Luka havia partido há uma semana. Não havia, ainda, nenhuma notícia sobre Carter e as esperanças de encontrá-lo com vida diminuíam a cada dia. Quando não estava fazendo as buscas, Luka ajudava os demais médicos a atender as pessoas no acampamento, que fora praticamente destruído no ataque doa Janjaweed. Em todas as ocasiões que encontravam com os Janjaweed, a equipe de resgate, fortemente armada, tentava tirar alguma informação sobre Carter e as crianças, em vão. Eles pareciam intimidados com a presença dos militares, mas claramente sabiam de alguma coisa sobre Carter.
Do outro lado do oceano, Abby tentava continuar com sua rotina. Devido à gestação, estava pegando plantões mais curtos, normalmente de 6 horas, o que a deixava com mais tempo de ficar em casa. Ela chegou a pedir a Kerry que voltasse a ter plantões normais, mas a chefe disse que seria muito esforço para uma gestação múltipla, e que se Abby não aceitasse os plantões mais curtos, ela anteciparia sua licença maternidade.
A casa parecia gigantesca sem Luka. Ela andava de um lado para outro, limpava, cozinhava, limpava de novo, tentava arrumar tarefas para se distrair. A pior hora era quando ia dormir. Abby sentia uma falta imensa dos braços de Luka. A cama era fria e grande demais para ela. Sentia falta até dos roncos dele, de como ele conversava em croata com os bebês quando eles a acordavam à noite se mexendo demais. Ela percebeu, inclusive, que os bebês estavam mais inquietos depois que Luka viajou, pareciam ter se acostumado com a voz dele antes de irem dormir.
Com a viagem de Luka, foi inevitável contar a Kerry o que havia acontecido, e, naturalmente, o PS inteiro sabia das notícias pouco tempo depois. As fofocas no County tiham um poder incrível, e mesmo depois de tanto tempo, Abby às vezes ainda se surpreendia com isso. Todos os dias, seus colegas de trabalho a perguntavam sobre Luka e Carter, e ela mesma estava agoniada por não ter respostas para dar.
Depois de um plantão, Abby e Neela decidiram sair para fazer algumas compras para os bebês. Não que fosse preciso: o quarto dos bebês estava abarrotado de roupinhas, sapatinhos, fraldas, cobertores e brinquedos. Mas Neela achou que seria uma boa oportunidade de distrair um pouco a amiga. Abby também precisava comprar roupas pra ela mesma.
"Como é que roupa de gestante pode ter ficado apertada?"
"Ah, acho q roupas de gestante foram feitas para gestantes de um bebê só... e, pelo tamanho do pai, seus bebês devem nascer bem grandinhos..."
"É, tomara... não quero que eles sejam baixinhos como eu..."
"Ei, qual é o problema de ser baixinha, heim?" Neela conseguiu arrancar um sorriso da boca de Abby.
"Olha só que lindo esse macacãozinho Abby! É de dálmata! Tem manchinhas e orelhinhas!"
"É lindinho mesmo, né... Vai ficar lindo no menino!"
"Vocês já deram nomes para eles?"
"Ainda não... já discutimos sobre nomes, mas acho que ambos têm péssimo gosto para nomes... Jewel, Liberace, Charo..."
"Nossa, você tem razão. Vocês tem péssimo gosto para nomes!" Abby riu mais uma vez. Começou a se lembrar dos momentos em que Luka e Abby discutiam esses detalhes sobre os bebês, sempre se divertindo muito. Seu sorriso desapareceu de seu rosto.
"Tenho medo de perdê-lo..."
Neela baixou a cabeça e respondeu: "eu sei como é..."
Abby levantou a cabeça, subitamente percebendo o que tinha falado.
"Neela, me desculpe, eu não quis..."
"Não, tudo bem, Abby, de verdade. Michael tomou uma decisão em sua vida e sei que, esteja onde estiver, ele se orgulha dessa decisão. Ele me disse para seguir em frente, e estou tentando fazer isso."
"Você está melhor, então..."
"Tenho dias melhores e outros piores.. No entanto tenho andado muito confusa..."
"Confusa?"
"Sobre... novos... relacionamentos. Novos amores."
"Sobre Ray"
Neela olhou para Abby surpresa.
"Como...?"
"Ah, Neela, está estampado nas suas testas."
"Está difícil de esconder né..."
"Então vocês já tiveram alguma coisa?"
