N/A: Como prometido, aqui está a continuação de Algo Sinistro vem por aí. Espero que gostem!

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Havia algo de artificial e predatório nos gestos e sorrisos falsos de todos os presentes no enorme e suntuoso salão. O baile de gala para celebrar o mais recente acordo de paz entre os Clãs rivais exaltava a riqueza e poder dos seus membros. Um lugar neutro, escolhido cuidadosamente, para Ladrões e Assassinos em dissimulada trégua fingirem se tolerar; na realidade, secretamente à espera da primeira oportunidade para apunhalar o inimigo pelas costas – noção que ganhava proporções literais naquele contexto. Olhos atentos notariam as armas veladas por baixo de smokings e vestidos longos, amarradas ao corpo. Todos interpretavam os papéis esperados.

Inclinado com o cotovelo apoiado no balcão do bar, onde esteve prostrado pelos últimos vinte minutos maçantes, Remy soltou o ar em uma lufada irônica, pois também fazia parte daquela interpretação ridícula. Ele também tinha um papel a desempenhar: o do filho do líder do Clã dos Ladrões, do herdeiro e possível sucessor dos negócios da família. Dessa forma, o smoking impecável, perfeitamente alinhado, o rosto barbeado e o cabelo penteado elegantemente faziam parte do figurino. O filho caçula de Jean-Luc LeBeau estava exatamente onde se esperava.

Ele pediu outra bebida. Toda aquela formalidade excessiva e fingida o estava enlouquecendo, ainda que os motivos para o encontro devessem ser de fato comemorados – mesmo se a paz se mostrasse efêmera – pois fora resultado de um trunfo de seu pai. Jean-Luc era um político estrategista e novamente não decepcionara. Havia planejado meticulosamente cada passo, pressionado os botões certos até ter em mãos uma proposta irrecusável, que compraria mais vários meses, talvez anos, de paz entre os Clãs. Nunca haveria confiança real entre os dois segmentos, pois mesmo regras poderiam se infringidas, contudo, enquanto houvesse lucro à vista, os dois lados trabalhariam juntos.

Olhando ao redor enfadonhamente, Remy avistou o irmão, no outro lado do salão, conversando com outros quatro homens, dois deles assassinos. Henri também detestava a dissimulação e hipocrisia daquelas cerimônias, porém tinha muito mais tolerância e paciência para lidar com elas do que Remy jamais teria. Henri era um diplomata nato, como o pai.

Com mais um suspiro, Remy entornou o copo de bebida e pediu outra, lembrando-se com nostalgia da cumplicidade infantil que compartilhava com o irmão, de todas as vezes que Henri o acobertara para que ele pudesse fugir de reuniões maçantes. Lamentava as imposições da vida adulta. Ao menos podia beber, pensou, quando mais um copo foi posto à sua frente.

Acenou para o bartender e pediu mais uma bebida ao avistar a garota loira e alta caminhando inconfundivelmente na direção dele. Ela estava deslumbrante em um vestido azul turquesa. Caminhava confiante com o tecido esvoaçando atrás das penas longas que ficavam expostas alternadamente a cada passo. Ela fingia não notar tampouco apreciar a atenção que chamava.

"Estou surpresa em vê-lo aqui, Remy" foi a primeira coisa que disse; sem cumprimentos formais de cartilha ou conversa fiada. Aceitou a bebida e o encarou. Os saltos altos a deixavam na altura dos olhos dele. Segurou o copo com uma das mãos enquanto passou a outras pelos cabelos longos, soltos mas lindamente penteados em ondas. O movimento expôs por um momento a pela clara das costas.

"Posso dizer o mesmo de você, Bella" ele respondeu casual mas honestamente. Não seria indulgente com ela; já havia gente demais fazendo isso. "Soube que esteve fora pelos últimos anos."

"Dois anos na Europa. Estudando" ela emendou. Ambos sabiam o que estudar significava para o herdeiro de um Clã. "Voltei semana passada. E você?"

"Há alguns meses."

Oito meses mais precisamente, durante os quais fora arrastado de missão em missão como um boneco de pano. Havia sido novamente sugado para dentro dos negócios enquanto o real motivo de sua volta ficara para escanteio. Quando Remy deu por si, meses haviam se esvaído.

