SEGREDOS DA NOITE
Capítulo 2
(Áries Sin & Jade Toreador)
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A porta trancada… o quarto escuro como breu…
Os lençóis permaneciam do mesmo modo… como se ele tivesse acabado de se levantar… como se nada tivesse acontecido.
O ar abafado não circulava. O tempo tinha estagnado… a clepsidra tinha parado…
Entrou calmamente no local, abrindo a porta com extremo cuidado. O quarto selado era negado a qualquer pessoa. Mesmo ele tinha de entrar escondido.
Fechou a porta cuidadosamente. A visão daquele lugar, naquele estado, fazia inúmeras memórias voltarem a aflorarem num instante. Avançou ate à cama, sentando nela. Passeou uma mão pelos lençóis brancos. De olhos cerrados, permaneceu na mesma posição algum tempo. Sentia… lembrava… os toques, as carícias… as palavras…
Fazendo um pouco mais de força nos braços, chegou-se para trás, até metade da cama. Tombou seu corpo para trás com cuidado, apoiado nos cotovelos. Finalmente seus cabelos tocaram no travesseiro fofo.
Inspirou uma forte lufada de ar, cheirando de novo os requisitos do perfume que ainda permaneciam no travesseiro. Começava a desaparecer… suspirou… cedo ou tarde aquilo aconteceria e só lhe restariam as lembranças e fotografias para lhe relembrar o seu amado… os cabelos castanhos curtos… os olhos verdes tão expressivos… a pele morena como a dele…
Como podia ter acontecido tal coisa? Logo a ele… Uma lágrima solitária escorreu pela sua face enquanto relembrava o porquê de Aioros já não estar a seu lado.
Uma noite... Como as outras... Um cliente a ser atendido... E Aioros deixara o mundo dos vivos!
Fora visto nas manchetes do dia seguinte, como notícia de jornal, na sessão policial... Nu, amarrado, com diversas facadas nas costas...
Uma imagem que Shura jamais conseguira esquecer...
A policia não dera a mínima. Mais um crime sexual em Nova York. Quem ligava? Oh, ele, Shura, ligava!
Sofrera como cão sem dono. Saori pagou pesado para encobrir as pistas que ligasse Aioros ao famoso bordel Zodiacal, e logo, Aioros foi enterrado como um indigente qualquer... Sem familiares, sem justiça... Mais um puto que caía graças à violência da noite.
Desde então, em todas as horas do dia e da noite, ele, Shura, tentava descobrir quem havia matado o seu amor. Saori lhe dissera que Aioros havia sido atacado por um grupo de skin heads, logo depois que o cliente dele, um diplomata chinês, havia se retirado da casa onde estavam, mas Shura duvidava...
E precisava saber a verdade... A qualquer preço!
Shura se ergueu, enfiou seu corpo esbelto e forte num robbe, e foi até o quarto do velho Dohko. Ele, com quase oitenta anos, era o antigo dono dos negócios. Diziam os boatos que era o velho esquisito quem realmente comandava o trafico de armas para Saori. Diziam ainda alguns que era ele o verdadeiro foco de poder ali, porque comandava uma facção da máfia chinesa em Nova York...
Seria isso verdade? Ah, não, porque um velho excêntrico que dormia no quarto de Libra seria assim tão poderoso? Porque então não morava numa mansão qualquer, como nos filmes de Hollywood?
Shura caminhou devagar, esperando encontrar o velho chinês na suíte. Nunca havia estado lá, antes. Adentrou silenciosamente, surpreso com a descoberta de que, além da suíte, todo um andar adicional havia sido feito na ala de libra. Havia ali um jardim maravilhoso, cópia dos jardins que vira nos desenhos orientais, com aquelas carpas maravilhosas e pedras que criavam um feng shui perfeito no ambiente.
Dois seguranças pararam Shura. O garoto da casa de Capricórnio estremeceu. Eram dois gorilas orientais, japoneses ou chineses, não sabia dizer ao certo.
"Saiam da frente, quero falar com Dohko".
"O mestre não fala com vagabundos. Fora daqui".
