Prefácio

...tô com medo de que isso vire clichê! (Ma vamolá!)

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A cerveja deixou seu estado oscilando. Num momento ele ficava quieto e triste, em outro ficava nervoso e com os olhos arregalados (o que acontecia quando dava uma pequena olhada para o lado). Olhava, ficava nervoso, acalmava-se. Alguns minutos depois, fazia a mesma coisa.

King dava algumas olhadas baixas, em maior intervalo de tempo. Depois de umas três ou quatro olhadas, tomava um pouco de vinho.

Não demoraria aos olhos dos dois se encontrarem depois de alguns minutos - seria muita sorte se isso não acontecesse, já que um olhava para o outro com freqüência. Não demorou. Ryo simplesmente ficou parado, em completo pânico, mas não deixou transparecer na face. King, mesmo sabendo que ele sempre esteve lá, pensou rápido e agiu como se estivesse surpresa por tê-lo visto. Acenou. Pegou sua taça e sua garrafa, e caminhou até o banco antes ocupado por Robert.

Ryo não queria dar a primeira palavra - aliás, ele não estava em condições de falar coisa alguma, bêbado como o quê. Mas sentiu-se pressionado, e falou com o máximo de firmeza que podia.

-Ah, ooooi! - "Burro! Ainda tá falando que nem bêbado", pensou. King deu uma pequena risada.
-Ryo...Não esperava te encontrar aqui, sério... - Procurava ser o mais natural possível, como se não tivesse notado que ele esteve ali O TEMPO TODO.
-Ééé...bem, eeu...tava sem nada pra fazer...
-...eu, idem.

Enquanto, em silêncio, olhavam para a frente, onde havia a estante de licores, ele pensava: "Compostura, compostura!". Ela pensava: "Ele não bebe tanto, será que quer esquecer alguma coisa?". Tinha a intenção de pedir desculpas, mas não sabia como fazê-lo. Talvez falando de forma informal, espirituosa. Algo que não fizesse muito impacto. Abaixou um pouco a cabeça, olhando para as garrafas de cerveja, e deu uma pequena risada.

-He...desculpa aí pela mesa na cabeça.

Imprevisível. Ele riu também (de nervoso).

-D-dáááá nada, não. - Aliviada, mesmo que a resposta não fosse do Ryo sóbrio que conhecia, descontraiu seus ombros. Os dois riram, não de maneira artificial ou nervosa, mas como se realmente achassem graça. - Massss...é sssério, foi at...até bem legal. O Robert ficou c'aquela cara de atormentado, com medo meeeesmo.

Apesar da voz mole, sem um pingo de classe, era bastante divertido ver Ryo de outro jeito que não o disciplinado, obcecado pelos treinos e um tanto sério e preocupado. Agora estava com o rosto rosado, sorridente e solto, tanto literalmente, quanto solto de seus medos. Não ligava se ela não achasse graça do que dissesse, se lhe desse um soco em seu estômago. Só não queria perdê-la. Não naquela noite.

-Não é melhor chamar um táxi?
-N-nãããoo...eu enjôo.

King mexeu os ombros, como se dissesse "Você que sabe". Achava aquilo um tanto engraçado. Nunca teve que carregar algum homem bêbado para casa, e achou que Ryo fosse ser um grande estorvo, na pior das hipóteses vomitando em seu vestido. Mas ele só emitia uns baixos resmungos de cansaço, ou tontura, ou alegria, a cada três minutos. "Aaahnnn...aaaahnnn..."
"Olha ele. Parece um velho caduco", pensava King, contorcendo-se para não rir. Certamente seria a única vez que o veria tão "alegre". Perguntava coisas como "Quanto é dois mais três?".

-Hãããã...seis?
-Pfff...eu falei dois mais três, não dois vezes três. Burro!
-'Cê não perdoa, né? Messssmo eu tando surdo porque bebi demais!
-Não.

King estava mesmo se divertindo. Depois de perguntar várias contas fáceis (que Ryo respondia com números impossíveis), agora sua diversão consistia em perguntá-lo várias vezes a mesma pergunta, em um intervalo de tempo cada vez menor, para testá-lo.

-Ryo.
-Quê?
-Tá com frio?
-Nãããão. Mas dia desses deu um frio que ninguém podia sair, né?
-É...

Depois de uns dois minutos, perguntou outra vez.

-Ryo.

-Quê?
-Tá com frio?
-Não. Ma' dia desses deu um friiiio que ninguém podia sair, ô coisa feeeia...
-Verdade. Pfff...

Um minuto depois...

-Ryo-o.
-Quêêê?
-Tá com frio?
-Não.

Depois de uns trinta segundos, continuou perguntando até que ele desse por si.

-Ryo.
-Quêêêê?
-Tá com frio?

Ryo hesitou e fez uma cara desconfiada, como se já tivesse ouvido aquilo antes, mas respondeu, meloso.

-Nããããão...podexáá...tô bem!

Vinte e seis segundos.

-Ryo, você está com frio?
-Não...
-Tá com frio, agora?
-Nããããão...
-E agora?
-Não...
-Tá com frio, Ryo?
-T-tô nããão, King...
-Tá com frio?
-NÃO!! - Gritou, com pouca força. - ...Ma' dia desses deu um friiiio que eu vô te dizê...

