A garota francesa caminhou a passos lentos em direção ao escritório de sua mentora.

A preocupação estava bem disfarçada, atrás de sua altivez habitual, mas qualquer pessoa que entendesse o relacionamento da garota com a mulher mais experiente saberia que a convocação tardia era incomum, ainda mais em um dia como aquele.

"Fleur."

Cumprimentou a diretora, sentada em uma cadeira decorada atrás de uma mesa simples. O escritório era pequeno e prático, apropriado para uma carruagem mágica, muito diferente da velha sala dos diretores na França.

"Lamento convocá-la em um dia como esse." Disse ela em francês, referindo-se ao seu encontro com o dragão, que havia ocorrido mais cedo, naquele mesmo dia. "No entanto, precisamos conversar."

Fleur limitou-se a assentir, sem esconder a incerteza em sua expressão.

"Eu entendo, Madame."

A mulher suspirou afastando os poucos documentos em sua mesa e se recostando na cadeira decorada.

"O que você acha do garoto, querida?"

Questionou a mulher, sem perder tempo com cortesias desnecessárias.

A jovem loira hesitou, mas apenas por um momento.

"Ele parece descuidado." Ponderou ela. "E extremamente irritante."

A mulher assentiu avaliativamente.

"Você provavelmente está certa." Concordou a diretora. "No entanto, estamos ignorando o problema principal." Lembrou ela. "As habilidades dele! Elas são assustadoras!"

Fleur mordeu o lábio inferior, levemente incomodada, desviando o olhar de sua mentora.

"Talvez estejamos nos precipitando." Teimou a garota. "Pode ter sido sorte."

A mulher balançou a cabeça, descartando as palavras da mais jovem com facilidade.

"Assim como você, eu me ocupei em saber mais sobre o garoto." Revelou a mulher de forma sombria. "Não vou me ater a leviandades, todos sabemos que a criança foi exposta a magia esotérica em uma idade muito precoce."

Começou ela com calma.

"Além do mais, ele se cerca de mestres poderosos. Nicholas Flamel é um gênio absoluto em mais campos da magia do que deveria ser permitido; Albus Dumbledore é um monstro em termos de poder e se especializa nos ramos mais complicados e esotéricos da magia; e, por fim, Perenelle Flamel, o que falta no marido em termos de aptidão para o ensino, sobra na mulher odiosa, uma força da natureza, praticamente."

Fleur assentiu, ouvindo com atenção.

"Mas isso não é uma garantia de talento."

Argumentou a campeã.

"Você tem razão! No entanto, há mais."

Recomeçou a mulher cruzando os dedos em cima da mesa.

"Nos dias atuais, pouquíssimos indivíduos extraordinários saem da escola sendo considerados Mestres em uma disciplina mágica; portanto, quando algo do tipo acontece, esses jovens acabam se destacando como um dragão em um ninho de lagartos." Explicou ela. "Houve um ano, em Hogwarts, em especial." Comentou ela com amargura evidente. "Onde três alunos foram considerados Mestres, pelas guildas competentes, mesmo antes de prestarem os exames."

"Três?"

Perguntou a garota fracamente, com incredulidade escorrendo em seu tom.

Maxime assentiu.

"Esse castelo tem a tendência irritante de continuar cuspindo talentos escandalosos no mundo." Lamentou a mulher com um indício de raiva. "Uma jovem dentre esses três alunos era uma estranha, mesmo entre os estranhos." Assegurou a diretora. "Ela foi considerada Mestre não em uma, mas em duas disciplinas mágicas distintas."

"Aos dezoito anos?" Perguntou Fleur incrédula. "Impossível!"

"Lily Evans, Mestre em Poções e Feitiços." Revelou. "Pouco tempo depois ela viria a se casar com um James Potter e dar à luz ao seu oponente atual."

"Isso é realmente incrível e curioso." Admitiu a garota a contragosto. "Ainda assim, não significa nada."

A diretora sorriu tristemente.

"Bem, se você se surpreendeu com os registros acadêmicos da mãe de Harry Potter, espere só até saber sobre os do pai dele." Falou a mulher pegando um arquivo de aparência envelhecida. "Tome cuidado com isso, querida." Disse ela levantando uma sobrancelha e entregando a pasta nas mãos da garota. "Não foi fácil pôr as mãos neste aqui."

A jovem segurou os papéis com cuidado e se surpreendeu com o conteúdo.

