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Capítulo Noventa e Um
Apenas Sobremesas


18 de Março, 1979

266,809 Grãos de Areia Restantes

Apesar da intenção inicial de Dumbledore de deixar Mia de fora das reuniões da Ordem, ela de algum modo se envolvia em muitas missões, principalmente depois do ataque que Remus sofreu seis meses antes. Ela imaginou que receberia pequenas missões e tarefas a serem cumpridas, como Dumbledore havia prometido. O que ela não esperava era que seu ex-diretor informasse Alastor Moody que ela era um Oclumente talentosa, com proficiência em Legilimência.

Sua súbita utilidade para o velho Auror era o motivo pelo qual Alice e Frank estavam em seu apartamento esperando instruções sobre Oclumência. Era também a razão pela qual Sirius estava sentado no sofá, a encarando.

Ela iria se vingar de Moody e Dumbledore por isso.

"Então, como vocês obviamente já sabem, Oclumência é o ato de fechar magicamente a mente contra Legilimência," ela começou a explicar, satisfeita em ver Alice e Frank prestando total atenção. "É uma magia muito difícil onde - Sirius, é mesmo? Você só vai ficar sentado aí e fazer cara feia o tempo todo?"

Ele deu de ombros. "Eu não sei. Você vai continuar guardando segredos?"

"Você está sendo infantil."

"Desculpe, eu ainda estou me acostumando com a notícia de que a minha namorada há mais de um ano e que eu conheço desde que tenho onze anos, é uma maldita Oclumente." Ele disse com tanto desdém que é como se ela o tivesse traído com a Oclumência.

"Eu sou uma Legilimente também," Mia disse presunçosa, decidindo ignorar a atitude dele. "E é por isso que estamos aqui hoje.

Suspeitava-se há algum tempo, mas quando foi confirmado por uma fonte anônima que Voldemort era um Legilimente habilidoso, toda a Ordem se programou para ser testada com pente fino, a fim de aprender pelo menos as habilidades básicas para manter o máximo de suas habilidades em segredo dos Comensais da Morte.

Infelizmente, as únicas pessoas conhecidas serem Oclumente e Legilimente - além dela e Dumbledore – que Mia conhecia eram todas Comensais da Morte. Bellatrix, Barty Crouch Jr, o próprio Voldemort, e o mais talentoso de todos: Severus Snape. Felizmente, descobriu-se que Edgar Bones e Emmeline Vance eram bastante hábeis em uma habilidade ou outra e, portanto, a Ordem foi separada em grupos a serem ensinados. Mia ficou com os jovens Aurores. Ela sentiu que foi uma jogada proposital contra ela feita por Moody, que parecia ter ficado satisfeito com a reação irada de Sirius durante uma das reuniões em que anunciaram seu conjunto secreto de habilidades.

Sirius, em uma birra épica, mal falou uma palavra gentil com ela desde então.

"Devemos deixar vocês sozinhos?" Frank perguntou hesitante, olhando Mia e Sirius se encararem.

"Não," Mia soltou. "Moody quer que a Ordem aprenda Oclumência e vocês são o meu grupo, então eu vou ensinar a maldita Oclumência para vocês." Ela falou com impaciência. No final, ela sabia que essa tensão entre eles só iria machucar Sirius, já que seria a mente dele a ser invadida. "Claro, alguém não teria que se preocupar com isso se ele tivesse me ouvido e aprendido por conta própria anos atrás, quando eu mandei!"

"Ah, como se você soubesse que a gente iria precisar disso no futuro!" Sirius gritou de volta, se levantando e avançando contra ela.

Mia se manteve firme, nem um pouco intimidada. Ela olhou para ele presunçosamente, sabendo que, mesmo que ele estivesse com raiva o suficiente para machucá-la - o que ela sabia que ele nunca faria - o Vínculo de Alma o impedia de até mesmo tentar. Toda essa postura era exatamente isso: uma exibição. Uma exibição realmente boa, considerando que Alice e Frank estavam se mexendo desconfortavelmente no sofá.

"Mesmo, a gente pode ir lá para fora," Alice murmurou.

