Presidência da Ecomoda
Dia Seguinte – Véspera de Natal
11:44 PM

Betty está rasgando alguns papéis e colocando no lixo. Batidas na porta.

BETTY: - Pode entrar.

Nicolás abre a porta e entra.

NICOLÁS: - Oi, Betty. E aí, está pronta?
BETTY: - Quase, Nicolás. Estou terminando de arrumar algumas coisas.
NICOLÁS: - Ah, deixa isso, Betty. Pra que se preocupar com essas coisas agora... Pensa bem, em... (OLHA NO RELOGIO) ...em 15 minutos estaremos de férias e aí, só ano que vem!

Betty ri.

NICOLÁS: - Anda logo com isso que sua mãe me convidou pro almoço hoje. E Deus sabe a saudade que tenho de almoçar na sua casa.
BETTY: - (SORRI) Deixa de ser esfomeado, Nicolás.
NICOLÁS: - E hoje a noite, hein, Betty? Sua mãe já me prometeu um pernil com molho de cerejas e a natilla que só ela sabe fazer...

Betty se entristece de repente. Nicolás percebe. Ele se aproxima e senta-se em frente à ela.

NICOLÁS: - Como vão as coisas com o...?

Nicolás aponta na direção da sala de Armando. Betty suspira, parando o que está fazendo.

BETTY: - Acho que eu só queria que tudo fosse diferente hoje.
NICOLÁS: - Diferente como?
BETTY: - (PENSATIVA) Eu achei que meu Natal ia ser... diferente esse ano. Por conta de tudo que aconteceu na nossa vida. E de repente...

Betty se cala.

NICOLAS: - De repente o que, Betty?
BETTY: - Vai ser igual. Igual ao de sempre.

Nicolas observa Betty sem entender nada. Ela está envolvida em pensamentos, olhar perdido.

BETTY: - As vezes eu tenho a impressão de que nada... absolutamente nada mudou, Nicolás.
NICOLAS: - Mas como, Betty? Olha pra você, olha pra tudo isso que você conquistou...

Betty enche os olhos de lágrimas e leva uma das mãos ao peito.

BETTY: - (TRISTE) Mas e aqui dentro, Nicolas? E aqui?
NICOLAS: - Betty... (LEVANTA-SE) Vamos, para com isso. Vamos embora. Vamos pra casa.
BETTY: - (SE RECOMPÕE) Está bem, pegue suas coisas e vamos.

Nicolás levanta-se rapidamente e abre a porta da sala. Dá de cara com Armando.

NICOLAS: - D-doutor Armando...
ARMANDO: - Bom dia, Nicolás.
NICOLAS: - Se me dá licença.

Nicolás sai rapidamente. Armando dá uma leve batida com o nó dos dedos na porta aberta.

ARMANDO: - Beatriz, posso entrar?

Betty respira fundo, tentando controlar o nervosismo.

BETTY: - Claro, doutor.

Armando entra e fecha a porta. Betty, nervosa, começa a guardar coisas na bolsa, evitando olhar para Armando. Ele se aproxima da mesa.

ARMANDO: - (NERVOSO) Betty, e-eu sei que estamos... passando por esse momento... E... bem... Eu só queria... (COÇA A CABEÇA) Eu queria só saber se...

Armando respira fundo, tentando se acalmar.

ARMANDO: - Me perdoe se eu estiver sendo ridículo, mas nós tínhamos combinado de... de fazermos um jantar... um jantar de Natal no meu apartamento... com a sua família... e... e...
BETTY: - (CORTANDO) Não... Não vai ser possível, doutor.
ARMANDO: - (ARRASADO) Ah, claro. Sim. Naturalmente. E-eu... Eu só queria confirmar.

O olhar de desalento de Armando é tamanho que Betty volta a arrumar as coisas na bolsa, sem conseguir olhar para ele.

ARMANDO: - Bem, então... Eu... (PIGARREANDO) Com licença.

Armando sai rapidamente. Betty passa a mão pela testa, fisionomia abatida. Senta-se novamente em sua mesa, respirando fundo.
O telefone toca. Betty revira os olhos e o atende.

BETTY: - Aura Maria, eu não estou para ninguém...
AURA MARIA (EM OFF): - (INTERROMPENDO) Me desculpe, Betty, sei que já está de saída, mas a Mariana disse que lá na recepção está um senhor que quer falar com você e diz que é urgente.
BETTY: - (SUSPIRA) E quem é?
AURA MARIA (EM OFF): - Ela disse que se chama Miguel Herrera.

