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De todas as possibilidades que Gambit poderia imaginar para onde estaria naquele dia e hora, a cena atual definitivamente não havia cruzado seus pensamentos. Fazia com que ele questionasse se era de fato real.
Ele havia refletido tanto naqueles últimos meses desde que deixara o Instituto para trás e retornara para o âmago do Clã dos Ladrões, e ainda se sentia perdido. Seu objetivo ao ter procurado os X-Men tantos meses atrás era único e claro. Embora houvesse algo de pessoal em sua procura por Sinistro, ele havia refutado quaisquer implicações sentimentais para o ato, encarando-o apenas como mais um trabalho que precisava ser feito; depois de concluído, partiria sem olhar para trás. Nunca esperou se sentir como se pertencesse àquele lugar, mesmo tendo lutado tanto contra esse sentimento. E como se sua inquietação por se sentir dividido entre dois mundos não bastasse, ainda havia ela.
A garota lhe parecera interessante desde o início, desde que ele em sua ânsia por escapismo e adrenalina havia se juntado aos Acólitos. Ao estudar os X-Men, seus oponentes, a garota conhecida apenas como Vampira saltara aos olhos em meio a tantas pessoas extraordinárias. Enfrentá-la frente a frente no primeiro embate entre X-Men e Acólitos havia sido interessante – ao menos esta foi a palavra que ele mesmo usou para descrever a experiência.
Gambit tinha um fraco por garotas bonitas e ficou claro que Vampira, apesar de convencionalmente atraente, parecia se esforçar para se esconder por trás de roupas escuras e muita maquiagem. Havia ainda os seus poderes que a tornavam ainda mais intrigante. Ele imaginou com deleite como seria divertido o jogo de conquistar a garota intocável que não permitia a aproximação de ninguém. Seria mais uma vitória para o seu placar invejável. Contudo, Gambit levou uma rasteira da vida ao perceber que desenvolveu algo mais que atração por ela. O jogo havia se voltado contra ele.
Ele não saberia dizer quando começou de fato, provavelmente nas horas que haviam passado juntos em Nova Orleans. Ele a havia usado para seus propósitos, mas ela o havia perdoado e sua vergonha não admitida tornou especialmente fácil esquecê-la. Não era como se ele se visse pensando nela ou sentindo sua falta. Quando a encontrou novamente sentiu apenas excitação pela sua dinâmica que prometia ser instigante. A última coisa que esperava era que se tornasse real.
Deixá-la para trás para retornar à sua cidade natal e a todos os problemas que isso implicava havia sido sua decisão mais difícil. No fundo, ele ingenuamente esperava encontrar as respostas que buscava, independente de quais seriam essas respostas, e então voltar para os X-Men, tentar andar ao lado dos mocinhos, para variar, eliminar a coceira do que poderia ter sido. Seu lado racional, por outro lado, sabia que ele havia fugido dos X-Men por medo, não havia se permitido acreditar que havia um lugar para ele entre aqueles heróis. Ele era um ladrão, sempre fora e era tudo que poderia ser.
Seu pai sempre lhe dizia que sua veia romântica inevitável e tendência incauta a romantizar seria o seu fim. Gambit sabia disso em um nível racional, mas não conseguia repelir todos os sentimentos que pendiam para esse lado. Agora, em pé em frente à porta da casa onde crescera, vislumbrado com a visão dela, ao alcance de seus braços, ele entendia que o fim tinha outro significado.
Ela sorriu e ele soube que aquele sorriso ainda tinha o poder de desarmá-lo. Ser o alvo daqueles olhos e daquele sorriso o fazia desejar deixar a sensatez de lado e apenas tocar sua pele e seus lábios e tudo o que ela era. A noção de que fora o único a tocá-la como amante o excitava e enternecia a ponto de doer, assim como a lembrança do que o seu toque causara, dos suspiros e dos arrepios sob suas mãos.
Ele deu um passo à frente na direção dela e não teria conseguido reprimir o impulso de envolvê-la em seus braços caso a voz de Tante não tivesse trazido seus pés de volta ao chão.