Mia levantou o queixo e estreitou os olhos para Sirius, irritada por ele ser muito mais alto que ela. Quando ele sorriu para ela, provavelmente sabendo o quão irritante era esticar o pescoço para ele daquele ângulo, ela beliscou a pele logo acima da axila dele. Sirius soltou um grito de dor e Mia o empurrou para fora de sua bolha pessoal, voltando sua atenção para os amigos.

"Está tudo bem, Alice. Agora, para aprender Oclumência," Mia continuou, ignorando o modo que Sirius estava rosnando atrás dela, "pelo menos na velocidade que Alastor querem que vocês aprendam, eu vou ter que usar Legilimência contra vocês, e aí vocês terão que criar barreiras. Alguma pergunta?"

Frank levantou uma mão, fazendo Mia sorrir para ele. "Foi assim que você aprendeu?"

"Não. Eu criei resistencia com os anos." Quando Sirius zombou alto, ela deu o dedo do meio por cima do ombro. "Foi preciso muito esforço, mas valeu a pena. Eu prometo."

Ela pensou nas poucas vezes durante a fuga enquanto caçava Horcruxes, quando ouvira um Sirius mais velho tentando ajudar Harry a aprender a habilidade. Ele disse a Harry – naquela época - que ele mesmo não era muito bom nisso. Mia deveria ter lembrado. Ainda assim, a maioria das habilidades básicas dela nessa forma de magia havia sido aprendida com Draco, que insistia que a Oclumência poderia ser usada para ajudá-la com os pesadelos que ela vinha tendo desde que foi torturada durante a guerra. No final, não ajudou com os pesadelos - apenas confrontar Bellatrix aqui nesta linha do tempo ajudou. Mia continuou com o estudo da Oclumência de qualquer maneira e ao longo dos anos começou a usá-la para combater os ataques mais fortes, principalmente o Feitiço de Silenciar a Verdade de Dumbledore.

"Por quê?" Alice perguntou, trazendo Mia de volta à realidade.

"Sinceramente? Eu estava entediada," ela admitiu com um sorriso.

Sirius levantou a mão bem debochado enquanto voltava a se sentar ao lado de Frank. "Eu tenho uma pergunta: o que mais você está escondendo?"

"O que exatamente vai acontecer quando você usar Legilimência?" Frank perguntou nervosamente quando Mia se recusou a prestar atenção no namorado.

Ela franziu o cenho com a ansiedade escrita no rosto de Frank. Ele se parecia tanto com Neville que partia um pouco o coração dela ter que dizer que ela, de fato, estaria invadindo a mente dele. Saber o futuro que ele e Alice teriam apenas a fez se sentir muito mais culpada. No futuro de onde ela veio, suas mentes já estavam quebradas.

Tentando disfarçar suas próprias preocupações e culpa, ela tentou explicar nos termos mais simples, "É um pouco como o Chapéu Seletor, que na verdade é encantado com a habilidade de ver dentro de nossas cabeças. Infelizmente, quando uma bruxa ou bruxo usa isso, pode ser doloroso, especialmente quando a pessoa resiste. E sinto muito por isso com antecedência. Vou tentar ser o mais gentil possível."

Frank engoliu em seco. "Você vai, hmm, ver tudo?"

"Memórias e pensamentos são como camadas. Não são muito organizadas, então você tem que separá-las para revelar o que você está procurando. Vou avisar vocês, o que estiver na superfície da sua mente, eu provavelmente vou ver - ela disse e viu os olhos de Frank se arregalarem um pouco, e o que ela assumiu ser uma série de lembranças embaraçosas que passarem pela sua consciência. De repente, ficou muito agradecida por não ter sido designada para ensinar seu irmão.

"É melhor se concentrar em colocar as barreiras. Pense em construir uma parede de tijolos intricada, escondida atrás de cimento, cercada e protegida por Visgo do Diabo. Continue adicionando camadas e mais camadas e se livre de qualquer emoção. Para ajudar com a motivação, no entanto, vou pedir que vocês guardem lembranças muito específicas e possivelmente... íntimas."

