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Gambit se permitiu um segundo de pânico, então contou mentalmente até dez. Controlando a respiração e apurando os sentidos, começou a maquinar maneiras de tirar ele e Vampira dali. Claudicou, com Vampira ainda fraca escorada no seu ombro, até a porta do lado oposto de onde haviam entrado. Estava escuro, mas parecia levar a um corredor longo semelhante àquele que eles usaram para entrar. Dentes-de-Sabre havia saído pelo outro lado, portanto, as chances de encontrarem uma saída eram grandes; em contrapartida, não sabiam o que poderia haver no caminho.

Gambit analisou a distância, fazendo uma conta mental bruta, para tentar definir qual caminho seria mais rápido. Chegou à conclusão de que o lugar por onde haviam entrado era mais curto. Em compensação, não havia escada para alcançar a abertura. Ele poderia subir usando seu cajado e içar Vampira. Lidariam com essa inconveniência quando fosse hora. Por enquanto, fugir daquela sala era o que havia de mais premente. Pensar em todas essas possibilidades levou apenas alguns segundos. Gambit estava em modo de sobrevivência; seu discernimento disparando.

Ele perguntou se Vampira conseguiria parar em pé. Quando ela fez que sim, ele a deixou para revistar a pessoa de jaleco, ainda desmaiada. Não havia crachá de identificação, tampouco qualquer tipo de chave. Ele recuperou o cajado e correu de volta para Vampira, que se escorou nele novamente.

"Vampira, você conseguiu arrancar de Mueller um jeito de sairmos daqui?"

Ela fez que não com a cabeça e engoliu com dificuldade. O enjoo havia passado, mas ainda se sentia tonta. "Me foquei no passado quando a toquei."

Os olhos escuros de Gambit percorreram o quarto estéril. Não havia outra saída. Foi exatamente como quando Sinistro os capturou; manteve-os encurralados e impotentes. Saber que Sinistro os tinha com as mãos atadas novamente fez a sua raiva crescer. A verdade era que Gambit queria ficar e enfrentar Sinistro, exigir as respostas que procurava, mas o anseio de levar Vampira para longe dali falou mais alto. Se ela estivesse em seu estado normal, eles poderiam permanecer e lutar caso fosse necessário, contudo ela ainda estava fraca do contato desenfreado com Mueller.

Gambit olhou para o rosto de Vampira, ainda pálido. Ela era mais importante que Sinistro lhe escapar por entre os dedos novamente. Não poderia permitir que o vilão tivesse qualquer chance de capturá-la uma segunda vez. "Vamos ter que fazer o mesmo caminho de volta, chérie."

Vampira concordou e eles se apressaram em direção à porta. Estavam prestes a atravessá-la quando ouviram três muxoxos lentos, estalando em reprovação.

Os dois estancaram no mesmo instante, como se seus músculos de repente não obedecessem mais à sua vontade. Gambit sentiu como se seu sangue tivesse se tornado água gelada. Não precisavam sequer ouvir a voz para saber de quem se tratava, pois era como se o ambiente se moldasse à sua presença, tornando-se mais lúgubre e desesperançoso. Por mais que seus instintos os impelissem a correr, eles se viraram para trás. Olharam fixamente para a porta aberta do outro lado do quarto; não era possível enxergar nada além de escuridão, mas podiam sentir uma presença ameaçadora à espreita.

Das sombras, Essex surgiu em um terno negro, mãos nos bolsos das calças, a pele macilenta e um esgar cruel e falsamente indulgente nos lábios escuros.

"Você nunca cansa de me surpreender, Remy" seu tom era direto, quase orgulhoso. "Quando você e a X-Man começaram a investigar o Dentes-de-Sabre, imaginei que fosse questão de tempo até chegarem aqui."

"Como—" Gambit ia perguntar como ele sabia disso, mas se segurou a tempo. Não faria diferença. Aquele desgraçado parecia estar sempre um passo à frente.

"Você não consegue ficar longe dos X-Men por muito tempo, não é?" o tom levemente orgulhoso havia dado lugar à decepção.

"Estou atrás de respostas, Essex" Gambit retorquiu com firmeza, ignorando o comentário anterior. "Mas você já deve saber disso."

O sorriso do vilão aumentou levemente. "Estou disposto a dá-las a você."

"Dar?" Gambit repetiu em tom irônico e incrédulo. Sinistro nunca daria nada sem ter algo em troca. "Dar a qual preço?"

Os olhos vermelhos do homem se moveram na direção de Vampira quase imperceptivelmente. Gambit aumentou o aperto do seu braço em torno da cintura dela, como se aquele gesto singelo pudesse protegê-la das garras do vilão.

"Podemos barganhar" o homem falou lentamente, dando ênfase a cada sílaba.