"O seu pai é muito inteligente" Bella Donna comentou olhando ao redor. Não havia sarcasmo em sua voz; parecia realmente impressionada.

"Oui. É difícil acreditar que existem aqueles que preferem a guerra a isto."

"É tudo o que alguns deles conhecem, Remy."

"Está dizendo que concorda com eles?" perguntou em um leve tom de provocação pueril. Finalmente se permitiu sorrir de leve e os dois perceberam que o gelo derreteu um pouco.

"Estou dizendo que compreendo" ela fez uma pausa, contemplativa. "Pensar que podíamos ter acabado com isso."

Remy balançou a cabeça em discordância. "Não teria funcionado, Bell."

Ela deu de ombros levemente; os olhos fixos em algum ponto que ele não conseguia discernir. "Eu teria aceitado, caso você não tivesse fugido."

"Bella..." ele disse pesaroso. Não queria ser lembrado. "Não havia o que aceitar. Eles teriam nos forçado."

Ela lhe lançou um olhar que pareceu magoado por apenas um instante antes de voltar à estoicidade habitual. "A ideia de se casar comigo foi assim tão detestável pra você?"

"Você também fugiu" ele rebateu, evadindo-se da pergunta de maneira fraca e meio patética.

Ela desviou o olhar. Claramente ainda era um assunto delicado. Ele apenas não saberia dizer se se tratava de uma questão de ego ou mágoa. "Depois de você. Só segui o seu exemplo, mon cher."

Eles ficaram em silêncio. Remy havia fugido por outros motivos. A proposta de casamento arranjado havia sido apenas o maior incentivo, mas não adiantaria explicar a ela novamente. Pouco tempo depois, ele se deparou com Magneto e a sua baboseira de superioridade. Retornara apenas porque seu pai havia sido raptado pelos Assassinos – quebra de regras que por pouco não tornou a atual trégua impossível. E então Remy partira novamente, indo direto ao encontro dos X-Men. Lamentavelmente, os motivos que o trouxeram de volta continuavam inacabados.

"Está tudo novamente resolvido," ele disse "sem que nós dois fôssemos peões nesse jogo."

"Por ora" ela respondeu antes de se retirar. Não fora uma ameaça, mas uma previsão que Remy também era capaz de enxergar.

Os olhos dele continuaram a segui-la, talvez por curiosidade. Ele viu quando o irmão dela, Julien, se aproximou e deslizou o braço em torna da cintura dela, num gesto que ele certamente achou que pareceria protetor, mas que à distância era apenas bizarro. O rapaz olhou para trás e seus olhos azuis, apertados e ameaçadores, encararam Remy, que não esboçou reação.

Bella Donna discretamente afastou o braço do irmão, que fez um punho apertado com as duas mãos antes de parar ao lado da irmã, que havia se juntado a um grupo de homens. Remy não conseguiu evitar chacoalhar a cabeça em desconformidade. Julien era tão instável e pouco confiável, que ficava cada vez mais claro, para quem quisesse ver, que o patriarca dos Assassinos, Marius, preparava a filha para assumir o seu lugar no futuro, embora Julien fosse o primogênito.

Bella Donna mostrava todas as qualidades para a posição que faltavam ao irmão. Era determinada, calculista e impiedosa. Havia sido treinada como assassina desde a infância, e era mais inteligente que quase todos naquele salão. Suas gargalhadas e gestos calculados naquele momento eram prova visual disso. Enquanto Julien permanecia emburrado, à margem do grupo, como uma criança briguenta que tentava se enturmar.

Remy desviou o olhar e permaneceu no mesmo lugar. Aturou o baile quase até o fim. Saiu de fininho assim que as coisas começaram a amornar. Quando Jean-Luc chegou em casa, uma hora mais tarde, encontrou o filho caçula bebendo sozinho no escritório, à meia-luz. Remy havia afrouxado a gravata e retirado o blazer, e estava estirado no sofá capitonê, de couro marrom, recostado em um dos braços, com as pernas cruzadas sobre o outro.