Alice corou fortemente. "Você vai o quê?"

Mia deu de ombros. "Ou sou eu, Dumbledore, Edgar ou Emmeline; e vamos ser honestos, eu dividi uma torre com vocês por sete anos. Vocês dois não eram tão sutis quanto gostam de pensar, então por mais que eu não tenha visto nada, eu posso ter... ouvido."

As bochechas de Frank ficaram um tom de vermelho vivo. "Oh, Merlin."

Mia exalou e pegou sua varinha. Não há tempo como o presente; as defesas já caíram. "Esvazie sua mente, Frank," ela o avisou e levantou a varinha. "Legilimens!"


Duas horas depois Alice caiu no chão, a testa cheia de gotas de suor. Ela parecia tão pálida quanto Frank estava antes de Sirius dar uma Poção Revigorante para ele. O treinamento era forte, quase brutal, já que Frank não era muito bom em lutar contra a invasão de Mia, o que levou a memórias bem constrangedoras entre os amigos que Mia preferia não ter visto nunca. Alice era um pouco melhor só. Foi a falta de talento na Oclumência que levou Mia a mergulhar mais fundo nas mentes deles e erguer barreiras próprias - tão perigosamente perto da Magia Negra quanto Mia já havia chegado, exceto pelas poucas vezes em que tentou matar os Comensais da Morte, tendo sucedido uma vez.

As palavras de Pandora ecoavam em sua mente enquanto ela mergulhava nas de Frank e Alice. "Você não é a lágrima da fênix, Mia Potter." Ela não podia salvar ninguém. Ela não podia mudar o futuro. "Não percebe? Você é a música." Ela não podia curar, mas ela podia ajudar. Ela podia dar coragem e esperança para aqueles que mais precisavam. Ela não seria capaz de salvar Frank e Alice do futuro que os aguardava, mas ela podia levar algo de volta para Neville – se ela conseguisse voltar para o futuro.

Mia lutou para mergulhar dentro das mentes de seus amigos, onde secretamente construiu barreiras, muros e escudos o mais forte possível sobre uma área sensorial com a qual ela estava familiarizada: a parte da mente que a Maldição Cruciatus especificamente ataca. Embora ela não pudesse impedir que seus amigos terminassem no St. Mungo's, pelo menos ela poderia dizer a Neville que havia feito o que podia para garantir que eles não sofreriam tanto quanto ela sabia que normalmente era sofrido sob um Cruciatus.

"Só me deem um minuto," ela disse enquanto sentava numa poltrona confortável, pegando uma Poção Revigorante para si.

Durante as duas horas gastas trabalhando com os Longbottoms, Sirius lentalmente se acalmou. Depois de vê-la trabalhar com os amigos de uma maneira que cansava todos, ele pareceu ter começado a entender que isso não era algo casual. Esse era um talento sério e que ele agora precisava aprender. Pelo menos, ela esperava que ele estivesse começando a entender. Ele parou de encará-la, o que ela considerou uma vitória.

Depois que a poção fez efeito e sua energia retornou, Mia se levantou para encarar Sirius. "Estou bem."

Sirius, aparentemente bem, bateu as mãos nas coxas e se levantou. Ele deu um pulo, sorrindo, e estalou o pescoço, parecendo um boxeador pronto para entrar no ringue. "Então, qual das nossas lindas noites juntos você gostaria que eu escondesse você, gatinha? Hogwarts? Banheiras? Quintal?"

Seu sorriso sumiu, substituído por uma expressão de preocupação quando ela se recusou a morder a isca.

"O quê?" Ele perguntou. "Por que você está me olhando como-"

"Você precisa ter uma razão para esconder algo, Sirius. Motivação para não me deixar ver."

Ele a encarou por vários segundos, remexendo-se levemente no silêncio desconfortável enquanto as peças claramente começavam a se encaixar em sua mente. Seus olhos cinzentos se arregalaram em óbvio medo e raiva. "Não."

Mia lutou para combater suas emoções enquanto segurava sua varinha. "Eu também não quero fazer isso."