"Não, não arredo o pé até falar com ele. Preciso da ajuda dele para descobrir a verdade sobre um crime".
Os seguranças riram.
"E porque nosso mestre iria dar ouvidos para um puto de bordel?".
Ouviram a voz do velho, que adentrou o ambiente com um ar firme e decidido...
"Porque a verdade é a mãe de todas a virtudes...".
-OOO-
"Um café duplo, por favor".
Sentado numa mesa, Leão acabava de fazer o pedido. Fazia um bom tempo que estava ali e só agora se tinham dignado a atende-lo… isso ajudava drasticamente no seu mau humor.
"Será tudo?".
Rosnou um sim, antes que a garçonete fosse embora. Ajeitou-se melhor na cadeira. Suspirou.
Mais um dia passava. Como sempre, acordara algum tempo depois da hora do almoço. Era sempre assim desde que começara naquela vida. As noites eram geralmente cansativas. – Sorriu, um sorriso que mostrou dentes perfeitos nos lábios maravilhosos que realçavam sua beleza incrivelmente máscula. – E depois diziam que vida de puto era fácil...
Levou uma mão ao bolso do casaco castanho que se encontrava pendurado na cadeira. Retirou o maço de tabaco Malboro, pegando um cigarro e levando-o aos lábios finos.
O primeiro cigarro do dia, mesmo antes de comer algo, era sagrado. Inspirou fundo para soltar uma nuvem de fumo logo em seguida.
Esperava tranqüilamente que lhe fosse trazida a injeção de cafeína indispensável para o bom começar do dia. Brincava com o pacote, atirando-o ao ar e vendo em que face caía.
"Aqui está senhor".
"Obrigado". Disse seco, demasiado concentrado em deitar uma quantidade exagerada de açúcar no café.
A vida citadina continuava numa correria louca. Jovens empresários, crianças, mulheres grávidas, sem abrigo… todos passavam por ele sem ligar a mínima importância. Era assim que gostava… passar despercebido…
Um som agudo chamou sua atenção. Retirou o celular do outro bolso do casaco. No visor, um nome piscava em azul.
'Taurus'.
"Oi Deba… estou esperando… como? Hum… ok… tem 5 minutos!".
Desligou o aparelho lançando-o sobre a mesa. Pegou na xícara de café levando aos lábios soprando antes de ingerir o liquido quente.
Pouco tempo se passou até que sentiu uma mão forte bater em seu ombro.
"Leão… Sempre de café na mão… Um viciado em cafeína!".
Deu uma gargalhada alta antes de se sentar numa cadeira livre, de frente para o outro.
"Está atrasado, Aldebaran…".
Com um gesto de mão, o jovem que ocupava o quarto de Touro chamou a garçonete.
"Mas que mau humor é esse Aioria…" Comentou divertido. "Aposto que acordou agora…".
O bom humor do jovem brasileiro era contagiante. Não conseguia ficar muito tempo fingindo aborrecimento. Sorriu.
"Ao contrario de outros, meu caro, eu trabalho duro…".
Uma nova gargalhada chamou a atenção dos passantes.
"Claro, claro gatinho… que eu saiba, a rendição ao 'dolce fare niente' também não faz parte da minha vida… não se queixe… Mas me diga... Por que me chamou aqui?".
"Você sabe muito bem. Sempre foge dessa conversa, mas se passou muito tempo. Está na hora de você falar comigo sobre a morte DELE. Você foi o último que o viu com vida. Estava lá com ele na noite em que isso aconteceu".
Deba deixou de sorrir. Não era um assunto fácil. Não era covarde, nunca fora, mas falar daquilo era o mesmo que meter a mão numa casa de marimbondos. Ou mergulhar num rio de piranhas assassinas...
"Eu já lhe disse tudo que sabia Aioria!".
Aiolia, como um leão mesmo, puxou o outro pela gola. Um brilho de raiva assassina brilhou nos seus olhos lindos.
"Eu sei que você está mentindo!".
Taurus não se abalou. Mas seus olhos mostravam que ele não iria evitar um briga, se ela começasse bem ali, com os outros olhando.
Os olhos dos dois se encontraram, desafiadores.
