Capítulo dois: O vampiro
A segunda-feira
amanheceu mais ou menos como o domingo. Isto é, hoje quase
metade dos moradores e hóspedes haviam abandonado A Toca logo
pela manhã para ir trabalhar. Gina olhava para Rony de um
jeito maroto e muito suspeito e Hermione tinha os olhos um pouco
vermelhos. Mas, fora isso, estava tudo normal: Rony e Hermione
ignorando a existência um do outro e a Sra. Weasley continuava
mimando Gabrielle como podia.
A manhã transcorria normalmente. Agora eram onze e meia.
Hermione estava sentada à mesa da cozinha ajudando Gabrielle a
terminar seu dever de férias enquanto Rony e Harry preparavam
o almoço e Gina ajudava a mãe a fazer
sanduíches.
- Não precisa pôr atum nesse, Gina – dizia a
Sra. Weasley. – Jorge não gosta.
- Ah, então esse é o seu segredo para diferenciar
os gêmeos? – perguntou Harry, sorrindo. – Jorge não
gosta de atum?
A
Sra. Weasley deu risada.
- Não, querido, mas vale como dica para quando eles
tentarem te tapear – ela colocou então numa sacola os
sanduíches que embrulhara em papel alumínio. Eles
seriam seu almoço, de Gabrielle e dos gêmeos no Beco
Diagonal, onde ela e a garota comprariam comida e alguns outros itens
necessários para a festa de Harry.
Enquanto Gina lavava as mãos na torneira da pia, Rony
perguntou:
-
Você já vai, mãe?
A Sra. Weasley fez que sim com a cabeça, ao que Gabrielle
descansou a pena e se levantou.
- Precisamos ir rápido para chegar ao banco antes do
horário de almoço. Com Gui viajando será mais
complicado convencer os duendes a me dar acesso ao cofre de Harry.
Estarei em casa a tempo de preparar o jantar, eu espero. Se não
estiver – ela olhou para Gina -, você pede para os gêmeos
a ajudarem na cozinha, querida?
- Sim, mamãe, peço.
Colocando a bolsa debaixo do braço e apanhando o vaso de Pó
de Flú sobre o console, a Sra. Weasley disse:
- Harry, querido, não precisa mesmo se preocupar em
ficar aí trabalhando.
- Não tem problema, Sra. Weasley. Com dois ajudando, o
trabalho termina mais rápido.
Ela sorriu para Harry, foi até ele e lhe deu um beijo na
bochecha.
Rony
olhou para a cena com as orelhas muito vermelhas de ciúmes.
Ele pareceu fazer um tremendo esforço para pensar num outro
assunto quando sua mãe e Gabrielle desapareceram na lareira.
Foi quando o garoto agarrou o braço de Gina, lançou um
olhar rápido a Hermione – que guardava os livros espalhados
sobre a mesa – e murmurou para a irmã:
- Posso falar um minuto com você ?
Antes que Gina pudesse falar qualquer coisa, Hermione se levantou e,
carregada de livros, abandonou a cozinha.
- Eu acho que ela te ouviu – disse Gina.
- O que eu devo fazer? – perguntou Rony com ar de desespero,
fazendo com que Harry parasse de tentar descascar batatas com a
varinha e passasse a prestar atenção na
conversa.
-
Bem – começou Gina -, você deveria falar mais baixo da
próxima vez.
Rony não achou graça.
- Gina, eu falo sério. Foi você quem me enfiou
nisso, agora me ajude – ele levantou a mão para impedir o
protesto que a garota quase fez. – Vamos lá, diga, o que eu
faço com Hermione? Preciso convidá-la para sair, ou
algo assim, mas não sei como.
- É bom se decidir logo sobre isso – disse Harry. –
A rosa já começou a murchar.
- Obrigado pelo apoio – disse Rony, ranzinza.
Gina colocou uma mão no queixo e pensou um pouco.
- Não tem muito o que aconselhar, Rony. Você mesmo
já tem o plano, que é convidá-la para sair, não
é?
-
Sim, sim, mas o problema não é esse – ele respondeu
impaciente. – O problema é que ela não vai
sair comigo assim, tão fácil. Hermione... é
cabeça-dura!
Harry e Gina trocaram um olhar cúmplice. Era no mínimo
engraçado que Rony chamasse Hermione assim. Mas eles
preferiram não discutir, entraram no jogo dele.
