Título: Enter in the Heart
Nota Importante:
Olá. Estou aqui para dizer que não morri e não desisti das fanfics! Apenas estou afastada por motivos de força maior, infelizmente, mas que pretendo voltar à ativa o quanto antes possível.
Obrigada a todos que me mandaram reviews nesse tempo de reclusão minha e que eu não pude responder, sei que é uma completa falta de consideração deixar de responder a tanto carinho de todos vocês, não é a minha intenção, então, estou agradecendo a todos por aqui.
E queria expressar meu enorme carinho por todos aqueles que se tornaram especiais no meu universo, lendo minhas fics e sempre comentando, perguntando como estou, porque desapareci, se ando bem... Enfim, aquelas pessoas que tomaram por direito um cantinho do meu coração e que eu nunca esquecerei de vocês.
Beijos enormes a todos e estarei voltando!
Capítulo 2
As luzes da cidade refletiam em seus olhos como pequenas estrelas artificiais. Mesmo vivendo em um apartamento bruxo, este também se situava na Londres Muggle. Tinha uma lareira conectada a rede flú, porém, se saísse pelo hall principal, a entrada do edifício dava para a avenida muggle. E era justamente esse mar de prédios, casas, ruas, viadutos e centro comercial que observava parado frente à janela de seu quarto, o corpo repousado com desleixo no parapeito de madeira marfim.
Sobre a cama estavam algumas coisas que faltava guardar nos baús, como roupas dos meninos, kit de banho e suas próprias roupas.
O vento tornou-se mais forte por um momento, fazendo seu cabelo sacudir no ar, assim como as cortinas de renda. Seus olhos então se pousaram nos desenhos delicados que esta formava, numa tonalidade perolada.
E suspirou ressentido...
Caminhavam pelo centro comercial, naquele horário, lotado. Seus dedos se apertaram contra a pequena e delicada mão de Ginny e se sentiu bem. Logo veio o orgulho, quando percebeu que todos que prestavam atenção neles sorriam ou comentavam como formavam um casal perfeito.
Seus olhos verdes então se pousaram no delicado rosto de sua recém esposa, e soube que a amaria ainda mais conforme passassem os anos.
Acabavam de se mudar para o apartamento que Ginny escolheu para ser o lar de sua família e estavam ali para decora-lo com tudo que ela desejasse.
Não escondia sua felicidade quando os olhos café se abriam em contemplação por cada coisinha que a encantava, ou como seus lábios carnudos de tonalidade cereja se abriam num sorriso bobo e diziam-lhe solene que este jogo de lençol foi feito exclusivamente para adornar "nossa" cama de casal, assim como o dossel e a cortina rendada.
A cortina e o jogo de cama foram os primeiros a serem comprados e os que tinham um apresso maior para eles.
Foram sobre essa colcha e rodeados pelo dossel que fizeram amor inúmeras vezes. E quando descansavam abraçados, apreciavam a lua através das cortinas de renda e sussurravam palavras românticas e sonhos eternos.
- Sabe Harry, mamãe tem uma toalha de mesa toda bordada à mão que foi a primeira coisa que ela se apaixonou e comprou para o enxoval. Essa toalha já presenciou todas as reuniões familiares, desde o primeiro jantar que papai e mamãe tiveram na Toca quando se casaram até a reunião do mês passado para comemorar o nascimento de Daisy.
Harry sorriu ao se recordar perfeitamente da famosa toalha de mesa da senhora Molly. A primeira vez que a viu foi quando Ron o convidou pela primeira vez a passar parte das férias na Toca quando mal havia terminado o primeiro ano em Hogwarts, desde então, aquela toalha sempre forrava a mesa nas principais reuniões familiares, o ultimo grande acontecimento foi no nascimento de Daisy, a filha de Bill e Fleur.
- Este conjunto eu nunca me separarei, será como você e eu e todas as nossas lembranças ficarão marcadas neles – ela dissera-lhe sorrindo com cumplicidade – Pois serão os primeiros itens do meu enxoval, como uma mulher casada e feliz e nos acompanhará até o fim da vida.