Betty arregala os olhos.

AURA MARIA (EM OFF): - Betty? Betty, me ouve?
BETTY: - (NERVOSA) M-mande subir, Aura Maria.

Betty desliga o telefone, nervosa.

[corte]

Betty está sentada, batucando com uma caneta na mesa. Fisionomia nervosa e inquieta.
Batidas na porta. Betty levanta-se rapidamente e pega uma pasta, fingindo que está lendo alguma coisa.

BETTY: - Pode entrar.

Aura Maria entra, acompanhada de Miguel.

AURA MARIA: - Com licença, doutora. O senhor Herrera está aqui pra falar com a senhora.

Betty não ergue os olhos da pasta, fingindo estar ocupada.

BETTY: - Está bem, Aura Maria, pode se retirar.
AURA MARIA: - Com licença.

Aura Maria sai e fecha a porta. Betty se vira de costas, indo guardar a pasta num arquivo no fundo da sala. Ela abre o arquivo e se apoia nele, respirando fundo, tentando reunir forças para enfrentar a situação.

Finalmente Betty se vira para Miguel. Ele está coberto de hematomas e cortes no rosto, muito piores que os de Armando, e tem um braço imobilizado, suspenso por uma tipoia. Betty o observa por um instante, como se tentasse enxergar o homem que um dia amou.

MIGUEL: - Desculpe vir assim, sem avisar...

Miguel abaixa o olhar, sem graça.

MIGUEL: - Nem sei se você lembra de mim...

Betty cruza os braços e suspira.

BETTY: - O que você quer, Miguel?
MIGUEL: - Posso me sentar?
BETTY: - (SECA) Não, não pode.

Miguel passa a mão pelos cabelos, nervoso.

MIGUEL: - Betty, eu juro que eu não sabia que você trabalhava aqui... que... que você era presidente dessa empresa quando peguei o emprego. Se eu soubesse não teria vindo.
BETTY: - ...
MIGUEL: - (NERVOSO) – E... e... você já deve saber o que aconteceu... O que o doutor Mendoza fez comigo.
BETTY: - (INDIGNADA) Você veio aqui reclamar do doutor Mendoza?
MIGUEL: - (NERVOSO) Não, não!
BETTY: - Então veio fazer o que?
MIGUEL: - Vim... Vim me desculpar, Betty.

Betty desvia o olhar.

MIGUEL: - Eu sei que o que fiz foi errado. Mas aquela aposta com o Román foi uma coisa de adolescente, uma coisa boba. Quando a gente é jovem, a gente não pensa direito nas coisas, né?

Betty morde o lábio, tentando conter as lágrimas.

MIGUEL: - Você foi super legal comigo naquela época. Era uma pessoa com quem eu podia conversar... você lembra que a gente conversava bastante? Aquele pessoal da rua... Ninguém era tão legal como você, tão estudada.

Miguel se aproxima de Betty, a tocando no braço. Uma lágrima corre pelo rosto de Betty.

MIGUEL: - Eu não sou um cara inteligente, não sei falar direito, mas sei que não devia ter aceitado entrar naquela brincadeira. Nem ter enganado você. Então, me desculpa, tá?

Betty olha para Miguel. Ele leva a mão até o rosto dela, secando a lágrima que corre.

MIGUEL: - Você mudou muito, Betty. Está muito bonita.

Betty segura Miguel pelo pulso e afasta a mão dele de seu rosto.
Ela fecha os olhos e sorri, como fosse tomada pela súbita compreensão de algo óbvio, que sempre estivera ali para ser compreendido.
Quando Betty finalmente abre os olhos e solta o ar que prendia nos pulmões percebe que Miguel a observa, sem entender o que se passa.

BETTY: - Você não entende mesmo, não é?
MIGUEL: - Como assim, Betty?
BETTY: - Eu vou aceitar as suas desculpas. Mas por mim e não por você. Isso de que fez uma "coisa de adolescente" só me prova que você não compreende o tamanho do dano que me causou.
MIGUEL: - ...
BETTY: - Uma aposta para levar a feia pra cama. Pra você pode ter sido uma noite só de sofrimento. Mas será que você imagina quantas noites foram para mim?

Miguel desvia o olhar. Betty dá um passo na direção dele, o encarando.

