Ciudad Bolívar
3:17 PM

Na tenda, crianças e pais ainda se aglomeram em fila esperando pela oportunidade de receber um presente e abraçar o Papai Noel.
Alguns funcionários da Ecomoda terminam de recolher as caixas de papelão que sobraram – os únicos resquícios de todas as doações que foram feitas.
Mariana e Aura Maria ajudam alguns funcionários da produção a guardar as araras e cabides vazios dentro dos caminhões da Ecomoda enquanto Catalina coordena a entrega dos presentes ao lado de Freddy.
Betty observa a movimentação de longe. Pega o celular do bolso e disca o número de Armando. O celular toca algumas vezes e cai na caixa postal. Betty suspira. Inesita se aproxima dela, trazendo uma garrafinha de refrigerante.

INESITA: - Minha filha, tome aqui.
BETTY: - Ah, obrigada, Inesita.
INESITA: - Vi que você não se alimentou até agora, nem bebeu nada. Venha sentar um pouquinho.

Betty sorri. As duas sentam-se em dois banquinhos mais afastados. Betty suspira, cansada.

BETTY: - Nossa, não tinha percebido que estava tão exausta.
INESITA: - A gente só percebe quando senta, não é mesmo?
BETTY: - (RI) Que correria!
INESITA: - Mas agora a parte mais trabalhosa já passou. E foi um sucesso, não é mesmo?
BETTY: - (FELIZ) Foi mesmo, Inesita. Obrigada por tudo.
INESITA: - Que isso, minha filha. Obrigada a você. Foi um prazer fazer isso, depois de um ano tão conturbado. Dá uma sensação de que expurgamos todos os nossos demônios, não é mesmo?
BETTY: - (PENSATIVA) É verdade...

Betty continua observando as crianças que sentam no colo do Papai Noel, o beijam no rosto, abraçam e tiram fotos. Freddy os entretém enquanto as outras crianças esperam na fila, fazendo brincadeiras e cócegas. Betty sorri.

INESITA: - Que Papai Noel incansável esse.
BETTY: - (SORRI) É mesmo...
INESITA: - Faz horas que ele está aí, com toda a paciência do mundo.
BETTY: - E o Freddy está uma graça também.

As duas riem.

INESITA: - Aura Maria que o diga, está toda derretida com ele. Mas o Freddy sempre foi ótimo com crianças.

Betty desvia o olhar. Inesita percebe, mas fica em silêncio.

BETTY: - Inesita...
INESITA: - Sim, minha filha?
BETTY: - Você viu o doutor Armando?
INESITA: - (PENSANDO) Hum... não... Não o vejo desde manhã. Mas certamente ele deve estar por aí.
BETTY: - É, deve estar.

Betty volta a observar as crianças com a fisionomia triste.

[corte]

A tarde começa a cair deixando o parque num tom alaranjado. Betty está ajudando a desmontar as mesas onde foram servidos os lanches, do lado de fora da tenda. Ela para por um segundo, passando a mão pelos cabelos, cansada. Betty põe as mãos nos bolsos do casaco que agora veste, observando o parque banhado pelas cores do pôr-do-sol. Betty sente a carta de Armando no bolso direito e a retira. A abre e lê novamente.

ARMANDO (OFF): - A sua compaixão me emociona. Vai ser uma alegria para mim observa-la hoje e fazer parte de algo que você proporcionou a todos nós. Boa sorte, meu amor. E tenho certeza que verei você refletida nos olhos de todas as pessoas hoje. Te amo, te amo, te amo. Armando.

Betty passa os dedos sobre a caligrafia de Armando e suspira. Guarda a carta novamente no bolso e volta a desmontar as mesas. Catalina vem ao encontro dela.

CATALINA: - Betty, já estamos quase terminando com as crianças e sobraram alguns presentes. Pensei em deixar para a associação de moradores aqui do bairro. Tudo bem pra você?
BETTY: - Claro, dona Catalina. Ótima idéia.
CATALINA: - Perfeito. Já conversei com a representante da associação e assim que o evento acabar ela já vai levar o que sobrou.