- Assim como a toalha da senhora Molly... – Harry riu e a abraçou apertado vendo como aquela conversa boba lhe deixava ainda mais feliz.
Os meses se passaram e o segundo grande acontecimento chegou com a notícia de que seriam pais pela primeira vez. A colcha passou a ser estritamente importante quando Ginny tivera de ficar a maior parte do tempo repousada na cama, devido o avanço da gravidez e a barriga estar enorme, e era ela a única que lhe dava conforto e suavidade por ser de um material leve e macio.
Nessa época James já chamava a atenção e não parava quieto.
O mesmo aconteceu na gravidez de Albus, mas dessa vez, a colcha teve um papel mais importante, pois a bolsa havia se rompido inesperadamente e o parto obrigado a ser ali mesmo no quarto, e para o bebê não tomar friagem o envolveram nela antes de deposita-lo no colo da mamãe, exausta, porém feliz da vida.
E na recuperação de um parto tão complicado, Ginny não podia fazer muito e passava a maior parte do tempo dormindo. Transportou o berço de James para lá, o posicionando perto da janela para que pudesse vigia-lo ao mesmo tempo em que vigiava sua esposa e cuidava de Albus que dormia numa confortável cesta de balanço própria para bebês. Quando o pequeno despertava no meio da noite Ginny apenas se sentava na cama para que pudesse dar em seus braços o filho para amamenta-lo, depois ela voltava a dormir enquanto ele o ninava para que também dormisse, balançando o corpo com suavidade enquanto apreciava a cidade através da cortina de renda.
Nessas horas seu mundo era perfeito, seu amor por Ginny ainda mais intenso do que se poderia imaginar, e o amor que sentia pelos meninos tornava tudo ainda mais maravilhoso.
Seus olhos pousavam sobre o corpo de sua esposa com devoção, depois com cuidado ajeitava a coberta de James e o acariciava na bochecha antes de voltar a vista para a janela, sentindo o corpinho de Albus em seus braços e de encontro ao peito.
- Amo vocês três...
Uma leve batida na porta o trouxe de volta das recordações. Seus olhos voltaram a enfocar os desenhos da renda da cortina antes de desvia-los para a porta, onde Hermione estava parada.
- Estava distraído... – ela sorriu-lhe para depois olhar sobre a cama – Vejo que está arrumando as coisas.
Harry girou o corpo apoiando o quadril no parapeito e cruzando os braços. - Não falta muito, apenas o que está sobre a cama e alguns brinquedos.
Viu como Hermione passou a redobrar as roupas de James, certamente incomodada pela forma em que havia dobrado, sem muito cuidado.
– Homens... – ela sussurrou com reprovação – Eu sabia que precisaria de minha ajuda. Poderia ter me avisado antes, assim eu não marcava as compras para hoje e viria aqui mais cedo para te ajudar – então torceu o nariz ao ver que o macacão de Albus tinha uma mancha de molho de tomate. Apanhou a varinha e lançou um feitiço a deixando livre de qualquer vestígio – Perfeito!
Como não recebia resposta, Hermione ergueu os olhos para ver que Harry havia deixado a janela e agora estava sentado na cama, dobrando lentamente uma das camisetas preferidas de James.
- Harry?
- Acha que foi uma boa idéia eu ter aceitado viver esses meses na mansão Malfoy?
- Sinceramente acho que foi uma péssima idéia... – ela observou o perfil do amigo, que agora apenas observava os desenhos abstratos da camiseta que havia em mãos – Aqui é sua casa, seu lar, onde você mora com sua família. Tem suas coisas... – então ela arregalou os olhos se dando conta de algo que ela nunca parou para pensar. Foi acabar sentada ao lado do amigo, o olhando agora com culpa – Oh Harry... Foi por isso que você aceitou tão rápido morar com Malfoy?
Hermione passou os olhos ao redor. No guarda-roupa marfim, na cama de dossel, no papel de parede florido em tonalidade pêssego, no piso de madeira clara e no tapete de crochê que fazia um belo jogo com a colcha e a cortina de renda.
