Lucy não havia tido uma boa noite de sono. Porque nem mesmo conseguiu dormir. A agente estressadinha e ruiva não saia de sua mente. A dançarina não queria gostar de Alex, isso seria completamente anti profissional. Tudo bem, sua aluna era linda e alguém que a morena adoraria conhecer mas isso parece muito desespero. Nova na cidade, iniciando a carreira dos sonhos e no primeiro trabalho de importância acaba por se apaixonar pela cliente que além de tudo é irmã da Supergirl. Irresponsabilidade e carência seria a forma com que seu pai classificaria suas atuais atitudes e impulsos.
Isso a lembrava a escola de arte, que libertador foi entrar naquele ambiente. Óbvio que não era como nos filmes ou fantasias, onde as pessoas cantavam sobre as mesas do refeitório ou os armários eram decorados por cada aluno baseado em suas habilidades e ambições. Pelo contrário, nem todas as pessoas eram de mente aberta ou receptivos à mudança. Se houve que Lucille Lane aprendeu e levou para o resto da sua vida é que em todo lugar sempre haverá alguém que irá desmerecer o seu trabalho para que ele possa se sobressair. Foi lá que a jovem aprendeu que militância poderia ser sim contra algo defendido por seu pai. Que uma palavra poderia ter múltiplos significados e funções. Que ser mulher e bissexual eram por si só atos políticos dos quais ela deveria se orgulhar.
A morena sofria pela sua atual relação família mas o passado nunca poderia ser desfeito, desejos e boas intenções não trariam sua mãe de volta. Aisha havia durante muito tempo sido a alma da família Lane, a cola que os unia, ironicamente seu nome significava "aquela que está viva" porém isso a muito tempo se tornou uma inverdade. Nada poderia impedir o destino se cumprir e o encontro de sua mãe com Alá. A fé muçulmana foi presente em sua infância, enquanto Aisha não obrigava suas filhas a seguir a sua fé, fazia questão de lhes contar as histórias e ensinamento de seu livro sagrado.
No quesito romance, Lucy tinha certeza que se houvesse um filme sobre o relacionamento de seus pais, seria tão famoso quanto qualquer adaptação dos livros de Nicholas Sparks e que estrelava Channing Tatum. Samuel Lane ainda era um capitão quando foi enviado a Manbij, Síria. Seu trabalho era simples, fiscalizar as bases e voltar aos Estados Unidos para reporte da situação. Tudo mudou quando conheceu uma jovem muçulmana, que com o pouco de inglês aprendido com sua mãe de descendência britânica, lhe deu aguá durante um quente dia em que havia esquecido seu cantil. Naquele momento tudo mudos, aqueles olhos esverdeados haviam ganhado seu coração e sua alma, independente do futuro, uma certeza Sam tinha, ele se arrependeria pelo resto de sua vida se não perguntasse o nome daquela mulher.
Daquele momento em diante, sua vida mudou por completo. O jovem militar sempre que possível se disponibiliza para ir para a cidade Síria, tudo que fosse necessário para reencontrar aquela que havia roubado seu coração. Foram necessários três anos, de muitas viagens, encontros a escondida e perseverança antes que ele enfim a pedisse em casamento. O pedido resultou com Aisha voltando com Samuel a América naquela semana. Seu pai foi completamente contra a ideia de sua filha abandonar todos os seus ensinamentos e fugir com um não muçulmano, ainda por cima americano.
Quando partiu do Oriente Médio, a jovem mulher abandonou todo seu mundo e foi apresentado a um diferente universo. Não foi por se casar com alguém fora de sua religião que ela havia abandonado tudo que acreditava. Seu pensamento era apenas que o Senhor não era como os sacerdotes pregam e que era possível sim professar sua fé e ser feliz seguindo seu coração. Seguindo esta linha de pensamento, a morena garantiu que suas filhas soubessem o máximo possível de sua origem, lhes ensinando o árabe, o ramadã e as prometeu que quando se tornassem maiores, as levaria consigo durante o Hajj para que pudessem participar da peregrinação e se aprofundar no islã se assim escolherem. Lois desde sempre deixou claro a admiração pelo conhecimento cultural mas repúdio às práticas religiosas, Lucy por outro era apaixonada por tudo que a mãe lhe apresentava seja nas questões árabes como na dança, um hobbie que Aisha adquiriu ao ir para os Estados Unidos. Apesar de não gostar de quando a esposa apresentava seus pensamentos religiosos as filhas, Samuel adorava sentar-se junto a sua primogênita para apreciar os recitais de dança que sua esposa apresentava junto a sua caçula, na sala de estar.