- Talvez então seja melhor você atingi-la com algo
inusitado – disse Harry.
Gina concordou com a cabeça.
- Sim. Tente agir como um cavalheiro.
- Quando falar com ela, deixe de ser chato e sorria.
- Mas não deixe muito óbvio o que está
fazendo.
-
Impressione-a.
-
Mas seja delicado.
- Quem sabe pode fazer uns elogios.
- Com sinceridade, lógico.
Rony estava impressionado, além da carga exagerada de
conselhos distintos, com a continuidade de pensamento dos dois, e
olhava de um para o outro, um tanto confuso. Por um momento, achou
que Gina e Harry pareciam muito com Fred e Jorge.
- E, acima de tudo – disse Harry, concluindo em uníssono
com Gina: - tente controlar seus nervos!
Os dois se olharam e ficaram vermelhos, tendo só agora
percebido o quão próximos estavam se tornando. Aquilo
dava náuseas em Rony.
Ele ia abrir a boca para falar algo, mas desistiu quando ouviu os
passos de Hermione se reaproximando da cozinha. Olhou de relance para
Harry e este lhe encorajou, com o olhar, a seguir as instruções
dele e de Gina.
E
foi o que Rony fez. Estufou o peito, abriu um sorriso e voltou-se
para Hermione. Teve ímpetos de esticar o braço pela
janela e pegar uma flor, mas ele estava um tanto quanto ressentido
quanto a flores. Então, apenas dirigiu-se à garota, que
acabara de entrar no cômodo, com Bichento no colo. Ela parecia
estar indo para o jardim, mas Rony a impediu segurando-a pelo braço,
talvez aplicando mais força do que pretendia, e dizendo, de
forma mecânica:
- Você vai almoçar comido no Três
Vassouras.
Hermione piscou os olhos, perplexa. Gina girava os olhos e Harry
parecia se segurar para não rir, ambos fingindo se concentrar
na salada que cortavam.
- Perdão? – disse Hermione fingindo não ter
entendido, quando na verdade só queria ter certeza do que
ouvira.
Rony
pigarreou e pediu simplesmente:
- Por favor.
Dois segundos de silêncio precederam a resposta da
garota.
-
Obrigada, Rony, mas... – disse ela, com cautela. – Eu não
quero incomodar...
- Não será incômodo – disse Rony, sem
delicadeza. – Harry e eu não conseguiremos acabar o almoço
para quatro mesmo.
- Mesmo assim, eu... – Harry agora decididamente ria. Era
muito incomum ver Hermione sem palavras. – Não creio que
esteja com fome.
O queixo de Rony caiu e ele olhou irritado para Hermione. Esta,
percebendo que o rosto do menino começava a ficar vermelho,
retirou-se depressa com Bichento, murmurando um breve pedido de
desculpas. Era notável que Hermione não queria sequer
discutir com Rony.
Ele, pelo contrário, sentia uma repentina vontade de brigar
por tudo e com todos.
- Controle-se, Rony! – alertou Gina, percebendo a alteração
do irmão.
Rony, mais uma vez, chegou a abrir a boca para responder e não
o fez. Em vez disso, virou as costas para a irmã e saiu em
direção à sala, resmungando algo relativo à
não ajuda que Hermione estava dando.
Gina esperou que o barulho dos passos dele cessassem e voltou-se para
Harry, suspirando.
- Vai ser mais difícil do que imaginávamos.
Ele
concordou.
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- Deixe-me ver se entendi – pediu Jorge. – Ela deu um fora
nele... e Rony nem sequer insistiu?
Gina balançou a cabeça.
- Hermione não deu chance para isso. Enquanto Rony não
aprender a ser delicado com ela, eles nunca se entenderão.
Fred bufou e apoiou a cabeça no queixo. Os gêmeos
estavam mais uma vez em seu quarto com Gina e Harry, numa reunião
convocada às pressas no momento em que eles chegaram em casa.
Mariana, agora sentada junto a Fred, fora dispensada do trabalho mais
cedo e já estava em casa há algum tempo.
- E onde estão os dois agora? – quis saber a
garota.
-
Rony foi tomar banho após pedir a todos insistentemente que
não entrássemos em seu quarto – informou Harry. –
Obviamente era por causa da rosa. Já Hermione está
enfiada no quarto de Gina desde um pouco depois da conversa com
ele.
