# Esse capítulo é dedicado à DanizGemini cujos reviews trouxeram minha musa de volta pra essa história.
E muito obrigada a Marl Paz e Mo de Aries pelos comentários e apoio!


Destinados

05 - Por enquanto, eu não sei...

As semanas passaram mais suavemente do que o esperado por todos. Especialmente para Shaka, sua confusão e insegurança foram aos poucos se acomodando juntamente com a nova rotina. Muito era devido ao elo íntimo rapidamente desenvolvido com Mu.

Os dois se tornaram inseparáveis quase que instantaneamente. Sem precisar de motivos, após aquela primeira noite, todas as outras Mu passara a se mover para a cama de Shaka. E, mesmo quando Shaka achou que já seria capaz de relaxar o suficiente para dormir sozinho, nada falou. Ele apreciava aquele contato acalentador; dormia com facilidade envolvido na aura calma e tranquila que o outro garoto possuía durante a noite. Também, durante os dias, sempre que se sentia perturbado ou confuso, não precisava de muito para encontrar Mu sempre por perto, a mão disponível para que o simples toque lhe passasse a segurança que precisava no momento.

Shaka aprendera o Grego com grande facilidade; inicialmente tivera aulas com Shion, mas foram suas meditações diárias, onde passara a encontrar novos seres superiores, que permitiram que a língua fluísse com tamanha rapidez de sua boca. Logo ele já estava participando das aulas comuns de História e Álgebra com os outros aprendizes.

Acostumado com sua rotina estrita do monastério ele acordava facilmente todas as manhãs muito antes do raiar o Sol, deixava sua cama cuidadosamente para não acordar o amigo, e ia para a biblioteca, no fundo onde haviam almofadas para leitura sempre vazio naquele horário então se acomodava e meditava tranquilamente. Lugar esse que lhe fora indicado por Saga, que um dia lhe encontrara perambulando sozinho pelas ruínas naquelas horas ingratas da manhã. Fora um alívio encontrar um lugar só seu, onde pudesse ficar sem se preocupar recuperando um pouco do que tinha sido sua vida anterior, ele meditava todos os dias até a hora de encontrar os outros meninos para o desjejum.

Teria sido mais um dia comum.

Mu se acostumara a acordar sozinho na cama de Shaka, depois do susto da primeira vez, quando pensou que pudesse ter perdido seu amigo e falhado na missão que o mestre lhe confiara apenas três dias antes. Acabara encontrando Shaka perdido pelos corredores e não entendeu bem o que o outro fazia acordado tão cedo. E ainda que Mu não soubesse o que meditar era, e o motivo daquilo parecer importante para outro, aceitou, feliz em saber onde ele estaria ao menos. E nem levava tanto tempo entre a hora que Mu acordava e quando encontrava com Shaka no refeitório para comerem e passarem o resto do dia juntos.

Porém isso não acontecera naquela manhã. Mu havia esperado o mais que podia e Shaka não havia aparecido no refeitório. Ele acabara comendo correndo, e saíra sorrateiramente do refeitório enquanto Miro e Aioria se estapeavam por alguma razão que ele não ligava, aproveitando o tumulto enquanto Aldebaram tentava separar os dois e outros agitavam incitando a briga. Ele levava uma maçã e lascas de pão embrulhadas em um pedaço de papel, indo a procura do amigo.

Claro que ele 'tivera' que contar aos outros que Shaka conversava com os deuses, porém mantivera em segredo o lugar, sabendo que os outros poderiam espioná-lo ou perturbá-lo, uma vez que todos ficaram curiosos. Ele também tinha curiosidade formigando por muitas partes do seu corpo para saber como aquilo funcionava, Shaka não soubera lhe explicar, dizendo que era assim desde que se lembrava. Bastava começar a meditar, às vezes as vozes vinham sozinhas conversar, outras vezes ele as chamava, não chamava por algo específico e nunca sabia qual viria responder, mas sempre havia respostas.

