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Era curioso como o tempo parecia se moldar ao seu redor em conformidade com os seus sentimentos. Uma semana poderia caber dentro de um dia enquanto o contrário também era verdade; horas poderiam se esvair como se fossem minutos.

Para Vampira, os últimos meses se foram como se a cada piscar de olhos um dia se dissipasse, e, em algum momento, ela decidiu que isso não era ruim. Ela preenchia os seus dias em uma rotina que a impedia de pensar demais. Os treinamentos dos recrutas continuavam a ser sua responsabilidade – o que tomava boa parte das suas tardes – e tinha treinamentos com Wolverine frequentemente, o que havia aperfeiçoado suas habilidades de autodefesa e suas percepções durante combates de uma forma que anteriormente pareceria assustadora. Wolverine era rígido, exigente e não pegava leve, qualidades essenciais para prepará-los para circunstâncias reais de combate. Vampira também se empenhava nos encontros com o Professor, em um processo árduo e longo em busca de uma solução para os seus poderes descontrolados, e, ainda por cima, passava tempo aceitável com os demais moradores da mansão, prática que, mesmo depois de tantos anos, ainda exigia esforço de sua parte.

Isolar-se sempre fizera parte de sua vida, pois mesmo antes de seus poderes se manifestarem, Vampira fora convencida de que tinha problemas sérios de pele, portanto, deveria cobri-la e não se expor, e, principalmente, não deveria aproximar de quem quer que fosse. Ela havia acreditado na mentira de que seria melhor para todos que se mantivesse afastada das outras pessoas. Nunca fora capaz de superar a ironia anunciada daquela mentira.

Uma infância solitária e caluniosa a havia transformado em uma jovem emocionalmente distante e que preferia a solidão. Apenas ele havia perfurado suas barreiras, escalado e adentrado sua barricada. Apenas ele fora capaz de fazê-la se sentir diferente sobre a solidão a ponto de fazê-la desejar se aproximar e tocar e querer ficar cada minuto junto. Apenas ele e justamente quem não estava mais por perto.

Possivelmente Vampira sequer percebia que o esforço para se enturmar e passar mais tempo em grupo era uma tentativa de descobrir se haveria alguém mais que pudesse fazê-la se sentir daquela forma. Até então nada mudara. Toda a vez que pensava nele seu coração apertava e ela sentia o caroço que precedia o choro se formar na garganta e uma dor que parecia se espalhar por cada membro, se tornando quase física. Mas ela não se deixava abater, não se permitia vagar pelos corredores amuada ou se trancar no seu quarto para transformá-lo em uma jaula pessoal e auto imposta, não regrediria para seu eu introspecto, não depois de ter amadurecido e mudado tanto nos últimos anos.

Há muito tempo não se sentia mais uma intrusa entre os X-Men, não era mais a garota que escolhera o lado errado e precisava provar que merecia o seu lugar ao lado dos mocinhos. Sabia estar em casa, sabia que seu lugar era com os X-Men. Fora preciso um então inimigo lhe mostrar o valor do que tinha, lhe mostrar quem era a sua família, para que ela se desse conta disso. Era por isso que ela entendia sua partida, mesmo que ainda doesse tanto. Por mais que apenas a morte fosse irreversível, seu relacionamento interrompido havia se tornado um assunto inacabado. Precisava de uma resolução, nem que fosse um fim.

Talvez eles tivessem cometido um erro, ela chegou a pensar inúmeras vezes. Não deveriam ter deixado as coisas no ar, não deveriam ter feito promessas que sabiam ser tão difíceis de cumprir. Quem sabe se tivessem posto um fim no que havia entre eles, a vida depois disso teria sido mais fácil. Poderia ter superado a sua partida e agora ele seria apenas uma lembrança. Mas o destino parecia ter outros planos.


Era cedo quando Wolverine bateu à sua porta – eufemismo para a esmurrou com tanta força e determinação que fez as paredes tremerem. Era sexta-feira, sua única manhã sem obrigações, então Vampira ainda dormia. Acordou no susto e se levantou como se seu corpo se movesse sem que ela o controlasse. Abriu a porta, de pijama, descabelada e coçando os olhos como criança.

"Arrume uma mochila com algumas peças de roupa. Precisamos ir logo" Wolverine mandou. Estava suado e evidentemente cansado. Estivera ausente pelos últimos dias e trajava seu uniforme sujo, o que indicava que tinha acabado de voltar de uma missão.