"O que você quer em troca?" Vampira perguntou, com firmeza. Havia permanecido em silêncio até então, até conseguir disfarçadamente dar uma espiada no seu celular, no bolso traseiro do jeans. Ainda estava fora de área, mas havia um sistema que ela poderia usar para informar os X-Men de que precisava de ajuda. Entretanto, eles não chegariam a tempo, mesmo que ela tivesse entrado em contato antes, como havia cogitado fazer. De qualquer forma, estar frente a frente com Sinistro era o que buscavam desde o início, e o vilão sequer parecia querer lutar.

Essex caminhou para dentro do quarto, deu uma olhadela desdenhosa na direção da cama, onde Mueller jazia desacordada (ou ele sabia o que havia acontecido a ela ou não se importava), mas não deixou de se focar nos dois jovens. Novamente os tinha onde queria. "O que eu quero em troca... pode-se chamar de um pequeno favor."

Gambit estremeceu ao som aquelas palavras. Da última vez que esteve em dívida com Essex (independentemente de os termos terem sido ou não justos), Gambit se encontrou em um laboratório, enquanto Essex, que mal escondia a excitação, extraía amostras de seu sangue, da sua pele e fios de cabelo. Gambit nunca soube de fato para que fim Essex usou as amostras. De toda forma, o que o vilão queria naquele momento de repente ficou claro.

Sinistro deu mais alguns passos para mais perto dos dois, então parou e voltou a falar. "Acontece que você, Vampira, é ainda mais interessante do que eu havia previsto – e as minhas expectativas eram altas. Entretanto, dados os últimos acontecimentos, perdi a maior parte dos meus estudos sobre você" o uso do singular parecia indicar que ele havia conseguido se safar levando algum material genético de Jean e Scott quando fugiu às pressas do lugar em chamas. "Uma amostra do seu sangue e respondo às suas perguntas" seus olhos se voltaram na direção de Gambit, que protestou imediatamente.

"Non! Nem pensar" era juntamente o que ele mais queria evitar. "O seu acordo é comigo, Essex. Não envolva a Vampira nisso."

"No momento, você não possui nada que seja do meu interesse, Remy" ele retrucou em tom desdenhoso. "Além do mais, a Vampira se envolveu no instante em que desceu com você até aqui. Você, minha cara, tem um potencial imenso e imediato."

Vampira se forçou a afastar os olhos do rosto pálido de Essex e olhou na direção de Gambit. Ela chamou o seu nome, e a sua voz o forçou a descer o olhar até o seu rosto. "É a maneira mais fácil" ela sussurrou.

"Não vou deixar você se arriscar por mim, Vampira."

Ambos sabiam que, mesmo se conseguissem escapar ilesos, estariam virando as costas para a chance de encontrar as respostas que Remy tanto buscava, e ele não tinha certeza de que teria outra chance.

Ele tocou o rosto dela com a mão livre, retirando alguns fios de cabelo que tinham ficado grudados no suor da sua testa. "Eu não posso deixar você fazer isso" não quando pela primeira vez ele sentia que tinha algo a perder.

Vampira fechou os olhos e pareceu concordar. Quando os reabriu, olhou diretamente para Essex. "Tá legal" Gambit protestou mais uma vez, mas ela o deteve ao fixar os olhos nos dele. "Você faria o mesmo por mim?"

Gambit hesitou. Não porque havia qualquer dúvida, mas porque a sua resposta se voltaria contra ele. "Por favor, chère" ele implorou, deitando a testa na dela.

"É comovente" Essex disse, levemente impaciente e a voz sarcástica.

"O que eu preciso fazer?" ela perguntou.

Essex finalmente retirou as mãos dos bolsos. Na mão direita havia um tubo, que ele fez rolar até bater nos pés deles.

Sentindo-se mais forte, Vampira deixou o apoio de Gambit e se agachou para apanhar o frasco. "O que eu faço com isso?"

"Aproxime a extremidade metálica da pele; vai extrair a quantidade certa de sangue" então acrescentou, com um sorrisinho sádico. "Não dói nada."

Gambit queria impedi-la, mas no fim a decisão seria dela. Ainda assim, era insuportável saber que Vampira estava se pondo em risco por ele. Ele murmurou o nome dela pela última vez, em tom de súplica.

Ela corajosamente encarou o vilão no rosto e arregaçou uma manga. Houve apenas um segundo de hesitação, em que ela engoliu em seco, antes de encostar o objeto no antebraço. Sentiu apenas um beliscão. O sangue fluiu para dentro do tubo.

Quando Vampira ergueu os olhos para Essex, havia um sorriso triunfante sobre os lábios dele. Ela segurou o frasco firme na altura do rosto. "Só depois que obtivermos respostas."

"Não esperava nada menos que isso" o homem respondeu. "O que você quer saber, Remy?"