Da mesma forma, Vampira se sobressaltou e girou o rosto na direção da porta aberta. Conhecia o olhar dele e o que estava prestes a acontecer e seu coração martelava no peito com a antecipação. Seus olhos caíram ao chão, decepcionada pela interrupção. Mordiscou os lábios e, sem saber o que fazer com as mãos, engatou a outra alça da mochila e segurou as alças enquanto encarava os próprios pés. Gambit passou por ela, entrou e a convidou a fazer o mesmo. Ela o seguiu até a sala de estar onde estava Tante Mattie.
"Ué, aonde foi o moço?" ela perguntou. Nas mãos uma bandeja com um bule de chá e xícaras.
"Nos perdoe pela desfeita" respondeu Vampira, sem jeito "mas o Logan teve mesmo que ir. Ele tinha um compromisso inadiável."
"C'est pas grave" respondeu a mulher, com um sorriso sincero. "Acho que ainda não sei o seu nome, menina."
"Todos me chamam de Vampira."
"Pode me chamar de Tante ou Mattie ou os dois" disse com uma piscadela, descendo a bandeja sobre a mesa de centro antes de se retirar novamente.
Os dois se viram sozinhos novamente, e desta vez, Vampira preencheu o silêncio, não em uma decisão consciente, mas de forma natural. "Ela é muito gentil. Ela te criou como filho, né?"
Gambit abanou a cabeça singelamente, sorrindo por ela se lembrar de sua menção breve à Tante há tanto tempo. Em suas conversas havia a compreensão tácita de se evitar falar sobre família. Se isso era saudável ou não, não entrava na discussão. "Você diz isso, mas nunca a viu brava."
Vampira soltou um riso e seus lábios ficaram presos no formato de um sorriso ao olhá-lo no rosto. Percebeu que não estava mais nervosa; sentia-se tão confortável na presença dele como antes. "Você deve ter dado tanto trabalho para ela, pobrezinha."
"Não vou negar" e havia um sorriso travesso nos lábios dele, um sorrido que insinuava que podia conseguir qualquer coisa de tão carismático.
Vampira pigarreou para expulsar as borboletas que esvoaçavam na sua barriga. "A-acho melhor eu ir procurar um lugar para ficar antes da gente sair para investigar."
"Você também vai fazer desfeita?" seu tom de voz era gentil e franco, combinava com o sorriso dele que ela sempre acabava retribuindo.
"É claro que posso ficar mais um pouco."
O sorriso dele alargou ainda mais com a satisfação de ver que Vampira tinha deixado definitivamente para trás a garota cujo primeiro impulso era fugir. O embaraço inicial havia se desfeito por completo e eles podiam conversar francamente. "Você não precisa procurar lugar pra ficar, chérie. Fique aqui."
Ela hesitou; alguns motivos contra ficar passaram simultaneamente pela sua mente sobrepujando os prós. "Você devia perguntar para o seu pai antes de me convidar."
"Ele não vai se importar."
"Por que não me contou que tínhamos visita, filho."
Foi o que Vampira ouviu antes que pudesse responder a Remy. Como se tivesse sentido que falavam dele, Jean-Luc veio caminhando pelo corredor após deixar o escritório e avistou os dois jovens.
Parada em pé na sala de estar espaçosa, carregando uma mochila nos ombros, Vampira se sentiu conspícua e um tanto insegura pois não sabia o que esperar do homem que vinha na direção deles. Entretanto, seu contentamento foi instantâneo ao ouvir a voz poderosa mas receptiva dele; a expressão no seu rosto era aprazível, quase calorosa, ele tinha presença e imposição de um líder que se encontrava em algum lugar entre carismático e autoritário.
Agora que pôde observar Jean-Luc com atenção, Vampira se surpreendia por não haver parentesco sanguíneo entre ele e Remy. Teve essa impressão da primeira vez que o viu, mas agora foi mais forte. Lado a lado, a semelhança entre os dois era notável; tinham a mesma altura, o mesmo cabelo castanho rebelde, de perfil a linha do maxilar era igual, além de alguns trejeitos compartilhados, que Remy devia ter assimilado naturalmente. Vampira tinha certeza de que Remy estava ciente dessa semelhança, mas não fazia ideia de como ele se sentia a respeito disso.