Gina meneou
a cabeça, confirmando as palavras de Harry e
completando:
-
Tentei conversar com ela, mas não parece estar muito no clima.
Não quis sequer almoçar.
- O que precisamos agora – colocou Harry – é de
alguém que fique de vigia e avise quando Hermione sair de lá.
E, assim que isso acontecer, Gina tentará conversar mais uma
vez.
- Ou
seja – disse Fred -, por hoje temos que deixar Hermione menos
triste, para facilitar a vida do nosso trasgozinho raivoso .
- Exatamente – disse Gina.
O garoto sorriu, enquanto passava o braço por cima do ombro da
namorada.
-
Deixem comigo, eu faço o
serviço.
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- Fred, não.
- Ah, vamos...
- Seus pais vão chegar daqui a pouco.
- Meus pais não mordem, Mari.
- Não põe a mão aí que alguém
vai nos ver!
-
Então me diga que vamos. O quarto de Percy está
vazio...
-
... e sua mãe me mata se ficarmos lá!
- Minha mãe não precisa saber.
Já se passara meia hora desde que Fred se colocara em posto de
vigia e vinte minutos desde que Mariana resolvera fazer companhia a
ele. Os dois estavam agora abraçados junto à parede
discutindo, entre beijos e amassos, como poderiam (ou não)
ficar juntos naquela noite.
Foi quando a porta do quarto de Gina, do outro lado do corredor, se
abriu e Hermione saiu de lá, passando quase despercebida ao
lado do casal.
-
Ai meu Deus, ela apareceu! – exclamou Fred, largando Mariana
imediatamente e saindo junto dela para seguir Hermione.
A garota desceu até a cozinha e só ao chegar lá
percebeu que estava sendo seguida.
- Olá Fred, olá Mariana! – exclamou, surpresa,
ao vê-los.
- Olá, Hermione, como foi seu dia? – perguntou Fred.
Mariana deu um pisão em seu pé por ter
perguntado.
Hermione botou uma mecha de cabelo atrás da orelha enquanto
dava alguns passos dissimulados pela cozinha.
- Podia ter sido melhor – respondeu, parecendo ter pressa em
mudar de assunto. – Eu agora estou procurando por algo para comer,
estou com fome – comentou, como quem não queria
nada.
Fred
prontificou-se e puxou a varinha depressa. Após uma rápida
seqüência de feitiços não-verbais, Hermione
tinha um prato com três sanduíches nas mãos e um
sorriso agradecido no rosto.
Ela se sentou e começou a comer os sanduíches. Fred e
Mariana ocuparam também suas cadeiras, uma a cada lado da
garota.
-
Agora, conte-nos – pediu Mariana. – Por que é que você
diz que o seu dia "podia ter sido melhor"?
Hermione engoliu com gosto um enorme pedaço de pão
enquanto balançava a cabeça.
- Nada importante.
- É o Rony, não é? – perguntou
Fred.
A garota
sacudiu a cabeça depressa, assustada.
- Não se preocupe, Mione – disse Fred, enquanto
roubava uma mordida de seu lanche. – Eu também acho que meu
irmão é um babaca.
- Mas eu não penso isso dele! – Hermione apressou-se
em desmentir.
Fred e Mariana trocaram um olhar significativo.
- Você não precisa querer nos agradar – afirmou
Mariana. – Nós realmente entendemos que deve estar sendo
terrível para você aturar ele.
Hermione parou de comer por um momento e ergueu uma única
sobrancelha, olhando desconfiada para os dois.
- Aonde vocês querem chegar?
Ela não seria facilmente embromada, como Fred já
previra. Mas nada que um reforço no plano e alguns argumentos
malucos não pudessem mudar.
- Hermione – ele anunciou, em tom de importância -, nós
viemos informar que estamos do seu lado.
A garota largou o sanduíche no prato, parecendo
interessada.
-
Do meu lado?
-
Sim – confirmou Mariana, empolgada -, apoiamos você na sua
decisão de ignorar Rony e toda a insistência dele em
tentar se redimir.
- Nós soubemos do incidente desta tarde, é
realmente desprezível.
- Quer dizer, quem ele pensa que você é? – disse
Mariana, fingindo indignação. – Com certeza não
é o tipo de garota que o desculparia tão fácil
por tudo o que ele fez e pela forma como te trata.
Fred concordava com a cabeça, em acenos fervorosos.