Sirius olhou para a varinha na mão dela, deu um passo para trás e rosnou para ela. "Eu não vou te mostrar Grimmauld Place!"

"Bom. Eu não quero ver. Eu não quero... eu não quero ver isso. Mas não tem mais nada que você tente esconder de mim. Você consegue pensar em alguma coisa?"

"Eu... eu..."

"Sirius, por favor, não me deixe ver," ela implorou enquanto levantava a varinha. Ela queria que ele lutasse – lutasse contra ela. Ela pensou em usar qualquer outra memória, mas Sirius era muito aberto com ela sobre muitas coisas hoje em dia e não tinha vergonha de seu passado para esconder as muitas noites que passara com outras garotas em Hogwarts. Precisava ser isso.

"Merda." Sirius fechou as mãos ao lado do corpo, os ombros visivelmente rígidos. Levou alguns minutos antes que ele conseguisse olhá-la nos olhos "Está b-bem... faça."

"Eu te amo," ela sussurrou. "Legilimens!"


Remus saiu da lareira e limpou a poeira de suas vestes, sabendo que, se começassem a parecer ainda piores, ele seria forçado a deixar Mia ou Sirius comprar roupas novas. Ele lutava contra a caridade deles o máximo possível, não querendo se separar dos itens de segunda mão, considerando que Sirius havia comprado o apartamento em que moravam e tinha certeza de que Mia arcava com as contas quando se tratava de comida. Não era como se o cofre dos Potter ou a herança de Sirius deixada pelo tio tivesse sido prejudicada por ele. Uma parte dele queria aceitar a ajuda deles, mas seu orgulho era grande demais e, por isso, ele saía do apartamento todos os dias - quando podia - em busca de trabalho para poder arcar com seus próprios custos.

Infelizmente, hoje foi apenas outro típico dia de azar para o muito-qualificado-mas-ainda-lobisomem.

"Ei, amor," Remus disse ao avistar uma cabeça de cabelos encaracolados no canto da sala escura. Quando ela não respondeu, ele focou o olhar e notou que o rosto quase inexpressivo de Mia estava manchado por rastros secos de lágrimas. Ele podia sentir o cheiro do Firewhisky de onde ele estava. "Mia?"

"O jantar está na mesa," ela respondeu com a voz rouca. "Eu te guardei um pouco de ensopado."

Remus manteve o olhar preocupado em sua melhor amiga enquanto caminhava até mesa, olhando brevemente para a tigela de legumes fumegantes e carne que havia sido colocada sob um feitiço para não esfriar. "Isso parece..." Ele levantou uma sobrancelha interrogativa. "Tilly veio aqui?"

"Eu fiz."

Ele franziu a testa, deixando a tigela na mesa para voltar sua atenção na amiga. "Você cozinhou? Você odeia cozinhar. Eu nem sabia que você sabia como cozinhar. O que houve de errado? Eu sei que você andou chorando," disse ele enquanto se ajoelhava na frente dela. "Onde está Sirius?"

"Trancado no quarto." Ela gesticulou aleatoriamente pelo corredor com o copo meio vazio de bebida alcoólica na mão. "No momento não está falando comigo. Nós brigamos."

"Vocês dois sempre brigam."

"Briga grande."

Remus a levantou nos braços, mesmo enquanto ela protestava, apenas para ser colocada ao lado dele enquanto ele tomava seu lugar na poltrona, colocando suas pernas no colo dele. Ele tentou sorrir enquanto fazia carinho no cabelo dela.

"Como isso funciona?" Ele perguntou, esperando distraí-la por meio de conversa. A menina tinha o hábito de precisar ensinar tudo às pessoas, no final das contas. "Quero dizer, o Vínculo de Alma não deveria deixar vocês dois constantemente felizes com o outro?"

Mia zombou amargamente e recostou-se no peito dele. "Sirius Black nem sempre fica muito feliz por estar na companhia de Sirius Black."

Remus concordou. "Justo."