Mu esgueirou-se sorrateiramente pelos corredores até a biblioteca, e através das infinitas prateleiras até o fundo da mesma. Sentiu-se muito satisfeito consigo mesmo por saber exatamente onde o amigo estaria. Era a primeira vez que ele via Shaka meditando, e aquela posição de pernas cruzadas de maneira estranha, coluna extremamente reta, e o que era aquilo que ele fazia com os dedos?, tudo lhe pareceu por demais complexo e desconfortável.

Ele não soube o que fazer. Se Shaka estivesse tendo uma conversa importante e ele interrompesse os deuses ficariam bravos com ele? Mas se eles se atrasassem para a aula, então seria Saga que ficaria bravo. Talvez Mu pudesse avisar Saga que Shaka estava ainda meditando, afinal, fora ele que arrumara o esconderijo para o loiro ficar tranquilo.

Só então, prestando um pouco mais de atenção que ele viu o brilho das lágrimas que corriam pelo rosto de Shaka, parcialmente coberto pelas sombras das janelas pequenas do lugar.

Foi instinto o que o fez se mover, todas as dúvidas sobre o que era certo ou o que podia ser feito sendo rapidamente apagadas pela necessidade de consolar o amigo.

Ajoelhou-se à frente do loiro, deixando o embrulho sobre a almofada ao lado, suas mãos ansiosas buscando tocar suavemente com a ponta do dos dedos a palma do outro, enquanto sussurrava o nome do amigo. Houve um pequeno espasmo e as mãos do outro agarraram-se a suas, não com a costumeira sutileza de quando buscava algum apoio, mas com força e um certo desespero, deixando Mu realmente preocupado.

- O que houve? Alguém brigou com você? - perguntou ainda em tom de sussurro. Em sua cabeça jovem não haviam muitos motivos além de broncas e ralados para chorar. Talvez pesadelos, apenas - Você teve um pesadelo? - insistiu quando Shaka apoiou a testa em seu ombro, mesmo não tendo certeza se seria possível ter pesadelos ao meditar.

Shaka esfregou a testa em um aceno positivo contra o ombro de Mu bagunçando sua franja loira, e este trouxe uma das mãos para apoiar na cabeça do amigo acariciando lentamente seus cabelos dourados.

- Eu tenho um sonho as vezes que me faz acordar chorando, mas o mestre Shion disse que não é um pesadelo. Miro tem pesadelos, alguns que o fazem ficar a noite inteira acordado por vezes, ele não fala deles, mas passa o dia quieto quando acontece. Aioros disse que são coisas ruins que aconteceram no passado dele. - Mu ficou em silêncio não sabendo mais o que fazer. Aioros dizia que um dia os pesadelos de Miro passariam e não mais o incomodariam daquela forma.

Shaka fungou algumas vezes contra o ombro amigo e levantou o rosto, sua pele clara estava banhada em lágrimas, a franja úmida, bagunçada e colada a pele, deixando visível o ponto vermelho que normalmente ficava oculto. Porém o que mais surpreendeu Mu, foi que seus olhos estavam abertos, e eram azuis como o céu do meio dia, tão claros que era quase doloroso olhar para eles. Ele sabia que o amigo podia abrir os olhos se quisesse, claro que já tinha perguntado, mas ele nunca o havia feito, a exceção do acidente do dia em que chegara.

- Não foi bem um desses, foi mais como... uma visão.- os olhos azuis olharam profundamente nos verdes procurando compreensão, mas Mu não tinha certeza se sabia o que era aquilo - me falaram sobre o futuro, sobre um grande Mal que está para vir para esse mundo.

Mu mordeu seu lábio inferior, tentando encontrar palavras, ele não sabia bem do que se tratava mas aquilo lhe deu um súbito frio no estômago. Sua mão pequena e áspera deixou os cabelos dourados para secar as bochechas debaixo daqueles olhos azuis, a outra firmemente apertada e segura, enlaçada com os dedos de Shaka.