- Fornecemos todo o incentivo, Hermione, para que você
desista de Rony definitivamente. Uma garota como você não
merece um cara como ele.
Hermione já começara o segundo sanduíche e
prestava muita atenção ao que o casal dizia, parecendo
concordar.
-
Não queremos te ver triste por tão pouco – dizia
Mariana -, sabemos que você é digna de mais. Rony não
é o tipo de garoto perfeito que te faria feliz. Você
sabe, garotos engraçados que vivem tendo atitudes inusitadas,
ciumentos e ao mesmo tempo fofos, por quererem você toda só
para eles e, é claro, românticos. Aposto que Rony nunca
te daria flores, por exemplo.
Houve um momento de silêncio, durante o qual Hermione pareceu
considerar o que Mariana dissera. Após algum tempo, ela se
levantou, levando as mãos à cabeça e mordendo o
lábio inferior.
- Você tem razão, a quem eu estou tentando
enganar? – ela disse, com voz desesperada. – Nunca encontrarei
ninguém como Rony... ele é o garoto perfeito que
me faz feliz. Oh, meu Deus, eu preciso fazer as pazes com
ele!
E, sem
agradecer ou se despedir, deixou a cozinha correndo.
Mariana e Fred sorriram um para o outro.
- Foi muito mais fácil do que eu imaginava –
comentou Fred, aproximando-se da namorada.
Ela fez que sim com a cabeça.
- Nossa psicologia reversa funcionou. Francamente, somos gênios
– concluiu, contente, dando em seguida um beijo em
Fred.
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"Eles acham que a psicologia reversa deles funcionou em mim",
pensava Hermione, divertida, enquanto subia as escadas. Não
podia acreditar em quão óbvia estava a intenção
de Fred ao dizer tudo aquilo. Ela se sentia esperta não por
ter percebido isso, mas por ter fingido cair no truque e se
arrepender da briga com Rony. Agora Hermione tinha uma ótima
desculpa para entrar no quarto enquanto o garoto não estava e
descobrir o que é que ele estava escondendo e por que proibira
todos de entrar lá.
Ela subiu as escadas até o último andar da casa. Ao
passar pelo banheiro, encostou o ouvido na porta para se certificar
de que Rony ainda estava tomando banho, como ela ouvira alguém
dizer ainda há pouco, quando estava trancada no quarto de
Gina.
Alcançou
finalmente o quarto do garoto. Aproximou-se vagarosamente e abriu a
porta, tomando cuidado para não fazer barulho. O lugar parecia
normal. Uma cama de armar fora colocada ao lado da de Rony, como de
costume, para acomodar Harry e sobre cada uma havia uma quantidade
razoável de roupas amassadas. Edwiges e Pichitinho haviam
saído para caçar e suas gaiolas vazias eram iluminadas
pelo céu vermelho lá de fora, onde o sol se
punha.
Foi
preciso um olhar mais atento para notar algo diferente. Sobre a
escrivaninha de Rony, ao lado de um monte de livros escolares
empilhados, havia uma cúpula de vidro cujo conteúdo
brilhava de leve.
Hermione franziu a testa, fechou a porta às suas costas e se
aproximou. Olhando de perto era possível ver que o conteúdo
da cúpula era uma rosa vermelha, que flutuava inerte,
provavelmente por força de um feitiço.
A garota achou suspeita a presença daquela flor ali, sem um
vaso ou um copo d'água, principalmente por ser igual à
que Rony lhe dera domingo de manhã e que – só agora
Hermione percebera – não fora mais vista por ela.
Tomando muito cuidado, Hermione segurou a cúpula com as duas
mãos e a tirou de cima da escrivaninha. A rosa continuou
pairando no ar, exatamente como estava. A garota ergueu então
a mão direita e estava prestes a tocá-la
quando...
-
Pare! – gritou uma voz às suas costas.
Hermione virou-se alarmada e deu com Rony, parado à porta com
os cabelos molhados e o rosto muito vermelho.
- Fique calmo, Rony – ela pediu, quando ele correu em sua
direção e recobriu a rosa. – Eu não...
- Você é idiota? – perguntou o garoto
violentamente, interrompendo-a. – Eu avisei para não vir
aqui! – ele lembrou, quase gritando.
Hermione percebeu imediatamente que não adiantaria tentar
conversar.
-
Você tem razão, não deveria ter vindo –
declarou, com voz amena. – Já estou indo embora.