BETTY: - Espero que esses hematomas que o doutor Mendoza deixou em você te ajudem a pensar melhor. E que você não saia por aí destruindo a vida de outras mulheres como você fez com a minha usando imaturidade como desculpa para canalhice. (RESPIRA FUNDO) De qualquer forma, encerramos o que há pendente entre nós. Acaba por aqui qualquer lembrança sua na minha vida e que de agora em diante você tenha o lugar que lhe cabe.
MIGUEL: - E que lugar é esse?
BETTY: - O esquecimento, Miguel. O esquecimento.

Betty passa por ele e abre a porta da sala.

BETTY: - Adeus.

Miguel olha para ela, estarrecido e sem palavras. Ele se vira e sai. Betty bate a porta.

BETTY: - (SUSSURRANDO) E vá pro inferno, infeliz!

Cozinha da casa dos Pinzón-Solano
6:31 PM

Betty e Dona Julia terminam de preparar os últimos pratos enquanto conversam. Seu Hermes e Nicolás entram e saem da cozinha levando os pratos prontos para a sala de jantar.

JULIA: - (SUSSURRANDO) E o que ele disse, minha filha?
BETTY: - (SUSSURRANDO) Não disse nada, mamãe. O que ele ia dizer?
JULIA: - (SORRI / SUSSURRANDO) Pois bem feito! Teve o que merecia!

As duas riem. Seu Hermes entra.

HERMES: - Pois posso saber o que as duas tanto sussurram aí?
JULIA: - Ai, nada, Hermes. Assunto de mulher!
HERMES: - Cuidado com essas conversinhas. O diabo é porco, tapa e destapa!
BETTY: - Ai, papai.

Dona Julia revira os olhos e continua cozinhando. Seu Hermes se aproxima, colocando o dedo na natilla que Dona Julia prepara, pegando um pouquinho para provar. Dona Julia dá um tapa na mão de Seu Hermes.

JULIA: - Hermes, sai daqui! Ainda não está pronto. Vai pra sala, põe um disco do Gardel no toca-discos e não fica incomodando aqui!
HERMES: - Mas já ouvi todos!
JULIA: - Pois ouça de novo, homem de Deus!

Betty se diverte os observando. Seu Hermes sai da cozinha reclamando sozinho. Betty balança a cabeça, rindo.

JULIA: - (EMPOLGADA) E então, minha filha, continua contando...
BETTY: - Ah, mamãe... Sinto que saiu um peso dos meus ombros, sabe? Eu olhava para o Miguel ali falando aquelas coisas e ficava me perguntando quem era essa Betty que se apaixonou por ele... Foi bom tê-lo visto de novo, sabe? No final das contas, tudo isso serviu pra por um ponto final nessa história. Porque o Miguel, ou o que ele representava para mim, não significa mais nada.
JULIA: - (EMOCIONADA) Ah, minha filha... Que alegria ouvir isso! Que dádiva divina!

Betty sorri. As duas se abraçam.

BETTY: - Obrigada, mamãe. Obrigada de verdade por sempre estar comigo nesses momentos. Eu não sei o que teria sido de mim sem a senhora.
JULIA: - O que é isso, minha filha. Eu estou aqui pra isso. Sou sua mãe.

Betty beija a mãe na testa. As duas derramam lágrimas. Seu Hermes entra na cozinha.

HERMES: - Mas o que é isso? Agora estão chorando?
JULIA: - Ai, Hermes, não amola!

Betty seca as lágrimas e sorri. Julia seca as lágrimas num pano de prato e volta a mexer a natilla. Seu Hermes coça a cabeça sem entender nada.

Quarto de Betty
7:10 PM

Betty termina de se vestir e senta-se em frente ao espelho. Pega uma escova e começa a pentear o cabelo. Percebe o Claddagh ring sobre a penteadeira, junto das cartas e bilhetes de Armando.
Betty afasta as cartas, puxando a caixa de presente que está por baixo delas. Abre a caixa, tirando o porta-retrato que ganhou de Catalina, com a foto de Armando. Betty observa a foto com cuidado, passando os dedos pelo rosto de Armando, analisando a devoção com que ele olha para ela. Ela suspira profundamente.

Batidas na porta.
Dona Julia abre a porta delicadamente, já arrumada para o Natal.

JULIA: - Filhinha, você está pronta?

Betty olha para a mãe, pensando. Ela respira fundo e sorri.

BETTY: - Estou, mãe.


N/A: E aí? O que estão achando?