Antes que qualquer um pudesse encontrar algo mais a dizer, uma voz grave e baixa, soou atrás deles, mesmo com toda a suavidade ainda os fez saltar de susto, por não terem notado antes que não estavam mais sozinhos. - Meninos…tudo bem ai?

Os dois pares de olhos infantis voltaram-se na direção do adolescente mais velho que carregava uma pilha de livros pesados em seus braços, piscando muito aturdidos. Shaka se apressou em secar o rosto com as bandagens que agora também envolviam seus pulsos, ligeiramente envergonhado. Mu apenas abriu a boca tentando procurar por alguma explicação que ele não tinha, pensando se já estavam atrasados para a aula.

Saga tinha na face muita tranquilidade, os olhos azuis mais escuros com um fundo de tristeza que ele não deixou as crianças perceberem. Deu um passo à frente, ajoelhando-se próximo aos garotos. Sua mão livre fez uma pegada suave ao mesmo tempo que firme no ombro de Mu, a outra mão estendendo-lhe a pilha de livros.

- Mu, por gentileza, peça Aioros para iniciar a aula por mim. - ainda que sua face e olhar transmitisse gentileza, havia um toque de comando em sua voz que não passou despercebido pela criança; mesmo assim ele não se moveu, mordiscando o lábio inferior, seu olhar se dirigindo para encontrar os azul muito claro de Shaka, indeciso. - Deixe eu falar com Shaka por um instante, encontraremos com você na aula, logo mais.

Apesar do intuito de obedecer, Mu ainda titubeou, decidindo-se apenas quando Shaka lhe assentiu com a cabeça, internamente lhe garantindo que estava tudo bem. Ele levantou-se, apressando-se na direção do ginásio[13]. Lembrando-se que fora Saga que acolhera Miro, logo quando ele chegou ao Santuário e seus pesadelos eram mais frequentes. Talvez ele também pudesse ajudar Shaka.

Uma vez sozinhos, Saga sentou-se cruzando as pernas ao lado da criança loira. Não havia tido muito mais que o contato durante as aulas em grupo, onde o menino permanecia muito quieto e enigmático com seus olhos fechados. Havia tido um ou outra ocasião onde ele acabara ralhando com o grupo que Kanon chamada de terríveis e Shaka estava no meio, mas Saga tinha certeza que o novato nem sabia como acabara encrencado.

- Você tem olhos incríveis Shaka.

O jovem piscou e desviou o olhar, se sentia tão desconfortável com os elogios como sentia com as chamadas de atenção naquele lugar. - Obrigado senhor. - balbuciou corando.

Saga deixou uma risada alta escapar e acariciou a cabeça loira. - Senhor? Não! Me chame apenas de Saga, eu sou só oito anos mais velho que você.

- Mas já é um cavaleiro! - subitamente uma luz se acendeu nos olhos até então chorosos do jovem - Ser um cavaleiro significa que temos que proteger o mundo do mal, não é?

- É isso mesmo. É para isso que treinamos, para nos tornarmos os mais fortes e proteger esse mundo das ameaças.

- De todo e qualquer mal?

Saga titubeou por um instante olhando aqueles olhos tão jovens e inocentes, seus olhos eram puros e límpidos como céu sem nuvens, ele queria sentir aquela pureza dentro de si. - Sim, de todo e qualquer mal. - ele tentou implicar o máximo de confiança naquelas palavras, não deixando transparecer suas próprias dúvidas. - Ouvi que você fala com os deuses? - o jovem balançou a cabeça em assentimento. - Então você talvez saiba ou logo saberá mais que eu, mas os cavaleiros de Athena são reunidos quando há uma grande ameaça a este mundo, e desde os tempos antigos os cavaleiros lutam árduas batalhas contra esse mal, sempre vencendo-o.