Tudo ali gritava Ginny, desde a porta de entrada do apartamento até o ralo do banheiro. Sabia que quem se apaixonou por aquele piso de classe média-alta, na vista da cidade que as janelas proporcionavam, a cor das paredes, dos móveis, a decoração... Tudo foi escolhido por Ginny, tudo lembrava a Ginny, tanto, que não tinha como não se recordar dela e de seus gostos extravagantes ou quase infantis.
Não dava para se esquecer nunca de Ginny...
- Harry... Por que não me disse? Por que não comentou nada?
- É difícil comentar algo tão pessoal e tão... – moveu a mão de forma vaga, sem saber que palavra empregar ali – ...Com o irmão dela...
Hermione suavizou o semblante, tornando-se tão triste como o amigo. Entendia perfeitamente. Harry não suportaria fazer Ron se sentir mal pelo que passou e pelas decisões que eles tomaram. Se comentasse algo, teria que ser para ambos os melhores amigos, coisa que preferiu manter para si mesmo.
Harry ainda gostava dela...
- Poderia ter mudado a decoração... – sussurrou, focalizando a cortina que balançava suavemente com o vento.
- É importante pra mim...
E Hermione completou mentalmente a frase por ele, espremendo os lábios com impotência: "porque ainda gosto dela e sinto saudades do que tivemos um dia". Então sentiu raiva do mundo, da vida, de Oliver e principalmente de Ginny, por fazer alguém como Harry sofrer.
E cuspiu enraivecida, indignada e sentindo-se incapaz. - Enquanto ela largou tudo sem um pingo de importância... – então tampou a boca com medo, olhando para o corpo tenso do amigo, ao ouvir as palavras que escapuliram de sua boca no momento de revolta – Harry... Desculpa, não era isso... Não queria dizer...
- A verdade...? – ele sorriu com desgosto e mágoa – Ginny abandonou tudo sem arrependimento... Incluindo James e Albus...
- O que foi errado da parte dela – a revolta começava a voltar em Hermione.
Harry negou com a cabeça. – Não direi que ela estava certa ou errada... Apenas sei que aconteceu... – fez uma pausa, acariciando o tecido de algodão – E que a culpa é minha...
- Não! – Hermione agarrou as mãos do amigo negando com a cabeça – Não se culpe novamente Harry! A culpa nunca foi sua. Se alguém tem culpa nisso, esse alguém é Ginny e Oliver.
Harry permaneceu imóvel, sem fitá-la. – No dia em que Ginny encontrou com ele, eu estava no St. Mungus tratando de duas crianças que se acidentaram com algumas poções... Era justamente o dia em que eu decidi falar com o diretor e pedir férias para passar mais tempo com minha família – sorriu tristemente – Não tive coragem ao ver aquelas crianças precisando de ajuda... Pensei que talvez as férias poderiam esperar mais uma semana, pois ao contrário, meus pequenos pacientes pioravam conforme os minutos avançavam... – Hermione ia dizer algo, mas a deteve voltando a falar – Meu plantão havia acabado, porém fiquei três horas a mais, fazendo o que podia. Voltei pra casa duas da manhã.
- Ginny ficou uma fera. Posso até imaginar...
Harry voltou a negar com a cabeça. – Ela dormia cansada e nem acordou quando deitei ao lado dela e a beijei na testa para abraça-la. No dia seguinte ela nem tocou no assunto do horário em que voltei e nem nos outros dias... Havia vezes que eu voltava do serviço e ela ainda não havia chegado. Quando ela chegava seus sorrisos eram contagiantes e eu sorria junto com ela, feliz por vê-la assim, tão alegre. Depois eu soube que ela deixava James e Albus na casa dos senhores Weasley e ia se divertir com alguns amigos, entre eles estava o Oliver...
- Oh Harry... Sinto muito... – Hermione apertou a mão na sua, como forma de apoio e compreensão.
- Você não está entendendo Mione... – Harry finalmente a olhou nos olhos, tão desolado quanto poderia agüentar – Ginny nunca me traiu nesses dias, mas foi exatamente esses dias que eu a perdi para sempre... Enquanto eu estava longe trabalhando, Oliver estava perto a fazendo sorrir, enquanto meu amor era algo distante, o dele foi o que bastou para faze-la amá-lo... Bastou um único instante para que ela fosse embora... – suspirou, tentando dissipar o nó na garganta – A culpa foi minha...