Dizendo isso, ela dirigiu-se para a porta do quarto, mas Rony correu
na sua frente e trancou-a. Voltou-se então para ela, que o
encarava surpresa, e disse:
- Escute, eu tenho algo a lhe dizer.
- Não quero ouvir! – exclamou ela, já com os
olhos cheios de lágrimas.
- Você não sairá deste quarto enquanto não
ouvir.
Hermione
bufou.
-
Precisamos conversar sobre o que aconteceu sábado.
- Para
mim ficou muito claro o que aconteceu – disse a garota, com
rispidez. – Você foi estúpido comigo e eu não
aceitei.
Rony balançou a cabeça.
- Eu não
fui estúpido com você sábado, Hermione. Aliás,
eu nunca fiz isso.
- Ah, não? – perguntou Hermione, em
tom sarcástico. – Então talvez queira que eu
refresque sua memória.
- Eu nunca fiz isso! –
insistiu o garoto.
Hermione estreitou os olhos perigosamente.
Ele queria que ela o lembrasse.
Seguiu-se então uma
enumeração de todas as coisas que ele disse para
magoá-la, em todas as brigas que já haviam existido
entre os dois.
- Eu disse tudo isso? – a voz dele mudara de
teimoso para surpreso.
Hermione fez que não com a cabeça
e disse, nitidamente irônica:
- Não, eu é
que gosto de inventar histórias.
O garoto parecia um
pouco espantado, mas nem assim abriu mão de seu orgulho.
- Nada disso justifica a maneira como me tratou no casamento –
disse ele, a cada momento com o rosto mais vermelho e a voz mais
alta.
- Eu? – repetiu Hermione surpresa, uma lágrima
teimosa rolando pelo seu rosto. – O que foi que eu fiz?
-
Você... – Rony pensou um pouco – me chamou de infantil.
A menina pôs as mãos na cintura, não acreditando
na existência daquela conversa.
- Ronald, você está
sendo infantil neste exato momento. Porque, se não percebeu,
precisou me trancar no quarto para conseguir conversar.
- Você
está aqui porque quer – respondeu ele, em tom desafiador, o
que foi a última gota para Hermione.
- Tem razão,
agora sim eu vou embora.
Rony ficou sem ação por um momento, vendo Hermione
subir em sua cama. Ela abriu o alçapão do teto, que
levava ao sótão, e subiu até ele.
Na escuridão de breu e no borrão em que as lágrimas
haviam transformado sua visão, tudo o que Hermione conseguia
ver era a pequena parte do sótão iluminada pela luz do
quarto.
Ela ouviu
Rony gritando qualquer coisa lá embaixo, mas não quis
saber o que era. Estava mais preocupada com o vampiro que, escondido
em algum lugar nas sombras à sua frente, acabara de emitir um
gemido.
O pânico
começou a tomar conta da garota – ela se esquecera
completamente do vampiro. Respirou fundo por um momento enquanto
ouvia simultaneamente o som de Rony subindo na cama e do vampiro
arrastando um objeto metálico pelo chão.
Mal a garota teve tempo de engatinhar para trás de um baú
antigo, um pedaço de cano enferrujado voou em direção
ao lugar onde ela estivera.
As lágrimas agora rolavam soltas em seu rosto. Hermione sentia
medo, aflição, raiva e desespero, tudo ao mesmo
tempo.
Ela se
encolheu atrás do baú enquanto ouvia Rony emergir do
alçapão.
- Hermione, pelo amor de Deus, saia daí. Você vai
se...
TUM.
Um barulho
de queda. Um grito de dor.
O vampiro parou de fazer barulho, tão assustado quanto
Hermione, que saiu imediatamente de seu esconderijo e esgueirou-se
até o alçapão.
Quando ela desceu, Rony estava sentado na cama com a manga da
camiseta levantada até o ombro, que sangrava muito.
- Oh, meu Deus, Rony, o que aconteceu? – perguntou Hermione,
espantada.
O
garoto fazia caretas e soltava vários palavrões
baixinho. Se Hermione não estivesse tão preocupada com
seu ferimento, o teria censurado.
- Aquele vampiro de – e aqui ele usou uma das palavras
censuráveis – me tacou alguma coisa. Ele vai ver só,
aquele...
-
Eu vou buscar ajuda – interrompeu Hermione, destrancando a porta e
saindo do quarto.