A criança suspirou por um momento fechando os olhos, - Mas eu não entendo por quê existe um mal dessa forma que eu vi… não consigo compreender…

Saga acariciou os curtos cabelos dourados procurando uma resposta que não tinha. - Existem muitos mistérios neste mundo que nenhum de nós é capaz de entender… Talvez você, que fala com os deuses, será aquele que um dia será capaz de compreendê-los melhor que todos nós.

- Melhor que o Mestre Shion?

- Sim, talvez melhor que o Mestre Shion.

- Mas Mu me disse que ele pode ler as estrelas!

- De fato, mas ele mesmo me disse que nem mesmo as estrelas lhe contam tudo…

- Oh! - o jovem fez uma exclamação de surpresa, como se não lhe parecesse possível. - Eu não fui escolhido pelo mestre Shion, não é?

- Não pequeno, nenhum de nós foi. Fomos todos escolhidos pelo destino e por Athena, Shion é aquele responsável por nos encontrar, nos liderar e repassar os ensinamentos milenares dos cavaleiros, para que possamos desempenhar nosso papel de protetores.

- Somos como os braços… - ele murmurou baixo mais para si que para o outro, mas Saga não deixou passar.

- Braços?

- Os mil braços… no templo de onde eu vim existe esse deus, ele tem mil braços que são para proteger o mundo.

- E você acha que mil braços são suficientes para o mundo inteiro?

O jovem deu de ombros, - Se oitenta e oito cavaleiros tem sido, desde os tempos antigos…

Saga sorriu. - Tem razão pequeno, você tem razão. - ele estendeu a mão escovando a franja loira colada na testa da criança - Você está bem agora? - perguntou Saga calmamente, recebendo um aceno positivo. - Então vá lavar o rosto e vá para aula sim. Acho que Mu trouxe isso para você. - E indicou o embrulho meio aberto que estava ainda ali ao lado.

Shaka pegou o embrulho, levantando e alisando sua túnica que era de treino como a dos outros garotos. Antes que ele se afastasse, Saga perguntou - Shaka, você sabe quem foi que te mostrou essa visão?

- Não sei dizer… não houve aviso, simplesmente apareceu para mim. - dizendo isso o jovem deu as costas e saiu deixando o adolescente pensativo para trás.

(...)

Em geral os dias passavam com tranquilidade rotineira, estudos pela manhã, treinos físicos a tarde, havia ainda algum tempo para brincadeiras, às vezes para brigas e competições entre os pequenos. Tudo observado a pequena distância pelos adolescentes mais velhos. Mais vezes do que se pudesse desejar, entretanto, todos eles eram lembrados do peso do legado que levavam e das obrigações que tinham que cumprir.

Shaka não precisou procurar muito para encontrar a energia do amigo sentado na grama perto das ruínas atrás do refeitório. Mu havia tido uma sessão especial com o mestre Shion naquela manhã. Ele havia estado tão excitado por ter um raro treino exclusivo com o mestre tão ocupado, que a energia que sua aura emanava naquela manhã chegara a deixar o loiro tonto. Por isso, achara estranho o tibetano não ter aparecido para o almoço como haviam combinado.

Imaginava que o amigo estaria eufórico, pronto para contar todos os detalhes do treino, falando daquela maneira apressada e sem parar que Shaka mal conseguia acompanhar, mesmo quando falavam em suas línguas nativas.

Por isso ficou muito surpreso ao encontrar a figura encolhida, joelhos puxados sobre o peito e a cabeça enterrada nos braços que circulavam as pernas. A aura tão turbulenta do tibetano estava cinzenta e rala. E isso impressionou muito Shaka que nunca havia visto o amigo naquelas condições, nem quando se machucava, ou quando levava algum sermão dos mais velhos, nem mesmo na vez que foram repreendidos pelo próprio Shion, ele nunca havia estado chateado daquela maneira tão profunda e ferida.

- Mu? - ele chamou suavemente, sentando-se na grama ao lado e muito junto do outro, seus ombros se tocando levemente. - Você não veio almoçar.

