Alex se dirigiu ao aeroporto, sua viagem parecia ter sido patrocinada pela World Dance Academia pois a única coisa que vinha a sua mente era Lucy. Como alguém poderia ser tão mandão? Isso a lembrava um chihuahua, tão pequeno mas barulhento, latindo e tremendo pensando que bota medo. Se fosse para dizer a verdade, a agente admitiria que era fofo. Tanta determinação e confiança são coisas difíceis de se encontrar.
Até mesmo as mais legais propagandas tem um fim e assim que pisou no aeroporto, não só estava uma zona de tantas coisas destruídas pelo fogo ou pelas explosões como também estava cheio de policiais. Nada mais estressante do que os policiais locais, sempre se metendo nos assuntos e assumindo saber dos ocorridos enquanto nem sabem a diferença entre um marciano verde e um branco. Foi o ápice ver uma mulher, ajoelhada dentro da área de isolamento, a examinar um dos destroços.
_Hey, você aí, o que pensa que está fazendo na minha cena de crime?
Sério, é tão difícil respeitar uma faixa amarelo e preto gritante? Aparentemente para essa mulher era. Quando a invasora se levantou, Alex pode perceber coisas que não havia visto anteriormente, coisas como a pele bronzeada, o longo cabelo castanho e covinhas que estavam acentuadas pelo sorriso sarcástico mantido pela desconhecida enquanto falava.
_Já te contaram que vocês federais têm a mesma prepotência? Eu não vi seu nome por aqui.
A agente respirou fundo, o desejo de tirar a força aquela cara de deboche mas ela imaginou que Lucy diria quando soubesse "sério, Danvers? Não conseguiu ficar uma semana sem quebrar um nariz? Estou achando que essa tensão vamos ter que trabalhar de um jeito diferente. Não se preocupe, vou garantir que quando sair daqui, você esteja a ver estrelas e com o corpo completamente relaxado, babe". Não, muito obrigada, Alex não precisa disso, com certeza teria uma síncope. Considerando isso, internalizou sua raiva e focou no real problema.
_Quem diabos você pensa que é?
O que a ruiva não poderia ter previsto era a morena mostrar o distintivo da polícia local.
_Detetive Maggie Sawyer, divisão científica. Cuidamos dos casos fora do normal. E até onde eu saiba, o aeroporto é minha jurisdiçã mostrei o meu, agora mostre o seu.
A Danvers mais velha até pensou em mostrar o distintivo falsificado do serviço secreto mas decidiu não fazer. Era muito desaforo, que mania era essa que todos estavam tentando mandar nela naquele dia? A detetive a viu falando com Supergirl, a viu falar com outros agentes e com os seguranças da presidente, ela sabia muito bem que Alex era federal. Ela não perderia o controle da situação, a invasora naquela situação era Maggie.
_Não, não tenho nenhuma obrigação de te mostrar. Vou ser bastante didática com você porque respeito o trabalho da polícia de National City. Sua jurisdição termina onde eu digo que termina, você invadiu uma cena de crime federal, contaminou provas e não está sendo cooperativa, lhe recomendando sair antes que eu lhe prenda por desacato e obstrução da justiça, estamos entendidas, detetive?
Alex sorriu satisfeita quando viu a mulher suspirar e se direciona para fora da pista de pouso mas não sem antes dizer:
_Bem, não seja por isso. Nós nos vemos por aí, federal. Ah e um aviso, seu agente está colocando restos de carpete e de avião no mesmo saco de evidências.
Após aquele encontro, Alex manteve a postura e conseguiu não gritar com o estagiário. Era noite de jogos então após comprar uma quantidade exorbitante de pastéis chineses, a ruiva foi para o apartamento.
Se fosse época de ação de graças, a garota já sabia pelo que não era grata. Ela não era grata pela sociabilidade da irmã, afinal assim que entrou no apartamento da loira, viu seu pesadelo a rir sentada no sofá.
_Sim, Kara. Foi hilário quando Clark perdeu os óculos e teve que usar um dos meus óculos de sol. Chamei ele de Superman da ressaca por uma semana até Lois me dar uns cascudos e mandar parar porque ela estava sonhando com eles no Caribe em altos luaus, se é que você me entende.
Kara andou saltitante até Alex e disse:
_Alex se lembra de quando fui passar um tempo na casa de Kal-El e conheci a irmã da Lois?Pois bem ela está na cidade, é tão bom, né?Ter minha irmã e minha amiga ao mesmo tempo em casa. Melhor noite de jogos de todas.
Se Alex fosse uma pessoa muito religiosa iria perguntar para deus que tipo de brincadeira de mal gosto era aquela. Quais as probabilidades da mulher que vivia em sua cabeça não somente conhecer a identidade secreta de sua irmã, mas está agora ligada por vários meios a sua vida. Respirando fundo, ela decidiu encarar a sua atual realidade e tentar aproveitar ao máximo a noite de folga com sua irmã mesmo que o preço disso fosse sua própria sanidade.
Por incrível que pareça estava fácil aguentar aquela noite, Lucy foi discreta e não revelou ter conhecido Alex anteriormente, escolhendo na verdade Winn como seu novo alvo para piadas dúbias. Era hilariante o quanto o nerd gaguejava e corava com as insinuações da dançarina. Aquele comportamento mal estava alimentando o id da ruiva, era maravilhoso ver a Lane ser uma garota má. O problema estava em como sua mente encarava aquela situação. Havia uma grande discussão ocorrendo em seus pensamentos. "Você quer que ela seja uma garota má com você, Alex?" Queria? Claro que não isso seria estranho, afinal ela gostava de caras. "Nenhum homem te fez sentir dessa forma e você sabe disso. Ela é única e você deveria chamá-la para sair antes que outra pessoa faça". Não, claro que não. Eu, Alexandra Danvers sou hétero, já tive até alguns namorados, além que nem sei se ela é solteira. "Eu sabia, você quer isso ou então nunca iria pensar sobre o status de relacionamento dela". O que? Você está colocando palavras na minha boca. "Eu sou sua mente, querida. Só digo coisas que você já sabe mesmo que não admita. Você já a deseja". Eu não desejo ninguém e acabei de conhecê-la. Já falei, eu gosto de homens, eu não sou lésbica. "Como quiser, continue mentindo mas no fundo você sabe que estou certa, afinal, eu sou você".