"Mas." Gaguejou Fleur. "Está em branco." Percebeu ela enquanto folhava as páginas, voltando os olhos para sua diretora. "O que isso quer dizer?"

Máxime balançou a cabeça com um olhar conhecedor.

"Quer dizer que os arquivos dele são sigilosos." Ponderou a mulher. "Muito sigilosos, considerando o nível de permissão que a pessoa de quem cobrei esses favores possuía."

Concluiu a mulher em tom enigmático.

Fleur devolveu a pasta em silêncio, enquanto ponderava as informações e revisava as próprias opiniões sobre o Harry Potter.

Ele pareceu, na visão de Fleur, desde o início, um garoto arrogante cercado de mestres poderosos.

Sua atitude em relação a ela era irritante, mas, até certo ponto, esperada; sua beleza antinatural poderia causar reações adversas em jovens do sexo masculino. No entanto, suas opiniões mudaram levemente durante as poucas conversas que teve com o garoto; onde ela percebeu certa insegurança e autodepreciação em seus comentários desapegados.

A opinião voltou a mudar mais cedo naquele dia, quando o garoto realizou um feito mágico de proporções dificilmente mensuráveis, na frente de centenas, senão milhares, de pessoas.

Harry Potter era, sem dúvidas, poderoso e talentoso; mas seus dotes eram, conforme os resultados da tarefa poderiam atestar, temperados pela imprudência e imprevisão.

Fleur, no fundo, agradecia por isso.

De outra forma, dificilmente seu nome adornaria a marca de primeiro lugar, como adornava nesse momento.

"Certo." Cedeu a menina com certa culpa. "O que a senhora sugere, Madame?"

A mulher sorriu satisfeita.

"Eu já havia lhe instruído a aproximar-se, aos poucos, do garoto." Lembrou ela. "Imagino que tenha feito como mandei?" Fleur assentiu. "Ótimo, continue com isso!"

"Tudo bem." Fleur suspirou. "Não acho que eu vá ter problemas com isso."

A mulher mais velha encarou sua protegida com olhos tristes.

"No entanto." Recomeçou a diretora. "Imagino que se sentirá menos confortável com minhas próximas ordens." Alertou. "Quero que você aja ativamente para dificultar a vida do garoto." Instruiu a mulher. "O distraía, o sabote e o use para coletar informações." Lançou sugestões ao vento, encarando Fleur avaliativamente. "Use seus dons, o seduza se puder."

A garota sentiu o corpo enrijecer.

A diretora percebeu a hesitação e desconforto de sua aluna, mas não cedeu em seu olhar firme.

Fleur assentiu rigidamente, sentindo um amargor em sua língua.

"Farei como manda, Madame."

Cedeu, mais uma vez, a garota derrotada.

A mulher assentiu.

"Descanse, Fleur." Disse a mulher com um olhar mais compreensivo, apontando para a porta. "Foi um dia cansativo."

Fleur assentiu rigidamente e se retirou da sala sem desperdiçar um segundo olhar.

Enquanto se dirigia para seus aposentos, a menina não pode deixar de imaginar que havia concordado em vender uma parte de sua alma.

Longe dali, alguns dias depois, outro adolescente se dirigia para uma reunião com o diretor de sua escola.

Harry Potter andava a passos largos, ignorando a atenção e os sussurros que o seguiam desde o dia em que foi derrotado pela sua própria imprudência. Mais incômodo que a desconfiança e zombaria dos alunos, era o silêncio de seu mestre.

Inicialmente, o garoto imaginou que receberia uma visita, ou convocação, desconfortável no dia seguinte ao da primeira tarefa. No entanto, Dumbledore o surpreendeu com um silêncio persistente. Apenas agora, dias depois do ocorrido, a esperada convocação se concretizou.

"O Enforcado."

Murmurou o jovem por entre os dentes ao parar em frente a gárgula familiar, que não demorou a sair do caminho.

Seu aborrecimento era justificado, a senha, recém-alterada, havia sido elaborada com o claro propósito de alfinetá-lo pelo seu desempenho.

"Harry, meu garoto!" Falou o velho sorrindo em tom sardônico. "Espero que tenha descansado nos últimos dias."

Completou o diretor abandonando a pena e os documentos que forravam sua mesa, enquanto apontava para a cadeira de costume.

"Foram dias tranquilos."