- Não estou com fome… - respondeu emburradamente, a voz saindo abafada pelo rosto enterrado nos joelhos. Shaka procurou por algum indício de ferimentos mas não havia nada. Passou a maçã que trazia de uma mão para a outra sem saber o que fazer exatamente.

Por fim encostou a própria cabeça no ombro tenso do outro e só ficou ali esperando, eram amigos demais para que precisasse fingir que não percebia os soluços suaves do choro do outro. Sabia que ele acabaria falando o que o incomodava tão profundamente quando estivesse pronto. Mu acabou por levantar a cabeça, enxugando as lágrimas do rosto com as bandagens do punho, que empoeiradas como estavam deixaram marcas escuras na face alva do lemuriano.

Shaka lhe estendeu a maçã e Mu aceitou sem protestar, comendo com gana, pois na verdade, percebia naquele momento que estava sim com fome.

- Mestre Shion vai para a Sibéria buscar mais um aprendiz. - murmurou a criança de cabelos lilases, atirando o resto da maçã bem longe na grama verde para que os pássaros comessem depois.

Shaka ponderou que era a primeira vez que sabia que o mestre se ausentaria desde que ido buscar ele mesmo na Índia, e se perguntou se Mu ficava sempre assim nas ausências dele. Permaneceu em silêncio esperando que o outro estivesse pronto para falar um pouco mais, a cabeça suavemente apoiada no ombro do amigo.

- Eu sei que é o aprendiz para a casa de Aquário, mas e se o mestre for buscar algum para me substituir?

Shaka levantou a cabeça, finalmente entendendo o motivo de tanta chateação, ele havia deixado sua energia se diluir, espalhando-a delicadamente e abriu os olhos muito azuis para encarar, os verdes, levemente avermelhados e marejados da outra criança. - Por que ele iria querer substituir você? - perguntou docemente.

Os olhos verdes se encheram de lágrimas novamente, e a boca se torceu em um triste biquinho antes de explicar, - Eu não consigo, simplesmente não consigo fazer o que o mestre Shion me ensinou, acho que nunca vou ser um cavaleiro… - Mu suspirou sem conseguir conter o choro que rompeu em seguida novamente.

Shaka sorriu suavemente e passou um de seus braços pelos ombros do outro, puxando-o para si. - Eu tenho certeza que você vai ser um grande cavaleiro. - murmurou entre os claros e finos cabelos lilases.

Mu fungou novamente limpando o rosto, seus olhos brilhando quando ele perguntou esperançoso - Foram os deuses que te disseram isso?

O loiro sorriu, e com suas mãozinhas limpou um pouco da sujeira molhada do rosto do amigo, - É minha própria percepção. Acho que você só precisa de um pouco mais de paciência. Mesmo porque Saga me disse que não é Shion que escolhe os aprendizes e sim a própria deusa Athena, então se você foi escolhido não há motivos para achar que não será capaz.

- Mas já fazem meses e eu não consigo nem uma parede pequena. Ela sempre se desfaz e quebra, isso nas vezes que consigo alguma coisa… - Mu fungou novamente, limpando o nariz que escorria. Sua voz continuava embargada, mas pelo menos ele estava conseguindo controlar o choro. - Mestre Shion fica repetindo que eu preciso acalmar minha energia, que tenho que estar concentrado só naquilo e deixar o resto do mundo de lado, só assim meu cosmo vai fluir para formar a crystal wall e ficar forte e firme. Mas é impossível para mim, minha cabeça está sempre cheia de coisas e eu não consigo ficar quieto. Não sou como você que consegue ficar lá meditando por horas, as vezes nem sei se você respira… - desabafou.

Shaka riu da expressão desolada e emburrada de Mu, seu braço puxando-o para mais perto de si em um abraço apertado.

- É mais fácil para mim, eu praticamente vivi no monastério desde que nasci, e o que os monges mais fazem é meditar. Mas você consegue sim, na verdade já faz isso todos os dias, apenas não de forma consciente.