Vampira se achegou a Gambit e sentiu o braço dele deslizar novamente pela sua cintura. Ela segurou a mão dele.

O apoio dela pareceu funcionar, pois quando Gambit falou novamente, sua voz estava grave e firme. "O que você sabe sobre o meu nascimento?"

Não houve hesitação na sua réplica. "Eu não vi você nascer, contudo, posso dizer que fui fundamental para a sua concepção."

Gambit sentiu o corpo todo estremecer. Essex estava entregando as respostas que queria, as respostas que desconfiava que ouviria, mas que daria tudo para não ser verdade.

"Então você conheceu a minha mãe."

"Sim, conheci. Qual era mesmo o nome dela?" seus olhos deram a entender que ele tentava se recordar. Não foi encenação; ele genuinamente não se lembrava. "Ela era jovem, mas não podia ter filhos. Ela sabia disso, havia buscado opiniões de vários médicos, mas a resposta era sempre a mesmo. Ainda assim, ela veio até mim, como se precisasse de uma última opinião, mantendo a esperança de eu pudesse dizer o que ela queria ouvir. Entretanto, os resultados foram os mesmos. Mas ela não desistiu; disse que havia me procurado por causa de minha reputação – algo curioso, já que sempre preferi me manter à surdina. De qualquer forma, me senti na obrigação de fazer jus à minha 'reputação'. Realizei o sonho dela de ser mãe, embora não tenha sido nada fácil, sequer havia um marido ou candidato a pai."

"Eu não tive um pai?" Gambit disse, impulsivamente. Mais uma vez a ideia de clonagem passava pela sua cabeça, mesmo que Essex tivesse refutado esse pensamento mais de uma vez antes. Talvez estivesse inconscientemente se agarrando a qualquer coisa que negasse sua ligação com Essex.

"Todos têm um pai, seu tolo. Você pode não ter sido concebido do modo tradicional, mas houve material genético de um homem e de uma mulher."

Gambit engoliu em seco. "Quem era o homem?"

O rosto de Essex havia se tornado sério. "Você já sabe a resposta, Remy. Apenas tem medo de admitir."

Ele baixou o rosto, como se fosse despedaçar. Se Vampira não estivesse ali para ampará-lo, achou que teria despencado. Restava a resposta para o porquê. Mas Gambit já sabia o motivo. "Você notou a semelhança entre elas."

Os olhos de Essex de repente anuviaram, como se ele recordasse o que havia sido esquecido. "Sim, eu notei, no momento em que a vi. Era como se a Rebecca tivesse voltado do túmulo para me atormentar" achou que ela havia voltado para puni-lo. Um homem da ciência espantado com um fantasma. "A minha vida na Inglaterra, quem eu era antes, havia ficado para trás há muito tempo. Eu mal me recordava daquela vida ou das pessoas que fizeram parte dela" até mesmo o rosto da mulher que havia sido sua esposa teria se tornado um borrão, caso ele não tivesse levado consigo a foto do que fora sua família. A família que estava morta. Todos eles haviam morrido, Nathaniel Essex incluído. "Mas eu ainda tinha um assunto inacabado."

"O seu filho morto."

Essex se voltou para Gambit, surpreso. Imaginou que ninguém conhecia aquele seu segredo. Então se recordou da explosão de fogo da ruiva telepata, que o havia feito fugir, e antes disso, o forçado a recordar lembranças pungentes. "O meu filho, Adam. Ele foi um garotinho frágil desde o nascimento. Quando tinha cerca de quatro anos, ele ficou muito doente. Eu fiz tudo que estava ao meu alcance para salvá-lo... eu tinha dinheiro, influência, conhecimento, e mesmo assim todo o meu esforço foi em vão. Não pude compreender o que o estava matando. E depois que ele morreu, continuei obcecado. Precisava descobrir o que o havia matado. Até mesmo tentei trazer o garoto de volta à vida.

"Mesmo após ter dado as costas àquela vida... bem, eu não sentia mais nada por aquele garoto ou pela mãe dele, mas o fracasso de não ter conseguido impedir a sua morrer me afligiu. Levei mais de dez anos para descobrir por que o garoto havia morrido tão cedo. Ele era portador do Gene X, e seu corpinho não conseguiu aguentar" ele soltou um suspiro e encarou o rosto de Gambit antes de continuar. "Quando a sua mãe surgiu, embora não carregasse rastros de Gene X recessivo, vi a chance de saber que tipo de mutante Adam poderia ter sido. E descobri. Manipulação de energia cinética. É claro que foram necessários certos ajustes. À época em que Adam nasceu, o Gene X estava em seus primeiros estágios de evolução, era imperfeito e imprevisível. O que eu fiz foi torná-lo estável, funcional. Apenas não imaginei que você já nasceria com traços mutantes. Isso provavelmente foi minha culpa" mas não havia remorso na sua voz. Ele contava a história como quem expunha fatos, como se fosse uma história da qual ele não tivesse feito parte.

