Apartamento de Armando
Véspera de Natal
8:34 PM

Roupas espalhadas pelo chão da sala. Armando e Betty estão no sofá. Os dois estão com as cabeças apoiadas no encosto do sofá, de frente um para o outro, enrolados num cobertor. Armando está de olhos fechados. Betty o observa. Ela vê bem de perto os machucados na face dele, os hematomas que ainda se sobressaem na pele de Armando. Betty leva uma das mãos ao rosto dele e o acaricia, com muito cuidado. Armando sorri de olhos fechados.

BETTY: - (SORRI) Achei que você estava dormindo.
ARMANDO: - Não...
BETTY: - Dói muito ainda?

Armando abre os olhos, cobre a mão de Betty com a sua, a virando e beijando a palma da mão dela.

ARMANDO: - Não mais.

Betty sorri. Ela continua fazendo carinhos, afundando a mão nos cabelos de Armando. Ele fecha os olhos novamente, se entregando. Betty senta-se mais perto dele no sofá, aproxima os lábios do rosto de Armando e vai beijando delicadamente cada machucado e cada hematoma. Ela sente as lágrimas correrem pelo rosto dele e vai beijando o caminho que elas fazem. Armando a abraça pela cintura. Betty o beija no canto dos lábios, que tem um pequeno corte.

ARMANDO: - (OLHOS FECHADOS / SUSSURRANDO) Casa comigo, Beatriz.

Betty acaricia a bochecha de Armando com o próprio nariz, deslizando delicadamente pelo rosto dele.

BETTY: - (SORRI) Sim.
ARMANDO: - (OLHOS FECHADOS) Casa comigo hoje.

Betty se afasta um pouco dele, o suficiente para olha-lo nos olhos.

BETTY: - A essa hora os cartórios já fecharam.

Armando ri.

ARMANDO: - É verdade. É preciso considerar os cartórios.
BETTY: - E eu não estava muito disposta a sair desse sofá.
ARMANDO: - Agora que você falou isso... pensando melhor, vamos casar depois.

Betty ri. Armando se espreguiça. Dá um sorriso de satisfação completa.

ARMANDO: - Beatriz... olha no que você me transformou: um homem que não quer sair de um sofá nunca mais na vida.

Betty dá risada.

ARMANDO: - Exceto para buscar comida... aliás, o que você trouxe naquela sacola?
BETTY: - Bem lembrado. Trouxe um pouquinho da ceia de Natal lá de casa.
ARMANDO: - Bendito seja Deus!

[corte]

Armando e Betty estão sentados no chão, encostados no sofá, usando a mesinha de centro como apoio. Os dois comem diretamente dos potes, revezando entre si. Armando está vestindo somente a calça de moletom e Betty está usando a camiseta branca dele.

ARMANDO: - Nossa, Betty, manda dizer pra sua mãe que estava uma delícia!
BETTY: - Ai, mas que desaforo! Pois fique o senhor sabendo que eu preparei essa ceia também.
ARMANDO: - Então quer dizer que além de ser um gênio das finanças também é na cozinha?
BETTY: - Mas só uma vez por ano. Confesso que tenho a maior preguiça.
ARMANDO: - (MANHOSO) E quem vai cuidar de mim depois que a gente casar, Betty?
BETTY: - Ora, a tele-entrega cuida. O disk-pizza. Aliás, quem anda cuidando agora que o senhor ainda é solteiro? Porque pelo visto está bem gordinho.

Armando ri.

ARMANDO: - Pois fique a senhora sabendo que tem alguém que cuida muito bem de mim sim.
BETTY: - Quem?
ARMANDO: - A lasanha congelada.

Betty ri. Armando se aproxima dela a beijando no pescoço. Betty fica séria de repente.

BETTY: - Armando, espera.
ARMANDO: - O que foi?
BETTY: - Você não espera mesmo que eu seja esse tipo de esposa.
ARMANDO: - Como assim?
BETTY: - Que fique fazendo almoço e jantar pro marido.