- Como assim? - respondeu o outro surpreso, as mãozinhas espalmadas no peito de Shaka afastando-se ligeiramente apenas do abraço.

- Quando você dorme. Durante a noite, sua energia abaixa, ficando homogênea e bem tranquila, totalmente diferente de durante o dia. Você só precisa fazer isso de maneira consciente.

- Você quer que eu durma acordado? Isso é possível?

Shaka riu novamente, internamente extasiado, por já ter conseguido dissipar um pouco da chateação do outro, e vendo a aura dele voltar a brilhar da maneira habitual, assim como os olhos verdes brilhavam cheios de curiosidade.

- Posso te ensinar uma técnica, vai te ajudar a baixar a energia e ainda continuar consciente. - Mu piscou várias vezes, começando a esboçar um sorriso. Shaka o segurou pelos ombros o empurrando ligeiramente e deixando sentado bem ereto a sua frente. - Deixa eu te ajudar, você tem que ir fazendo o que eu mandar, se concentra só na minha voz e fica bem paradinho, só respirando bem devagar. - Mu assentiu e se ajeitou, sentando-se de frente para o outro procurando endireitar o máximo possível sua postura, as pernas cruzadas e muito atento.

- Feche os olhos, eu vou contar de dez até zero e ir dando instruções para você relaxar cada parte do seu corpo, se concentra em fazer somente o que eu te falar, e tenta não prestar atenção em mais nada além da minha voz.

Mu franziu um pouco a testa, aproximando seus pontos arroxeados, mas fez o que o outro mandou. Shaka iniciou a contagem bem lentamente do dez, mandando que ele visualizasse o número brilhante como vindo do infinito, mas antes que pudesse prosseguir foi interrompido.

- Não posso demorar todo esse tempo assim… Se for uma luta de verdade eu posso morrer só por fechar os olhos…

Shaka que também havia fechado os olhos, abriu apenas um deles, com olhar de censura para o outro, mas compreendendo que era difícil mesmo para ele acalmar toda aquela personalidade agitada. - Bobo, é só no começo, para você aprender. Depois você tem que treinar bastante, aí vai conseguir fazer em um instante, sem sequer piscar os olhos.

Mu mordeu os lábios absorvendo o olhar e o tom sério na voz do outro, ligeiramente incerto, mas lembrando-se de como Shaka mantinha os olhos fechados e conseguia enxergar através do cosmo e ainda falar com os deuses quando meditava, achou que era experiente o suficiente para saber do que falava.

Shaka pegou as mãos do outro nas suas e usou um tom de comando que nem sabia possuir - Vamos tentar!

Ambos fecharam os olhos, e dessa vez Mu se esforçou para não dar atenção aos pensamentos todos que voavam por sua mente e se concentrar na voz de Shaka. Esta tinha assumido um tom profundo e grave que ele nunca tinha ouvido, ecoava dentro de seu corpo de uma maneira estranha, incitando-o e dominando a turbulência de sua energia. Ele foi imaginando os números vindos do infinito conforme a contagem regressiva avançava, relaxando cada parte do corpo conforme era comandado, focando na respiração lenta e deixando o corpo derreter e esquentar como se mente e corpo fossem duas coisas separadas[14].

Quando a contagem chegou a zero, Shaka repetiu o número algumas vezes, e usando seu próprio cosmo analisou a energia do outro.

- Continue respirando lentamente. Agora quero que abra os olhos bem devagar, deixe a luz penetrar pelos seus olhos mas não tente focar nas imagens, mantenha a concentração e relaxamento do seu corpo como está. Sua energia está calma e tranquila, como quando você dorme.

Mu continuou seguindo a voz do amigo, o corpo relaxado e até formigando levemente, longe em sua mente ele se perguntava se estaria dormindo ou se teria controle de seu corpo nesse estado.

- Vamos levantar agora e vamos fazer muito lentamente, sinta cada músculo se movendo lentamente não faça movimentos bruscos. - Segurando a mão do outro para conter os movimentos e manter tudo como se acontecesse em câmera lenta, ele se levantou guiando os movimentos lânguidos e morosos.