As mãos fortes de Touro tiraram as de Leão da camisa dele. Sua voz soou calma, mas uma forte tensão se ocultava sob ela.
"Escute, Leão. Eu, tanto quanto você ou Shura, lamentei a morte dele! Me amaldiçoei mil vezes por ter saído de lá e deixando ele sozinho esperando aqueles malditos clientes, mas eu tinha um outro serviço a fazer, e não podia ficar mais lá, com ele! Fui com um bando de garotas numa festa privê, e deixei ele lá para fazer o meu serviço! Eu não deveria ter ido embora, mas como eu podia adivinhar que...".
A voz de Aldebaran morreu na garganta dele e uma expressão genuína de dor se fez no rosto antes alegre.
Leão percebeu que a mágoa do outro pela perda do amigo era verdadeira. Acalmou-se, mas pediu, num tom de quase súplica...
"Por favor, Alde, vocês dois eram muito amigos! Você deve saber de algo que eu não sei! Falaram que foi um cliente louco que fez isso, mas eu não acredito... Mas porque alguém iria querer matar o meu irmão?".
"Aioria...".
Aioria se agitou. Percebeu que o colega de profissão estava num embate com sua própria consciência e que, talvez, dessa vez, conseguisse alguma pista a mais sobre a morte do irmão!
"Pelo amor de deus, Touro! Diga algo a mais que eu ainda não saiba!".
Houve um silêncio pesado ali. Mas quando Leão achou que o outro iria ficar calado, Touro desabafou...
"Dois dias antes da morte dele... Ele me chamou e disse que a gang rival, a que tentava dominar a área de Saori, havia chamado ele para ser informante deles sobre os negócios de Saori, e ele recusou".
"Ela o matou!".
"Não sei. Pode ter sido a gang, em vingança, mas...".
"Ou então...".
"Na época, houve um burburinho no bordel, dizendo que havia um agente do governo infiltrado entre a gente... Um agente disfarçado".
"Meu irmão... Era esse agente?".
"Não, mas eu acho que este agente existe até hoje!".
"Por que diz isso?".
"Porque duas operações fortes do antigo dono do pedaço, o Áries, caíram por terra logo depois da morte dele, Aioria. Acho que... Que esse agente, que ainda deve estar infiltrado, deve ser o único que realmente sabe quem matou o seu irmão".
"Pode ter sido a própria polícia...".
"Pode ter sido a gang rival, o próprio Ares, antes de cair em desgraça, ou até a policia... Ou o cliente maluco. Na verdade, pode ter sido qualquer um Aiolia. Não acho que você ou Shura consigam descobrir algo sobre isso".
"Pois eu vou descobrir. Mas para isso, preciso achar quem é que faz jogo duplo lá dentro".
"Desmascarar um agente federal? Você deve estar brincando! Essa estória pode ser um simples boato inventado na época, e... Se não for... Com certeza você vai se dar mal. Esqueça isso".
"De jeito nenhum...". Aioria bebeu de uma só vez o café, jogou uma cédula de vinte dólares sobre a mesa e se levantou:
"Agora eu vou até o fim...".
"O que vai fazer é achar o seu caixão. Policiais, clientes ou bandidos, tanto faz. Ninguém presta. Você vai se dar mal".
"Deixe que de mim eu cuido".
E sem esperar pela resposta do outro, Aiolia se afastou.
-OOO-
Esquerda, direita… fazia um bom tempo que permanecia no mesmo lugar, varrendo aquele canto… o olhar ausente… um suspiro.
Olhou a janela pela milésima vez na última hora. Porque ele não chegava logo? Sabia que tinha feito mal… que tinha dito o que não devia… mas era tão difícil agir como pessoas normais naquelas alturas… o hábito e os movimentos mecânicos, falavam mais alto.
Olhou de novo pela janela aberta… porque estaria demorando tanto? E se Camus tivesse ido embora? Sentiu uma angústia enorme crescer exponencialmente, apoderando-se da sua alma… e se tivesse desistido dos dois? O francês era uma pessoa demasiado orgulhosa. Podia bem nunca mais lhe perdoar a ofensa…
Milo teve vontade de esmurrar a parede, mas conteve-se… porque fora tão estúpido? Porquê? Aquietou-se, largando a vassoura no lugar, indo em direção à janela.