"Não é como você e..." Mia começou a dizer, mas parou diante do que ele assumiu ser o nome de seu companheiro. Ele apreciou sua discrição. Não havia como saber se Sirius estava acordado e escutando do outro quarto. "Lobisomens e seus companheiros são todos instintivos. Como uma maneira mágica de se juntar para obter os melhores resultados possíveis."

Ele usou a distração dela para pegar o copo de Firewhisky da mão dela e colocar na mesa ao lado.

"Vínculos de Alma são o equivalente mágico a almas gêmeas. Ele é a minha outra metade. Não o meu oposto, não a minha melhor metade, apenas a parte que falta de mim. O que significa que nós temos muito em comum, num nível muito profundo, logo -"

"Vocês colidem," Remus disse entendendo. "Então, o que aconteceu?"

"Olho Tonto -"

"Olho Tonto?" Remus perguntou levantando uma sobrancelha.

Mia piscou os olhos, confusa. "Moody."

Remus bufou. "Olho-Tonto? Isso é brilhante. Eu quero saber como ele consegue esse apelido delicioso?"

"Shh." Ela pressionou o dedo contra a boca dele. "Moody perguntou – ou melhor, me informou que eu iria ensinar Oclumência ao Frank, Alice e Sirius." Ela começou a mastigar ansiosamente o lado de dentro da bochecha, encarando a escuridão como se Moody estivesse parado na frente deles. "Sirius... não foi muito bem."

Remus inalou bruscamente, sabendo que podia haver uma série de memórias que Sirius iria querer esconder de Mia. Marlene McKinnon estando no topo dessa lista. "O que você viu?"

"Grimmauld Place."

Sua boca se abriu em choque com a menção da casa de infância de Sirius, sabendo imediatamente a que memória ela estava se referindo. "Bem, eu entendo porque ele está com raiva." Sem saber exatamente como proceder para ajudar seus amigos, ele coçou a nuca. "Ainda assim, isso tinha que acontecer algum dia, e senão você, não seria apenas outra pessoa invadindo a mente dele?"

Mia se virou e olhou para ele com os olhos âmbar arregalados. A cor o assustou um pouco - já que quase brilhavam no escuro graças às luzes refletidas no Beco Diagonal do lado de fora da janela mais próxima - e ele se perguntou quando foi a última vez que viu marrom chocolate olhando para ele.

"Esse foi basicamente o meu argumento," ela disse. "Me fez muito bem. Merlin, eu só... eu queria poder ensinar Legilimência para ele. Deixar que ele visse as minhas memórias."

Ele franziu o cenho, lembrando-se de quando ele passou por isso no escritório de Dumbledore, embora não por meio da Legilimência. "Isso é perigoso. Mia, eu fui com você para uma penseira, e você mal me mostrou uma coisa, e eu ainda... eu ainda tenho problemas às vezes tentando entender tudo isso. Eu sei que você ainda está mantendo as coisas, e eu sei o porquê. Há um futuro que precisamos manter protegido, uma guerra para vencer. Sirius... Ele não gostaria do que veria em sua mente, gostaria?"

Mia balançou a cabeça. "Eu não gosto do que vejo na minha mente."

Ele não pôde evitar pensar no futuro. Ela sempre ficava tão angustiada, nas vezes em que podia falar sobre isso. A única coisa que a animou foi a menção ao futuro filho de James, Harry, e mesmo assim seus poucos sorrisos foram preenchidos com saudade e tristeza. Uma parte forte de Remus não queria ver esse futuro, apesar de Mia ter prometido a ele que a época de que ela veio era cheia de felicidade e paz.

"Ele vai superar, Mia. Um dia, Sirius vai entender."

1994, Remus pensou enquanto lembrava do Voto Perpétuo que ele fez para revelar os segredos dela para Sirius apenas no tempo certo.

"Eu não sei se ele vai," Mia confessou bêbada com um tom de voz em pânico, as lágrimas voltando. "E se eu não estiver aqui para fazê-lo entender? Eu não sei o que vai acontecer quando... E se ele me culpar por tudo de ruim que vai acontecer no futuro? Eu poderia ter mudado. Eu poderia ter impedido todas as coisas ruins de acontecerem."