- A culpa não foi sua, Harry... Aconteceu...
O moreno puxou a mão e se levantou, passando a caminhar de um lado ao outro frente à amiga.
- Fiquei desolado, perdido, rompido quando ela me disse que havia beijando a Oliver e que descobriu que o amava mais que tudo e não queria continuar o nosso... Que ele pediu que ela fosse com ele pra América... – parou de repente apertando a ponte do nariz entre os olhos no intuito de reter as lágrimas – Gritei com ela, tentei fazê-la enxergar o que pra mim era certo, estava desesperado em mantê-la ao meu lado, junto com as crianças... Cheguei a pensar em prende-la comigo para mostrar o quanto eu a amava, mas... – sua voz se quebrou. Ficou em silencio por alguns instantes antes de conseguir recuperar a fala – Então eu vi nos olhos dela...
Hermione tragou saliva, sentindo seus próprios olhos marejarem. – O que você viu? – sussurrou, sabendo que para Harry, desabafar depois de mais de um ano seria bom e ao mesmo tempo se negando a ouvi-lo tão triste.
Dolorosas lágrimas começaram a deslizar pela face de Harry, ignorando seus esforços de reprimi-las. Caminhou até a janela e apoiando com um braço no marco de madeira, levou a vista ao longe.
- Eu vi que mesmo estando na frente de seus olhos... Eu não existia... Que havia deixado de existir fazia tempo... – fechou os olhos sentindo aquela pontada aguda dentro do peito.
- Então você deu espaço e permitiu que ela partisse... Preferindo sua dor para que ao menos amizade restasse no coração de Ginny ao invés dela partir magoada e te odiando... – era fácil deduzir o que aconteceu depois. A batalha já estava perdida fazia tempo e Harry era nobre demais para seu próprio bem.
- Sinto-me prisioneiro dos meus próprios sentimentos, Mione... – a voz do amigo chegou baixa, quase apagada – Não consigo me livrar disso – seus dedos se agarraram na cortina e a apertaram com um misto de ódio e dor – É como se eu fosse jogar essas coisas, eu estaria jogando fora a felicidade que passei ao lado dela... Quando eu era completamente feliz...
Hermione apoiou as mãos no colo e suspirou vendo o corpo cansado do amigo. Deveria ser difícil voltar pra casa todos os dias para se deparar com o mundo em que viveu feliz com quem se ama e depois constatar que seu amor não estava mais ali. Agora entendia porque Harry nunca comparecia na Toca quando Ginny vinha visitá-los e ver os filhos.
Então seus pensamentos foram para certo loiro.
- Pelo menos ele colaborou para alguma coisa, depois de tanto tempo... – disse mais para si mesma.
Dessa vez Harry sorriu, sabendo a quem a amiga se referia. – Acha que superarei depois dessas férias?
- Está brincando? – Hermione foi de encontro ao amigo, lhe brindando um abraço apertado – Se você sobreviver esses meses vivendo com Draco Malfoy, você supera tudo!
E ambos riram, afastando as más recordações que tiveram durante a conversa.
- Hei Mione... – Harry se afastou um pouco para poder afagar o vasto cabelo da amiga – Hora de ir pra casa. Da pequena Rose o Ron ainda dá conta, mas o seu precioso Linus ainda está muito dependente da mamãe.
- Não precisa de minha ajuda?
- Para nada... – Harry voltou a sorrir – Acho que posso dar conta dessa tarefa.
- Ok. – Hermione se afastou e seguiu para a porta – A que horas vocês irão?
- Malfoy disse que buscará os meninos e as bagagens às oito e logo seguirei para lá depois de passar pelo St. Mungus.
Assim que Hermione deixou o apartamento e se viu só, Harry buscou as coisas sobre a cama, passando a ajeita-las dentro de um baú que levitou desde o armário. Depois que tudo esteve perfeitamente arrumado, caminhou para o quarto das crianças.
Albus dormia na cama próxima à porta enquanto James na que ficava encostada à parede debaixo da janela. O quarto estava iluminado por uma fraca esfera mágica, o que permitia vê-los sem forçar a vista.