Jean-Luc acendeu as luzes, sem trocar palavra com o filho, caminhou até o bar e se serviu. Apoiou-se na mesa, de frente para o filho, suspirou. Havia visto aquela cena antes. Remy estava inquieto, à procura de escapatória. Anteriormente, sua desculpa para partir havia sido a proposta de casamento, que, se não fosse pelo pensamento rápido e estratégico de Jean-Luc, poderia ter explodido na cara de Remy. Apesar do que se pudesse desconfiar, a ideia de trazer paz aos Clãs por meio do matrimônio de dois de seus herdeiros não havia sido ideia de Jean-Luc. Ele tinha reservas quanto a casamentos impostos. Não havia dado certo antes, não acreditava que havia tantas razões para dar certo agora. Não ficara surpreso quando o filho partiu sem olhar para trás.

Apesar disso, Remy havia mantido contato esporádico com o pai, que imaginou que o garoto voltaria mais cedo ou mais tarde. Jean-Luc estivera certo a esse respeito, contudo, desde então Remy não era ele mesmo. De duas uma: havia amadurecido muito durante aqueles últimos meses ou não queria mais estar ali. Jean-Luc se perguntava que motivos Remy procurava para se convencer a permanecer. Esperava a próxima desculpa que Remy usaria para escapar novamente, e não sabia quantas vezes conseguiria trazê-lo de volta, tampouco se gostaria disso.

Desde que Remy era um garotinho, Jean-Luc enxergava nele características inerentes a um líder carismático. Todavia, Remy relutava a aceitar que futuramente chegaria a preencher esse papel, também tinha momentos inconsequentes e inconsiderados, ao menos com assuntos relacionados ao Clã, pois, em contrapartida, demonstrava honra e lealdade para com aqueles que amava, algo que Jean-Luc aprendera a duras penas não ser exatamente uma qualidade para alguém em sua posição. Desconfiava que Remy sabia disso e sofria por esse motivo, talvez fosse sua maior razão para desejar escapar.

Jean-Luc observou atentamente o filho, que evitava contato visual. Desta vez havia algo mais. Remy parecia melancólico, preso a lembranças que não eram dali.

"Parabéns pelo feito, Jean-Luc" disse Remy, finalmente partindo o silêncio, mas sem voltar a atenção para o pai. Havia certa insinuação de sarcasmo em seu tom, aludindo a algo mais profundo. Arrependeu-se imediatamente.

Jean-Luc fingiu não notar. "Por que está acabrunhado, filho?" perguntou ao dar um gole na bebida.

"É impressão sua, Jean-Luc. Adoro ser forçado a aparências."

Contudo, os dois sabiam que esse estava longe de ser o motivo. Remy tentara mentir, mesmo sabendo que o pai era perspicaz demais para cair na sua desculpa esfarrapada. Era bom em enganar a maioria, mas não conseguia o mesmo feito com sua família.

Mas se o filho queria jogar aquele jogo, Jean-Luc também estava disposto. "Largue mão de fingir que não entende o quanto essas aparências são necessárias. O seu irmão também não aprecia essa parte, mas cumpre o seu papel como deve. Você também é meu filho. Um dia você tomará o meu lugar."

Remy segurou uma bufada a tempo e disse: "O Henri vai tomar o seu lugar.

"E talvez você depois dele" disse trivialmente, então seu tom se tornou sombrio. "Não podemos saber o que a vida nos reserva, filho, que tipo de rasteiras podemos tomar."

Desta vez, Remy não segurou uma risadinha de insatisfação; conhecia rasteiras muito bem. "Eu nem tenho o seu sangue" ele disse, de repente, com um quê de amargura. "Sou só um garoto que você tirou da rua."

Jean-Luc o encarou incisivamente. Pareceu querer dizer algo, mas se segurou.

Remy observou o copo na mão, olhou o líquido amarronzado com os olhos parados. "Me sinto um prisioneiro aqui" murmurou para si. Não queria que o pai tivesse ouvido, mas ouviu.

"Você nunca foi prisioneiro" o rosto do homem estava tão duro quanto suas palavras.

