Residência dos Pinzón-Solano
10:04 AM

Os pais de Betty tomam o café da manhã.
Seu Hermes olha as horas no relógio de pulso. Batuca os dedos na mesa, impaciente. Estica a mão para pegar o telefone que está ao lado de Dona Júlia. Ela pega o telefone rapidamente, afastando dele.

JÚLIA: - Não, Hermes, eu já disse que não!
HERMES: - Mas como não, Júlia, como não?! É um absurdo a menina não ter chegado ainda. Olhe que horas são!
JÚLIA: - Ai, Hermes, ela avisou que ia passar a noite fora de casa…
HERMES: - E isso é outra coisa que não me agrada! Desde quando ela parou de pedir permissão e sai simplesmente decidindo que vai dormir fora de casa, hein? Que pouca vergonha é essa?
JÚLIA: - …
HERMES: - Foi você, Júlia, foi você que estragou a menina! Claro, sempre passando a mão sobre a cabeça dela, sempre permitindo que ela fizesse coisas erradas…
JÚLIA: - Mas que coisas erradas, Hermes, do que você está falando, homem?!
HERMES: - Você sabe muito bem do que eu estou falando, Júlia…

Barulho de chaves. Betty entra em casa. Seu Hermes e Dona Júlia a observam. Betty dá um sorriso amarelo.

BETTY: - Bom dia...

Seu Hermes se levanta, indignado.

HERMES: - Bom dia?! Bom dia?! Isso são horas de aparecer em casa, senhorita?
BETTY: - Ai, papai…
HERMES: - Você perdeu o respeito pela sua casa, Betty? Perdeu o respeito por sua família?
BETTY: - …
HERMES: - Já passa das dez horas da manhã, Beatriz, e você aparece aqui na minha frente como se nada tivesse acontecido? Como me explica isso, hein?

Betty aperta as mãos de nervoso.

HERMES: - Pois a senhorita fique sabendo que se eu tivesse atendido o telefone quando ligou isso não teria acontecido! Dormir fora de casa… Só me faltava essa. Na casa do doutor Armando, ainda por cima! (INDIGNADO) E o que estavam fazendo? Porque não acredito que estavam trabalhando até agora!
JÚLIA: - Hermes, fique calmo, mi hijo.
HERMES: - Júlia, me deixe à sós com a Beatriz. (OLHANDO PARA BETTY) E você, sente-se aí, jovenzinha, que temos que conversar.

Betty senta-se, suspirando. Dona Júlia olha para ela, apreensiva. Levanta e recolhe os pratos, indo para a cozinha. Seu Hermes anda pela sala, indignado.

HERMES: - Beatriz Aurora Pinzón Solano, a senhorita pensa que…
BETTY: - (CORTANDO) O senhor não sabe o que eu penso.

Seu Hermes fica surpreso. Betty olha para ele.

BETTY: - O senhor não sabe o que eu penso porque quando olha pra mim, ainda vê uma menina. E eu não sou mais uma criança, papai.
HERMES: - Ora, Beatriz, você é muito ingênua, precisa entender que o mundo lá fora…
BETTY: - (INTERROMPENDO) O mundo lá fora é o mundo do qual eu faço parte, papai. É o mundo que está aí para que eu o viva e desfrute. A nossa casa, apesar de ser meu lar, meu porto seguro, não pode ser o meu único mundo.

Seu Hermes senta-se. Betty levanta-se andando pela sala.

BETTY: - O senhor sabe que sempre o respeitei muito, que sempre respeitei muito a mamãe. Nunca dei motivos para que sentissem vergonha de mim, nunca fiz nada para magoá-los… No entanto o senhor me trata como se eu tivesse feito coisas erradas a vida inteira!
HERMES: - Mas Betty…
BETTY: - Desculpe, papai, mas é assim que me sinto. O senhor sempre me vigia, parece que desconfia de mim o tempo todo. Muitas vezes me sinto uma criminosa em minha própria casa!
HERMES: - …
BETTY: - A questão é que não sou mais aquela criança que o senhor abraçava e protegia.

Seu Hermes suspira e abaixa a cabeça. Betty se aproxima dele, segurando-lhe as mãos.

BETTY: - Papai, eu entendo a sua forma de agir, sei que sou sua única filha e sei que faz tudo isso porque me ama e não quer que eu sofra. O senhor me deu a melhor educação que podia, se esforçou por mim e eu agradeço por isso. Mas o senhor precisa entender que agora eu sou uma mulher. Uma mulher que sofre e tem desejos como todas as outras. Uma mulher que também é capaz de tomar suas próprias decisões.
HERMES: - (CABEÇA BAIXA) Sim, Betty, mas eu…
BETTY: - (PASSANDO A MÃO NO ROSTO DELE) Eu sei que não é fácil admitir isso. Pra mim também foi difícil… (SORRI) Até algum tempo atrás eu mesma me sentia como uma menina…
HERMES: - …
BETTY: - Mas eu cresci. E não só fisicamente. Cresci como ser humano e de tantas formas, papai… (EMOCIONADA) E muito disso devo ao senhor que sempre esteve presente, me ajudando, me dando forças para continuar…
HERMES: - Não fiz mais do que a minha obrigação, minha filha…
BETTY: - (O ABRAÇANDO) O senhor é o melhor pai do mundo e o melhor amigo também… (ENCHENDO OS OLHOS DE LÁGRIMAS) Muito obrigada, papai.

Don Hermes funga, se contendo pra não chorar. Betty se afasta dele, segurando-lhe as mãos.

BETTY: - Quero que leve a certeza em seu coração de que tudo o que eu fiz até hoje e que farei de agora em diante, não vai lhe trazer vergonha nunca.
HERMES: - …
BETTY: - E por mais doloroso que seja, tens que entender, papai… Necessitas compreender… Que eu não sou mais a menina Betty. Sou uma mulher.

Betty levanta-se e sai, subindo as escadas. Seu Hermes fica parado, com o olhar perdido.