Armando se afasta de Betty, com olhar curioso.

BETTY: - Não é que isso seja um problema. Só não é o tipo de esposa que eu quero ser. Eu quero me dedicar ao que eu gosto de fazer, que no momento é o meu trabalho na Ecomoda. Quero me desenvolver como profissional. Sinceramente, não tenho o menor interesse em lavar suas cuecas.

Armando começa a rir. Betty suspira.

BETTY: - Armando, você não está me levando a sério.
ARMANDO: - Beatriz, eu juro pra você, tudo que eu quero é um casamento que nos coloque lado a lado sempre, como iguais. Se eu precisar de alguém pra limpar minha casa contrato alguém que limpe, não preciso me casar pra isso. Quero ser seu companheiro, em todos os sentidos. E se tem uma coisa que aprendi desde criança foi o caminho da máquina de lavar.

Betty ri. Armando rouba-lhe um beijo e se levanta, recolhendo os potes vazios.

ARMANDO: - E agora, com licença, que esse senhor aqui também conhece o caminho da pia.

Cozinha do Apartamento de Armando
Um tempo depois

Armando termina de lavar os potes e os talheres enquanto Betty seca a louça. Roni come ração de uma tigela perto da porta.
Armando observa Betty que está perdida em pensamentos. Uma mecha do cabelo dela cai sobre os olhos. Armando sorri.

ARMANDO: - Beatriz... Você sempre fica tão bonita assim secando um garfo?

Betty ergue o olhar e sorri distraída. Ela larga o garfo sobre o balcão e respira fundo. Armando fecha a torneira, percebendo que algo está por vir. Betty entrega o pano de prato para que ele seque as mãos.

BETTY: - Armando, preciso perguntar uma coisa.
ARMANDO: - Sim?
BETTY: - Por acaso você pediu que... (TOMANDO CORAGEM) ...que o Miguel me procurasse?

Armando arregala os olhos.

ARMANDO: - O que? Ele foi atrás de você?

Betty senta-se num dos banquinhos da ilha central da cozinha.

BETTY: - Foi. Hoje. Na Ecomoda.

Armando fecha os olhos e respira fundo, controlando a raiva.

ARMANDO: - Betty, eu não... (PASSA A MÃO PELA TESTA) Eu juro pra você que não procurei esse homem. A última vez que o vi foi... foi quando minha cara ficou desse jeito e nunca mais.

Betty observa Armando que está tentando a todo custo não explodir de raiva. Ela o segura pela mão, o puxando para perto de si. Armando cede, soltando o ar dos pulmões. Ele senta-se em outro banquinho, em frente a ela.

ARMANDO: - (TENSO) Você acredita em mim?
BETTY: - Claro que sim, Armando.

Armando solta a tensão dos músculos. Betty morde o lábio. Ele a observa.

ARMANDO: - Você quer falar sobre o que houve?

Betty cruza os braços em frente ao corpo.

BETTY: - Você deve imaginar que não foi nada agradável. Ver ele... tão perto.

Armando aperta o maxilar. A raiva retornando.

BETTY: - Eu já tinha imaginado aquele encontro tantas vezes, tudo que eu ia dizer, como eu agiria. E de repente... eu não conseguia falar nada, Armando. Eu tinha voltado a ser uma pessoa frágil. À mercê de um homem... à mercê da minha insegurança.

Betty suspira.

BETTY: - E ele ali me pedindo desculpas. Imagina? Desculpas, porque tinha percebido que o que fez foi uma brincadeira de adolescente, que era muito jovem... Acredita nisso? Um homem feito que ainda não consegue reconhecer o tamanho do mal que fez. E isso acendeu uma luz em algum lugar dentro de mim e iluminou tudo, e tudo ficou óbvio.

Betty enche os olhos de lágrimas e sorri para si mesma. Armando a observa, surpreso e ao mesmo tempo encantado.

ARMANDO: - O que, Beatriz?

