Update: Essa história está em processo de atualização, os capítulos serão todos revistos e os erros e incoerências mais graves corrigidos e, principalmente, a escrita suavizada; dito isso, esse capitulo já passou pela revisão.
Dois dias passaram-se desde o fatídico Halloween.
Mais cedo, naquele mesmo dia, a professora McGonagall lhe informara com um olhar duro que o diretor gostaria de falar com ele após o jantar. Jantar este que, por sua vez, se encaminhava para um fim melancólico.
Isto é, Harry não havia conseguido saciar-se com a quantidade de alimentos que seu corpo havia se acostumado a ingerir nas últimas semanas. Para alguém como ele, que havia tido oferta de comida menor que a ideal em sua infância, era uma situação particularmente desagradável.
Sobretudo diante da perspectiva de ser expulso e obrigado a voltar aos seus padrões de vida anteriores.
No fundo, Harry sabia que McGonagall engoliu a fábula que ele havia contado enquanto segurava uma menina desconhecida nos braços. Trolls, afinal, não são conhecidos pela enorme resistência física, mas sim pela mágica. Colaborando com sua extrapolação da realidade também havia o fato de que a cabeça das criaturas, Harry teve o cuidado de pesquisar no dia seguinte, era muito mais frágil do que o senso comum arriscaria dizer. Dito isso, o bastão pesado da criatura poderia sim, em uma situação muito específica, com um pouco de sorte e um feitiço de levitação bem utilizado, colocar a criatura para dormir permanentemente.
Ou, pelo menos, era isso que ele falava para si mesmo enquanto tentava tranquilizar suas preocupações errantes.
De fato, ele não queria nem pensar no que aconteceria se Dumbledore ao menos desconfiasse acerca da verdade sobre os eventos que ocorreram naquele banheiro.
Havia pouco sentido em mentir para si mesmo, Harry havia sim praticado magia negra dentro das paredes de Hogwarts. É bem verdade que ele provavelmente não era o primeiro, mas por algum motivo duvidava que isso fosse uma desculpa convincente, ou mesmo que evitaria sua expulsão eminente.
"Gota de limão." Resmungou o jovem bastante contrariado ao deparar-se com o olhar julgador do enorme pedaço de pedra animado.
A gárgula criou vida e saltou para o lado dando lugar a uma escada. No fim da escada havia uma porta adornada e escura em que Harry bateu com cuidado, anunciando sua presença.
Não tardou para que a confirmação viesse, na forma de um convite para entrar.
O escritório do diretor era um lugar engraçado, cheio de quadros, objetos estranhos e livros.
Havia, em um poleiro luxuoso, um pássaro vermelho que imediatamente chamou sua atenção.
Harry não conhecia aquela espécie em especial, mas parecia importante.
Sendo honesto consigo mesmo, ele estava esperando sentir algo forte ao entrar neste cômodo em específico. Uma esperança um pouco ingênua, considerando que sua aparente capacidade de sentir coisas que os outros não sentiam parecia severamente anestesiada, senão completamente ausente, após seu confronto com o troll.
O jovem evitava pensar no motivo.
"Harry, meu garoto!" Cumprimentou Dumbledore, esbanjando tranquilidade. "Sente-se, por favor." Ofereceu o velho cordialmente. "Gostaria de uma gota de limão?"
Harry limitou-se a negar com a cabeça, enquanto observava o homem tomar um dos doces para si e dando indícios, ao mesmo tempo, de que pretendia continuar a falar.
"Imagino que esteja se perguntando o porquê de eu lhe chamar aqui." Comentou astutamente o ancião.
Uma resposta verbal era desnecessária. Harry deixou claro, desde que entrou no cômodo, que ele estava absolutamente mortificado e curioso com a razão da conversa.
Percebendo o incomodo visível do garoto à sua frente, os olhos de Dumbledore piscaram de uma forma paternal e ele sorriu.
"Chamei-lhe aqui, Harry, para uma conversa muito atrasada sobre seu desempenho em aula." Isso o surpreendeu, ele esperava muitas coisas, mas, certamente, não uma conversa acadêmica. "Seus professores têm lhe elogiado bastante, em especial Minerva e Filius."
