Cap. 2 – O plano perfeito

Nenhuma criança gosta quando os pais brigam e assim era com Lílian e Paul. Bastou trocarem olhares de cumplicidade de peraltices para compreenderem que tinham uma missão muito importante a cumprir, talvez a mais difícil de todas.

Terminando o café, Harry decidiu comprar o presente de Rony, ao que Gina alfinetou.

– Vai pedir conselhos para Fleuma também?

Harry suspirou.

– Já que faz tanta questão, ligue pra ela e pergunte você se ela tem alguma sugestão – Harry disse enquanto saía da cozinha, fechando a porta bem a tempo, pois Gina tinha arremessado a mamadeira de John contra ela.

O bebê começou a chorar de susto. Gina pegou a mamadeira rapidamente e se virou para os filhos envergonhada.

– Hm... Mamãe só está um pouco brava, só isso – tentou explicar, enquanto abastecia a mamadeira e entregava para John.

– Tudo bem, mãe – Paul sorriu, como se não houvesse acontecido nada. Lílian não conseguiu disfarçar tanto.

Terminado o café, as crianças foram para a sala pensar no que fazer.

– Você acha que foi sério? – perguntou Paul, empilhando alguns blocos distraidamente.

– Bem... nunca vi a mamãe atirar mamadeiras antes – disse Lílian, separando peças de quebra cabeça. Quem a visse diria que estava concentrada na tarefa de montagem, quando na verdade estava mesmo preocupada e um pouco triste com a situação.

– Verdade, é a primeira vez que vejo também... E se?... – Paul perguntou, hesitante e em voz baixa, com medo – E se eles se separarem? Ouvi dizer que os pais podem se separar.

– Também ouvi, mas os nossos não vão. – disse Lílian, sem muita certeza – Dizem que os pais podem morar em casas diferentes se enjoarem de ficarem juntos. Mas papai acordou muito bem hoje.

– E mamãe também não sentiu nenhum enjôo. Até comeu cereal! – concluiu Paul, com uma pontinha de esperança.

Gina apareceu na sala, com Paul no colo.

- Crianças, prometem se comportar enquanto cuido do seu irmão?

– Sim! – responderam automaticamente e ao mesmo tempo.

– Como se fosse mesmo acontecer... – Gina respondeu sorrindo, subindo as escadas. As crianças esperaram até que ela adentrasse o quarto de John para continuarem a conversa.

Ficaram em silêncio por um tempo, até que Lílian gritou de alegria, assustando Paul a ponto de derrubar todos os blocos empilhados.

– É isso!

– Isso o quê? – perguntou Paul, aborrecido.

– Eles começaram a brigar porque não sabiam o que cozinhar para o tio Rony. E se a gente cozinhasse pra eles?

– Mas eu pensei que fosse só por causa da tia Fleuma... – disse Paul.

– Se a vovó ouvir você falando assim, ela vai brigar. – Lílian falou em tom de aviso, mas logo mudou de assunto – E se a gente provar um doce da tia Fleuma e disser pra mamãe que está ruim, ela vai ficar feliz!

– Você também chamou a tia de Fleuma! – acusou Paul.

– Presta atenção! Temos que fazer isso para ajudar nossos pais! – Lílian ralhou – Temos que fazer um prato para a festa de hoje! Quando eles virem o que fizemos, vão ficar contentes, nos abraçar e se abraçar sem querer! E quando perceberem, já vão ter feito as pazes!

– Uau... – os olhos de Paul brilhavam de expectativa – É genial! – então ele ficou triste de novo – Mas... não sabemos cozinhar! Nem temos permissão de usar o fogão.

– Como se isso nos impedisse de tentar – retorquiu Lílian, balançando a cabeça.

Paul se deu por conformado.

– Tudo bem, mas a idéia foi sua. Tem certeza de que vai dar certo?

– Se eles brigaram porque não se decidiam, a gente decide por eles – disse Lílian, determinada a tentar. – Só precisamos de distração para a mamãe não descobrir.

– Já entendi – Paul olhou ao redor e encontrou algo bem conveniente para a ocasião: seu avental de pinturas, uma pintura que tinha feito no dia anterior e um pote de tinta.

– Vai lá, enquanto isso eu vou para a cozinha, ver o livro de receitas – Lílian falou com certo orgulho, por já saber ler.

Paul vestiu o avental e pegou o material necessário. Subiu as escadas correndo e parou diante da porta do quarto do irmão. Espiou pela porta, se certificando de que sua mãe ainda estava lá. Positivo, Gina terminava de trocar o pijama de John por um macacão e agora procurava um par do sapato debaixo do berço, o outro estava do outro lado do quarto. Paul aproveitou para entrar.