Cansativo, essa seria a melhor forma de descrever seu fluxo de pensamentos naquele momento. Não era possível, demorou apenas um dia com essa mulher para que Alex questionasse toda a sua vida. Como era possível que um sorriso fosse responsável por uma viagem em suas mais profundas memórias. Nas lembranças de sua adolescência, como ela adorava dormir na casa de Vicky, dormir no mesmo quarto, na mesma cama e como brigaram terrivelmente quando sua amiga arrumou um namorado e não tinha mais tempo para ela. Como de uma forma estranha em suas festas de faculdade sempre terminava dançando com alguma garota bonita, seja extremamente feminina, seja aquelas garotas mais alternativas, pelo menos era com a ruiva as chamava, aquelas garotas com cortes de cabelo baixo, jeans e camisas xadrez. Normalmente demorava pelo menos cinco copos de whisky antes que Alex pudesse dormir com qualquer um de seus namorados, beijos e carícias eram legais mas nada demais. A agente sempre pensou que simplesmente era alguém que não gostava de intimidade, acontece com muitas pessoas, nunca passou pela sua mente que talvez o problema não fosse o carinho mas sim com quem ele era trocado.
Não podia ser, as pessoas não descobriram esse tipo de coisa na adolescência? Sei la, em um jogo de verdade ou desafio, em que você acaba tendo que beijar uma desconhecida e depois acaba encontrando ela escondido para repetir a dose? O que tinha de errado com Alex? Ela não tinha tempo para essa baboseira de se descobrir. Se até hoje ela não amou ninguém, não seria ao lado de uma mulher que isso mudaria. O mundo decidiu que não existiria felicidade para ela. Suas alegrias seriam concretizadas nas realizações de sua irmã e em conseguir escapar do julgamento de sua mãe. Algumas pessoas simplesmente nascem para viver infelizes, o mundo não é cor de rosa, a vida não é simple ou divertida como Friends ou How I Met Your Mother, não é uma sequência de eventos que te leva ao amor de sua vida. Não é estar em um relacionamento que torna alguém feliz e foi naquela hora que a ruiva voltou a realidade, a tempo de ouvir Lucy dizer:
_Enquanto eu vivia em Metropolis, eu busquei ao máximo me descobri. Fiz de tudo que vocês podem imaginar, tentei aulas de francês, culinária, pintura e até mesmo de marcenaria. Me metia em cada enrascada por conta dos encontros que marcava pela internet. Sim, eu encontrei pessoas legais, uma floriculturista vinda do Alabama, um guitarrista de Nova York que estava em turnê. Saí até mesmo com o James, vocês sabem o melhor amigo do Clark. Comprei todos os cds dos Beatles, me enjoei de todos os cds dos Beatles. Vi todos os filmes de Star Wars, li todos os livros de Senhor dos Anéis. Tudo para poder encontrar meu grupo, pessoas com a qual me identificasse. Mas o ponto de rompimento foi quando por recomendação da minha irmã fui a uma sessão de terapia e a primeira coisa que o médico me perguntou foi quem era Lucy Lane a partir do meu ponto de vista. Eu não sabia responder, foi aí que percebi. Eu passei todo meu tempo procurando me encaixar, me preenchendo de pessoas e coisas mas sem nunca pensar se realmente queria aquilo, eu estava tão preocupada em satisfazer os outros que não me perguntei o que eu queria. Daquele dia em diante, eu passei a me questionar todos os dias se o que eu estava fazendo era por mim ou era para ser aceita em algum lugar, me perguntava se estava feliz e quão verdadeira era aquela felicidade. Nada que eu fazia era bom porque eu nunca fiz por mim, eu procurava nos outros a satisfação que não encontrava em mim. Óbvio que eu nunca teria um relacionamento daquela forma, você se relaciona em alguém por estar feliz e não para encontrar a felicidade e isso só é possível quando você se conhece. O auto conhecimento é um trabalho contínuo porém satisfatório. Quanto mais sabemos sobre nós e como nos fazer felizes, mais podemos fazer os outros felizes.
Aquilo foi como um soco no estômago para Alex, ela não era feliz porque sempre procurou fazer os outros felizes em vez de procurar a própria felicidade. Quem sabe existisse sim alguém para ela no mundo mas ela só poderia encontrar essa pessoa quando descobrisse quem ela era e o que queria se tornar. Foi com esse pensamento que a Danvers mais velha foi para casa aquela noite, trocando a garrafa de cerveja por uma garrafa de água e um documentário sobre a Patagônia, a ruiva dormiu e sonhou. Sonhou com um futuro em que poderia ser feliz, em que as trevas ainda existiam mas estavam sobre controle, onde ela tinha dias chuvosos mas os dias ensolarados vinham em seguida e eram tão brilhantes e tão maravilhosos que a chuva do passado não importava mais. Naquele sonho muitas coisas eram turvas e embaçadas mas havia uma coisa que era possível ser vista, reconhecida e se destacava, essa coisa era Lucy em seus braços. Seja lhe abraçando durante a tempestade, seja rindo ao seu lado quando o sol aparecia, a dançarina era uma constante na equação da sua felicidade.