Com cuidado cobriu o menor, passado a acariciar a cabeleira escura, vendo como algumas mechas da franja teimava em voltar ao rosto. Então se lembrou de Scorpius e no funeral de Hellenna Malfoy...
Havia chegado um pouco atrasado e com respeito se sentou numa das últimas cadeiras. Percorreu com os olhos o mausoléu, admirado pela beleza que resplandecia esse refúgio mortuário. Não era um lugar grande, mas era bem claro, com o piso e as paredes feito em mármore branco e o teto côncavo como o de uma catedral renascentista.
As cadeiras estavam dispostas em um círculo cujo centro se via uma espécie de altar onde jazia o corpo de Hellenna vestida de branco com adornos de pérolas entre flores silvestres. As mãos cruzadas ao peito seguravam um ramo de rosas brancas com o brasão dos Malfoy.
Ela parecia apenas adormecida...
Na primeira fila avistou a Malfoy, cabeça erguida. Mesmo não podendo ver seu rosto, intuía que essa firmeza que ele esbanjava era apenas uma máscara para encobrir o que sentia nesse momento, e se perguntou o motivo que levava os aristocratas demonstrarem tanta indiferença em público sendo que por dentro desmoronavam num mar de lágrimas não derramadas.
Então sentiu o peso de um olhar que o obrigou a desviar os olhos de Malfoy para se encontrar com a dona dessa mirada penetrante.
Narcissa estava sentada na primeira fila do outro lado do altar e o observava sem expressão. A matriarca ainda mantinha sua beleza e elegância, talvez com mais requinte pelo avançar da idade.
Inclinou levemente a cabeça como um distante cumprimento o qual foi respondido da mesma forma. Ela ainda manteve os olhos sobre si durante alguns instantes antes de desviar a mirada para seu filho.
Foi um funeral rápido, sem discursos. E quando a pequena orquestra situada ao fundo do mausoléu terminou de tocar um réquiem de despedida, viu como o altar se fechava ao redor do corpo, formando um esquife de prata com o formato da jovem mulher, como se um escultor a tivesse talhado com extrema perfeição.
Malfoy se ergueu e sobre o esquife depositou uma rosa vermelha, a única que diferenciava do restante das flores e passou a cumprimentar todos os presentes aceitando numa falsa amabilidade as condolências hipócritas.
Sabia que muitos dos presentes, incluindo familiares da jovem, nunca aceitaram de bom grado sua família, e via no olhar deles a animosidade e acusações, como se ele fosse o verdadeiro culpado da morte de sua esposa.
- Hellenna nunca deveria ter se casado com ele... – Harry chegou a ouvir um dos parentes sussurrar com desprezo e se sentiu mal.
Esperou que a maioria fosse embora para finalmente se levantar de sua cadeira e se aproximar do esquife, onde apoiou a mão sobre o coração da estátua.
- Descanse tranqüila... Cuidarei de teu filho como se fosse meu e ele saberá que você existiu e que o amou muito antes de concebe-lo... – confidenciou suavemente.
- Hellenna era uma moça brilhante... - Harry ergueu os olhos para se encontrar com a matriarca Malfoy, parada a seu lado e observando as flores que rodeavam o altar – Se você a tivesse conhecido nunca teriam se dado bem – Narcissa sorriu de lado ao notar a surpresa no rosto de Potter – Inteligente, porém arrogante... Bela e esnobe... Rígida, inflexível, tradicionalista e orgulhosa... Essa era Hellenna.
Harry retirou a mão do esquife sem saber o que dizer. Observou o formato do rosto da jovem mulher a tendo tão bela e meiga que se parecia muito com aquela vítima que rogava que salvasse a vida de seu bebê e nada se comparava às descrições de Narcissa Malfoy.
- Não se deixe enganar pelo rostinho de boneca... – havia percebido o que passava na mente de Potter – Ela amava meu filho e meu neto, isso é indiscutível, e sou grata por ela ter dado vida a Draco... Mulher de fibra que o ajudou a erguer o nome Malfoy da lama em que caiu... – ela olhou para o filho e sua expressão se suavizou por um milésimo de segundo antes de recobrar a costumeira indiferença – Lucius não poderia ter escolhido outra pessoa para ocupar o posto de futura matriarca ao lado do herdeiro Malfoy...
