Prefácio

Ô Ryo, hein. Tá pegando.

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Parada. Depois de alguns minutos, voltou a si. Precisava voltar para casa. Com dificuldade, aliviou seus braços das costas dele, e separou seu corpo do dele. Ele mal tinha forças para se mover. Portanto, deixou-a ir.

King mal olhou para trás. Tudo o que pôde ver foi um meio-sorriso. Ao virar a cabeça e seguir seu caminho, acenou em um erguer de mão. Ao voltar à rua, apressou seus passos, ansiando por cama. E, mesmo ao bater do vento, seu corpo ainda estava quente, e sua mente, ocupada. Não sabia o que sentir.

Vez ou outra, pensava em algo alheio ao acontecido. Tinha percebido que seu bar já teria que estar funcionando amanhã, e que precisaria arrumá-lo cedo, no meio da tarde. E que não precisaria acordar cedo para treinar. Abdicaria de seu café da manhã e dormiria até o meio-dia. Até que voltasse a pôr a mão esquerda em seu pescoço, e apressar mais seu passo. O prédio estava lá, a uma quadra de distância. Alívio.

Os corredores eram insuportáveis. A tal hora, tinha que subir as escadas com cuidado, e percebeu como a temperatura da rua era bem mais favorável. Ela não se importou. Subiu as escadas sem controle, com o barulho importunador de seu salto e o silêncio de seus pensamentos. Ao entrar por sua porta, tirou o vestido, agora estirado no chão da sala. Escancarou as janelas do quarto.

Só o vento forte conseguiu acalmá-la.

E ela finalmente pôde dormir.

...

-Aaaaaaabreeeeeeee.

Robert estava na sala, e abriu a porta, sonolento. Tinha cochilado no sofá, vendo uma maratona de luta livre na televisão. Reprise.

Ao abrir a porta, deu uma reanimada - apesar de ter acabado de acordar, deu um sorriso.

-Yo, e aí? Como foi com ela?

Ryo apenas entrou. Deu um sorriso, e em questão de segundos, vomitou tudo.

"Coitado. Tá fraco demais pra contar a história", pensou. Balançou a cabeça, e foi buscar um pano úmido. "Se o Mestre ver esse chão sujo, ele mata o coitado."

Ao ver que Ryo cambaleava para o quarto, rindo, também riu. "É...coisa ruim não foi!"

Ao voltar para o sofá, o rodapé de notícias no canal de esportes marcava uma e trinta e três da manhã. Robert ainda curtiria uma hora e vinte e sete minutos de luta livre. Por que iria dormir?

...

-Sempre é tempo de treinar! Vamos! Vamos!

Porque havia treino. Takuma sempre foi assim. Mal termina um torneio, seus discípulos voltam a treinar duro para o próximo - não por opção. Yuri não levou muito tempo para acordar. Já estava alongando-se.

-Ichi, ni, san, shi, ichi, ni, san, shi...

-Isso mesmo, filha!

Robert, na cama, relutou pouco. A vontade de alongar-se com Yuri - e ter uma ótima visão logo de manhã - falou mais alto que o sono. Mesmo um pouco tonto, trocou de roupa rápido, antes que o sono voltasse. Inspirou bem forte. O oxigênio no cérebro ajudou muito.

-Bom dia, MES-TRE! - Takuma assentiu. Mas faltava mais um.

-Onde está o Ryo?

-Ainda deve estar dormindo, er...voltou bem tarde. - Ora olhava para o mestre, ora para as pernas da filha do mestre.

Da sala de treino, um grito grave e autoritário ecoou.

-RYO!

Num quarto escuro, ainda dormindo de terno, Ryo abriu os olhos. Sua dor de cabeça piorou ao ouvir o grito do pai. Cobriu a cabeça com a colcha, e antes que pudesse pensar em algo, ouviu a porta de correr se abrindo.

-Ryo, é hora de...MAS VOCÊ AINDA ESTÁ DE TERNO? Levante-se, AGORA MESMO!

O filho, ao ter seu cobertor puxado, irritou-se.

-Aaaaaaah! - Pegou um gi qualquer no armário, e, mesmo tonto, dirigiu-se ao banheiro. O único lugar onde poderia trancar a porta.

-Vá rápido, filho! O sol da manhã lhe fará bem! - Sorriu.

Sentou-se no tampo da privada, e não se lembrava de nada. Apenas sabia de que precisava escovar os dentes, e também de um bom banho. Entrou rápido no chuveiro frio.

À medida que a água caía, começou a lembrar tudo. Desde o motivo de ser acordado até o ocorrido da noite. Imaginava se o que teria feito fosse certo. Ela o confundia demais.

Quando o gosto do suco digestivo o incomodava demais para pensar, colocou a escova na boca. Erguer um braço já não era muito sacrifício. Ao ouvir a insistência do pai, terminou. Ainda que se sentisse limpo e com energia para lutar, sua cabeça estava dolorida de tanto beber e cansada de tanto pensar. Mesmo assim, seguiu até a sala onde estavam a irmã e o amigo, e começou mais um treinamento matinal. Era o único que não harmonizava com o clima de alegria. Não estava mais tão irritado por ter sido acordado, mas também não esboçou sorriso. Logo, logo, seria complicado encará-la de novo.

...

Eram oito horas e meia da manhã quando o telefone tocou no apartamento de King.

-...hmmm...merda. - Justo quando ela tinha decidido dormir mais. Intencionada a constranger quem quer que ligasse, atendeu com ar cansado. - Alô.

-Al...ah, mil perdões, King. Te acordei? - Era Takuma. Ryo ouviu um nome familiar, e, da sala, todos pararam para ouvir.

-Bem. Sim, mas deve ser importante, diga.

-Se for-lhe possível...quero que venha para um café conosco, aqui no dojo. - Ryo, atento, arregalou os olhos. - Devo-lhe um pedido de desculpas.

King sorriu. Era uma gentileza, embora a raiva pelo jantar tivesse passado.

-Sem problemas. Se importa se eu chegar daqui a meia hora?

-Não tenha pressa. Te esperamos.

-Estarei aí. Até.

-Até daqui a pouco. - Ao ouvir a confirmação, Ryo entrou em choque, diante das risadas de Robert.

King não hesitou em ir.

"O que tiver de ser, será. Aaahhh...só mais cinco minutinhos..."

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Posfácio

Aaaah. Capítulo chocho, né, queridos leitores? É separado por muitas reticências e nada de muito relevante acontece. Eu ando escrevendo tão impacientemente que até parece que o apartamento da King fica a duas quadras do dojo Kyokugenryu. Mas o bom é que, pelo menos ao meu ver, consegui fazer a King voltar às origens em termos de personalidade (eu não me prendia muito quanto a isso).

O próximo capítulo já tem o final pronto, mas o início é bem chato de se escrever, tem algumas desavenças entre personagens e tal (hihi, spoiler).