Ela sabia que não adiantaria perguntar, mas perguntou mesmo assim, rabugenta por ainda ser cedo e por ter sido despertada de forma tão pouco delicada. "Para onde?"

"Faz o que estou mandando e vem logo, guria" ele rebateu à medida que se afastava a passos largos.

Vampira obedeceu. Além de parecer sério e urgente, ela apreciou saber que de certo seria levada em missão, o que significava um voto de confiança da parte de Wolverine, principalmente depois de todo o progresso que haviam alcançado em seus treinamentos.

Dez minutos mais tarde – quase um tempo recorde – Vampira descia as escadas vestindo roupas confortáveis. Jeans, tênis e jaqueta, e uma mochila leve pendendo do ombro com poucas mudas de roupas práticas e um nécessaire, que ficava sempre pronto, com escova de dentes e outros produtos de higiene indispensáveis.

O Professor veio ao seu encontro. "Tudo pronto?"

"Eu nem sei aonde vamos" Vampira tentou dizer de bom humor, mas estava levemente constrangida por não saber.

O Professor voltou o rosto na direção de Wolverine. "Você não lhe contou nada, Logan?"

"Eu ia inteirá-la no caminho" respondeu o canadense a contragosto, resmungando. "Que se dane. Estamos indo para Nova Orleans."

O coração dela parou por um instante e então voltou a bater rapidamente, alucinado com as possibilidades. "Pra quê?" perguntou fracamente, com a garganta seca, sem saber se havia sido ouvida.

"Vamos seguir uma pista sobre Essex" respondeu Wolverine antes de se voltar para o Professor. "Você tem o endereço, Chuck?"

"Endereço de quem?"

"Do Cajun, Vampira" Wolverine disse, perdendo a paciência. "Vamos pedir ajuda àquele filho da mãe."

Vampira encarou Wolverine, estupefata, mas ele sequer se dignou a olhar na sua direção. Em contrapartida, Xavier ergueu os olhos até ela e sorriu. Vampira se perguntou se o Professor teria algo a ver com o destino daquela missão.

"Vampira, por gentileza, entre em contanto com o Gambit, pois ele ainda não sabe que vocês estão a caminho."

Ela assentiu, apanhou o celular do bolso de trás do jeans, e então hesitou ao olhar para a tela. O que diria? Olá, há quanto tempo? Respirou fundo e tentou não pensar muito a respeito e escreveu uma mensagem: Os X-Men estão indo encontrá-lo. Precisamos de ajuda. Vago o suficiente para que ele respondesse com mais perguntas. A mensagem foi enviada, mas ele não visualizou.

Vampira se despediu do Professor e seguiu Wolverine, que foi buscar sua moto para carregá-la no Pássaro Negro, o que trazia urgência à situação. Ela queria fazer perguntas, mas Wolverine tinha uma maneira própria de mostrar que queria ser deixado em paz. Ela reconheceu a expressão de que não adiantaria tentar conversar, pois não receberia respostas. No fundo, Vampira sequer se importava com a missão obscura, mas apenas imaginar que voltaria a ver Gambit fazia sua barriga congelar de ansiedade.

A viagem seria curta, então Vampira se sentou ao lado de Ciclope, na poltrona de copiloto, para perguntar se ele saberia de algo sobre a missão antes que desembarcassem.

"Não muito" ele respondeu, simplesmente. "Só sei que Logan conseguiu uma pista sobre Essex."

Sua voz soava grave, Vampira notou, assim como a sua mandíbula dura. Para Scott também era pessoal, talvez mais do que para ela e para Jean, já que Essex havia manipulado parte de sua infância. Desde que haviam escapado das garras de Sinistro, Scott parecia ter envelhecido alguns anos. Podia-se notar pelo seu semblante constantemente contemplativo. Apesar de tudo, ele continuava focado e se tornava um líder cada vez melhor; havia aceitado esse papel por completo e se sentia confortável nele. Fazia Vampira pensar em quanto todos eles haviam mudado desde que se tornaram X-Men. Havia responsabilidades e perigos, mas não trocariam essa vida facilmente.

Logo, eles pousaram em uma pista de pousos curta, cercada por vegetação e longe da cidade. Wolverine empurrou a moto para fora, sem dizer nada a Ciclope. Vampira, por outro lado, se voltou para trás com um sorriso.