Ela correu escada abaixo até a cozinha, onde encontrou os
gêmeos e Gina preparando o jantar enquanto Mariana e Harry
conversavam descontraidamente, sentados à mesa.
- O que aconteceu? – quis saber Gina ao ver Hermione, com os
olhos vermelhos e inchados, apanhar um pano na gaveta da pia e o
umedecer sob a torneira aberta.
- Rony está ferido – disse Hermione. – Tentou subir
no sótão e se cortou, está sangrando.
Mariana, que trabalhava no Hospital St. Mungus, levantou-se de
imediato e parecia ter a intenção de ajudar, mas foi
impedida por Gina. Esta, de forma tão indiscreta que deixou
Hermione sem jeito, chamou Mariana para orientá-la com uma
receita de pudim.
- Okay, eu já vou – disse a garota, voltando-se então
para Hermione e dizendo: - Primeiro passe o pano úmido sobre o
machucado para limpar todo o sangue. Se o corte for superficial, pode
fazer em seguida um feitiço de limpeza para desinfetar, senão
traga-o para mim e eu o trato.
Disse tudo isso muito rápido, mas Hermione estava atenta e
compreendeu bem as instruções, de modo que, em alguns
minutos, já entrara novamente no quarto de Rony.
Ele permanecera no mesmo lugar em que estava quando Hermione o
deixou. Estava segurando o braço e olhando feio para
ele.
Hermione
sentou ao seu lado na cama e, sem dizer palavra, ergueu o pano úmido,
aproximando-o do ferimento. Rony não a deixou encostar,
desviou depressa o braço. Durante alguns segundos ela
continuou tentando e ele continuou se esquivando.
- Fique quieto – resmungou Hermione, um momento antes de
conseguir o que queria.
Mal o seu ombro foi tocado, Rony soltou um berro e se
levantou.
-
Isso dói! – ele disse, revoltado.
Hermione bufou.
- Francamente, Rony! Se ficasse quieto, não doeria
tanto.
O garoto
girou os olhos.
- Não brigue comigo. Se você não tivesse
subido – argumentou, apontando com o braço bom para o
alçapão ainda aberto – isso não teria
acontecido.
-
Ora, se você não tivesse me trancado, eu não
teria subido.
-
Você nem sequer devia ter vindo ao meu quarto.
- E você devia aprender a controlar seus nervos!
Depois dessa última frase, Rony ergueu o dedo indicador e
abriu a boca para dizer algo, mas não chegou a fazê-lo.
Em vez disso, jogou-se sentado de volta na cama e, bufando, entregou
o braço à garota.
Ela começou a limpá-lo e Rony conseguiu conter um grito
de dor.
- A
propósito – disse Hermione, em tom muito humilde, parecendo
também ter aberto mão por um momento de seu orgulho -,
obrigada por tentar me
ajudar.
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Do
lado de fora do quarto, cinco pessoas usavam orelhas extensíveis
para espionar o casal.
- Ai, droga – praguejou Harry quando, acidentalmente, sua
orelha extensível saiu do lugar. – O que eles estão
dizendo?
-
Ela agradeceu por algo e agora os dois estão em silêncio
– disse Gina.
Fred puxou sua orelha extensível e a guardou.
- Bem, o plano está funcionando. Não há
mais nada para ouvir aí.
- É – concordou Jorge. – Daqui a pouco começarão
as juras de amor e eu não tenho a mínima vontade de
ouvir.
Naquela
noite a Sra. Weasley chegou em casa carregada de sacolas – havia
doces,
carne, uísque-de-fogo e hidromel, além de uma faixa em
que ela pretendia escrever algo e uns poucos convites. Tudo para a
festa de Harry. Este, ficou um pouco encabulado, como sempre ficava
com a atenção dispensada a ele, mas pelo menos estava
satisfeito porque tudo aquilo viera do seu bolso. Ele não
contara ninguém, mas o verdadeiro motivo de não querer
uma festa era que não gostava de dar gastos aos
Weasley.
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Pouco antes que a Sra. Weasley e Gabrielle saíssem do Beco
Diagonal, dois outros personagens desta história chegaram lá.
Um deles era musculoso, de aparência grosseira. A outra usava
batom vermelho Chilli. Eles chegaram a encontrar Molly e trocar
algumas palavras com ela antes de cada um seguir seu
caminho.