Mentiu o garoto fingindo ignorância; sem, no entanto, conseguir esconder o desgosto em sua voz.

"Você parece abatido."

Apontou o homem, ainda mantendo a fachada amigável.

"Eu não gosto quando sou tratado como uma criança."

Admitiu o jovem de forma levemente agressiva, sem meias palavras.

O sorriso do velho se tornou mais afiado e a suavidade em seus olhos diminuiu significativamente.

"Bem." Começou ele, cruzando as mãos em cima da mesa. "Eu voltarei a lhe tratar como um adulto quando voltar a me dar motivos para isso."

Não havia mais resquícios da amabilidade forçada com que Dumbledore costumava alimentar as pessoas que não o conheciam direito. Mesmo Fawkes parecia mais quieta que o habitual.

Curiosamente, Harry preferia que fosse assim.

Ao longo do tempo, o jovem aprendeu que o diretor era muito menos inocente e amável do que se esforçava para parecer. Ele não seria arrogante ao ponto de pensar que descobriu por conta própria; o velho confiou a ele uma visão mais pura de sua verdadeira essência, conforme a relação de aprendiz e aluno se desenvolveu. O tempo em que estiveram afastados, apenas serviu para Harry solidificar suas crenças sobre a natureza do velho à sua frente.

"O que quer dizer com isso?"

Cedeu o garoto finalmente, levemente desconfortável com a tensão impregnada no ambiente.

O homem considerou a pergunta por alguns instantes, antes de voltar a falar.

"Às vezes eu esqueço sobre o quão jovem você é, Harry." Explicou o homem, visivelmente mais suavizado do que anteriormente. "Talvez eu tenha feito um desserviço a você ao conceder-lhe tanta margem de manobra." O velho fez mais uma pausa. "Não seria a primeira vez que me apressei em confundir talento com maturidade."

Era assim uma conversa séria com o diretor.

Poucos momentos após afagá-lo com palavras de consolo o velho o castigava com o que poderia ser uma verdade desconfortável, ou um excesso de julgamento.

"Eu não entendo."

Insistiu Harry.

"Não se preocupe." Afastou o velho sem demora. "Voltaremos a falar sobre esse assunto no futuro." O mais jovem assentiu. "No momento, me vejo mais interessado em sua visão sobre o que ocorreu na primeira tarefa."

O Potter cravou as unhas nas palmas de suas mãos.

Finalmente o assunto que ele temia.

"Não há muito que eu possa dizer." Começou com cuidado. "Eu cometi um erro."

Admitiu a contragosto.

O velho assentiu.

"Perenelle teve a bondade de me explicar o que deu errado em seus cálculos."

O jovem agradeceu por não ter que contar por conta própria, mas lamentou que Perenelle tivesse tido a oportunidade de dar a própria opinião sobre o assunto antes dele.

"Da forma que as coisas foram, acho que devo agradecer por ainda ter um aprendiz a quem ensinar."

O velho suspirou cansado.

"Eu vou recuperar os pontos." Afirmou o jovem, incomodado pela complacência no tom de seu professor. "Hogwarts ainda está na disputa!"

O homem assentiu gravemente.

"Entendo que pense assim." Começou ele. "No entanto, ainda não estou convencido de que você é capaz de tal façanha."

O que mais ele precisava fazer?

Pensou o jovem irritado.

Ele havia dado o seu melhor, animou um golem que cuspia fogo na frente de uma grande quantidade de pessoas e para que? Para ter sua competência questionado em cada conversa que havia tido desde a fatídica tarefa?

"Eu cometi um erro." Admitiu, novamente, o jovem de cabelos negros, em uma tentativa de acalmar os ânimos. "Isso não vai acontecer novamente. Além do mais, você me pediu algo grande, foi isso que eu fiz!"

"Fez mesmo?" Perguntou o velho levantando a sobrancelha. "Não foi o que pareceu." Ele balançou a cabeça ao notar Harry cerrando os punhos. "Escute, Harry." Recomeçou o diretor. "Você precisa dar o seu melhor." Alertou. "Talvez não tenha percebido, mas sua concorrência é muito qualificada. Hogwarts não suportará outra derrota!"

"Dar o meu melhor?" Perguntou o jovem amargamente, encarando seu mestre. "Talvez esse seja o meu melhor!"

Disse frustrado abrindo os braços.

Dumbledore riu sem humor.