Jean-Luc retirou as mãos dos bolsos da calça social para fazer um gesto que estava em harmonia com o semblante de reconhecimento que se formou no seu rosto. "Conheço você, minha jovem. Foi você quem ajudou quando fui capturado pelos Assassinos" completou com satisfação apesar do desagrado da lembrança. Não se lembrava exatamente do rosto dela até vê-la, porém lembrava-se dos seus poderes e de como, à época, Remy se limitara a chamá-la de "apenas uma conhecida" e se recusara a revelar qualquer informação sobre ela após o ocorrido. "Tenho uma dívida em aberto com você."
"Não foi nada."
"Acho que não me lembro do seu nome."
"É Vampira."
"Peculiar. Venha, queira se sentar. Vejo que Mattie já cuidou da bebida" ele encheu três xícaras com chá fumegante e se acomodou na poltrona de frente para o sofá onde os dois jovens se sentaram com o espaço de um assento entre eles. "O que a traz à Nova Orleans?"
"Trabalho" ela respondeu após ponderar por um instante. Às vezes era difícil definir o que os X-Men faziam. Ela havia se desvencilhado da mochila e a deitado ao lado dos pés antes de se sentar e aos poucos deixava de lado a postura um tanto dura e formal.
A resposta evasiva foi o suficiente para Jean-Luc, que abriu um sorriso. "Veio contratar nossos serviços?"
"Não exatamente. Mas, de certa forma, diz respeito ao Remy também" era a justificativa que oferecia por estar ali. Lançou um olhar de soslaio para Gambit, avaliando-o; não sabia o quanto seria o certo revelar. Como ele não deu sinais de que ela falara demais, Vampira relaxou um pouco. Não parecia haver animosidade entre ele e o pai como da vez anterior. Eram esses detalhes que a faziam perceber o quanto ansiava em conversar com Remy.
"Por quanto tempo pretende ficar?" Jean-Luc perguntou, após mais um gole cauteloso na bebida.
"Acredito que alguns dias, talvez mais" ela apanhou a xícara, primeiramente por educação, mas gostou do sabor adocicado.
"Se ainda não tiver lugar para ficar, gostaria que considerasse se hospedar conosco."
Vampira olhou novamente para Remy e ele sorriu confirmando que a oferta era genuína e satisfeito por ter a razão. "Claro, agradeço o convite" respondeu com um sorriso. Talvez não tivesse passado pela sua cabeça que seria tão bem recebida. Devia ter lido ficção demais, pois estava errada em esperar encontrar um QG ao invés de uma casa normal e achar que haveria desconfiança no lugar de receptividade. Remy confiar nela devia ser o suficiente para Jean-Luc.
"Será muito bem-vinda. É o mínimo que posso oferecer" disse Jean-Luc, então acrescentou como se jogasse conversa fora: "Já pensou em ser ladra?"
Vampira por pouco não cuspiu o chá. Pelo canto dos olhos, viu Remy chacoalhando a cabeça, inconformado. "Jean-Luc..." havia alerta na voz dele ao pronunciar o nome do pai lentamente.
"Qual o problema, filho? Com as suas habilidades, minha cara, você seria incrível."
Vampira enrubesceu ao passar pela sua cabeça que Jean-Luc podia achar que havia possibilidade de ela entrar para a família e, indiretamente, de cabeça nos negócios. Decidiu que era apenas sua imaginação, mas não conseguiu deixar de se indagar como isso funcionaria, se era permitido, se haveria alguma formalidade, se teria de passar por alguma prova de vida ou morte. Mordeu o lábio de leve para se livrar do fluxo irritante de pensamento.
De qualquer forma, não tinha problemas com os aspectos morais do que Gambit fazia. Tendo sido criada por Mística, com todas as suas mentiras e disfarces, e tendo em Wolverine uma figura paterna, Vampira aprendera a não questionar pessoas cujo moral se encontrava em áreas cinzentas. Embora aquela não fosse uma pergunta para a qual ela estava preparada, havia certa ironia que não lhe passou despercebida, afinal, seus poderes mutantes a tornavam ladra, se não por ofício, por natureza.