"Fui designado a outra missão" Ciclope disse com sua habitual seriedade como se se justificasse por não ficar. "Boa sorte."

Ela acenou com a cabeça e desceu da nave. Subiu na garupa da moto de Wolverine, e os dois saíram em disparada, em um percurso com duração de aproximadamente quinze minutos, durante os quais Vampira sentia um frio na barriga incontrolável pelo anseio em revê-lo.

Adentraram a cidade rapidamente e seguiram por bairros residenciais. Vampira assistiu, através da proteção do capacete, às casas irem aumentando de tamanho até que chegaram a uma rua em que um único terreno parecia ocupar a quadra inteira. Pararam em frente ao portão da casa principal de estilo clássico.

Vampira desceu da moto e pegou o celular para olhar a tela mais uma vez. Gambit não visualizara sua mensagem. Ela retirou a jaqueta, de repente com calor. "Tem certeza de que estamos no lugar certo?"

Wolverine soltou um resmungo que queria dizer sim. Não era o tipo de lugar que se esperaria encontrar criminosos, ela pensou, ou talvez fosse a fachada perfeita.

"Não estão nos esperando" ela disse, imaginando se simplesmente bateriam na porta da frente.

"Não temos tempo para bons modos, Vampira. Faremos uma surpresa" ele emendou com um sorriso sardônico.

Vampira o encarou sem expressão, de maneira quase cômica. Wolverine ignorou o olhar e tocou o interfone. Pediu para falar com Gambit, o que claramente pegou a pessoa do outro lado da linha de surpresa. Ele olhou para a câmera de segurança e esboçou um sorriso, que se assemelhou mais a uma ameaça passivo-agressiva. Vampira escondeu o rosto nas mãos de vergonha. Os portões se abriram.

Wolverine subiu na moto e entrou cantando pneu. Estacionou perto dos degraus da porta de entrada. Vampira preferiu caminhar. Chegou aos degraus no momento em que a porta foi aberta por uma mulher negra de meia idade.

"Queiram entrar" ela disse calorosamente com um sotaque forte e um sorriso acolhedor.

Não era a recepção que Vampira esperava, e percebeu, com um sorriso, que havia sido uma boa surpresa. Foram recebidos como se já os conhecessem. A mulher pediu para que ficassem à vontade na sala de estar e se retirou.

Vampira ficava cada vez mais impaciente à medida que vários cenários passavam por sua cabeça. Estava tão nervosa que tentou desviar o foco para qualquer coisa. Despejou toda a sua atenção em quadro grande, na parede principal da sala. Ela notou o quanto era bonito; retratava uma paisagem bucólica de tempos idos.

Quando ela se virou e deu de encontro com o rosto dele, não havia o que pensar. Ela se jogou na direção dele. O abraço acabou rápido demais, mas ela disse para si mesma que não importava, que haveria tempo.

Após Wolverine revelar que havia uma pista sobre Essex, Gambit os convidou para se sentar.

Wolverine relutou, mas se sentou no sofá de frente para Gambit, antes de despejar informações sobre ele. "Um contato me deu uma dica sobre instalações no Novo México onde foram realizados experimentos altamente confidenciais financiados pelo governo."

Gambit ouviu atentamente e se indagou sobre quem seria o tal contato, mas não disse nada. Não importava. Se Wolverine confiava na informação, então ela estaria correta. Gambit também não revelaria suas fontes desnecessariamente.

Wolverine continuou. "Essas instalações ficaram abandonadas por décadas, mas foram recentemente reativadas por um curto período de tempo. Achei evidências de que Essex esteve lá, mas quando cheguei, ele já havia sumido."

Explicava o seu sumiço durante os últimos dias, Vampira pensou, assim como sua pressa. Ela emendou uma pergunta: "Você acha que Essex esteve lá também enquanto as instalações estavam ativas?"

"Acho. Os experimentos feitos lá eram exatamente do tipo pelo qual Essex se interessaria."

"Durante que período essas instalações funcionaram?" perguntou Gambit.

"Se arrastou por quase duas décadas, do final dos anos 30 até a metade dos anos 50. O filho da puta é praticamente imortal, não é?"

Gambit ficou pensativo. O caso do Útero Negro havia ocorrido nos anos 30. Ele ponderou sobre a possibilidade de Essex ter participado desse projeto secreto após o julgamento e suposto sumiço de Amanda Mueller e qual a plausibilidade de ela ter ido junto para dar continuidade aos experimentos.