"Se esse é o seu melhor, estamos todos condenados." Comentou ele de forma sombria. "Além do mais, se não tem nada melhor do que isso para mostrar, serei obrigado a admitir que eu, Perenelle e o Senhor Weasley desperdiçamos nosso tempo precioso o ensinando."

Harry deu a entender que falaria algo, mas arrependeu-se, se calando no último instante.

O mais velho suspirou, tirando de uma de suas gavetas uma pequena caixa, que depositou em cima da mesa ornamentada, em frente a Harry.

O mais jovem, embora estivesse curioso e preocupado, não demonstrou.

"O que é isso?"

Questionou ele indiferente.

"Perenelle me contou algumas coisas muito preocupantes."

Disse o homem seriamente, encarando os olhos de seu aprendiz, que sentiu o estômago gelar.

"Ela afirma que você criou uma cópia bastarda da técnica de alquimia de Nicholas." Explicou o homem, para o desgosto do garoto. "Isso é inaceitável! Nem mesmo eu, impertinente como eu era, fui capaz de desprezar minha própria integridade e segurança ao ponto de tentar algo assim."

"Eu posso lidar com isso!"

Teimou Harry, insistentemente.

"Não, não pode!" Levantou a voz Dumbledore. "Perenelle acredita que você não pode, Nicholas acredita que você não pode e eu, é claro, acredito que você não pode!" Explicou o homem com firmeza. "Você apenas segura a tola noção de que pode por orgulho, arrogância e autoengano." O homem suspirou, cansado. "Perguntarei apenas por cautela." Avisou ele. "Quão longe você está de ser capaz de criar uma pedra filosofal por conta própria?"

Harry sentiu vontade de vomitar ao ouvir a pergunta.

Ele estava muito, muito longe.

Décadas, talvez séculos, de distância.

E isso se ele ignorasse os problemas morais de todo o processo.

"Talvez seja mais justo perguntar se serei, um dia, capaz de tal coisa."

Murmurou ele, incomodado com a própria incapacidade.

"Como pensei." Concluiu o velho balançando a cabeça. "Sendo assim, a única opção é criar um estilo novo, completamente do zero."

"Isso é impossível."

Murmurou o garoto consternado.

"Outros fizeram!"

Apontou Dumbledore.

"Outros falharam!"

Teimou o garoto.

"Você se apega a atalhos." Percebeu o homem acariciando a própria barba. "Tem medo de falhar?"

"Você não tem?" Se esquivou o jovem de forma defensiva. "O resto das pessoas no mundo não tem medo de falhar?"

Voltou a questionar.

"Eu só tenho um aprendiz." Apontou o Diretor. "Estou perguntando se meu aprendiz tem medo de falhar."

Esclareceu ele.

"Sim!" Admitiu o garoto. "Coisas ruins acontecem quando eu falho."

Flashes de um diário nas profundezas de Hogwarts passaram pelos pensamentos do garoto, lembranças amaldiçoadas que ele havia enterrado profundamente.

"Bom!" Elogiou o homem, com os olhos brilhando de forma séria. "Então não falhe!"

Disse abrindo a caixa que, há alguns momentos, havia colocado em frente ao garoto.

Após a incômoda reunião, o jovem marchou a passos pesados, visivelmente aborrecido, até a sala onde costuma praticar com seu professor contratado. Como era de se esperar, Bill já o aguardava, sentado calmamente.

O ruivo assobiou em zombaria enquanto ria, ao ver o mais jovem estourar pela porta como um animal enfurecido.

"Vai com calma, Raio de Sol." Riu o ruivo, sentado sobre uma das velhas mesas, sem dar indícios de que se moveria. "Como tem sido seu dia até aqui?"

Perguntou ironicamente.

"Péssimo!" Respondeu Harry em tom mordaz. "Sem tempo para gracinhas, saque sua varinha." Instruiu o jovem de cabelos negros já assumindo uma posição desleixada de duelo. "Preciso amaldiçoar alguém."

Bill balançou a cabeça em negação, mas levantou de sua posição sentada.

"Lamento, mas isso não vai acontecer."

Revelou o ruivo com um sorriso de desculpas.

Harry grunhiu.

"Quanto ele está pagando?" Perguntou o jovem irritado. "Achei que fossemos amigos!"