Remy balançou a cabeça afirmativamente. "Eu sei" disse fracamente. Ainda assim, não conseguia não se sentir aprisionado por todas as tradições e obrigações impostas sobre ele desde criança. Ironicamente, caso Remy não tivesse passado aquelas semanas com os X-Men talvez não tivesse percebido que o Clã não era o que queria, que havia algo mais, que poderia ser diferente.

Jean-Luc continuava a encarar o filho com uma expressão grave, que às vezes aludia a outros sentimentos, os quais ele era ótimo em esconder. "Sei como você está se sentindo."

Remy abriu a boca para rebater, mas notou que era sério, suas sobrancelhas enrugadas quando perguntou: "O que quer dizer com isso?"

"Que já vi esse seu olhar antes" o homem respondeu calmamente. O comentário chamou a atenção de Remy.

"Em quem?" perguntou inutilmente, pois o pai não iria lhe dar uma resposta. Cansado, ele se levantou para sair, mas girou nos calcanhares antes de abrir a porta, com a mão na maçaneta. "Eu preciso da sua ajuda."

O rosto de Jean-Luc desanuviou; até mesmo a noção de um sorriso surgiu. "Está aí algo que ouvi poucas vezes."

Mesmo quando criança, Remy sempre foi independente. Mesmo depois de ter pessoas que cuidavam dele, o garoto teimava em fazer as coisas sozinho. Queria provar que era um homenzinho. Se agora pedia ajuda, significava que estava desesperado, e Jean-Luc não conseguia pensar em nada que pudesse ter esse efeito sobre o filho.

"Essex" Remy balbuciou, indo direto ao ponto. "Preciso de informações sobre ele."

"De novo, filho" Jean-Luc disse, intrigado.

Assim que esteve de volta, tantos meses atrás, Remy havia questionado o pai sobre Nathaniel Essex, que convincentemente refutou saber algo mais sobre o então cliente. Remy exigiu acesso aos dossiês confidenciais, o qual o pai lhe concedeu sem perguntas. Para sua decepção, Remy não encontrara nada que já não soubesse. Apesar de tudo, não conseguia deixar aqueles assuntos de lado. Acreditava que se desenterrasse mais informações sobre Essex, poderia encontrar algo sobre o seu próprio passado. Até mesmo cogitara confrontar o pai sobre suas origens, mas achava difícil de acreditar que Jean-Luc soubesse de algo referente ao seu nascimento, pois nunca deixara a entender que sabia de sua existência antes de adotá-lo, e não conseguia encontrar motivos para que o pai mentisse sobre esse assunto. E o fato de claramente não saber mais sobre Essex, tornava qualquer ligação com Jean-Luc e seu nascimento improvável.

"Por que essa obsessão, filho?"

Remy engoliu em seco. Não queria contar suas reais motivações, temendo que Jean-Luc as achasse pueris e ingênuas. Sentia vergonha de desejar saber de onde vinha, embora fosse o sentimento esperado de alguém em sua posição. "Porque Essex é perigoso" disse, simplesmente.

"Existem muitos homens perigosos no mundo."

"Com ele é diferente. Ele colocou diretamente em risco a vida de pessoas que... que conheço" não conseguiria dizer que eram pessoas com quem se importava, pois negava para si mesmo, mesmo que sua voz tivesse falhado. "Ele cruzou o meu caminho, e não pode sair impune" então acrescentou ao ler o olhar do pai corretamente: "Não tem a ver com vingança, papa. Mas eu preciso encontrá-lo. Vai me ajudar ou não?"

Jean-Luc não respondeu.


Insone e frustrado, Remy rodava a Dama de Copas amassada por entre os dedos, pensando na ingenuidade da promessa de um dia devolvê-la. Mesmo assim, um sorriso sempre cravava seus lábios ao se lembrar de que Vampira havia guardado sua carta. Embora ela soubesse, no momento em que ele colocara a carta na sua mão, que não era uma promessa de que ele retornaria, ela a havia guardado. Vampira afirmara ser apenas uma lembrança, mas Remy gostava de saber que havia causado nela impressão forte o bastante para não o esquecer por completo.