Olhava de um lado para o outro, tentando avistar a longa cabeleira ruiva em algum lado…
Nada…
"Milo… você é um imbecil com pernas…".
Suspirou longamente, puxando uma cadeira e desabando nela… o jeito era esperar que o namorado chegasse… esperando que ele chegasse…
Apercebia-se naquele momento que o maior problema não tinha sido reencontrar Camus; nem o convencer a fugir… nem mesmo ter de morar escondidos do 'Santuário'… mas a provação maior que todas seria conseguir viver uma vida normal com o francês… sem que a antiga vida deles interferisse… ignorando o medo constante de serem encontrados pela 'deusa' do Santuário…
Sabia que não duraria muito até que se apercebessem na ausência dos dois… por aquela altura, já deviam ter enviado alguém para os encontrar…
Estremeceu com a idéia do que lhes podiam fazer… claro que as aulas de artes marciais que tiveram enquanto trabalhadores do 'santuário' não iriam tornar a coisa fácil para a sua captura… mas acreditava que não seria o suficiente.
Foi aí que algo estalou na sua mente… a respiração falhou, sentiu o coração bater mais rápido…
O tempo todo que Camus estava a demorar… podia ser…
Negava-se a acreditar… não podia ser…
E se Camus tivesse sido apanhado pelo Santuário?
Levantou-se repentinamente derrubando a cadeira no chão. Se isso tivesse acontecido… certamente que precisaria de ajuda… mas… não… não era possível…
"Milo… tenha calma… seja sensato… isso não pode ter acontecido... eles nem sabem onde nos escondemos…".
Mas o coração apaixonado falou mais alto. Correu a pegar o seu celular sobre a mesa, no caso do francês ligar para ele, e apressou-se até à porta.
Travou quando sentiu a maçaneta da porta rodar ligeiramente. Alguém estava tentando entrar no apartamento… alguém sem chave…
Afastou-se alguns paços, preparando-se para o pior… e se fossem os assassinos mandados pela cafetina? Fixou a porta, vendo-a abanar aos poucos. Três batidas na madeira ecoaram pelo local.
"Milô! Está aí? Abra a porta! Sou eu, Camus!".
O grego respirou fundo… aliviado. Aquela historia toda de 'Santuário' estava a obcecá-lo. Avançou lentamente até à porta, abrindo-a devagar. Mas foi quando vislumbrou os longos cabelos ruivos do amante que se permitiu acalmar por completo.
Camus entrou no cômodo, alguns sacos irmãmente distribuídos pelas duas mãos, respirando apressadamente.
"Maldito edifício sem elevador!". Resmungou, pousando os sacos na cozinha. As bochechas coradas eram a prova do esforço que fizera para subir até ali.
Milo mantinha-se na entrada, a porta ainda aberta. Mirava Camus fixamente, não emitindo nenhum som.
Oh céus… como era bom revê-lo… como era bom saber que estava bem… e que não o tinha abandonado.
Ao sentir o peso do olhar do amante sobre si, Camus virou-se o encarando.
"Milô… o que foi?".
Assustou-se com o estrondo que a porta fez ao ser fechada. Mas assustou-se ainda mais ao sentir o amante de joelhos à sua frente, abraçando a sua cintura com força, aninhando a cabeça no seu abdômen.
"M… Milô…".
"Apenas me deixe ficar assim… só um pouco Camus… por favor…".
"Mas…".
"Não diga nada… não pergunte…".
Apesar da profunda revolta que ainda sentia pela cena de horas antes, Camus não pode impedir o seu coração gelado de derreter diante daquela cena. Os longos cabelos cacheados de Milo caíam sobre as suas costas, a franja escondia o seu rosto. Havia algo de errado ali… algo de muito errado…
Desceu uma das mãos até aos longos fios loiros acariciando-os calmamente. Uns segundos de silêncio foram necessários até que finalmente Milo se manifestasse.
"Desculpe…".