- Está me dizendo que... – Harry estava cada vez mais surpreso – Malfoy não escolheu ela como esposa?
Narcissa negou com a cabeça torcendo os lábios discretamente em desgosto. – Hellenna conquistou o posto por si própria. Como Draco não a enxergava e estava mais recluso que nunca, ela, muito inteligente e esperta, primeiramente conquistou ao patriarca Malfoy depois o filho... Ela mostrou a Lucius que ambos possuíam os mesmos ideais, os mesmos ensinamentos e que ela teria estrutura, firmeza e decisão para o posto de esposa do herdeiro Malfoy. E Lucius teve um forte apreço por ela, pois dividiam as mesmas opiniões em praticamente tudo. Ela se tornou para meu marido a filha que nunca teve e exatamente como ele sonhava, cheia de ambições e de grandeza, alguém com quem podia unir forças para conquistar os céus.
- Não bastava o filho? – Harry franziu o cenho.
- Oh não... – Narcissa sorriu ironicamente – Draco nunca foi tão materialista como Lucius e Hellenna... – e Harry pôde ver carinho refletindo no olhar azulado quando ela se referia ao filho – Draco é mais emotivo... Ele tentava obter aprovação de Lucius, carinho e orgulho paterno, apenas isso... Draco é como eu... É como os Black... – então o olhar azulado se focaram aos verdes, fazendo com que Harry se recordasse dos olhos de seu padrinho – Você já teve contato com um Black, sabe o que estou dizendo...
- Apenas tive contato com Sírius... – sussurrou, sentindo saudades.
- Nós Black seguimos um ideal, não importa se saímos lucrando ou não... Já os Malfoy procuram receber uma boa parcela naquilo que fazem. Não foi à toa que minha irmã Bella foi presa em Azkaban na primeira guerra enquanto meu marido se engenhou e se manteve livre, tendo a confiança do Ministério...
- Nem mesmo Voldemort possuía a lealdade de Lucius Malfoy... – Harry sorriu, entendendo porque o Lorde desconfiava muito do patriarca e nem se importou em livra-lo do cárcere.
- Ninguém tem a lealdade de um Malfoy, Draco não é exceção... Eles apenas são leais à família... Hellenna sabia disso e buscou essa lealdade conquistando o respeito e a admiração de todos os Malfoy – Narcissa apoiou uma delicada mão sobre o ombro esquerdo de Potter, o obrigando a olha-la nos olhos – Tem que conquistar tudo, para se ganhar entre eles...
Harry franziu o cenho sem compreender essa conversa. Ia abrir a boca para perguntar o motivo de tudo isso, quando Narcissa se afastou tomando seu costumeiro semblante indiferente, instante antes de Malfoy se aproximar.
- Irei agora... – ela avisou, retirando um fio invisível do terno negro que o filho vestia. Depois se virou elegantemente para o moreno o cumprimentando com um gesto elegante – Potter...
Harry só teve tempo de retribuir o gesto e a viu deixar o mausoléu em seguida.
- Posso saber sobre o que estavam conversando?
Harry olhou para Malfoy o descobrindo de semblante sério, olhar entrecerrado e fitando na direção em que a matriarca seguiu.
- Tratando-se da senhora Malfoy, acho que sobre algo importante e necessário – respondeu cuidadosamente, acrescentando interiormente – "Apesar de não ter muito em claro o motivo fundamental dessa conversa".
- É isso que me preocupa... - Harry quase sorriu, só não o fez por estarem ali e frente a frente com Malfoy – Poupe os pêsames Potter... Sei que sendo você quem é, suas palavras não são de todo superficiais, mas eu realmente estou cansado de ouvir isso durante todos esses dias, inclusive agora... – passou os dedos pelo cabelo de forma cansada – Só desejo tomar um banho, ver como está meu filho e dormir...