Pelo silêncio de Gambit, Wolverine notou seu semblante contemplativo. "Você sabe de alguma coisa, Gambit?"

"Talvez. Também consegui algo sobre o passado de Essex recentemente. Os dois eventos podem estar interligados de alguma forma. Preciso colocar as peças no lugar primeiro."

Surpreendentemente pareceu ser o suficiente para Wolverine, que apenas abanou a cabeça, como se confiasse em Gambit. "Tem mais uma coisa. Essex não estava sozinho. Senti um cheiro conhecido: Creed. Deve ser o novo recruta" o ódio em dizer o nome era quase palpável.

"Dentes-de-Sabre trabalhando para Essex" Gambit resmungou, não surpreso mas levemente alarmado. Não podia significar boa coisa.

Os meses como Acólito lhe ensinaram algumas coisas sobre seus "associados". Magneto, o líder, era mais um homem para a lista de homens com poder demais, que tentava justificar seus atos criminosos e hediondos por ter tido o passado marcado por sofrimento; pura hipocrisia, Gambit pensava. Chegou à conclusão de que Colossus era um coitado, cuja família era mantida prisioneira pelo hipócrita enquanto ele era forçado a cooperar; Pyro era apenas um louco incendiário que queria ver o mundo literalmente pegar fogo; Dentes-de-Sabre, por sua vez, era de fato perigoso, um assassino inescrupuloso que fazia o que fosse necessário caso fosse bem remunerado.

"Essex deve estar pagando muito bem para atrair gente como Creed" disse Wolverine, inquieto, batendo os pés no chão.

"E vocês vieram pessoalmente me contar as boas novas?" disse Gambit, em tom de brincadeira. Era o seu jeito de incentivar Wolverine a continuar falando ao invés de mandá-lo falar.

"Eu pagaria para não ver mais essa sua cara feia" o outro resmungou.

Gambit e Vampira trocaram um olhar e um sorrisinho. Ela deu de ombros. "Também só estou ouvindo isso tudo agora."

"Segui o rastro de Creed até aqui, mas o perdi. Você ficou sabendo que Creed andou rastejando por essas bandas?"

"Non. Mas posso cobrar alguns favores e descobrir por onde ele andou."

Wolverine abanou a cabeça, satisfeito. "Ótimo. Pois é exatamente por isso que estamos aqui. Perdi o rastro do Creed, mas se o meu palpite estiver certo, ele não deve estar longe."

"O Cérebro não foi capaz de localizá-lo?"

"Não" o que era mais uma prova de que o maníaco estava de fato trabalhando para Essex. "Vampira, você fica e ajuda o Gumbo a recriar os passos de Creed. No momento ele é a nossa melhor chance de localizar Essex. Me avisem assim que conseguirem qualquer pista que possa nos levar a ele" levantou-se de repente e seguiu para a porta. "Vou atrás do desgraçado" escancarou a porta e foi em direção à moto estacionada perto da porta de entrada.

Vampira também se levantou e caminhou atrás dele, meio atordoada por descobrir que ficaria para trás.

Wolverine se virou para encará-la como se justificasse de má vontade. "Você dois são as pessoas mais apropriadas para esse trabalho" um ladrão de criação e uma ladra de memórias eram as palavras implícitas; uma combinação e tanto. "Lembre-se dos nossos treinamentos, Vampira" então encarou o rapaz com uma carranca, dissolvendo o ar paternal que usou com Vampira. "E você, Gumbo, se tocar um fio de cabelo dela eu acabo com a sua raça."

Gambit pareceu achar graça, como se soubesse que era uma ameaça vazia, da boca para fora. "Esperava uma ameaça mais contundente da sua parte, Wolvie."

Wolverine apenas grunhiu. Arremessou a mochila e a jaqueta na direção de Vampira, que as apanhou. Deu partida na moto. "Coloquei dinheiro na sua mochila para você pagar um hotel" ela assentiu. "Fiquem espertos. Vou mantê-los informados de cada passo e preciso que vocês façam o mesmo" e se foi.

Sozinhos os dois jovens primeiramente fugiram do olhar um do outro. Quando seus olhos finalmente se encontraram foi como se o tempo afastados houvesse se dissolvido e que houvesse a possibilidade de continuar no segundo após terem se separado.

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