Um sussurro escapou dos lábios finos do grego. Tão baixo, que apenas os interessados entenderiam o que ele havia dito.
"Mil…".
"Desculpe… eu… eu não devia ter deixado aquilo me influenciar… eu não devia ter dito aquilo… eu estava errado".
"Mas…".
"Passei a última hora me remoendo por dentro Camus, pensando porque você demorava tanto. Pensando que podia ter lhe acontecido algo de mal…". Levantou-se, postando-se diante do francês, olhando-o nos olhos enquanto falava tristemente. "... pensando que me poderia ter deixado… que se tivesse arrependido de ter aceitado fugir comigo…".
Camus sustentava o seu olhar altivo. Mas não conseguiu impedir um sentimento de ternura de se apoderar dele.
"Eu nunca faria isso Milo…".
O grego suspirou fundo, baixando a cabeça, a franja tapando-lhe os olhos. Estava profundamente arrependido de tudo o que acontecera. Esperava que o amante entendesse isso… e que o perdoasse.
Sentiu o outro se aproximar lentamente… o seu queixo ser levantado de modo a que os olhares se encontrassem. A mão pálida de Camus afastou suavemente a sua franja dos olhos. Ambas as faces estavam muito próximas… sentiu os seus lábios serem tomados num beijo calmo. Os lábios macios do francês movendo-se ternamente sobre os seus, obrigando-o a acompanhar o movimento. Estava feliz…
-OOO-
Avançava decidido pelo meio da multidão. Os longos cabelos lavanda balançavam com o vento, as mãos nos bolsos das calças jeans, os magníficos olhos verdes olhavam em frente, impressionando quem se cruzasse como ele. O metrô estava lotado de gente… o calor era insuportável. Para seu alivio, abrira os primeiros botões da camisa e arregaçara as mangas.
Infelizmente, o duche que tinha tomado não seria de grande utilidade.
Entrou no edifício que conhecia tão bem, dirigindo-se à recepção. Sorriu docemente para a recepcionista.
"Boa tarde Elizabeth… como está?".
A senhora de meia idade olhou para trás, encarado aquelas duas magníficas orbes verdes. Tão límpidas… tão ternas… instintivamente sorriu de volta. Era inevitável… por mais mal humorada que estivesse, derretia-se sempre na presença daquele anjo.
"Bom dia senhor Mu… tudo bem, apesar de poder estar melhor… acredita que ontem a minha sobrinha partiu o braço? Passei a noite toda no hospital com ela… e primeiro que nos atendessem? Estes hospitais estão cada vez piores! Imagina que ficamos horas e horas na sala de espera com…".
E lá estava ela de novo… bastava puxar um pouco a conversa, para que ela não se calasse mais. Era impressionante a quantidade de historias que aquela mulher tinha para contar… e, sobretudo o que falava sem parar para respirar. Mu continuava a sorrir, respondendo esporadicamente. Era sempre assim… uns 15 minutos de conversa a cada vez… mas não conseguia simplesmente mandá-la calar. Apesar de muito tagarela, Elizabeth era boa pessoa… então continuava a ouvir as desgraças da sua vida a cada vez que entrava ali.
"… e veja lá que isso aconteceu! Finalmente conseguimos chegar a casa!". Finalmente respirou fundo. "Mas não o vou maçar mais… tem reunião marcada, certo?".
Mu assentiu sempre sorridente. 'Reunião' era o que chamavam àquilo.
"Pode entrar! Sabe o caminho certo? O doutor espera-o no escritório!".
Agradeceu educadamente, dirigindo-se calmamente até ao elevador. Prensou o botão do 8º andar, encostando-se às paredes frias. Suspirou fechando os olhos.
Shaka… sempre Shaka… porque tinha de ser tão insensível? E ao mesmo tempo tão sensível? Magoava-o com palavras, acarinhava-o em momentos mais quentes, ignorava-o quando queria, procurava-o quando precisava… tão incerto… cínico… deliciosamente tentador…
As noites que ambos se permitiam eram verdadeiras delicias… demasiado até. E Shaka sempre o dispensava, ou ele dispensava Shaka da forma ríspida. Aquela manha não tinha sido exceção. Sorriu, levando a mão ao pescoço. Realmente, tinha de explicar aquela marca… não seria complicado.