"Eu tenho me esforçado senhor." Respondeu o jovem com cuidado, ainda desconfiado sobre as razões por trás do encontro.
"Certamente, Harry." Ponderou o homem com um aceno apaziguador, seus olhos, no entanto, estavam mais afiados do que nunca. "Eu me lembro da primeira vez que pisei em Hogwarts. Jovem como você e cheio de sonhos. Devo dizer que sempre fui um aluno talentoso."
O homem comeu outro de seus doces.
"Foram minutos incríveis, quando pisei aqui pela primeira vez... Sensações que não vou esquecer." Falou Albus com uma voz suave. "Tenho certeza que sabe o que quero dizer, Harry."
O olhar do diretor passou de nostálgico, ainda que cortante, para mortalmente sério.
Harry, por sua vez, estremeceu na cadeira que ocupava.
"Desconfiei do seu talento assim que pisou no grande salão." Recomeçou o diretor, após uma pausa, de modo deliberadamente lento. "Vi em seu rosto, não era como o de nenhum outro estudante."
"Eu não entendo, senhor." Protestou Harry fracamente.
"Sem sentido!" Descartou o homem. "Confirmei durante a noite em uma conversa com o chapéu seletor e desde então tenho observado você." O diretor continuou encarando-o com seriedade mortificante. "Você é talentoso, Harry... Muito talentoso. A Sensibilidade Magica, quando vem naturalmente, é um dom concedido a pouquíssimas pessoa. Mesmo os mais comprometidos dos magos demoram vidas inteirar para ter acesso a essa habilidade."
Era a primeira vez que Harry ouvia algo sobre isso e, fatalmente, a explicação vinha carregada com um seriedade desconcertante.
"Mas conseguir fazer esse tipo de coisa nessa idade?" A pergunta retórica veio acompanhada de uma pausa. "Estamos falando da verdadeira raridade, é algo que apenas duas outras pessoas conseguiram antes de você."
Inevitavelmente, o olhar do garoto se transformou em um misto de preocupação com curiosidade.
"Senhor..." Hesitou Harry. "Eu tenho uma ideia sobre o que estamos falando, mas eu não tenho certeza se eu entendo o conceito disso, para falar a verdade." O sincericídio não pareceu surpreender Dumbledore que, na verdade, parecia já esperar por isso. "Até poucos dias essa coisa era algo que eu pensei que todos pudessem fazer."
Bastou apenas uma sobrancelha levantada por parte do velho a sua frente para Harry amaldiçoar sua boca grande. Inadvertidamente, ele havia revelado mais do que gostaria e deveria.
"Até a noite do Halloween, eu presumo." Falou Dumbledore seriedade, antecipando a concordância hesitante do mais jovem.
"Você deve estar muito preocupado com o desaparecimento parcial de sua habilidade."
Especulou o diretor.
A frase, aparentemente despretensiosa, não tardou a disparar alarmes na cabeça de Harry.
"Sim, Harry." Confirmou o homem, tirando-o, finalmente da agonia proporcionada pela incerteza. "Eu estou plenamente consciente do que você fez para derrubar a criatura."
O silêncio tomou conta do ambiente. O velho parecia esperar a disposição do mais jovem falar algo, mas este jazia perdido em sua própria preocupação.
Por um lado, era quase um alívio saber que isso não era um segredo absoluto, mais alguém sabia.
Mas, por outro...
"Primeiramente, devo dizer que não aprovo seus métodos." Recomeçou o velho, ao perceber que a conversa continuaria de forma unilateral. "Terminantemente não! De modo algum! Mas, ainda que eu não aprove, acho que não posso culpá-lo por isso."
Sem surpresar o que parecia um peso enorme foi tirado das costas de Harry. Se o diretor sabia e, principalmente, não o culpava havia pouco que ele pudesse fazer sobre isso.
O assunto parecia fora de suas mãos, para o bem ou para o mal, e só cabia a ele aceitar o que o velho decidisse.