Estava farto de tentar se convencer de que não sentia a falta dela. Por várias noites, Remy havia encarado a tela do celular, desejando ligar para ela, ouvir a sua voz. No fim, eles sequer haviam trocado uma mensagem. Ele sabia que desejar procurá-la era injusto e egoísta, afinal, ele havia partido. Não importava que ela tivesse compreendido seus motivos, não importavam as promessas que haviam feito, não importava que tivessem dito que não seria o fim, ambos sentiram que haviam perdido algo no dia em que ele partiu. Vampira tinha o direito de viver sem ser relembrada do que poderia ter sido; estaria melhor sem ele. O tempo ajudaria, seria o remédio. Foi o que Tante lhe dissera ao conseguir enxergar o que ele realmente sentia. Remy sequer precisou contar, ela percebeu que havia alguém que ele havia deixado para trás.

Enquanto isso, ali nada parecia ter mudado. Remy fugira duas vezes e duas vezes retornara. Duas vezes foi engolido por obrigações enquanto as respostas que tanto procurava, que tanto o atormentaram, desde a fuga de Essex, continuavam perdidas. Estava angustiado, mas não conseguia conversar com ninguém sobre aquele assunto. Mesmo Tante, que lhe fizera papel de mãe, mesmo o irmão com quem havia confidenciado outros segredos. Simplesmente não parecia certo. Era algo que dizia respeito ao seu passado, era apenas seu. Apenas Vampira conhecia suas suspeitas. Justamente quem não podia estar com ele. Parecia cada vez mais difícil não se resignar à melancolia.

Dois dias após ter pedido ajuda ao pai, este bateu à porta do seu quarto, onde Remy terminava de se aprontar para uma viagem a serviço. Vestia um macacão de corpo todo, preto e justo, com vários bolsos e aberturas para todas as parafernálias de que poderia precisar usar.

Remy não deu muita atenção a Jean-Luc tampouco se surpreendeu com a presença dele, pois imaginou que estava ali para repassar as instruções, como sempre fizera. Contudo, o pai o surpreendeu ao lhe entregar uma pasta, sem dizer palavra.

Gambit a apanhou, boquiaberto ao espiar seu conteúdo. "Como? Eu procurei em toda parte."

"Acho que o seu velho pai ainda tem alguns truques para ensiná-lo" respondeu o homem, presunçoso. "Vou pedir ao seu irmão que vá no seu lugar."

Remy o encarou agradecido antes de se sentar na cama para analisar as cópias de recortes de jornal.

"Renomado geneticista Nathan Milbury é testemunha no julgamento de Amanda Mueller, acusada de infanticídio" dizia a manchete em um jornal cuja data remontava aos anos 30.

O nome Milbury saltou aos olhos de imediato. Era a alcunha que Jean havia mencionado. Durante suas investigações Gambit não havia se deparado com menções àquele nome, e não conseguia entender como aqueles jornais haviam lhe escapado. Seu pai tinha razão, ele ainda tinha muito o que aprender. Era algo que sempre ouvia do pai quando sua arrogância de jovem falava mais alto.

"Você é bom, filho, mas ainda tem um caminho longo a percorrer."

Jean-Luc havia conseguido ligar o nome Essex a Milbury rapidamente. Ou Jean-Luc sabia de algo que se recusava a confessar ou Remy de fato tinha muito o que aprender com o pai. Pendia para a segunda alternativa. Jean-Luc não era o Líder do Clã dos Ladrões há décadas à toa.

Aquela única manchete foi suficiente para injetar ânimo em suas buscas e ajudá-lo a criar uma nova linha de investigação. Dessa forma, Remy voltou sua atenção para Amanda Muller. A mulher havia sido acusada e, posteriormente, absolvida das acusações de ter sido diretamente responsável pela morte de quatro bebês nascituros. Seus próprios bebês. Após o julgamento, do qual ela saiu livre, a suposta assassina desapareceu do mapa. Remy não encontrou nada a respeito de sua morte, nenhum atestado de óbito. O caso ficou conhecido como "Assassina do Útero Negro". Essex estava envolvido e Remy estava disposto a ir a fundo para desvendar qual havia sido o papel do vilão no caso.


