. O moreno estava quieto, nenhum dos dois dizia uma palavra. Harry ergueu o corpo de repente e se apoiou num dos cotovelos, olhando para Draco. O loiro cravou os olhos cinzentos nele, só os fechando quando Harry o beijou, longamente, com uma doçura e um carinho imensos. Separaram-se, o moreno ainda olhando o loiro, que de repente desviou o rosto.
—Então, é hoje a noite em que você anuncia que vai embora...—Draco falava sem olhar para Harry, mantendo o rosto inexpressivo como se escolhesse o sabor de seu sorvete.
Harry respirou fortemente, mas , como sempre acontecia nesses momentos, as palavras não saíam. Draco tornou a olhar para ele.
—Sabe, eu não devia facilitar as coisas para você, mas tudo bem. Eu sabia que esse momento ia chegar.—Fez uma pausa— Então é isso, foi bom, seja feliz, certo?
—Draco...—Foi só o que saiu da boca de Harry. Draco suspirou e levantou-se da cama. Estava nu, e Harry o olhava com a boca seca, incapaz de dizer qualquer coisa que pudesse amenizar a situação. O loiro apanhou uma toalha e enrolou-a na cintura, sob o olhar esmeralda que cintilava sobre ele.
—Amanhã eu mando levar as suas coisas pra Grimmauld Place. Agora, é melhor você se vestir e cair fora .
Apesar do tom contido, do rosto inexpressivo, Harry percebeu um brilho anormal nos olhos cinzentos. Sentiu a garganta contraída e um ardor nos olhos quando Draco entrou no banheiro, fechando a porta atrás de si.
Então vestiu-se e deixou a casa.
Começou para Harry um período estranho, onde não havia cor nem calor em lugar algum. Sentia-se desanimado, andava irritadiço no trabalho, e sufocava quando tinha que se envolver com assuntos relacionados ao casamento. Mas apesar de tudo, mantinha-se firme em sua decisão. Sabia que não poderia levar os dois relacionamentos, e nem poderia escolher Draco. Afinal, ele era Harry Potter, filho de Lilly e James, que morreram para que ele pudesse viver. Sempre tinha tido a amizade e o carinho dos Weasley, Rony era seu irmão, e Gina...droga...
Por que não continuara a gostar dela? Era tudo tão perfeito antes...
Não importava mais, ia se casar com ela, gostando ou não. Era o que tinha que fazer, precisava que fosse assim. Você foi escolhido para se acasalar com ela desde que se viram pela primeira vez, no Expresso.
Draco...
Harry suspirou. Por que o loiro não o impedira? Ele sempre conseguia o que queria, bastaria ter dito não, não vou deixar você sair da minha vida...Mas não. Deixara as coisas acontecerem, deixara Harry decidir , sem sequer protestar. Vai ver que sentia apenas desejo por ele, e depois de saciado, pra que mais? Deprimido, Harry afundou a cabeça no travesseiro, vendo que mais uma vez o dia clareava antes que ele tivesse conseguido pregar o olho.
Estavam fazendo o último ajuste no paletó do terno de casamento. Gina não conseguia esconder sua irritação, e Rony, entediado, bocejava. Harry, imóvel, esperava pacientemente que o alfaiate marcasse com alfinetes os ajustes no seu paletó.
—É melhor se casar depressa, queridinha, se eu tiver que encolher esse terno mais uma vez , ele vai perder todo o caimento...—A voz do homem soou afetada, com um leve tom de desprezo. Ele era o costureiro dos poderosos do mundo bruxo, por isso permitia-se o tratamento desdenhoso.
Gina suspirou e olhou para o noivo. Harry a encarou. Afinal, que culpa tinha se não conseguia sentir vontade de comer? Tudo bem, era o segundo ajuste, mas definitivamente não era sua culpa.
—Parece que você faz de propósito...
Harry bufou. —Eu? Emagrecer de propósito? E pra que eu faria isso, posso saber?
—Pra complicar as coisas. Você está sempre complicando tudo...
Impaciente, Harry olhou da noiva para o costureiro, que, distraído com a discussão entre os dois, tinha acabado de espetar seu braço com um alfinete.
—Será que não dá pra tentar fingir que está feliz?—A voz de Gina se alteava, e Harry olhou para ela, espantado. Rony levantou-se da poltrona que ocupava e veio se aproximando da irmã.
—Como assim, tentar fingir que eu estou feliz?—Harry deu um puxão no braço, onde tinha levado outra alfinetada. Rony passou o braço pelo ombro da irmã.
—Você está nervosa e cansada, venha , vamos deixar Harry aqui e dar uma volta...
—Espere, Rony, quero que ela explique o que me disse.
—Ela está nervosa, isso de casamento dá muito trabalho. Eu vou com ela na frente, a gente espera por você em casa, tá bem?