"Magia negra é uma coisa perigosa, Harry." Divagou o diretor, parecendo levemente descontente com a recusa de Harry em falar qualquer coisa. "Ela é desaconselhada, senão proibida, por um motivo muito importante... Você, por acaso, sabe qual é esse motivo?"
A pergunta era desconfortável na medida que o forçava a participar da conversa; mas, a bem da verdade, Harry tinha um bom palpite.
"É viciante."
Foi quase um sussurro, mas o diretor ouviu e assentiu, encorajando-o a continuar.
"Pareceu tão errado, no momento que eu fiz, mas logo depois tão certo." Refletiu o jovem com o máximo de distanciamento que conseguiu reunir. "Foi bom." Admitiu ele, como uma comporta que se abria. "Sim, é isso! Foi inexplicavelmente bom."
Desabafou o jovem.
"Eu mantive o troll sobre o feitiço por vários minutos." Revelou ele em meio ao fluxo de divagações. "No entanto, para mim, pareceu ser alguns poucos segundos, no máximo." Ele estremeceu ao lembrar. "E logo acabou! Eu não entendo o que aconteceu, mas a primeira coisa que pensei, antes mesmo de abrir os olhos, foi que eu queria mais daquilo."
"E então você finalmente se deu conta do que fez." Supôs o homem com um olhar atento, porém compreensivo.
"Sim..." Concordou o jovem. "Me dei conta e vomitei quase que imediatamente."
Ao completar sua história, o garoto tinha os olhos levemente marejados, enquanto encarava a parede do escritório, envergonhado.
"Eu entendo, Harry." Começou o velho após conceder a misericórdia de alguns minutos de silêncio. "Eu realmente entendo... A magia negra, quando é praticada por qualquer bruxo normal, fornece imediatamente uma sensação de prazer doentia e anormal. Mas, quando praticada por alguém com sua sensibilidade não treinada, é uma coisa avassaladora e completamente destrutiva. Você entende o que estou falando?"
Perguntou o diretor com ar sério.
O jovem pesou as palavras com cuidado, antes de responder com pouca convicção.
"Eu não vou fingir que entendo completamente senhor."
Disse o garoto, exalando incerteza.
Dumbledore, no entanto, sorriu.
A feição tranquila do velho, também foi um alívio para Harry.
"Eu gostaria que algo desse tipo, caso acontecesse, tivesse demorado mais alguns anos, Harry." Admitiu o ancião com uma aparência um pouco mais cansada do que a que usava anteriormente. "No entanto, temo que nada possamos fazer quanto a isso. O que está feito, está feito! Vamos tomar algumas medidas, mas não há muitas garantias sobre qualquer efetividade."
"O que quer dizer com isso, senhor?"
Questionou o garoto hesitante.
"Você, meu caro menino, descobriu os prazeres das artes das trevas." Esclareceu o homem com uma honestidade brutal. "Considerando seu dom latente, eu duvido muito que você, por mais forte que se prove, consiga ficar longe delas por muito tempo."
As palavras beiravam a qualidade de um agouro, anunciando algo que não era bom e, de certa forma, condenando o jovem por crimes que ele ainda não havia cometido.
Mesmo assim ele assentiu em concordância.
Harry Potter não era exatamente ingênuo. Mesmo agora, no escritório acolhedor de Dumbledore ele conseguia lembrar com exatidão a sensação de segurar o feitiço das trevas perante aquela criatura mágica indefesa.
Ele não mentiria pra si mesmo, havia sim, no amago do seu ser, uma inegável vontade de sentir aquilo novamente.
Indiferente aos pensamentos acelerados do jovem a sua frente, Dumbledore retomou seu raciocínio.
"Todos os sábados, após o jantar, eu vou lhe esperar aqui."
Anunciou o velho.
"Até o fim do ano letivo, espero que eu consiga lhe ensinar o básico do controle de seu dom. Peço-lhe encarecidamente que, pelo menos até lá, se abstenha por completo das artes, Harry. Para o seu próprio bem."
Alertou o diretor com ar de seriedade.
"No decorrer do seu segundo ano em Hogwarts nós continuaremos com nossos encontros. No entanto, para além do controle dos seus dons, vou fazer o máximo que eu puder para instrui-lo nas artes do jeito que eu achar mais adequado."