"E somos!" Defendeu-se Bill, levantando as mãos em rendição. "Mas negócios são negócios." Explicou ele calmamente. "Não estou autorizado a ensinar mais magia, nem duelar com você, tampouco incentivá-lo a gastar tempo em qualquer outra coisa que não seja aprender alquimia."

Harry bagunçou os cabelos em um claro sinal de frustração.

"Isso é perda de tempo." Teimou ele. "Eu já sei alquimia! Dumbledore não sabe o que está fazendo."

"Pelo que eu entendi, você não sabe alquimia." Discordou Bill. "Pelo menos não sabe uma forma que tenha qualquer valor prático para você, no momento."

O jovem irritado olhou fuzilante para seu amigo ruivo.

"Eu demorei mais de um ano para aperfeiçoar esse maldito estilo."

Rosnou indignado.

O mais velho limitou-se a encarar seu aluno com uma sobrancelha levantada.

"E, ainda assim, não consegue usá-lo." Começou. "Pelo menos não sem quase morrer no processo."

Elaborou, ao prever a contestação do mais jovem.

"Eu posso usá-lo muito bem com uma pedra filosofal em mãos."

Insistiu o mais jovem, fracamente.

Bill riu com gosto.

"Mas isso é uma ótima notícia!" Disse, com sarcasmo escorrendo em seu tom de voz. "Você só precisa pegar sua pedra filosofal e usá-la." A feição de Bill mudou de humor forçada para um lamento zombeteiro. "Espere aí, você não tem uma pedra filosofal, têm?"

"Droga!"

Grunhiu Harry jogando-se ao chão, com as costas escoradas na parede.

Bill suspirou, percebendo que obteve sucesso em aplacar a fúria inconsequente do mais jovem.

"Olha." Começou ele. "Não posso te ajudar com magia." Repetiu ele. "Não até que resolva esse problema. Mas eu posso ajudá-lo a pensar em algo, não sou nenhum alquimista lendário, mas posso ser criativo se for preciso."

"Obrigado." Resmungou o garoto a contragosto. "Eu sinto como se tivesse jogado meses da minha vida na lata de lixo."

O Weasley revirou os olhos.

"Chega de drama adolescente." Resmungou ele. "Não é tão ruim assim."

"Babaca!"

Murmurou Harry fechando os olhos e encostando a cabeça na fria parede de pedra em suas costas.

"Eu sei exatamente do que você precisa." Revelou o Weasley, voltando a falar alegremente. "Tenho certeza que você vai se animar com isso."

"Pois me ilumine, Weasley, ó senhor da razão."

Rebateu o mais jovem ironicamente.

"Eu não gosto de sua atitude, jovenzinho." Repreendeu Bill em tom de piada. "Você precisa de uma mudança de cenário, me acompanhe em uma viagem, como bem sabe, minha parceira habitual me abandonou, temporariamente, eu espero, e você não parece ter nada melhor a fazer além de reclamar como uma criança indefesa."

A proposta do ruivo chamou a atenção de Harry quase que imediatamente.

"Sem sentido." Negou o garoto com cuidado, porém, atento. "Dumbledore jamais permitiria."

"É claro que você, sem dúvidas, se preocupa muito com o que o diretor pensa."

Rebateu o Weasley em tom irônico.

"Além disso." Voltou a falar ele. "Ele já permitiu, sairemos amanhã bem cedo, esteja preparado."

Assim, Harry se preparou.

Na verdade, ele estava ansioso pela mudança de ambiente, Hogwarts conseguia ser opressiva.

Era surpreendente que Dumbledore tivesse permitido que ele saísse da escola no meio da competição para a qual foi convocado, mas o garoto não iria reclamar.

Bill já o aguardava próximo aos grandes portões de Hogwarts, ao seu lado, estava Hagrid, conversando despreocupadamente enquanto segurava as enormes chaves do portão superdimensionado.

"Olá, Hagrid!"

Além de uma breve conversa no dia em que as delegações estrangeiras chegaram, Harry ainda não havia tido oportunidade de conversar com seu amigo mais antigo. O homem, por sua vez, não parecia se importar muito com a ausência do garoto e sempre estava disposto a recebe-lo de braços abertos quando se encontravam.

"Harry!" Cumprimentou alegre o meio gigante. "Bill disse que você viria, como tem passado?"

O garoto não sabia bem como responder aquela pergunta.

"Bem, eu acho." Estremeceu ele, assim que a mentira deixou sua língua. "Na verdade, não tão bem assim."