Gambit acordou torto na própria cama, usando as mesmas roupas do dia anterior. Sentiu a baba seca no canto esquerdo da boca, se moveu para se sentar e notou que estava levemente zonzo. Havia passado duas noites em claro, incapaz de parar suas investigações. Também não havia se alimentado apropriadamente. Estava à beira da exaustão quando caiu no sono. Olhou a hora e deduziu que havia dormido pelo menos seis horas. Não seria o suficiente para colocar o sono em dia, mas se mostrou remédio milagroso. Assim que se levantou e abriu as cortinas e a janela, através da qual entrou a luz quente do sol, ele se sentiu mais disposto.

Retirou a camiseta suada e tomou um banho, que serviu para aliviar a dor de cabeça que se formava. Vendo pelo espelho que sua aparência ainda deixava a desejar, resolveu fazer a barba. Tinha olheiras leves, mas estava apresentável, algo necessário, já que planejava fazer busca de campo naquela tarde. Sua barriga roncou de fome. Apanharia na cozinha algo que desse para comer no caminho.

Havia acabado de vestir roupas limpas quando ouviu batidas na porta. Era Tante Mattie.

"Estou de saída, Tante" ele disse após lhe dar um beijo de bom dia.

"Você não tinha um compromisso com o seu pai, fío?"

Ele havia esquecido totalmente. "Jean-Luc vai entender" disse distraído, olhando ao redor para se certificar de que não havia esquecido de levar nada.

"Eh bien, tem gente procurando por você" Mattie disse, cruzando os braços sugestivamente. Isso chamou a atenção de Remy, que se voltou para ela com o rosto sério.

"Aqui? Deram nomes?"

A preocupação inicial dele se mostrou infundada devido ao sorriso de Tante Mattie. "Non. O homem é carrancudo, mas a moça é uma formosura. Tenho um palpite de quem seja."

Retribuindo o sorriso dela sem tentar esconder, Remy se apressou em descer as escadas, esquecendo-se de todo o resto. Correu até a sala de estar e se deteve à entrada ao vê-la.

Ela estava de costas, parada em pé observando o quadro principal na parede oposta à entrada. Seus cabelos castanhos estavam longos e ondulados. Mesmo de costas sabia que era ela. Sempre reconheceria sua silhueta.

Remy era naturalmente silencioso, portanto, ela não notou sua aproximação até que estivesse a dois passos de distância. Ele estendeu o braço, ainda que não soubesse o que fazer com ele.

Contudo, outra pessoa havia percebido sua presença. "Continua se quiser perder a mão."

Remy voltou o rosto para Wolverine, quase rindo. Vampira rodou o corpo e se deparou com Remy à sua frente. Abriu um sorriso enorme e desinibido. Ignorando as bufadas de Wolverine, ela cobriu a distância dos dois passos que os separavam e jogou os braços ao redor do pescoço dele.

"Separa" Wolverine ameaçou.

"Também estou feliz em te ver, Wolvie" Remy disse ao ir na direção do homem para lhe dar o abraço mais constrangedor de sua vida. Grunhiu inconformado e encarou Vampira ameaçadoramente quando ela gargalhou da cena.

"Como me encontraram?" Remy perguntou, forçando seus olhos a deixarem o rosto de Vampira.

"O Professor" ela respondeu.

Remy assentiu. É claro, o Careca era esperto e dispunha de vários meios. Ele novamente encarou o rosto lindo de Vampira quase sem acreditar que ela estava realmente ali – mesmo que Wolverine tivesse vindo de brinde.

"Desculpa aparecer assim" ela disse. "É que foi tudo muito rápido. Eu mandei mensagem há algumas horas, mas... acho que você não viu" agora estava levemente embaraçada, pois não haviam se falado durante todos aqueles meses.

"Eu não vi. Estava com a cabeça em outro lugar" Remy respondeu honestamente. "Por que estão aqui? Aconteceu alguma coisa?"

"Todos estão bem, Remy" ela garantiu, botando fim à expressão alarmada que lhe varreu as feições.

"Então?"

Wolverine abriu um esgar sombrio. "Temos uma pista sobre Essex."

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