Anunciou o velho para a surpresa Harry, que pensou que o diretor jamais aceitaria ou reconheceria que o jovem tivesse qualquer contato com a magia vil.
"Você pode ir agora, meu garoto." Dispensou o diretor finalmente. "Lembre-se do que eu disse e nos encontraremos na próxima semana."
Aquelas serenas manhãs de sábado não traduziam, de modo algum, os sentimentos, muito menos o humor, de Harry.
Pelo menos não naquele dia em específico.
"Você devia comer alguma coisa."
Opinou Neville, com um sorriso presunçoso.
Harry, por sua vez, limitou-se a revirar os olhos enquanto continuava a brincar com seus ovos e bacon.
Sua introspecção foi, novamente, perturbada. Desta vez, por um ágil furto de Neville.
"Ei eu não disse que você podia pegar minha comida."
Protestou o jovem de cabelos verdes visivelmente irritado.
"Mas você também não disse que eu não podia."
Zombou Neville sorrindo tortuoso.
Harry empurrou seu prato à distância, enquanto se afastava da mesa.
Não estava minimamente interessado em aguentar o senso de humor recém-descoberto e florescente de seu melhor amigo.
Sendo assim, encaminhou-se a passos largos para o vestiário masculino do time de quadribol da Grifinória, enquanto se esforçava em ignorar o riso de zombaria do garoto deixado para trás.
No entanto, em meio a resmungos e seu, já característico, mal humor, foi interrompido antes que pudesse sair do salão.
"Neville." Reclamou o garoto, mesmo sem ter certeza sobre quem havia segurado a manga de seu uniforme. "Não tenho tempo para isso agora!"
Suas reclamações, no entanto, foram interrompidas ao perceber, finalmente quem segurava seu braço.
"Você não é Neville."
Constatou Harry.
A garota loira e, claramente, mais velha à sua frente apenas levantou uma sobrancelha com um sorriso contido.
"Isso é obvio." Disse ela sorrindo. "Sarah Richards."
A apresentação da garota era pouco formal e vinha acompanhada de uma oferta de aperto de mãos, rapidamente aceita pelo garoto mais jovem.
"Harry Potter."
Murmurou ele enquanto apertava a mão da menina.
Ele reconhecia a garota, é claro.
Era uma estudante do sexto ano da Grifinória e, coincidentemente ou não, a pessoa que estaria morta sem sua interrupção oportuna alguns dias atrás.
"Eu sei quem você é, Harry!" Afirmou a menina parecendo bem menos confiante agora do que alguns segundos atrás. "Olha, eu gostaria de agradecê-lo, sabe... Eu sei que você tem um jogo pra ganhar agora, mas..."
A garota sorriu novamente.
"Vi você saindo do salão e achei que seria uma boa hora para agradecer e desejar sorte no jogo."
Surpreendendo, e de certa forma, humilhando um pouco, o jovem de cabelos negros, a garota se abaixou até sua altura. Sua mente, no entanto, ficou em branco, mal registrando o momento em que a garota encostou seus lábios em sua bochecha esquerda.
Ela não tardou a se afastar sorrindo.
"Obrigada, Harry..." Disse ela com as bochechas brilhando. "E boa sorte!"
O time da Sonserina não viu o que os atingiu.
O natal chegou muito mais rápido do que Harry pensava ser possível e Hogwarts parecia, desafiando toda a lógica, ainda mais caótica naquela época do ano.
Harry se divertia observando as trapalhadas dos gêmeos Weasley nos dias em que o lago congelado e a imensidão branca lá fora o impediram de caminhar sozinho, ou acompanhado de seu amigo, pelos terrenos vastos, gastando tempo nas margens da água como faziam em épocas mais quentes.
Foi muito pouco surpreendente, por conta do clima hostil, se ver cada vez mais tempo preso na biblioteca.
Neville era tolerante com seus hábitos e muitas vezes o acompanhava em sua jornada incessante em busca de criar raízes no cômodo inóspito.
Mas, independentemente da tolerância, ele preferia, em qualquer dia, gastar seu tempo cuidando de plantas nas estufas.