– Mãe! Mãe! Fiz um desenho da nossa casa – disse alegremente.

– Que ótimo, querido. – disse Gina, distraída, com a cabeça ainda debaixo do berço – Por que não pendura na geladeira junto com os outros?

– Eu vou mostrar pro John. – disse, correndo para o berço e jogando o desenho para o irmão, de qualquer jeito – Ah, faltou pintar o céu... – comentou, inocentemente, abrindo o pote de tinta azul estrategicamente próximo a John.

– Hein... – Gina ergueu a cabeça assimilando a informação – Não, Paul! – exclamou, se erguendo.

Tarde demais. John pegou o pote, enfiou a mão dentro e não satisfeito com a cor, pegou o pote e o sacudiu freneticamente, espalhando tinta por todo o lado. Tudo em poucos segundos. Gina e Paul foram atingidos com respingos da tinta. John ria feliz.

– Ah, não... – Gina olhou desolada para seu filho, metade azul, metade cor natural e o berço todo empapado de tinta. Apalpou o bolso em busca da varinha – Acho que esqueci lá embaixo...

– Desculpa, mãe... – Paul fez cara de inocente – Eu só queria que meu desenho ficasse bonito...

Gina tirou o pote das mãos de John com uma certa relutância por parte dele e o pegou no colo, mantendo uma certa distância entre o bebê e o próprio corpo.

– É só desenhar longe do seu irmãozinho, meu bem... – ela não tinha ânimo sequer para brigar com ele. John ria e espalhava mais tinta ao bater palmas, feliz – Eu vou dar um banho no John, mas preciso de uma ajuda da minha varinha...

– Eu vou procurar! – Paul se prontificou, já correndo para a porta.

– Peça ajuda da sua irmã e leve até o banheiro, está bem? – disse Gina – E nada de usar a minha varinha, Paul.

– Tudo bem, tudo bem!

– Paul? – Gina chamou.

Ele se virou devagar.

- Que foi, mãe?

– Promete se comportar?

– Prometo – disse ele e sentiu seu estômago embrulhar. Anos mais tarde descobriria que aquela sensação era de remorso.

Gina sorriu, um pouco desconfiada e Paul correu de volta para a cozinha, tirando seu avental e o jogando em qualquer lugar da sala. Encontrou Lílian em pé numa cadeira, folheando o livro de receitas.

– Decidido. – Lílian disse, assim que Paul entrou. Ela o encarou, segurando o riso – O que foi isso no seu rosto?

– Foi parte da distração. – ele respondeu, passando a mão no rosto e espalhando ainda mais a tinta, ao invés de limpá-la. – O que vamos fazer?

– Torta de maçã – Lílian disse, prática.

– Por que não de abóbora?

– Porque tio Rony odeia torta de abóbora. Além do mais, cortar uma maçã deve ser muito mais fácil que cortar uma abóbora – Lílian respondeu, encarando uma maça e uma abóbora, examinando as diferenças.

– Você não sabe cortar maçã, de qualquer modo – Paul retrucou, cruzando os braços.

– Não, mas vou aprender hoje por uma boa causa – disse Lílian, ficando em postura reta, para demonstrar coragem. – E achei a varinha da mamãe, vai ser muito útil.

– Ela pediu pra eu levar, Lílian! Se não levar, ela pode desconfiar.

– Sim, mas temos que nos apressar então. Agora me deixa ver o que precisa... – ela apontou a varinha para os itens do livro de receitas, imitando um gesto da mãe – Três o... o-vos. Ovos. Três ovos.

Paul se apressou em abrir a geladeira e tirou três ovos de uma vez. Um deles caiu no chão.

– Cuidado! – ralhou Lílian – Sem ovos, nada de torta.

– Eu sei, eu sei. – Paul se ocupou em colocar os ovos na mesa – O que mais?

– Precisamos de man... tei... manteiga. Aqui diz que é de... der-re-ti-da. Derretida.

– Você sabe usar o fogão? – Paul ficou preocupado.

– Bem... não. Mas vamos tentar a varinha da mamãe. É melhor do que arriscar o fogão.

– E se não der certo?

– Vamos pensar em algo – Lílian fez sinal para que Paul fizesse silêncio. A manteiga já estava sobre a mesa, ela separou a quantidade necessária numa tigela e apontou a varinha para o conteúdo. – Incêndio!

Imediatamente a manteiga começou a pegar fogo. As crianças se assustaram quando a labareda subiu, mas foi logo diminuindo, até sobrar apenas a manteiga derretida e um pouco queimada.

– Parou? – Paul perguntou, se aproximando devagar da mesa.