Betty volta o olhar para Armando. Leva uma das mãos ao rosto dele e o acaricia. Armando sorri.

ARMANDO: - O que, meu amor?
BETTY: - A diferença, Armando. A diferença entre vocês dois. Que por algum motivo tinha ficado nebulosa dentro de mim. E agora estava clara. Óbvia.
ARMANDO: - E qual é?
BETTY: - Tudo. Ou melhor... Não fosse uma coisa que vocês dois fizeram, não existe nada que possa compara-los.
ARMANDO: - (ABAIXANDO OS OLHOS) O engano...
BETTY: - (SUSPIRA) Sim, isso. Vocês dois me enganaram, não podemos negar isso. Mas isso está lá no passado, que é o lugar que o compete. Mas veja... como é que eu posso colocar você e o Miguel lado a lado e dizer que são o reflexo do mesmo homem?

Armando ergue o olhar para Betty, em lágrimas. Betty seca delicadamente as lágrimas dele, o observando com cuidado.

BETTY: - Acho que esse tempo que nos afastamos serviu para que eu entendesse que nossa caminhada sempre vai ser isso, Armando... uma caminhada. Não é pra ser fácil, simples, de uma hora pra outra. Isso é o que a outra Betty, a que sonhava com um conto de fadas, achava que a vida ia ser. A nossa vida é uma vida de seres humanos, de pessoas que as vezes... vão falhar. E principalmente, é uma vida de escolhas.

Betty levanta-se, andando pela cozinha. Armando a observa.

BETTY: - Quando o Miguel escolheu me apostar com o Román posso até acreditar que foi por imaturidade. Mas quando ele vem, hoje, me pedir desculpas e ainda usar isso como justificativa, é uma escolha de uma pessoa que só quer se livrar de uma culpa. Ele não quer resolver esse passado de fato. Ele nunca pensou em como eu me senti, nas noites que não dormi, no meu estado emocional com todas as promessas quebradas que me fez... A culpa que ele quer terminar é um reflexo apenas da surra que ele levou. Nem tenho certeza se ele realmente lembrava do que fez até aquele dia.
ARMANDO: - ...
BETTY: - Já você, Armando, você escolheu ir por outro caminho. E essa escolha nos trouxe até aqui hoje. Você não entrou em uma sala e me pediu desculpas e pronto. Foi um processo de transformação que nós dois passamos. É a nossa caminhada.

Armando levanta-se e se aproxima de Betty. A segura pela cintura.

BETTY: - (SUSPIRA) Nunca vai ser simples.
ARMANDO: - Mas existe simples?
BETTY: - (SORRI) Acho que não.
ARMANDO: - E quem disse que eu queria simples? Eu não gosto de simples. Eu gosto de difícil. De complicado. De caminhadas. De escolhas.

Betty ri. Ela o segura pelo rosto, fazendo carinhos. Armando encosta a testa na testa de Betty e os dois fecham os olhos. Ela suspira.

ARMANDO: - (SUSSURRANDO) E principalmente, eu gosto de Betty. Não consigo gostar de outra. Só consigo gostar de Betty.
BETTY: - (SUSSURRANDO) Eu te amo, Armando.

Armando se afasta dela, sorrindo. Os dois se olham profundamente. Armando pega uma das mãos dela, a segurando contra seu peito.

ARMANDO: - Senti tanto a falta de ouvir isso.

Betty o puxa para si e cola a boca no ouvido dele.

BETTY: - (SUSSURRANDO / SENSUAL) Te amo, te amo, te amo...

Armando fecha os olhos e a ergue, a colocando sentada sobre a ilha central da cozinha. Betty ri.

ARMANDO: - (DESESPERADO) Beatriz...
BETTY: - (SE FAZENDO DE DESENTENDIDA) Sim, doutor?

Armando suspira.

ARMANDO: - (DESESPERADO) Ai, essa mulher!

Armando se agarra em Betty aos beijos apaixonados.