Como já era de se esperar, a professora Sprout havia adquirido um gosto pelo rapaz e permitia que ele cuidasse de algumas das ervas mais simples em seus horários de folga.
Diversão para Neville, que adorava gastar tempo com esse tipo de coisa; e diversão em dobro para Harry, que conseguia pensar em insultos cada vez mais criativos e elaborados para tirar seu amigo do sério.
Em uma nota completamente diferente, Malfoy parecia mais maldoso que o normal naqueles dias brancos e Harry tinha ficado melhor em ignorá-lo depois de algumas sugestões pouco sutis sobre a sua, supostamente, estranhíssima permanência na escola durante as festividades de fim de ano.
Não havia nada de obscuro, era simplesmente uma verdade que Harry não ia voltar à Rua dos Alfeneiros naquele natal, nem em qualquer outro em um futuro previsível. Honestamente, se ele pudesse jamais voltaria para lá, não que Malfoy, ou qualquer outra pessoa, precisasse saber dos detalhes sobre isso.
A Professora Minerva passou a semana anterior fazendo uma lista dos alunos que ficariam em Hogwarts no Natal e Harry assinara seu nome na mesma hora. Provavelmente aquele seria o melhor Natal da sua vida.
Alguns outros grifinórios, com quem Harry não tinha muito contato, ficariam também.
Neville, no entanto, resolveu que deveria ir para casa visitar sua avó.
Harry desconfiava que o menino tivesse más intenções e provavelmente ganharia, em breve, uma novíssima vassoura e, quem sabe, até uma varinha para acompanhar.
Harry foi bem insistente em convencer Neville que ele precisava ter uma só sua, independente de quão bem, ou mal, a de seu falecido pai funcionasse.
Então, finalmente o dia chegou e Harry estava tão sozinho quanto era razoável esperar.
Não de fato sozinho, é claro. Havia outras pessoas com ele no castelo, mas seu amigo mais próximo não estava lá.
Enquanto mastigava uma asa de frango particularmente saborosa ele imaginou que pudesse, até mesmo, sentir um pouco de falta de seu amigo.
Esses pensamentos errantes não duraram, no entanto.
"Olá Harry!"
Ele reconheceria aquela voz sem olhar. Porém, olhou mesmo assim.
"Olá Sarah." Cumprimentou o jovem surpreso e levemente envergonhado. "Eu pensei que iria para casa no natal."
O jovem fez o seu melhor para fingir que o leve rubor que tingia seu rosto não existia, mas o seu melhor dificilmente era o suficiente.
Sarah apenas sorriu maliciosamente, se recusando a perder uma oportunidade tão clara.
"Você tem pensado muito na minha pessoa, ultimamente?"
Questionou ela de forma brincalhona.
Harry mais uma vez amaldiçoou a sua boca grande e sabiamente decidiu mantê-la fechada, pelo menos por agora.
"Eu mudei de ideia." Esclareceu ela voltando a falar. "Minha prima, Nicole, resolveu visitar durante essa semana..." Explicou ela. "Ela e seus pais moram na França. Minha mãe provavelmente me obrigaria a treinar meu francês." Sarah torceu o nariz. "Percebi que seria melhor inventar uma desculpa para ficar aqui e me poupar da tortura."
Harry assentiu com um ar indiferente.
Ele era um órfão e dificilmente conseguia se relacionar simpatizar muito bem com o que a garota estava dizendo.
Simplesmente não parecia razoável que alguém pudesse estar com a sua família e optasse por se privar disso por uma razão tão banal.
Sarah olhou ao redor confusa.
"Onde está seu amigo?"
Perguntou ela.
Harry mastigou mais um pouco de sua comida antes de responder com uma voz desinteressada. Ele morreria antes de admitir que ativamente evitava olhar nos olhos de Sarah, era difícil encará-la sem lembrar do pequeno beijo que ela tinha lhe dado alguns dias atrás.
"Ele saiu para o feriado. Disse que tinha algumas coisas para resolver com sua avó." Deu de ombros. "Eu acho que ele só estava sentindo falta de casa."