Betty observa de longe que apenas cinco crianças esperam pelo Papai Noel. Freddy já está sentado no chão de tão cansado, com as crianças pulando em cima dele. O Papai Noel está sentado em sua cadeira, com uma menininha de trancinhas em seu joelho.
Betty dá um sorriso triste. Catalina percebe e se aproxima dela.

CATALINA: - Quê isso, Betty? Porque essa carinha?
BETTY: - Nada, dona Catalina.
CATALINA: - Ah, Betty, já passamos dessa fase de mentir uma pra outra. Eu sei que algo está te incomodando. Vamos, desembucha.
BETTY: - Bem... Eu sei que eu não deveria ficar assim, ainda mais num dia como esse, que foi tão maravilhoso... Mas... ah, dona Catalina, é algo tão sem importância...

Catalina cruza os braços.

CATALINA: - Betty...
BETTY: - É que... Essa não é uma conquista só minha, não é mesmo? É da Ecomoda inteira, a senhora não concorda?
CATALINA: - Sim, concordo. Claro que é. De todos nós.

Betty morde o lábio. Catalina percebe o que Betty tenta dizer e sorri, esperando que ela continue.

BETTY: - (DESVIA O OLHAR) E bem, quando todos se comprometem com algo, e nem aparecem... Não é estranho? Quer dizer...
CATALINA: - Betty, você está assim por causa do Armando?
BETTY: - Ai, dona Catalina, viu só? É uma bobagem minha. Essa é uma campanha beneficente e ficou muito claro na empresa que era um trabalho que ninguém era obrigado a fazer, que era voluntário.
CATALINA: - Sei...
BETTY: - (ANSIOSA / FALANDO RÁPIDO) Eu só achei estranho porque quando nos encontramos hoje de manhã ele disse que vinha pra cá e agora o celular cai na caixa postal e claro que estou preocupada... Talvez ele tenha vindo e eu não tenha visto e também não é a primeira vez que o Armando fica sem bateria...

Catalina começa a rir.

BETTY: - (RI DE SI MESMA) Viu, estou dizendo que é bobagem minha.

Betty continua dobrando as toalhas das mesas.

CATALINA: - Betty, larga essas toalhas e vem aqui.

Catalina pega Betty pela mão e a puxa para a tenda. Quando elas entram na tenda, apenas duas crianças estão sentadas no colo do Papai Noel, as duas últimas crianças da fila. Freddy está sentado no chão, segurando os presentes que serão entregues. A mãe das crianças está em pé do outro lado da cadeira do Papai Noel, ouvindo atentamente a conversa. As criança mais velha ri enquanto a mais nova fica enrolando o dedo nos cachos da barba do Papai Noel.

CATALINA: - Olha ali.

Betty observa a cena, sem entender. Catalina olha para ela, surpresa.

CATALINA: - Betty? Você não percebeu?
BETTY: - (CONFUSA) Perceber o que?

Betty olha para o Papai Noel mais uma vez. As crianças descem do colo dele, se despedindo, acenando e jogando beijinhos. Ele acena para as crianças, carinhosamente.
Quando as crianças se afastam, o Papai Noel respira fundo, finalmente soltando a tensão. O olhar dele cruza com o de Betty e ele dá um sorriso cansado.
Betty cobre a boca com as mãos, sem acreditar. Catalina coloca a mão no ombro dela.

BETTY: - Eu não acredito… Ele esteve aqui o tempo todo...

Catalina sorri. Betty está paralisada.
Armando se levanta, vindo na direção das duas.
Betty nervosa, morde o lábio, tentando não chorar.
Armando se aproxima se espreguiçando, dispersando o cansaço do corpo. Quando finalmente chega perto delas o olhar dele é de expectativa.

ARMANDO: - E então, como me saí?
CATALINA: - Você foi ótimo, Armando. As crianças adoraram! Não foi mesmo, Betty?
BETTY: - (INCÔMODA) Sim... adoraram.