– Acho que sim... – Lílian aproximou o rosto da tigela, para olhar de perto e suspirou aliviada – Parou.

– E agora?

– Agora temos que picar aquele biscoito doce, aquele que a mamãe faz pavê.

- Eu sei qual é. E para que é?

– Para misturar com a manteiga e espalhar numa forma de torta.

Paul procurou no armário o que precisava. Jogou a manteiga derretida numa forma retangular e triturou um pacote inteiro de biscoito, misturando tudo com as próprias mãos.

– É pra ficar meio duro assim mesmo? – Paul perguntou, olhando a mistura.

– Acho que sim... – Lílian disse, sem ter certeza – Talvez se você espalhar pela forma toda, aí fica melhor, aqui na figura diz que tem que ficar retinho, olha.

Feito isso, Lílian tratou de ler o restante dos ingredientes, que incluíam leite condensado, creme de leite, leite. Dizia também que deveria usar apenas as gemas dos ovos e ela teve um trabalho enorme para conseguir separar a clara da gema, usando as mãos.

– Você lavou as mãos? – perguntou Paul, desconfiado.

– Claro. – respondeu a garota, irritada com a insinuação e tentando separar a gema de uma clara, nem sempre com sucesso esperado – E acho que foi você quem não lavou as mãos, se sujou de tinta e tudo.

– Claro que lavei! – foi a vez de Paul se indignar.

Foram necessários mais de 3 ovos para conseguirem sucesso em separar três gemas. Em seguida, Lílian se viu com problemas com o leite condensado.

– É em lata e não tem como abrir sem usar a força.

– Usa a varinha da mamãe, eu não sei abrir com abridor de latas... – sugeriu Paul, olhando para cima ansioso.

– Crianças! – ouviram a voz de Gina chamando do andar de cima – Acharam a minha varinha, afinal?

– Ainda não! – gritaram os dois ao mesmo tempo. E se voltaram para a torta.

Lílian apontou a varinha para a lata e se concentrou. Nada. A lata continuava fechada.

– Vai ver é um feitiço mais complicado... – ela apontou de novo a varinha e a tampa das duas latas sumiram – Consegui!

– Que bom! – Paul se animou com o sucesso da receita – Agora me dá a varinha da mamãe, se ela descobrir estamos perdidos.

– Não podemos! Tenho que usar o fogão para fazer essa massa!

Se as crianças não estivessem tão distraídas, teriam reparado que Harry estava espiando suas diabruras da janela que dava do jardim para a cozinha. Lílian tinha acabado de queimar a manteiga quando ele chegou e viu a fumaça. Por sorte não aconteceu nada, e para não estragar a surpresa decidiu ajudar do lado de fora, por isso abriu as latas de leite condensado e creme de leite.

Porém, as crianças teriam que usar o fogo e isso era arriscado, mesmo se acompanhado de longe por Harry. Afinal, Lílian não tinha idade nem permissão para usar o fogão, só fizera isso uma vez, mas com Gina ao lado. Resolveu entrar.

Parou com a mão na maçaneta, quando ouviu Lílian exclamar.

– Já sei!

– O quê? – perguntou Paul, ansioso.

– Vamos usar a varinha da mamãe ao invés de usar o fogão – Lílian explicou, como quem ensina a tabuada.

– Genial! – Harry percebeu que Paul estava realmente feliz. Apesar de arteiro, tinha um bom coração. – Mas... você vai saber fazer até que dê... como é que a vovó fala mesmo?

– Até dar o ponto. – Lílian estufou o peito, como se fosse senhora da razão e conhecedora de toda a arte culinária – É quando fica como se fosse mingau.

- Eca... – Paul fez uma careta, Harry riu do lado de fora.

– Mas é gostoso! Lembra que tem o leite condensado – Lílian apontou para a panela.

– Ah, então começa logo... Senão mamãe não vai gostar...

– Eu sei, eu sei... espera aí!

Lílian apontou a varinha para a panela. Harry sabia que ela podia fazer um estrago tremendo e poderia ainda se machucar se algo saísse errado. Rapidamente sacou sua varinha e apontou para a panela, antes que Lílian pudesse abaixar a dela. Surgiu uma colher de pau, que começou a mexer a mistura.

– Olha só, já está até quente. – Paul encostou o dedo na panela, tirando rapidamente. Olhou com admiração e respeito para a irmã – Você é boa mesmo, hein?

– Sorte de principiante – Lílian corou, no fundo sentia-se orgulhosa de si mesma, sem ter idéia de que o responsável por seu sucesso foi seu pai, que ria do lado de fora da casa.

Demorou alguns minutos até que a mistura ficasse no ponto de mingau, como diria a Sra. Weasley. As crianças estavam entediadas.