Um leve sinal sonoro tocou no elevador. Sinal que tinha chegado ao andar desejado. Saiu, avançando mecanicamente pelo corredor. As paredes pintadas num tom suave, o chão coberto por um carpete castanho claro dava um ambiente acolhedor ao local.
Chegando diante da porta, respirou fundo. Alisou o cabelo, tentou alisar a roupa o mais possível e finalmente bateu. Esperou a resposta vinda do interior. Sabia que demorava sempre um pouco a chegar. Sorriu ao ouvir finalmente um 'entre'.
Abriu vagarosamente a porta, avançando para o interior. Uma enorme fachada envidraçada oferecia uma vista maravilhosa da cidade. Do lado esquerdo, uma enorme secretária de madeira sobre a qual jaziam pilhas de papeis e o monitor de um computador. Apesar da quantidade de papelada, a secretaria parecia extremamente organizada. Nunca entendera como aquele homem conseguia fazer tal coisa.
"Boa tarde!". Disse calmamente, fechando a porta atrás de si.
"Boa tarde!".
A voz suave do homem detrás da secretária sempre o impressionava. Assim como o sorriso… sorriso cândido… cínico… que tanto acalmava como amedrontava. Tão efêmero…
Viu-o levantar, contornar calmamente a secretária e encostando-se nela diante dele.
"Sempre pontual…".
Mu sorriu, olhando o seu 'protetor' nos olhos. Sim… aquele homem que lhe proporcionava extravagâncias que nunca poderia se permitir nem trabalhando uma vida inteira. Que apesar de tudo, lhe proporcionava inúmeras noites de prazer… aquele pelo qual tinha de estar operante para os mínimos caprichos… sim, Mu tinha tido inúmeras ofertas de 'apadrinhamento'. Os lances por ele tinham sido extremamente altos. Mas apenas uma pessoa conseguira cobrir essa quantia.
Esse homem encontrava-se diante dele. O casaco do terno preto tinha sido largado nas costas da cadeira de couro. Os longos cabelos loiros esverdeados caíam soltos pelos seus ombros. A gravada caprichosamente atada, que ainda não tinha sido alargada… a camisa branca completamente fechada. Esperava-o.
Mu avançou felinamente até ele, levantando as mãos à altura do seu pescoço. Alargava calmamente a gravata enquanto olhava nos seus magníficos olhos arroxeados.
"Sempre pontual claro… faz parte do meu trabalho, Shion…".
O homem sorriu fechando os olhos. Imaginava o que estava por vir. Não que Mu fosse previsível, pelo contrário. Era sempre uma caixa de surpresas. Podia ser gentil e cordado, ou extremamente impetuoso. Nunca o sexo com ele tinha um sabor de monotonia. Era sempre... Deliciosamente imprevisível. Por isso, vinha prolongando as visitas do garoto de programa. Mu, na verdade, era lhe uma companhia perfeita: a disposição, e nunca lhe fazia perguntas indiscretas. Era inteligente e observador, arguto, sabia conversar sobre os mais diversos temas, mas se programava para nunca invadir assuntos dos quais ele, seu contratante, não gostasse.
Riu.
Nem um andróide faria igual. Mu era um robô perfeito na sua programação de ser eficiente, mas tinha a vantagem de ser... Deliciosamente sensual... Quente de um jeito que nem o próprio capeta seria...
"Do que você achou graça, Shion?".
"Graça? De jeito nenhum... Eu estou é... antecipando o prazer que vamos sentir agora...".
Mu estremeceu ao ouvir a voz grave e profunda, que tinha o efeito de um trovão, mas ao mesmo tempo a suavidade de uma carícia. Aquele homem era mesmo um perigo... Difícil era não se encantar com suas qualidades...
Beijaram-se. Um beijo enroscado e cheio de promessas pecaminosas.
Normalmente entre cliente e contratado não havia beijos prolongados, mas Shion exigia que a relação sexual fosse completa sob todos os aspectos.
E pagava bem para que fosse assim!