A ruiva o olhava com uma expressão belicosa no rosto, mantinha o queixo erguido, provocadora. Livrou-se do braço do irmão.—Não preciso explicar nada. Finja, apenas, foi o que eu disse, finja, Harry Potter, ao invés de esfregar sua tristeza na minha cara, emagrecendo como se estivesse doente!
—Chega, Gina! Cale a boca, antes que você diga alguma besteira!—Rony puxou a irmã pelo braço, mas Harry, livrando-se do alfaiate com um safanão, colocou-se diante deles.
—O que você quer dizer com isso, Gina? O que quis insinuar?
—Reaja, idiota! Não fique como uma múmia , se arrastando ao meu lado. Ele não emagreceu, nem definhou, só você, com seu sentimentalismo barato é que imaginou que haveria um final romântico para essa estória...
Harry perdeu de vez a compostura, e segurou a ruiva pelos pulsos.
—Do que você está falando, afinal?—Berrou, o que fez Rony interferir, fazendo-o soltar os pulsos da irmã. Descontrolada, Gina berrava.
—Eu falo sobre Malfoy. É, sobre ele, sobre o seu amadinho...ele está ótimo, ontem mesmo saiu para uma noitada com a filha de Avery, Rony e Mione os viram, devorando-se escandalosamente... Enquanto você não come, não dorme, emagrece a cada dia, feito um idiota! Entendeu? Ele não ama você...
Harry parou. Foi como se o mundo tivesse despencado sobre ele. Então, Gina sabia sobre Draco, e Rony também. Sabiam do caso, do rompimento, sabiam de tudo. Harry já não ouvia as palavras da garota, que continuava falando alto, nem via o costureiro, olhando para eles, boquiaberto.
Como tinha sido tolo...Tinha pretendido se sacrificar por eles, que na verdade, estavam pouco se lixando para os seus sentimentos...
Harry começou a retirar o paletó, sob protesto do alfaiate, que gemia, dizendo que não conseguiria apronta-lo a tempo. Ao que Harry disse, calmamente.
—Não vai mais haver casamento.
Foi como se um balde de água fria caísse sobre as cabeças dos presentes. No silêncio que se seguiu, era possível ouvir a queda de um alfinete ao chão.
—Harry, você está descontrolado, não sabe o que diz. O casamento é daqui a duas semanas, já está tudo pronto, os convites foram entregues...—Rony olhava o amigo, os olhos arregalados de espanto. Harry, terminando de se livrar do paletó, repetiu.
—Não vai mais haver casamento.
Gina se aproximou dele, os lábios apertados, pálida e descabelada.
—Por que, você resolveu correr atrás do seu amante? —Sua voz tinha um tom sibilante, os olhos castanhos lançavam chispas na direção de Harry.
—Sinto muito, Gina. Sinto mesmo...—Harry estava sendo sincero. Por mais que houvesse ficado irritado com a revelação de que ela sabia de tudo, ainda assim compreendia seus sentimentos. Perdera a cabeça ao vê-lo sofrer por outra pessoa, e Harry podia imaginar o quanto tudo isso estava sendo doloroso para ela.
—Seu idiota! Estúpido, gay! Você é nojento, desprezível! —Descontrolada, ela partiu em direção ao moreno, esbofeteando-o sucessivamente. Mantendo os braços pendentes ao lado do corpo, ele não fez nada para impedi-la, apesar de sentir a pele das bochechas prestes a se romper por causa dos tapas sucessivos. Rony assistia a tudo sem interferir.
Ao final, Gina parou de puro cansaço. Ofegava, as lágrimas correndo por seu rosto.
—Eu sinto, realmente, Gina...—Harry voltou-se e seguiu em direção à porta. Antes que deixasse o atelier, ouviu a voz de Rony.
—Está cometendo um erro, Harry. Malfoy ainda é o seu inimigo, e quer apenas afastar você do seu caminho, dos seus amigos. Pense no que eu estou dizendo...
Sem olhar para trás, Harry saiu, sentindo o rosto queimar dolorosamente, mas sentindo-se também absolutamente leve, como há muito não se sentia.
Fabi: Ai, que bom que você gostou do beijo...quanto à Gina, nem esquenta, você leu aí o que aconteceu com ela, né? Obrigada pelo apoio, pelas reviews. Beijinhos...
Laura: Tudo ótimo, Laura. Sou eu quem agradece por você estar acompanhando a fic. Valeu, e nem se preocupe, te aviso com prazer cada vez que postar um capítulo novo. Beijinhos...
Raymond Black: Nossa, é claro que eu simpatizava com eles, a fic tava esquentando ainda...hahahahah Que bom que você tem tido paciência, e obrigada por achar a fic boa. Na verdade, não vai ser tão longa, pretendo escrever apenas dois capítulos antes do final. Continue lendo, e me dizendo o que achou, tá bom? Beijos...
Lais: Obrigada, Laís. Também acho os dois deliciosos... Espero que continue lendo e gostando, mas se não for o caso, pode dizer, tá bom? Obrigada, beijinhos...