Hagrid assentiu sombriamente.

"Sinto muito pela primeira tarefa." Disse o homem em uma tentativa de confortá-lo. "Não entendo muito bem o porquê de os juízes decidirem deixa-lo em último, sua exibição foi muito impressionante."

É claro que o grande homem não entenderia o quão insensata e autodestrutiva havia sido sua tentativa de transmutar um construto de pedra gigante. Ele era, afinal, o homem que chocava ovos de dragão em uma cabana de madeira e realizava experimentos de hibridificação em espécies mágicas potencialmente mortais.

O homem, no entanto, voltou a falar antes que Harry tivesse a chance de expor qualquer pensamento que pudesse ter.

"Mas tenho certeza que se saíra melhor nas próximas duas!"

Sorriu o meio gigante largamente.

"Obrigado, Hagrid!" Agradeceu o menino, um pouco acalentado pelas palavras de confiança de um de seus únicos amigos. "Eu darei o meu melhor, com certeza!"

"Isso é tocante e tudo mais." Começou Bill em tom bem humorado. "Mas realmente precisamos ir, Hagrid, tenho uma chave portal com horário agendado e ainda precisamos passar em um lugar."

"É claro!" Confirmou o homem maior, indo em direção ao portão de ferro fundido e procurando a chave correta. "Eu entendo!"

"Hagrid." Voltou a falar Harry enquanto seu amigo destrancava o portão imenso. "Lamento não tê-lo visitado ainda, estive um pouco ocupado com o torneio."

Hagrid riu, descartando a preocupação do mais jovem.

"Não se preocupe, sei que o Diretor o mantém na ponta dos pés." Tranquilizou o homem. "Não perca seu sono com isso!"

"Certo! Obrigado, Hagrid!"

"Boa sorte, vocês dois!" Desejou o homem concedendo a passagem. "Nos vemos em breve!"

Bastou alguns poucos passos para fora dos limites do colégio para Bill aparata-los para longe.

"O Beco Diagonal? Sério?"

Questionou Harry, ceticamente, ao reconhecer o local muito familiar.

"Não seja mal-humorado, pelo menos não tão cedo durante a manhã." Provocou o ruivo. "Viemos recrutar uma velha amiga."

"Velha amiga?" Perguntou o menino lentamente. "Você vai tentar convencer sua ex-namorada a voltar com você, não é mesmo?"

"Ex-parceira." Corrigiu o homem levemente alarmado. "Mas sim, basicamente."

"E por que, exatamente, eu estou aqui?"

"Você é uma criança fofa." Zombou o homem impiedosamente. "Mulheres gostam de crianças."

"Eu não sou uma criança!"

"Qualquer um que precise dizer que não é uma criança é uma criança."

A discussão infantil durou até que Bill finalmente parasse em frente a uma porta em um dos becos laterais.

A porta não demorou a se abrir, revelando uma bruxa morena, bem menos vestida do que deveria estar ao receber convidados.

"A resposta ainda é não!"

Disse ela batendo a porta na cara de Bill.

"Bom, isso não foi como deveria, eu imagino."

Constatou o garoto de olhos verdes, levantando uma sobrancelha em curiosidade.

"Não se preocupe, ela foi se vestir."

"Tem certeza?"

"Sim! Veja, aí está ela!"

E, de fato, a porta voltou a se abrir, revelando, desta vez, a mesma garota, com a mesma cara de sono e cabelo preto bagunçado, mas, desta vez, melhor vestida.

"Entre!" Mandou ela se importando pouco com sutilezas. "Está muito frio aqui fora."

"Você deveria usar roupas mais quentes, Rach, ou mesmo roupas, em geral."

Falou Bill já entrando no pequeno apartamento e acenando para que Harry o seguisse.

"O que diabos está fazendo aqui a essa hora?" A jovem mulher, que agora Harry sabia se chamar Rach, fez uma breve pausa para olhar para o relógio. "Sete da manhã! Você perdeu a cabeça?"

"Acalme-se, Rachel." Tranquilizou Bill, atirando-se em um dos sofás do pequeno cômodo, parecia sentir-se em casa. "Eu e meu jovem aprendiz estamos saindo em uma aventura, achei que você poderia se interessar."

Só agora a mulher pareceu notar, de fato, a presença de Harry, que se esforçava para passar despercebido em um dos cantos da sala.