Mu encaixou-se no colo de Shion e foi puxando a camisa deste, sem se importar se o tailler e a camisa Versace iria amassar ou não.
Shion gostou da ousadia. Mu lembrava muito do seu próprio temperamento quando era mais jovem. Impetuoso, mas calculista. Gentil, mas premeditado.
Era um devorador de homens. Mas não DESSE homem. Era ele próprio quem dava as regras ali.
Num gesto firme, entre sensualidade e brusquidão, Shion segurou as mãos de Mu e o jogou para trás, fazendo as costas dele bater na majestosa mesa de mogno do escritório. Mu gemeu de prazer, sentindo-se bem por ser dominado daquela forma.
Shion exalava uma masculinidade estonteante. E estava com fome! Um desejo avassalador brilhava nos olhos de um tom maravilhosamente exótico. Um lilás profundo e intenso.
Com a mesma firmeza de antes, Shion puxou as roupas de Mu ali mesmo, deixando-o nu sobre a mesa. Mu gemeu, de frio, e de excitação. Mas na hora, veio lhe a mente a imagem de Shaka.
Sentiu-se incomodado por desejar Shion enquanto...
Fechou os olhos e completou o pensamento: amava Shaka. O que não poderia acontecer, havia acontecido! Infernos! Amava um cara que, como ele, era um puto, que, como ele também, só pensava na grana e que ainda por cima, não tinha o menor vislumbre da capacidade de amar. Para Shaka, apenas o sexo contava, e a grana, claro. Amor... Era para os fracos.
Incomodado com o pensamento, Mu mordeu os lábios, ficando ainda mais lindo e saboroso. Sentia os olhos de Shion devorando-o lentamente...
"Alguém pode entrar...".
Shion riu:
"Você não pareceu se lembrar disso, instantes atrás, quando se sentou no meu colo... Quer continuar nossa brincadeira em outro lugar?".
Mu corou. Droga. Não iria estragar aquela foda bem feita e deixar seu cliente insatisfeito por causa do hindu, que, a essa altura, nem se lembrava de que ele existia!
"Não... Claro que não!".
"Ah, agora estamos novamente falando a mesma língua... E falando em língua...".
Shion inclinou-se e deitou seu corpo sobre o de Mu, colando-os um no outro. Depois, passou demoradamente a língua sobre mancha roxa onde Shaka havia feito aquela marca e, ao lado, fez outra, ainda maior.
Mu gemeu de prazer e vergonha ao mesmo tempo.
Shion riu, um riso deliciosamente masculino...
"Isso é para mostrar a quem fez isso, que você tem mais admiradores...".
Mu corou, mas antes que pudesse retrucar algo, gemeu de surpresa e prazer, e começou a arfar com um desejo incontrolável dentro dele.
A língua de Shion descia pelo seu tórax e abdômen, chegando nas suas coxas e em seu sexo. Fazia carícias ousadas que deixavam um rastro de fogo irrefreável.
Mas tão rápido como veio, essa sensação deliciosa da língua passeando pela sua pele se foi. Sentiu o corpo do seu algoz se erguer imponente.
Sem desviar os olhos selvagens dos de Mu, Shion ergueu as pernas alongadas do garoto e encaixou seu enorme sexo no ânus apertado em uma única e forte estocada.
Mu gritou com a invasão brusca. Chegou a sentir o suor escorrer em sua testa.
Receber o sexo avantajado de Shion não era uma tarefa fácil, mesmo para um garoto de programa como ele!
A careta de dor que fez somente serviu para atiçar Shion ainda mais, e este começou uma cavalgada forte e punitiva, ali mesmo, na mesa do escritório, adorando arrancar novos gemidos e suspiros do garoto.
Enquanto sentia o aroma delicioso dos longos cabelos lilases, metia sem dó ou piedade, fazendo os gemidos de prazer e dor se mesclarem numa única e deliciosa melodia...