"Não... Antes de Michael morrer, Ray disse que sentia algo por mim... desde então eu evitava falar com ele, estava me sentindo péssima... até que, no dia que fomos ajudar na mudança de vocês, ele me deixou em casa..."
"E o que aconteceu?"
Neela riu do entusiasmo da amiga. "Ele me disse que seus sentimentos por mim não haviam mudado, que sentia muito por Michael e sabia que eu estava passando por uma fase difícil..."
"Ele disse que vai me esperar o tempo que for, e que não desistir de mim nunca."
"Aiiiii que lindoooo!" Abby abraçou a amiga. "Quem diria que o rock doc seria assim tão romântico!"
"Quem diria que você se animasse tanto com um romantismo, heim?"
"Ah, Neela... as pessoas mudam..."
"Os croatas mudam as pessoas, você quer dizer."
Abby riu. "Apenas um em especial."
"Ele mexe mesmo com você né?"
"É... sabe, nunca fui de acreditar nessas coisas de alma gêmea nem nada, mas é como Luka disse, parece que a gente sempre se encontra. No nosso primeiro relacionamento, tava tudo errado, estávamos imaturos demais e envoltos em nossos próprios problemas para darmos conta do quanto nos amávamos. Prova disso foi o modo como terminamos..."
"Como vocês terminaram?"
"Ah, foi horrível, um falando desaforo pro outro... um tentando machucar o outro das piores formas possíveis. Mas aí... nós nos separamos, e a amizade cresceu. Cada um passou por muita coisa, algumas boas, outras terríveis... por todos esses anos contamos um com o outro, e assim nós amadurecemos e nos reencontramos como homem e mulher."
"Acho que tudo isso foi imprescindível na decisão de continuar com a gravidez, que aconteceu tão de repente. Não era apenas um namorado, sabe... era o Luka."
"Entendo..."
"E agora, não consigo parar de pensar no que pode acontecer com ele lá, no meio daqueles malucos..."
"Não fica assim, Abby... vai dar tudo certo... Luka vai trazer Carter de volta, os dos sãos e salvos."
"Tomara... mas e aí? Quando vai se render àqueles braços tatuados e aquele olhar de mau?"
"Ei, desde quando você vê o Ray assim, heim?"
Abby riu. "Bom... desde sempre..."
"Ai se o Luka fica sabendo disso..."
"Ei, não muda de assunto!"
"Ah, eu não sei... acho que é muito cedo ainda, mas pelo menos conseguimos nos reaproximar de novo. Vou dar tempo ao tempo, nada de pressa dessa vez."
"Bom, mas quero ser madrinha desse casamento também"
"Abby!" As duas saíram da loja, cheias de sacolas.
Luka estava em Darfur há duas semanas. Abby falara com ele por telefone há cinco dias, e ele falou que estava bem, mas não tinham pistas do paradeiro de Carter, mas iriam no dia seguinte a um lugar que um pequeno grupo de Janjaweed estava. Desde então, Luka não havia mais ligado, o que deixou Abby louca de preocupação.
O ritmo do hospital estava tranqüilo. Atenderam dois MVA's de manhã, e depois disso apenas casos menores. Abby aproveitou a falta de pacientes para dar ordem à papelada, quando ouviu Jerry a chamando: "Abby, telefone para você, é ligação internacional."
Com isso, a atenção de todos que estavam por perto foi despertada, sabiam que podia ser notícia de Carter. Abby atendeu ao telefone e, segundos depois, todos se assustaram ao ouvir um barulho: Abby derrubara o telefone, como se perdesse a força nas mãos. Ela tinha lágrimas nos olhos e foi correndo para a Sala dos Médicos, em prantos.
Neela, Ray, Jerry e Kerry se entreolharam.
"Eu vou." Neela disse.
"Vou com você." Disse Weaver, e as duas se dirigiram para a sala. Jerry tentou falar com quem estivesse do outro lado da linha, mas a pessoa já tinha desligado.
"Abby?" disse Neela. Elas encontraram Abby sentada no sofá da sala, com as mãos cobrindo o rosto, chorando desesperadamente. "Abby, o que houve? Você recebeu notícias da África?" Weaver disse. As duas se sentaram ao lado de Abby, tentando conforta-la. Abby não se moveu por alguns instantes, e finalmente fez que sim com a cabeça.
"O que aconteceu?" Weaver perguntou com medo da resposta. Abby tentou falar, mas começou a chorar mais ainda. Respirou fundo e finalmente disse:
"Luka... Luka está... Oh, meu Deus, Luka está morto!"