"Entendo, talvez a gente possa passar um tempo juntos, gostaria de conhecer melhor o meu salvador."
Provocou a menina antes de lançar um olhar para o relógio em seu pulso, sem perceber o rubor que subia pelo rosto de Harry.
"Eu tenho que ir, te vejo depois."
Despediu-se ela subitamente com um beijo no rosto.
Harry naquele momento poderia ser facilmente confundido com um pimentão.
Voltou à sua comida numa fútil tentativa de tirar a menina de sua cabeça. Mas Suspirou em derrota.
"Mas que droga!"
Deixou escapar desolado e confuso.
Harry Potter praticamente se arrastava pelos corredores de Hogwarts.
Era muito tarde, quase cedo.
Isso, no entanto, não o preocupava muito. O homem que a poucos momentos o ensinava a controlar seu dom, que mais parecia uma maldição, havia tido a preocupação de agraciá-lo com um passe livre pra essa noite, apenas.
O velho, sabendo da situação em que seu aluno mais novo se encontrava, naturalmente se ofereceu para levá-lo até a enfermaria, mas Harry descartou todas as preocupações. Afinal, era muito tarde e ele estava convencido de que merecia a dor.
Os últimos dois dias tinham sido duros com ele. Afinal, havia restado um pouco de tempo livre desde sua conversa com o diretor.
Naturalmente, a ausência de Neville, e a cabeça consideravelmente menos ocupada do que o habitual, o levou a pensar mais e mais sobre suas ações.
Era desnecessário dizer que ele estava menos do que satisfeito com ele mesmo e Harry não podia dizer que as aulas de oclumência generosamente oferecidas por Dumbledore estavam ajudando.
Segundo o velho, a técnica obscura era a melhor forma de trilhar os primeiros passos em direção ao controle total de seu dom raro.
Mas tudo tinha seu preço.
Durante o dia ele se culpava e a noite os pesadelos causados pela sua inexperiência em ocluir sua mente o colocavam em um estado de estresse.
Nesses sonhos ruins, Harry era levado de volta ao maldito banheiro no terceiro andar. Só que dessa vez não havia troll, apenas Sarah, ocasionalmente Neville e, às vezes, apenas uma versão sinistra de si mesmo.
A falta de um monstro não impedia Harry, seus esforços para controlar o inevitável se provavam, noite após noite, risíveis quando ele cruelmente tirava o ar dos pulmões de seus amigos, até que a vida deixasse seus olhos.
E assim, em quase todas as manhãs, ele acordava. Suando frio e tremendo; dolorosamente consciente de sua cicatriz na testa; e com a frágil organização de sua mente totalmente bagunçada.
Harry foi tirado dos seus pensamentos e passos dolorosos quando uma porta chamou sua atenção.
Seu coração bateu forte quando percebeu que ele podia sentir coisas no lado de dentro do cômodo.
Era a primeira vez em semanas que aquilo acontecia.
Isso só poderia significar que seu dom estava finalmente despertando, como o diretor garantiu que aconteceria, depois da overdose causada pela magia negra.
Sendo honesto, isso o tranquilizava um pouco. Ele seria grato por um pouco de normalidade, a ausência de seu dom foi a coisa que mais o incomodou durante aquelas longas semanas.
Ele não perdeu tempo em abrir a porta.
Diante dele jazia uma sala ampla. Vazia em sua maior parte, exceto por um espelho alto e bonito no centro da sala.
Ele aproximou-se com cuidado.
Não por cautela exagerada, ou calma fingida, o espelho lhe causava uma sensação desconhecida.
E quando se tinha um dom como o dele, sensações desconhecidas eram uma boa razão para permanecer atento.
Uma inscrição na parte de cima do objeto chamou sua atenção quase que imediatamente.
"Oãça rocu esme ojesed osamo tso rueso ortso moãn..."
Tentou ler o jovem em voz baixa.
Não havia muito mais a ser dito sobre a sala ou sobre o espelho. Tampouco qualquer outra razão para não encarar a superfície reflexiva.
Seus olhos finalmente encararam o reflexo e o que ele viu o surpreendeu.