"E quem é esse?"

Perguntou ela curiosamente, parecendo despreocupada com o fato de que, há poucos minutos, o mais jovem havia tido uma visão privilegiada de seu peito, muito nu.

"Eu não sou aprendiz dele, se é isso que está perguntando." Rebateu o mais jovem, sem deixar-se abalar. "Sou Harry!"

A sobrancelha da garota se ergueu e ela voltou seu olhar questionador para Bill.

"Tecnicamente, ele é aprendiz de Albus Dumbledore, mas isso não é realmente importante." Afastou o homem facilmente. "Estamos saindo em meia hora, você topa ou não?"

"O que fez você pensar que minha resposta teria mudado desde a última vez que você perguntou?" Questionou ela cruzando os braços. "Quando foi mesmo? Três dias atrás?"

"Veja, eu trouxe ele!"

Apontou o ruivo, indicando o garoto de cabelos negros, que parecia muito deslocado da conversa.

A jovem mulher, por sua vez, franziu a testa ceticamente antes de voltar a falar.

"Harry Potter não vai me fazer mudar de ideia."

Afirmou ela.

"Tem certeza?"

Foi a vez de Bill questionou, levantando uma sobrancelha e sorrindo maliciosamente.

Essa era a expressão de alguém que sabia de algo que Harry não sabia.

A jovem, por sua vez, corou levemente, mas não pareceu mudar de ideia.

"Nem mesmo se ele implorar!"

Desafiou ela implacável.

"Eu não tenho a intenção de implorar, definitivamente."

Intrometeu-se, Harry, na conversa, em tom seco.

Bill bufou.

"Rach!" Disse ele levantando do sofá e voltando a ignorar a presença do seu acompanhante mais jovem. "Você ao menos tem um boa desculpa para não ir comigo uma última vez?"

O tom de voz chateado do homem pareceu, finalmente, tocar o coração da mulher que, por sua vez, suspirou em derrota.

"Olha, Bill, eu realmente não posso ir." Reafirmou ela. "Eu tenho uma entrevista semana que vem com uma das curandeiras mais respeitadas do país."

"Nós voltaremos antes disso!"

Tentou o Weasley fracamente.

"Isso é uma mentira descarada, se é que eu já vi uma!" Desmascarou a mulher de forma impiedosa, mas não mal intencionada. "Além do mais, mesmo se fosse verdade, eu ainda teria que dizer não, há muito que preciso estudar. Você, por acaso, tem alguma ideia do quão concorridas são essas vagas de aprendizado?"

Bill zombou audivelmente.

"Você é ótima nisso! Não deveria nem precisar de uma maldita entrevista!"

A garota voltou a se encolher encabulada.

"Sim, eu sou boa com maldições, mas há muito mais coisas envolvidas na cura, você sabe!"

Harry continuava a observar a cena com curiosidade, se esforçando para desaparecer no canto da sala.

"Bom! Se é assim, tudo bem!"

Admitiu Bill, visivelmente chateado.

"Ei, Bill!" Interrompeu Rachel, antes que o ruivo saísse pela porta, arrastando Harry com ele. "Eu sinto muito."

O homem não pareceu dar ouvidos às palavras da antiga parceira.

"Vamos, Harry, nossa chave de portal vai se ativar em breve."

Harry saiu apressadamente, depois de acenar uma despedida breve para a mulher, que permaneceu no apartamento.

"Pelas bolas de Merlin!" Falou ele após conseguir alcançar o ruivo, que se afastou do local bufando e marchando. "Você realmente gosta dela!"

O tom do jovem era de zombaria, mas também de surpresa.

"É claro que eu gosto dela! Somos amigos!"

Harry voltou a zombar.

"Não é sobre isso que eu estou falando e você sabe muito bem!"

Bill parou em uma esquina relativamente vazia, desperdiçando uma breve olhada em seu relógio de bolso.

"Cale a boca!"

Murmurou o ruivo incomodado.

"Sem chance! Eu aguentei você e Neville me provocando sobre a campeã francesa por semanas!"

"Não, sério!" Alertou Bill. "Cale a boca e segure firme no relógio."

Esclareceu ele apontando para o objeto que verificou, segundos atrás.

O alerta veio em boa hora, mal Harry tocou o objeto de metal antes de sentir seus pés serem tirados do chão e seu corpo transportado, violentamente, para uma aventura desconhecida.