E ele começou tudo de novo. Assim que conseguiu irritá-lo, ela seguiu o caminho, rindo, enquanto ele mal conseguia fazê-lo - só fazia "Pffff...ri ri...".

O caminho seguiu-se em silêncio, exceto pelos risos, que foram acalmando-se aos poucos. Logo, silêncio completo. (Exceto pelos carros passando, pelo "cri, cri" dos grilos e pelo "Aaaaahhhn..." que Ryo emitia de três em três minutos.)

Como o homem de terno laranja tinha bebido mais de cinco cervejas, não tinha noção de perigo, e falava coisas que o Ryo normal rejeitaria sem hesitar. Mas que naquela noite, ele diria. Alguns minutos depois, perguntou:

-K-Kiiiing.
-Quê?

Depois de alguns segundos, ele perguntou algo um tanto estranho.

-Pu...por que você não é casaaaada?

King não ficou tão assustada, afinal, ele estava bêbado, não é? Fez uma cara meio confusa. "Que pergunta", pensava.

-Ah, sei lá. Tem coisas que a gente não entende.
-Aaaaahhh, 'cê saaaabe, vai.

Ela decidiu falar. "Ele vai esquecer tudo amanhã, aposto", pensou.

-...ah...sei lá...falta de gente decente. - Respirou fundo e olhou para baixo. - A maioria dos homens que conheço se acha macho porque conhece uma mulher por noite e não precisa ser educado com elas para que corram atrás. Mas sabe o que eu acho?

Ryo, por mais bêbado e lesado que estivesse, ainda a ouvia.

-O quê?

-Que homens de verdade não têm medo de compromisso. Que homens de verdade sabem escolher, e não têm medo de desafios. Enquanto um garoto qualquer procura um corpo vazio, um homem de verdade não tem medo de procurar pela mulher perfeita. E quando a descobre por dentro...a ama e a respeita...é um homem de verdade.

Ele, ainda que não falasse tão bem, podia ouvi-la bem (ainda que tivesse errado sua operação matemática por falta de atenção). Mesmo a poucos passos do portão de entrada do dojo, ela continuou.

-Não que eu reclame por falta...a minha fama faz com que muitos homens se interessem por mim, mas só por uma noite. Pra casar, eles querem uma mulher submissa, dependente e que se humilhe por eles em troca de companhia. - Assim que entraram pelo portão, ela o encostou na parede da varanda, perto à segunda porta, para que ficasse de pé sozinho. Deu fim à conversa. - E não é isso que eu quero pra mim. - Ele sorriu. Um pouco sem jeito, ela esperou um tempo e disse: - Então tchau...Ryo.
Assim que virou as costas, Ryo não hesitou. Tanto pela bebida quanto por não querer perdê-la. Ainda que fraco pela cerveja, segurou-a pelo pulso. King, com uma expressão neutra, perguntou:

-O que você quer, agora?

Agora, Ryo se sentia realmente livre. Livre para fazer o que sua lucidez lhe pedia, quando um pouco de estímulo lhe faltava. Ela foi puxada, e não reagiu. Estava agora entre os braços dele. Tentava repetir para si mesma que ele estava bêbado, mas não conseguia pensar em mais nada. Ao sentir o beijo dele em seu pescoço, não conseguiu resistir por mais tempo. Fechou os olhos, e o abraçou forte.

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Posfácio

Ora, ora (sem trocadilho, por favor), queridos leitores. Nosso carateca alcoólatra preferido se deu bem!

Entre férias, vagabundagem, passeiozinhos, treinos com a Angel e a volta às aulas, hesitei muito pra fazer esse segundo capítulo. Fui pulando partes, pensando no que escrever, e até mesmo me perguntando se as falas no modo bêbado (Robeeeeeaaartshhh) não ficariam idiotas. Mas, como não sou lá muito adepta da bebedeira (e não há um número certo de cervejas que embebede uma pessoa, acredito. Ou há?), criei a minha imagem de bêbado para o Ryo, um homem em fase mais disciplinada, que fica bêbado facilmente e, além de abrir seus verdadeiros interesses pro amigo playboy, ganha UM POUCO mais de coragem quando entra no estado (porque vocês vêem, ele não a beijou na boca, e sim no pescoço).

Agradeço a um criador de comunidades muito famoso no Orkut, chamado Cid. Ele escreveu sobre um teste de memória com avós. Aquilo me fazia rir tão facilmente que usei-a como base para as perguntas da King. Valeu, Cid. Também devo ao poeta do rock Cazuza. Sei lá por que, mas depois de ver o filme e ouvir a música Down em Mim, a melodia me inspirou e eu terminei o capítulo com ela na cabeça.

Eu andei relendo Paciência, Dúvida, Amor, Agonia e ficou ruim, mesmo, não gostei. E olha que eu escrevi há menos de um ano, na minha estréia como "escritora". Eu não apaguei dos rascunhos porque tem umas partes que realmente foram oportunas e estou pensando em aplicá-las nessa história mesmo.

Putz, falo demais (acho que posfácios são assim mesmo...). A propósito, boa parte do próximo capítulo, acho que metade, está pronta. O (pouco) ócio da viagem de férias me proporcionou idéias.

Leitores? Acho que só a Julya chan leu. Tenho que ver nos stats da minha conta...vixe. Até a próxima, e...MANDEM REVIEWS. Obrigadinha.