Sorrindo feliz no espelho havia uma versão de si mesmo, mas esta não espelhava sua situação no momento.
Em primeiro lugar, não trazia seus olhos tristes, expressão derrotada e, tampouco, as marcas de cansaço em seu rosto.
Com um revirar em seu estômago, Harry soube que estava olhando para uma versão de si mesmo antes do seu encontro com o troll.
Foi uma guinada mais brusca ainda perceber que seu reflexo apontava sorrindo para algo que estava ao seu lado.
Despercebido até então, para a mais absoluta surpresa de Harry, ali havia uma outra versão de si mesmo. Enquanto o primeiro reflexo tinha um olhar feliz e inocente, este outro parecia mais velho. Os olhos do segundo brilhavam em verde com luz etérea e inexplicável. Um sorriso feroz enfeitava sua face pontuda e, em sua mão, jazia o que parecia um orbe de energia.
Harry sentiu a familiar vontade de vomitar ao perceber a cor azulada do orbe.
A mesma cor vil que brilhou na ponte de sua varinha naquela noite de Halloween.
As duas figuras permaneceram ali, em pé, por alguns segundos.
Mesmo depois de ele correr pela porta em direção ao seu dormitório.
Harry não conseguiu, naquela noite e nem nas próximas, se livrar da imagem gravada em sua retina.
Era, finalmente, natal e ele se encontrava sentado em uma poltrona perto da lareira na torre da Grifinória.
Harry tranquilizou-se ao sentir o peso confortável da sua recém-adquirida capa de invisibilidade, que jazia escondida em suas vestes.
De repente, se viu tirado de seus pensamentos ao ser apertado na poltrona, ao seu lado acabara de sentar Sarah.
Mais uma vez, não conseguiu evitar a vermelhidão em seu rosto, o que parecia comum em se tratando da garota loira e desinibida.
Apesar de os últimos dias terem o ajudado a se acostumar com o contato corporal, ele ainda tinha alguns sentimentos estranhos ao chegar tão perto dela.
"Olá, Harry."
Cumprimentou ela. Alegre, como de costume.
O garoto, por sua vez, suspirou fingindo exasperação.
"Sarah, essas poltronas não foram feitas para duas pessoas."
Disse ele recusando-se a desviar os olhos do fogo.
A garota riu.
"Aí é que está à graça da coisa, Harry." Provocou ela de forma sorridente. "Aqui!" Resmungou a loira empurrando um pequeno pacote. "Trouxe uma coisa para você."
Harry estava surpreso.
É verdade, ganhou alguns presentes, mas não estava esperando nada dela.
Mesmo que ele tenha se incomodado em mandar um presente por conta própria.
Parecia adequado.
"Obrigado, Sarah!"
Sorriu o menino de cabelos negros, surpreso e animado enquanto se rendia em um abraço de sua nova mais nova amiga.
A garota respondeu ao abraço enquanto ria da empolgação do garoto e o incentivava a abrir o presente.
Dentro do pacote Harry encontrou, como esperava, um livro.
"Alquimia ao Longo dos Séculos."
Leu, em voz alta, surpreso.
"Sim, escutei você resmungando por aí que Hogwarts não tinha muitos livros sobre o assunto." Ela parecia envergonhada agora. "Escuta, Harry... Eu sei que não é muito, mas não há muitos livros por aí sobre como praticar alquimia, então eu..."
O garoto se limitou a abraçá-la novamente.
"Não se preocupe, Sarah." Tranquilizou ele sorrindo largamente. "Eu adorei isso! Sério! Obrigado novamente!"
Os dois se olharam sorrindo por um momento, mas a magia logo foi quebrada por uma das amigas de Sarah, Sophie, que a chamou para longe.
"Eu preciso ir, Harry." Desculpou-se ela. "Já é tarde, prometi para Sophie que ajudaria ela com o dever de casa de poções." Falou com um sorriso levemente tenso enquanto levantava-se após um breve beijo no rosto do rapaz mais novo. "Feliz Natal!"
"Feliz natal, Sarah."
Desnecessário dizer que Harry não pensou muito nos seus problemas recentes durante algumas horas.