"Não, você não poderia. Você não pode... e..." Remus hesitou enquanto o pensamento o assustava. "Merlin queira que não, mas se você não estiver aqui para explicar as coisas para ele, eu vou estar. Eu fiz o voto. Claro, não vou poder dizer nada por alguns anos, o que suponho que você tenha feito de propósito," disse ele, notando um olhar de confirmação nos olhos dela. "Mas eu estarei aqui. Vou contar tudo a ele e ele ficará bem."

Quando ela se virou em cima das suas vestes, encharcando-as com lágrimas, ele beijou o topo de sua cabeça e a abraçou.

"Remus, me promete uma coisa?" Mia sussurrou.

"Qualquer coisa, amor."

Ela fez uma pausa e respirou fundo lentamente antes de falar novamente. "Me prometa que... Que você sempre confiará em Sirius. Lembre-se sempre de que ele é um bom homem. E quando ele mais precisar de você, por favor, cuide dele para mim."

Ele levantou uma sobrancelha confusa com o pedido, imaginando o que diabos havia despertado essa necessidade por ela. O que havia no futuro? E por que Sirius precisaria dele dessa maneira? Sirius se tornaria indigno de confiança? Ele faria algo que faria Remus pensar que ele não era um bom homem?

Apesar da sensação que o pedido dela deixou em seu estômago, ele limpou a garganta e murmurou, "Eu prometo."


Com as constantes cutucadas de Remus, Mia se levantou e caminhou até o quarto que dividia com Sirius. Ela suspirou quando alcançou a maçaneta da porta, notando que, em algum momento, Sirius havia retirado o feitiço que a trancava. Isso deve significar algo, ela admitiu para si mesma antes de entrar no cômodo.

Mesmo na escuridão, ela podia ver a silhueta do corpo dele deitado na grande cama. Uma lasca de luz da lua atravessava a janela, iluminando levemente o quarto apenas o suficiente para que ela não precisasse lançar um feitiço de iluminação para chegar à cama sem pisar em alguma coisa.

Ela olhou para a bela forma dele nas sombras, onde podia ver o peito dele subindo e descendo devagar, e ficou agradecida por saber que, mesmo depois de revisitar sua pior memória até o presente, ele conseguia dormir profundamente.

Mental e fisicamente exausta com o dia, Mia rapidamente removeu todas as suas roupas e - mesmo sem pijama - deslizou sob os lençóis ao lado dele. Quando ela se acomodou, descansando a cabeça no travesseiro, ela olhou para o lado e notou que os olhos dele estavam agora abertos.

"Já está falando comigo?" Quando ele não respondeu, ela suspirou suavemente, a voz agora cheia de remorso, "Você sabe que eu não queria fazer aquilo."

"Eu sei."

"Mas... estou feliz por ter feito. Você não deveria guardar tudo, Sirius. Se você pode confiar em alguém sobre o seu passado, deveria ser eu."

"Eu sei," ele disse de novo e gemeu, passando uma mão no rosto. "É só que... eu não gosto nem de saber que aquela memória está na minha cabeça, e agora está na sua."

Mia se aconchegou mais perto dele, pressionando o peito contra ele. Colocando um braço ao redor da cintura dele, ela deixou os dedos passarem levemente sobre a pele do quadril dele. "Não me faz pensar menos de você."

"Poucas coisas fazem você pensar menos de mim. Claramente não estou me esforçando o suficiente para diminuir seus padrões."

Ela sorriu quando ele se abaixou para beijar a curva do seu pescoço.

"Sinto muito, Sirius."

"Eu te perdoo, gatinha."

"Eu te amo."

"Eu sei."


Ainda estava escuro quando ela sentiu o colchão mexer ao lado. Os olhos de Mia começaram a abrir lentamente com o movimento. Ela mal conseguia ver a silhueta dele, mas podia facilmente perceber que Sirius estava sentado ao lado dela. Cansada demais para conversar - se foi por isso que ele acordou - ela descansou a cabeça no travesseiro e fechou os olhos mais uma vez, permitindo que o calor do quarto a envolvesse.