"Você pode arrancar qualquer informação, de quem for" Jean-Luc pareceu imaginar as benesses de tal habilidade.
"Que tal mudarmos de assunto?" propôs Remy, não apenas por saber que aquele era um assunto delicado para Vampira, mas também porque o interesse do pai adotivo nos seus poderes sempre o incomodou e o fez se sentir como um utensílio.
Vampira, contudo, se sentiu confortável o suficiente para entrar na conversa. "Talvez eu pudesse ser advogada com essas habilidades" apesar do tom de brincadeira, era algo que ela havia considerado de fato.
"Que diferença faz?" Jean-Luc gracejou. "Seria uma excelente carreira, sem dúvidas."
"C'est vrai" Remy concordou. "Combinaria com você."
Depois disso a conversa enveredou por um caminho agradável e Vampira falou um pouco sobre sua cidade natal. Ela percebeu que falar sobre o passado não era assim tão difícil. Infelizmente, o bate-papo foi interrompido pelo tocar da campainha.
Jean-Luc se levantou após dar um tapinha nas coxas como se houvesse se lembrado do porquê havia deixado seu escritório. "Você vai me desculpar, mas tenho uma reunião importante. Remy, gostaria que você estivesse presente."
"Claro, Jean-Luc" o rapaz aquiesceu, guardando para si a graça na escolha de palavras. Não importava o quão educado soasse, sua presença era uma exigência.
Gambit se pôs em pé e Vampira fez o mesmo. A distância, ela viu um homem de ar impositivo e uma garota jovem entrarem. Foi como se o clima se tornasse pesado repentinamente, mesmo que todos forçassem sorridos formais. Os convidados seguiram Jean-Luc até a sala de estar. Vampira notou que eles tinham os mesmos olhos azuis frios e calculistas. O homem – que parecia familiar – não notou ou fingiu não notá-la; a garota, por outro lado, a mediu de cima a baixo, desdenhosamente, como que para compensar a surpresa de encontrá-la ali.
Vampira achou que as visitas não pareciam agradar a Gambit, fato que se confirmou quando ele olhou para ela, indefeso, e com um sorriso sem dentes que parecia se desculpar. Contudo, foi ela quem se sentiu fora do lugar, uma intrusa ou uma visita indesejada. Para sua sorte, Tante Matti surgiu para resgatá-la.
"Vem, criança. Vamos terminar o chá na cozinha? Tenho cookies quentinhos que acabaram de sair do forno."
"Claro, obrigada" Vampira assentiu e a seguiu. Não conseguiu resistir e olhou para trás. Viu a garota loira conversando com Gambit, mas apesar de conseguir ouvir vozes, não conseguia distingui-las.
"Assassinos nesta casa" comentou Mattie assim que chegaram à cozinha, presumindo que Vampira estava no mínimo familiarizada com a rivalidade entre Clãs, afinal não era segredo. "Taí algo que achei que não viveria para ver."
Vampira não disse palavra. Captou cautela na voz da mulher e deduziu que as coisas não deviam ser exatamente como aparentavam. Mesmo tendo conhecimento superficial dos assuntos dos Clãs, ela imaginou que receber Assassinos em sua própria casa devia ser um grande passo em direção à reconciliação. Mas não se iludiria achando que poderia entender o que se passava nos bastidores. Entretanto, uma coisa dava por certo: Jean-Luc havia sido sequestrado e mantido cativo por Assassinos pouco mais de um ano antes, portanto o relacionamento entre Clãs definitivamente era mais complicado que a demonstração de boa vizinhança que ela acabara de presenciar. Então, lembrou por que o homem parecia familiar. Ele e o filho haviam sido responsáveis pelo rapto de Jean-Luc. Ficou curiosa para entender como o homem passou de raptor a convidado.
Tante Mattie a convidou a se sentar e colocou cookies quentinhos na mesa à sua frente. Vampira apanhou um sem cerimônias. Na primeira mordida, notou que se parecia com os que Remy fizera certa vez e comentou o fato com a mulher. Mattie era tão receptiva e afetuosa que Vampira sentiu que podia lhe contar o que ela pedisse.