Armando tira o gorro e a barba, passando a mão pelo rosto para secar o suor. Ele sorri para Betty, agradecido.

CATALINA: - Você foi tão bem que uma certa presidente aqui nem sabia que era você o tempo todo, Armando...
ARMANDO: - (SURPRESO) De verdade, Beatriz?
BETTY: - (SEM GRAÇA) E-eu... não tinha percebido... Você foi muito bem com as crianças, doutor...
ARMANDO: - Obrigado, Betty. Que bom que deu tudo certo.

Os dois se olham intensamente. Catalina os observa de canto de olho. Betty desvia o olhar de Armando, ofegante.

BETTY: - Se me dão licença...

Betty sai rapidamente deixando Catalina e Armando sozinhos.

ARMANDO: - Beatriz, espera...

Armando faz menção de segui-la mas Catalina o segura pelo braço.

CATALINA: - Deixa, Armando...
ARMANDO: - Eu falei alguma coisa errada?
CATALINA: - Acho que foi um pouco forte pra Betty perceber que esse Armando que voltou para a mente dela nesses últimos dias é completamente diferente desse que você é hoje.

Armando suspira tristemente. Catalina passa o braço pelos ombros de Armando.

CATALINA: - Se anime, Armando. Você foi incrível. Acho que um dia… você será um pai maravilhoso para uma Pinzónzinha.

Os olhos de Armando brilham. Ele se emociona. Catalina o segura pela mão carinhosamente. Ele funga, tentando esconder as lágrimas.

ARMANDO: - (EMOCIONADO) Você acha mesmo?
CATALINA: - Eu tenho certeza.

Armando sorri.

ARMANDO: - Obrigado de verdade por isso, Cata.
CATALINA: - Agora vai pra casa. Sua missão foi cumprida por hoje, doutor Noel.

Armando ri.

ARMANDO: - (IMITANDO A VOZ DO PAPAI NOEL) Pois dá aqui um abraço no Papai Noel.

Os dois trocam um abraço carinhoso.

ARMANDO: - Obrigado, Cata. Eu estava precisando de um dia como esse.
CATALINA: - Amigos são pra isso, Armando.

Armando se afasta de Catalina, sorrindo.

ARMANDO: - E por hoje chega, que esse Noel aqui está acabado e precisa pegar o trenó e ir diretinho pro Polo Norte!

Catalina ri. Pega as chaves do carro de Armando de dentro da bolsa e balança na frente dele.

CATALINA: - Não esqueça das chaves do seu trenó de luxo.

Armando pega as chaves e sai dando risada. Catalina balança a cabeça, rindo.

[corte]

Armando anda pela rua, ainda todo vestido de Papai Noel. Ele se aproxima do carro, destrancando-o com as chaves.

BETTY: - Armando.

Armando se vira e vê Betty. Ela está parada há certa distância e morde o lábio, sem conseguir olha-lo diretamente.

ARMANDO: - Beatriz... o que houve?

Betty finalmente ergue o olhar e o encara. Ela olha para ele como se quisesse dizer um milhão de coisas. Armando a observa, o amor que sente por ela evidente em seu olhar.
Betty se aproxima de Armando e o abraça fortemente. Armando suspira aliviado. A beija nos cabelos, carinhosamente.

ARMANDO: - (SUSSURRANDO) Você deve saber... Você deve imaginar que foi tudo por você.

Os dois ficam abraçados por alguns instantes, aproveitando o momento. Betty finalmente se afasta de Armando, secando uma lágrima. Os dois se olham até que Betty toca o nariz de Armando com a ponta dos dedos e ri. Armando sorri de volta, os olhos marejados.

BETTY: - Obrigada por hoje.

Betty se vira e vai embora.

Armando a observa enquanto ela se afasta.

ARMANDO: - (SUSSURRANDO) Uma pinzónzinha, ahn? (SONHADOR) Uma pinzónzinha.