Mu sentia-se ser invadido sem piedade... Mas céus, como gostava daquilo! Sentir-se possuído, completamente dominado, entregue à mercê do seu 'amo'. Entreabriu os olhos. Apesar da dor que ainda sentia, o prazer do ato em si e os gemidos roucos de Shion embriagavam-no. Os corpos roçando um no outro numa deliciosa fricção, sentindo-se ser tocado insistentemente no seu interior sensível... Tudo o fazia sentir uma deliciosa sensação de total entrega que não sentia nem mesmo com... Shaka...
De novo ele... Shaka... Aquele maldito ser que tomava controle dos seus pensamentos... da sua alma...
Justamente naquele momento... tentou concentrar-se novamente no homem sobre ele, que tanto o cativava... Num gesto desesperado, entrelaçou os dedos nos longos cabelos loiros de Shion, puxando e obrigando-o a um novo beijo banhado pela luxúria.
O ritmo das estocadas aumentava furiosamente... A necessidade de ambos fazia-se mais presente. Mu gemia descontroladamente, agarrava a mesa e o cabelo de Shion com força, a respiração falhando.
A sensação do seu membro sendo deliciosamente friccionado entre os dois corpos, os toques constantes no seu interior, os gemidos, foram suficientes para o fazer gozar sem que alguma atenção tivesse sido dada ao seu membro desperto. Era assim... Aquele homem conseguia, sabia lá por que meio, levá-lo à loucura daquela forma.
Sentiu-se como se fosse desfalecer, o seu corpo completamente a mercê das últimas estocadas de Shion. O líquido quente melava agora as suas coxas. Shion havia gozado.
A respiração acelerada de ambos tomava conta do local. Mu permanecia deitado, as costas encostadas na madeira dura. Os longos cabelos lavanda espalhados sobre a mesa, transbordando nas bordas; a franja colada na testa e nas faces rosadas... Entreabria os lábios por onde escapava um fraco sopro de ar. Os olhos ainda turvos abriram-se ao sentir o frio causado pelo afastamento do corpo de Shion que acabava de se levantar.
Suspirou, tentando se levantar. Agora que o calor da ação tinha passado, sentia as costas doerem pelo contacto brusco contra a madeira. Soltou um silvo ao sentar-se na secretaria. Claro... a dor vinha sempre depois... Dor que o fez saltar rapidamente para o chão.
Olhou em volta, vendo Shion voltar a vestir-se calmamente. Aquele corpo há minutos destapado voltava agora a ser ocultado pelo tecido. Caminhou pela sala, recolhendo as suas roupas. Vestiu-se calmamente, sem pressa, tomando cuidado para que os seus movimentos soassem o mais sensuais possíveis. Afinal era de seu interesse que Shion não se sentisse satisfeito... Jeans vestidas, fechava agora os botões da camisa disciplinarmente.
Distraído como estava, sobressaltou ao sentir-se ser abraçado por trás, duas mãos acabando a tarefa de fechar os botões da camisa. Estremeceu com a lambida que recebeu na marca roxa sobre o seu pescoço.
"Quero você logo à noite!". Era uma ordem... Mas parecia tão menos agressiva dita por aquela voz aveludada que o arrepiava.
À noite... seriam de novo leiloados. Mais uma noite de luxúria com um desconhecido.
"Logo há os leilões... A senhorita Saori planejou mai...".
"Mu, eu quero você logo à noite!". Voltou a repetir, cortando a sua fala. Pegou no seu queixo obrigando-o a encara-lo nos olhos violeta. "Não se esqueça que tenho prioridade, e que nenhum leilão muda isso!".
Mu limitou-se a assentir com a cabeça.
"Óptimo! Estamos entendidos então! Diga aquela pirralha, que chama de patroa, que o pagamento será feito quanto antes". Acrescentou sorrindo provocante. "Venha aqui ter por volta das oito. E bem vestido".
Mu, por mais curioso que fosse, sabia que não podia pedir satisfações. Limitou-se a assentir, seguindo Shion até à porta de saída.
-
Continua…
Agradecimentos pelas reviews a: Narcisa Le Fey, Pipe, Nana Pizani, Joana, Athenas de Aries, Kamui, Akari-chan e a Ophiuchus no Shaina
Até ao próximo capitulo…
Beijo enorme a todos
J.T. & A.S.