Mattie sorriu com satisfação. "Aquele garoto tem mão boa pra cozinhar. Uma pena que é impaciente."
Quem visse Mattie de longe, robusta, com sua fala característica e arrastada, vestindo sempre um avental, poderia confundi-la com a cozinheira da casa. Era fato que Mattie amava cozinhar, no entanto, ela era muito mais que os olhos conseguiam ver. Seu papel no Clã não se resumia à cozinha. Em realidade, Mattie Baptiste possuía conhecimentos de cura como poucos, era uma traituer, uma curandeira com poderes místicos cujo papel dentro do Clã era imensurável. Era o braço direito de Jean-Luc há décadas e estava inteirada de praticamente tudo o que ocorria nas entranhas do Clã. Tanto conhecimento não a impedia de ser a mulher mais gentil e materna que Remy já conhecera. Havia criado os dois filhos de Jean-Luc como mãe após a morte prematura da esposa dele, pouco antes de Remy ser adotado.
Mattie se sentou à mesa e olhou Vampira no rosto antes de dizer: "Sabe, o Remy falou de você."
Vampira a encarou, surpresa. "Sério?"
"Ãh-hã. Quer dizer, falou de alguém depois de eu dar uns cutucão nele porque eu sabia que ele tava sofrendo, e é fácil saber quando é dor de coração."
Vampira olhou para as próprias mãos em cima da mesa, corou de leve. "A senhora sabe de tudo o que aconteceu?"
"Non. Só um pouquinho. Mas sei que ele teve que voltar pra cá e o quanto essa decisão pesou no coraçãozinho dele."
Vampira sentiu a garganta se fechar. "O Remy ficou magoado por eu não ter vindo com ele."
"Num é verdade, criança. Não existe mágoa. Aquele moleque tem um coração puro, por mais que tente esconder. Esses poucos minutos foram suficientes pra eu saber que ele olha pra você com brilho no olho, com o mesmo brilho que falou de você. E você olha pra ele da mesma forma. Nunca houve brilho com ela."
O cenho de Vampira enrugou. "A moça que acabou de chegar?"
A mulher mais velha assentiu. Sorriu ao notar que Vampira queria perguntar quem era a garota, mas que devia sentir que não tinha o direito. "Aquele lá fora é o Marius Boudreaux, líder dos Assassinos e a garota é a filha dele" fez uma pausa breve antes de acrescentar como se tivesse ouvido os pensamentos de Vampira: "Não tem a ver com você, ela é sempre prepotente. Não é uma má garota, mas... eh bien. É difícil de fugir de onde você vem."
Como Mattie não continuasse, Vampira deixou o assunto morrer após concordar com a cabeça.
Nesse meio tempo, enquanto os dois patriarcas caminhavam em direção ao escritório, os jovens ficaram para trás.
"É impressão minha ou está surpreso em me ver?" Bella Donna indagou.
Remy não respondeu de imediato. "Eu sabia que vocês viriam, mas é a primeira vez que Assassinos pisam nesta casa como convidados. Estou feliz em vê-los aqui. Talvez as coisas mudem mesmo desta vez."
Mas Bella Donna não disse nada, provavelmente porque não compartilhava da sua opinião. "Quem é a garota?" perguntou então, com menosprezo que ele fingiu não notar.
"Estamos trabalhando em uma investigação."
"Uma cliente?"
Bella sabia que não era o caso e o estava forçando a dizer em voz alta. Remy sabia disso, mas não havia escapatória. "Não exatamente."
"Onde você a encontrou, do lado errado dos trilhos? Ou devo dizer, do rio? Parece white trash."
Remy a encarou por um momento, olhos opacos e sem vida. "Você não quer dizer muitas das coisas que diz, Bell, mas o que esperam que você diga."
"Il me semble que tu ne me connais pas si bien" ela rebateu antes de se pôr a seguir os homens até o escritório.
"Talvez não mesmo" ele sussurrou tristemente antes de segui-la.