- Paul, achou minha varinha? – era a voz de Gina, vinda do andar de cima – Que demora é essa aí?

- Já vou mãe! – Paul deu um pulo, como se acordasse naquele momento. Voltou-se para a irmã – Lily, me passa a varinha, se mamãe descobrir, estamos fritos.

– Eu vou só colocar esse mingau em cima do biscoito que você triturou, espera.

Quando Lílian terminou de despejar o conteúdo, soltou um grito de decepção.

– O que foi?

– Esqueci de colocar o creme de leite! – ela respondeu, se sentindo uma completa idiota. – Eu tinha que misturar o creme de leite por último, depois que o mingau estivesse pronto.

Paul olhou nervoso. Agora a torta estava arruinada, a não ser...

– Tive uma idéia! Eu vou tirar com a colher e coloco de volta na panela, aí você mistura tudo.

E antes que Lílian protestasse, Paul tomou a colher das mãos da irmã e começou a remover o creme, tentando não tirar também a base de biscoito e manteiga da torta. Tirando algumas lascas da base, sujando a mesa com um pouco do creme, conseguiu colocar de volta boa parte da mistura.

Lílian, apreensiva sobre estragar a receita, mas ao mesmo tempo aliviada, despejou o creme de leite de uma vez e mexeu bem o creme. Levou mais alguns minutos até que a massa se incorporasse e ela despejasse novamente em cima da base da torta. Ficou mais líquida do que ela queria, mas tinha que terminar logo.

– Crianças, ou vocês entregam a minha varinha, ou terei de descer aí agora! – ouviram novamente a voz de Gina.

– Acabei de achar, mãe! – Paul correu escada acima, segurando a varinha. Lílian o viu entregar à mãe, toda encharcada com John no colo, ainda com manchas azuis pelos braços. Não tinha uma cara muito boa e não ligou para o fato da varinha estar toda melada, assim como os dedos de Paul. Ela entrou novamente no banheiro, batendo a porta.

Quando Paul voltou, encontrou Lílian com um bico enorme de desaprovação.

– Por que não enrolou mais um pouco?

– Você queria que ela descesse? – Paul também fechou a cara – Ela ia descobrir tudo!

– É, mas olha só toda essa bagunça que temos que arrumar! Além do mais, ainda não terminamos a torta! Temos que cortar as maçãs!

Paul desfez a careta e suspirou cansado de todo aquele trabalho que tiveram para fazer uma torta e ainda não conseguirem terminar. Vendo a decepção dos filhos, Harry achou apropriado entrar. Além do mais, não queria que nenhum deles pegasse uma faca para cortar uma maçã, poderiam se machucar.

– Cheguei! – disse, abrindo a porta. Foi direto para a cozinha. e encontrou os filhos boquiabertos e assustados. Sorriu para eles. – Olá, o que estão fazendo?

Lílian estava com os olhos arregalados e tinha as bochechas vermelhas de vergonha. Paul ainda tinha as mãos sujas e as orelhas vermelhas. Harry percebeu que teria que usar sua criatividade para ajudar.

– Isso aí na forma é por acaso uma torta? – perguntou, apontando para a torta.

– S-sim – Lílian respondeu com voz quase sumida.

– Torta do quê?

- De maçã, papai... – foi Paul quem respondeu.

- E onde estão as maçãs?

- Ainda não cortamos... – dessa vez foi Lílian.

- Que bom que cheguei então, assim eu posso cortar para vocês, não é?

As crianças se entreolharam, espantadas pelo pai não ter ficado bravo. Aos poucos, descontraíram o rosto e sorriram aliviadas.

Harry cortava as maçãs em rodelas, enquanto Lílian as colocava por cima da massa, conforme descrito na figura. Ele já havia cortado pedaços suficientes e estavam quase acabando de enfeitar a torta quando Gina apareceu.

Olhou para o marido, jogando vários caroços de maçã no lixo. Olhou para Lílian, com a roupa suja de leite, as mãos meladas de ovos; Paul ainda tinha as mãos sujas e meladas e o rosto com manchas azuis. Uma olhada em volta e viu ovos quebrados, leite derramado, vários objetos espalhados. Um caos. Por fim, olhou para a torta, que Lílian finalizara naquele instante.

– O que significa isso? – perguntou, desanimada e ao mesmo tempo com raiva.

– Surpresa! – disseram Lílian e Paul ao mesmo tempo – Fizemos uma torta para a festa do tio Rony!

Gina simplesmente bufou. Harry apenas encarou a esposa, sério. Paul, por sua vez, encarou a irmã, confuso. Lílian entendeu que todo o esforço que fizeram foi em vão.