Vítor
e sua prima Raíssa estavam agora em
uma mesa
d'O Caldeirão Furado, ela bebendo cerveja amanteigada e ele,
uísque-de-fogo.
- Por que não vai à festa? – perguntou Raíssa,
em búlgaro ,
referindo-se ao convite que a Sra. Weasley acabara de fazer aos dois
para uma festa na nova casa de Harry. – Não é de novo
a garota, é?
Vítor fez que sim com a cabeça, chateado.
- Eu não entendo, Raíssa. Qual o problema com
ela? – desabafou ele, com o rosto apoiado na mão e o
cotovelo na mesa. – Eu sou bonito, talentoso, gentil. Por que
diabos Herm-ôn-nini não quer nada comigo? – e bufou,
decepcionado consigo mesmo.
A prima pensou por um momento, parecendo se condoer por Vítor.
Mas só pareceu pois, no momento seguinte, deu um tapa forte em
seu braço.
Vítor olhou feio para ela, pedindo uma explicação.
- Qual o problema com você, Vítor? – ela
perguntou, energética. – Não é o homem que
sempre conheci. O Vítor Krum que eu conheço não
ficaria abatido assim pelo que pensa uma garotinha.
Ele pareceu querer protestar, mas Raíssa não deu espaço
para isso – continuou falando.
- Perdoe-me, mas eu não agüento mais te ouvir
reclamando disso. É imperdoável, Vítor, que
justo você se deixe desanimar por tão pouco. Fique feliz
e pense em quantas pessoas não gostariam de ser você,
nesse momento, com ou sem Herm-ôn-nini.
- A questão não é ser ou não eu...
– disse Vítor, enquanto a moça parava para tomar um
gole de sua cerveja amanteigada. – Quero dizer, nessa situação
não faz diferença alguma.
Ele esperou que a prima respondesse, mas tudo o que ela fez foi
erguer uma sobrancelha, sorrindo de leve e olhando em
algum
lugar atrás
dele. Quando Vítor virou para verificar o que era, foi
abordado por dois garotos de treze anos, um dos quais usava um boné
dos Chudley Cannons.
- Vítor Krum! – exclamou o primeiro menino, com um
sorriso enorme.
- Pode nos dar o seu autógrafo? – pediu o outro,
coçando o braço.
Vítor sorriu para os garotos e assinou de bom grado os
guardanapos que lhe ofereciam.
- Obrigado – disse o menino de boné, antes de ir
embora.
-
Não há de quê – respondeu Vítor.
Virou-se para Raíssa e então percebeu algo esquisito em
seu olhar. – O que há? – perguntou.
Ela balançou a cabeça de leve, fazendo seus brincos de
rubis tilintarem.
- Até os torcedores do time adversário te admiram
– ela comentou, apontando na direção em que os
garotos saíram. – Ainda acha que não faz diferença
ser Vítor Krum?
Vítor demorou um pouco para responder, encabulado.
- Mas com Herm-ôn-nini é diferente – argumentou,
com um olhar sonhador.
Raíssa fez um gesto de impaciência com a mão.
- Ora, que absurdo. Vítor, você é um modelo
de perfeição idolatrado internacionalmente. Não
existe quem não goste de você, compreende? E, por
isso mesmo, você pode ter a garota que quiser. A melhor de
todas será sua. Se você quiser e se souber fazer
direito.
-
Mas Hermione é a melhor – insistiu o primo.
Raíssa suspirou.
- Você não vai desistir disso, não é?
– ele fez que não com a cabeça. – Certo. Mas saiba
que se lamentar e beber não é o caminho para
consegui-la.
-
Eu sei – disse Vítor, após beber um grande gole de
sua taça. – Mas se não consegui até agora, o
que
farei?
A prima
levantou a mão fazendo um gesto para que ele esperasse um
momento e pôs-se a pensar.
- Quais foram as últimas notícias que teve da
garota?
-
Falei com ela sábado, no casamento – lembrou Vítor,
em seguida dando a Raíssa um breve resumo do que conversara
com Hermione sobre estudos, família e quadribol. Quando
terminou, Raíssa um sorriso maldoso no rosto que deu a ele
certeza de que ela já tinha um plano.
- Você vai à festa, Vítor – disse,
largando seu copo vazio sobre a mesa e se levantando para ir embora.
– E vai ter a sua garota, quer ela concorde ou não.