Era ano de Olimpíadas, naquele verão de 1996 a Síria iria sediar o evento. Deveria ser um ano de muita festa para os Lane, Lois iria se formar no ensino médio e Lucy receberá seu primeiro solo na turma de balé. Mas antes que tudo isso pudesse ocorrer, havia outra celebração a ocorrer. Aisha estava grávida, havia um novo herdeiro na família, um garotinho que alegrava muito a Samuel e que só demoraria mais três meses antes de conhecer o mundo exterior. Com tudo isso que ocorria, a mulher só tinha um desejo, que durante esse Hajj pudesse se encontrar com o pai e lhe mostrar como foi agraciada e trouxe felicidade a família estando a espera de um mancebo. Claro que ela amava suas filhas e não as trocaria por nada no mundo, porém sabia também que perante sua parentela, ela havia trazido desgraça a todos por não se casar com alguém que professa-se a mesma fé, se houvesse algo capaz de lhe trazer a luz de seus parentes novamente seria ter um filho homem.
Samuel era contra a peregrinação da esposa estando entrando no último estágio da gestação. Mas, ele também conhecia a mulher com quem casou e sabia que nada lhe impediria de fazer algo, sua determinação e teimosia foram características que ambas as filhas haviam herdado e o militia apenas podia pedir aos céus para que seu filho fosse diferente. Desistindo de tentar mudar os planos de Aisha, Sam fez com ela um acordo: ela iria em sua viagem mas assim que volta-se entraria em repouso até dar a luz a seu menino.
Março chegou e com ele o vôo da Senhora Lane. Chegando em Manbij, a siria foi para a casa de seu patriarca. Batendo na porta disse:
_Baba, por favor, abra a porta. Sou eu Aisha, sua filha. Eu tenho uma boa notícia a lhe dar. Estou esperando um filho, o chamarei Zayn em sua honra.
Foi como conversar com uma porta, sim seu pai havia ouvido suas palavras mas prefiro não vê o rosto de sua filha ao proferir as palavras que marcariam para sempre aquele dia.
_Vá embora, Aisha. Eu lhe repúdio, você desgraçou o meu nome e o nome da família Raatko. Nem mesmo o seu rosto, desejo ver novamente. Saia da porta da minha casa, você não é mais digna de ser chamada de minha filha.
Aquilo doeu no coração da Lane, nunca poderia imaginar ser deserdada e abandonada por seu pai. A somatória de desgraças ocorridas naquele dia aumentaria ainda mais quando a apenas três ruas da casa de seu pai, Aisha fosse atropelada por um ônibus desgovernado. A histeria nas ruas era tão grande, que obrigou Zayn Raatko a sair de sua casa para investigar o que estava acontecendo. Chegando ao local do acidente, quando os socorristas estavam prestes a colocar sua filha, ele os parou. Não seria em sua presença que tratariam ela como muçulmana sendo que abandonou sua fé ao se casar com um descrente.
Os meses que se seguiram foram os piores para a família Lane, Samuel desesperado por conta do desaparecimento da esposa e suas filhas estavam inconsoláveis. Lois se culpava por não ser tão próxima a mãe e não sabia como seria para sua irmã mais nova viver com um trauma desses. Lucy tendo apenas oito anos, não sabia como lidar com aquilo, sua mãe não havia voltado para casa e embora seu pai não dissesse, ela sabia que nunca mais veria sua progenitora e nem conheceria seu irmãozinho. Quando a notícia da morte de Aisha chegou, mudou por completo todos que moravam na residência Lane.
Lucy ainda se lembra de como o clima em sua casa havia se tornado outro com a notícia da morte de sua mãe. Lois se mudou para longe, para cursar sua faculdade fora de um ambiente tóxico. Lucy batalhou para manter a memória de sua mãe viva, se dedicando a cultura de sua mãe e a dança. Samuel, já então General Lane, sentia apenas ódio, por aqueles que não ajudaram sua esposa e o fadaram ao sofrimento e amargura, daquele momento em diante ele prometeu defender o seu país de tudo e de todos.
Sua vida já era complicada o bastante sem se apaixonar por sua aluna. Sua vida seria o que agora? Um filme lésbico clichê? Não, Lucille Lane não era e nem se tornaria um clichê. Pensando nisso, naquela noite, ela saiu para o bairro Castro, a região mais gay da cidade.
Foi uma boa noite, e que noite, a dançarina diria. Lucy aproveitou em Castro, bebeu, dançou, riu e conheceu muitas pessoas. Houve uma em especial, que foi para casa com a morena naquele dia. Embora não procurasse nada sério, Lucille achou tão agradável a companhia daquela mulher que pelo menos uma amizade ela gostaria de manter com Maggie Sawyer.