A próxima hora foi preenchida no escritório de portas fechadas. Muito se falou de negócios, de parceria, de assuntos relacionados a território e do futuro, que inevitavelmente incluía os dois jovens. Ficou implícito que, embora houvesse mágoa entre eles, sob nenhuma circunstância, poderiam deixar isso transparecer. Negócios eram negócios.
Quando os convidados finalmente foram embora, Gambit desejou correr para encontrar Vampira, mas Jean-Luc o segurou por mais um minuto.
Colocou a mão no ombro do filho, apertou de leve. "O que quer que tenha acontecido entre vocês dois, e, por mais que juntá-los em matrimônio tenha fracassado, não se esqueça de que o pessoal não deve interferir nos negócios."
"Eu sei disso."
"Saber é diferente de conseguir cumprir, fils. Ela é perigosa, talvez até melhor manipuladora que o resto deles" seu tom era tendencioso, porém carregava certa verdade incontestável. "Bella Donna será a sucessora como líder, não Julien."
"Eu já havia me dado conta disso, pai."
"Não confie nela de verdade" disse antes de se calar, como se houvesse vergonha velada no ato de encenar confiança nos Assassinos. De qualquer forma, fazia parte do jogo e Jean-Luc era um jogador exímio. Apenas temia que Remy fosse bom demais para um jogo tão impiedoso. Ele notou como o filho olhava e fingia não olhar para a garota, Vampira, e lamentou que as coisas não fossem mais simples.
Remy literalmente correu em direção à cozinha. Encontrou Vampira conversando com Mattie aos risos.
"Por que tenho a impressão de que esses risos são à minha custa?" disse, da porta.
"O mundo não gira em torno de você, não, garoto" rebateu Mattie, entretanto, havia tanta cumplicidade entre as duas, que Remy duvidou que as risadas não envolvessem alguma história embaraçosa dele.
"Vou te mostrar o quarto de hóspedes, Vampira."
Com a aquiescência de Mattie, Vampira se levantou e foi com Remy. Passou pela sala para buscar sua mochila antes de subiram para o andar superior.
"Não estavam mesmo falando de mim?" ele perguntou; o sorriso travesso novamente presente.
"Eu posso dizer que não ou te contar a verdade."
"Eu sabia. Qual foi a história?"
"Se eu te contar, vou perder a vantagem de usá-la na hora oportuna" o sorriso dela se assemelhava demais ao dele.
O sorriso que ele mostrou significava que ela não perderia por esperar. "É por aqui" disse ao abrir uma porta e gesticular para Vampira entrar.
Ela adentrou o quarto primeiro, deixou a mochila cair ao chão, olhou ao redor sem prestar atenção e ouviu a porta fechar. Virou-se para encará-lo, com o coração batendo acelerado.
Mais rápido do que ela pôde prever, ele a puxou para ele, um dos braços ao redor da cintura e a outra mão na nuca dela, os dedos dele entre os fios de cabelo e os lábios sobre os dela, úmidos e macios, as línguas se movimentando lentamente.
Ela sentiu o corpo amolecer e as pernas enfraquecerem. Teria despencado caso os braços dele não a segurassem com tanta firmeza. Era como se a realidade tivesse se dissolvido, suas cabeças leves e enevoadas, envolvidos por uma sensação semelhante a quando se está perto de adormecer e não se sabe se já se está sonhando.
Não era um capricho tampouco o tempo e a distância separados os fazendo fantasiar a realidade. Se havia algo que esse tempo e essa distância provavam era de que não havia dúvidas sobre o que sentiam. Precisavam um ao outro, ao contrário, passariam o resto de suas existências como sonâmbulos buscando sentido que nunca encontrariam.
"Como você soube?" ela perguntou, ruborizada e ofegante.
Ela não precisou formular a pergunta melhor. "Não está usando luvas" ele respondeu acariciando o rosto dela com o polegar, os lábios pulsantes e tão sem ar quanto ela. "Então eu arrisquei" e seus lábios estavam presos novamente e tudo parecia fazer sentido.
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Glossário:
C'est pas grave – Não faz mal
C'est vrai – Verdade
Il me semble que tu ne me connais pas si bien – Parece que você não me conhece assim tão bem
Fils – filho