Ela sorriu suavemente quando sentiu os dedos dele roçarem na sua pele, centímetros abaixo da cicatriz roxa que corria por suas costelas. Enquanto a mão dele se movia cada vez mais para cima, eventualmente encostando na parte inferior do seio direito, Mia pensou que poderia acordar o suficiente para isso.

Até que ela sentiu algo molhado e gelado escorrer sobre sua pele nua.

Gritando, ela pulou e pegou sua varinha, olhos arregalados e prontos para qualquer coisa. "Lumos!"

O que ela encontrou foi seu namorado sem camisa, pele tatuada e longos cabelos negros - a imagem perfeita do típico garoto mau que a maioria das bruxas nunca poderia levar para casa dos pais - com uma colher grande pendurada na boca e um pote de sorvete de morango nas mãos.

Ela ficou boquiaberta, estreitando os olhos lentamente com a imagem. Quando ele sorriu para ela, ela rosnou, jogando sua varinha ainda acesa na cama entre eles. "Suas mudanças de humor estão me deixando louca! Esse é meu sorvete?"

"Não, esse é o meu sorvete," Sirius disse, falando ao redor da colher na boca.

Olhando para a própria barriga, ela viu que a sobremesa rosa e congelada estava lentamente derretendo contra a pele quente. Ela pegou a varinha para limpar, mas Sirius a impediu, seus olhos subitamente escuros. Mia engoliu em resposta e observou enquanto ele tirava a colher da boca e se inclinava para frente, os olhos nunca se desconectando do olhar nervoso dela enquanto ele inclinava a boca sobre a pele do corpo dela. Sua respiração ficou presa na garganta, e ela podia sentir seu coração batendo forte contra o peito enquanto olhava para os olhos de seu namorado a prenderam na cama.

Sirius lambeu a trilha de creme derretido contra a pele com lambidas lânguidas.

Mia gemeu com a sensação, mas depois soltou um grito agudo quando sentiu o gelado mais uma vez. Ela olhou para ele, vendo pingar propositalmente o sorvete na barriga dela.

"Sirius!" Ela se sentou apenas para sentir uma mão firme no ombro empurrando-a de volta. Olhando fixamente para olhos cinzentos tempestuosos, ela rosnou para ele.

"Você vai ficar deitada como uma boa gatinha," Sirius exigiu, sua voz rouca e divertida. "E eu vou comer todo esse pote da sua pele doce e sedosa, até que você esteja uma bagunça trêmula e contorcida, e você não saiba quais partes de você estão quentes ou frias."

Ela o encarou, chocada pelas demandas específicas dele e pela maneira arbitrária que seu corpo reagiu a elas. Ela imaginou a pilha histérica absoluta de nervos que seria se ela permitisse que ele seguisse seus planos, e Merlin ela queria ceder, mas também... ela não era um maldito prato de sorvete.

"Sirius, se você pensa que pode simplesmente - AH!" Silenciada pela sensação de uma colher de prata gelada pressionada contra ela, os únicos sons que se seguiram ao seu grito foram suas respirações rápidas e curtas e a risada de Sirius.

"Você não achou realmente que um simples pedido de desculpas seria suficiente depois de hoje, não é?" Ele perguntou com um sorriso. "Se eu guardasse um segredo de você por sete anos e depois investigasse sua pior memória sob a instrução de um Auror paranoico, eu estaria dormindo no sofá. Provavelmente no sofá de Prongs, pelo menos. O mínimo que você pode fazer pelos meus problemas, bruxa," disse ele, sua voz se retirando para um sussurro rouco", é ficar parada enquanto eu desfruto de um lanche da madrugada."

Mia choramingou enquanto as palavras 'Sim, por favor,' corriam repetidamente no seu subconsciente.

Quando Mia finalmente chegou ao clímax sob as ministrações do namorado, gritando seu nome, ela percebeu que nunca mais seria capaz de olhar para a sorveteria de Florean Fortescue da mesma maneira.

266,128 Grãos de Areia Restantes