Ele soltou a mão de Mu dando alguns passos muito lentos para trás, continuavam de frente ele quis apenas ter alguma distância entre eles.

Mu ficou parado no mesmo lugar onde estava, entendendo que a distância do loiro era para que tentasse conjurar o golpe, a voz calmante dele continuava ecoando em seus sentidos, lhe dizendo para respirar lentamente, mantendo o estado letárgico de seu corpo, lembrou dos ensinamentos de Shion, lhe dizendo como controlar o cosmo, como usá-lo para controlar as partículas do ambiente a sua volta, separá-las e juntá-las na estrutura de cristal, no formato de cada molécula das infinitas que formariam a uma parede de cristal que não poderia ser quebrada.

E qual não foi sua real surpresa ao se deparar com o brilho sutil da Crystal wall bem a sua frente. Ele ficou lá parado com os braços abertos e esticados na pose final do golpe, estático, vendo a imagem nítida do amigo loiro que lhe sorria através da translúcida parade bem a sua frente, e não era pequena, estava ali inteira até onde seus olhos podiam alcançar para os dois lados e para cima, rebrilhando e refratando a luz do sol da tarde.

Claro que ele ficou tão excitado que ela se desfez com a mudança da energia, mas Mu não se importou, correu para o amigo e jogou-se em cima dele abraçando-o em meio a risadas e agradecimentos, fazendo os dois caírem na grama embolados.

- Consegui! Consegui! Consegui! - ele comemorava sem parar, infinitamente satisfeito por finalmente ter conseguido, ele abraçava o loiro com força. E por fim levantou o rosto, sorridente, uma pequena lágrima de alegria rebrilhando nos olhos verdes quando encararam o azul anil dos olhos de Shaka - Você é o melhor amigo do mundo! - disse, e seus lábios desceram na direção do outro, dando-lhe um pequeno e inocente beijo em agradecimento.

Shaka estava contagiado pela energia e alegria do outro e nem teve tempo, ou se preocupou em entender o gesto, logo era arrastado pela mão pelo amigo de sempre tagarelante e radiante, correndo querendo contar aos outros que finalmente tinha conseguido fazer seu primeiro golpe e que seria o cavaleiro de ouro de Áries.

(Continua…)


Diana Lua
Diana C. Figueiredo

Escrito em: 28/01/2019 e 04/02/2020 - Publicado: 29/06/2020
Última alteração: 23/02/2022


Notas:

[13] A palavra gymnasium é a versão latina do nome grego γυμνάσιον (gymnasion), "escola ginástica". Por sua vez "escola" é derivado do adjetivo γυμνός (gymnos) do grego comum e significa "nu", por relação com o verbo γυμνάζω (gymnazo), cujo significado é "treinar nu", "treinar em exercícios de ginástica", geralmente "treinar, exercitar". O verbo tinha este significado porque era hábito despirem-se para fazer exercícios físicos. Historicamente, o gymnasium era usado para exercício físico, área de banho comum e atividades escolares e filosóficas. Fonte Wikipédia, consultada em 06/02/2020

[14] Eu não conheço nada de meditação e sou terrível nisso, mas fiz um curso de auto conhecimento uma vez e tinha esse método para baixar a frequência de ondas do cérebro de beta para alfa e achei que cabia bem aqui.


# Sim, demorou mas saiu... confesso que quando comecei a postar essa história minha meta era um capitulo a cada 6 meses... que infelizmente não tenho conseguido cumprir, mas ao menos está saindo um capitulo por ano. :/

# Tinha uma cena Aioros x Saga aqui, mas teve que ficar para o próximo capitulo, tanto por causa do tamanho, tanto por conta que preciso dar uma passadinha de tempo. :)

Então o Muzinho conseguiu fazer a Crystal Wall pela primeira vez e ainda rolou um beijinho...
Fofura pura não?