"E antes que você pergunte" Essex acrescentou. "Não, você não é um clone do Adam. Meramente carrega o Gene X dele. Encare como se você tivesse feito um transplante de algum órgão. Esse órgão faria parte de você, mesmo que tivesse originalmente vindo de outra pessoa."

Contudo, não era isso que passava pela cabeça de Gambit. "Foram as suas manipulações que causaram a morte da minha mãe?" ele vociferou. Foi uma intensidade descontrolada e inesperada. Até mesmo Vampira estremeceu.

Essex pareceu ponderar. "É improvável. Originalmente ela não poderia engravidar, e ainda assim segurou a gravidez até que você estivesse pronto para vir ao mundo. A inadequação do seu corpo para conceber uma criança a matou, mesmo ela sendo ainda jovem e sem problemas de saúde."

Com a cabeça rodando, Gambit não viu outra escolha senão acreditar em cada palavra que se derramava dos lábios de Essex. "Por que você só voltou depois de tanto tempo?"

Sua resposta foi casual. "Porque você só seria interessante depois que desenvolvesse os seus poderes, Remy" a criança só voltaria a importar quando se tornasse um jovem adulto. O que aconteceria nesse meio tempo, Essex francamente não se importava. Apenas quis saber se de fato o feto havia vingado. Quando ouviu sobre a morte da mulher, não sentiu nada. "Francamente, você me decepcionou. Esperei anos, voltei apenas quando achei que seus poderes estariam no máximo, mas você sequer chegou perto de explorar o seu potencial. Os poderes que você demonstra não são nada comparados ao que podem se tornar. Você não é qualquer mutante, é um dos mais poderosos."

"Você certamente garantiu isso" Gambit acusou, entredentes.

Essex chacoalhou a cabeça. "Na verdade, não tive dedo nisso. Foi uma surpresa bastante agradável. A propósito, você bem sabe que posso ajudá-lo a alcançar o seu potencial máximo. Seria necessária apenas uma pequena cirurgia."

Gambit sentia como se fosse explodir. "E cumprir qualquer que seja o propósito que você decidiu por mim? Nunca."

"Não importa" Essex deu de ombros sutilmente. O tom de sua voz permanecia calmo. "Sou paciente, e, de qualquer forma, não tenho uso para você no momento. Também é preferível que os seus poderes se desenvolvam naturalmente. E quando isso acontecer, Remy, você vai precisar de mim, e eu estarei lá. Bem, há lugares onde devo estar" seus olhos deslizaram até Vampira. "A minha parte do trato foi cumprida."

Com a garganta seca e levemente trêmula, Vampira rolou o frasco de volta para Essex, que o apanhou avidamente. Segurou o objeto, agora pintado de vermelho, o enfiou no bolso e deu as costas para os dois.

"Não vou deixar você escapar" Gambit disse, juntando suas últimas forças. Infelizmente, ele mesmo sabia que era um blefe. Estava exaurido. Seu peito estufado como se precisasse gritar, mas não tinha forças para tanto.

Essex parou por um momento, mal olhou por cima do ombro. "Vai, sim, filho."

E sumiu novamente para dentro das sombras.

Repentinamente, Gambit caiu de joelhos. Vampira tentou segurá-lo, mas foi rápido demais. "Precisamos ir atrás dele, recuperar aquele tubo" ele balbuciou. Fez uma tentativa de se pôr em pé, mas caiu novamente.

Ela se ajoelhou de frente para ele e o segurou pelos braços. "É tarde demais, Remy. E não importa mais. Tudo o que importa agora é que conseguimos as respostas" ela o abraçou forte.

"Não deveria ter sido às suas custas, Vampira" os braços dele a apertaram. "Eu sinto muito."

"Vem, vamos sair daqui" ela se pôs em pé e o puxou. Com certa dificuldade, ele se levantou e os dois cambalearam para fora da porta pela qual haviam entrado. Eles correram; luzes acendendo à medida que passavam.

Pareceram percorrer o caminho de volta em questão de segundos.

"Me levanta" Vampira disse olhando para cima ao chegarem à abertura por onde haviam descido. Apoiando-se nele, ela facilmente abriu a portinhola e subiu. Ofereceu a mão para ele, mas estava muito longe. Gambit então pegou impulso e, se apoiando no cajado, ele subiu, pernas primeiro.

Correram para fora e subiram na moto, com ela pilotando. Voltaram diretamente para o apartamento dele. Assim que pisaram para dentro, Gambit pareceu sucumbir à fraqueza e caiu de joelhos novamente. Vampira o abraçou, desejando poder transferir forças ao invés de apenas roubá-las.

Eles permaneceram abraçados por um longo tempo.

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N/A: Próximo capítulo será o último.