E para surpresa de si mesmo, notou que não se ofendera pelas palavras de Malfoy. Talvez pelo semblante triste e cansado, talvez pelo modo nada ofensivo que ele utilizou ou talvez por saber exatamente como era quando todos ficavam tocando no assunto, expressando sentimentos e hipocrisia... Havia passado por essa vontade louca de simplesmente se afastar de todos para tentar organizar as idéias e os sentimentos depois da perda de Sírius, e as pessoas e suas frases ensaiadas só incomodavam.
- Acho que já era para você estar descansando faz tempo. Diz a Scorpius que mandei um beijo...
E não foi o único a se surpreender por essa falta de moléstia por ambos os lados. Malfoy o olhava como se houvesse escutado mal. Sorriu um pouco dando uma leve palmada no braço do loiro, antes de deixar o terreno dos Malfoy.
Quando cruzava o jardim, avistou ao longe a figura de Scorpius sentado debaixo de uma árvore. A mesma árvore que tinha o balanço. O garoto estava cabisbaixo e riscava a terra com um galho seco. Vestia de cor preta, porém não participou do funeral, o que o aliviou. Aquele menino havia lhe mostrado um grau de emotividade tão delicada que se preocupou em machuca-lo caso visse a mãe ser sepultada.
Notou como Malfoy se aproximava dele e com um chamado o menino ergueu a cabeça para em seguida correr na direção do pai e segurar-lhe a mão oferecida e ambos adentrarem ao pátio.
Antes de sumirem de vista, o garotinho olhou para trás, para si.
Harry beijou a testa de Albus, depois foi cobrir a James. Quando afagava o cabelo do maior, este abriu os olhos e lhe sorriu.
- Como você está, pai?
- Bem... – Harry ergueu uma sobrancelha de modo desconfiado – Por que? Andou ouvindo algo?
James deu de ombros, sorrindo travesso. – Só perguntava... Aliás, amanhã iremos morar na casa do seu namorado e...
- James...
O garoto começou a rir. – Sabe pai, não é bonito estar esperando um bebê de um e ficar pensando em outra pessoa.
- JAMES! – dessa vez foi em tom de repreensão, o que o menino percebeu que estava passando dos limites.
James passou os dedos pela franja negra do pai, vendo como os olhos dele eram verdes. Seu pai havia explicado mais ou menos sobre como foi acabar grávido, e num ponto entendia. Não era tão pequeno como Albus.
Entendeu que a mãe do bebê estava muito doente e que ela pediu que ele fizesse o favor de ter um filho com o marido dela, já que ela não podia porque ia embora, ou foi algo do gênero, não prestava muita atenção para as explicações do pai. Isso significava que o pai não gostava do marido da mulher e que era apenas um favor. Só dizia aquelas coisas para enfadar ao papai.
Estava acordado quando a tia Hermione veio e sem querer ouviu a conversa que tiveram. Sentiu vontade de chorar também. Agora sabia que seu pai ainda amava sua mãe, mas esta não queria mais nada com eles.
- Eu estou contente que vamos nos mudar daqui – disse de repente.
- Ah sim? – Harry ficou surpreso – Eu estava preocupado em vocês não se adaptarem... Ou não quiserem sair daqui...
- Não gosto desse apartamento. Aqui é muito chato. Não tem jardim para brincar, nem espaço para voar de vassoura – James explicou, ainda brincando com as mechas da franja de seu pai – E lembra muito na mamãe...
- Você não gosta que lembre nela?
James torceu o nariz. – Não que eu não goste da mamãe, mas ela não mora mais aqui e já tem outra família. Queria morar numa casa que lembrasse mais a você, que agora cuida de nós como papai e mamãe ao mesmo tempo.
Harry sorriu, tocando nas sobrancelhas do filho, vendo como eram perfeitas. – Por que nunca me disse isso?
- Porque achei que não queria mudar nada que lembrasse a mamãe... E que ficaria triste se tivesse que sair daqui.
- Se eu soubesse disso antes, teríamos mudado de casa fazia tempo. Seria divertido jogar Quidditch no nosso próprio jardim.
James abriu um largo sorriso. – E aonde iremos amanhã tem espaço para jogar Quidditch?
Harry riu pela euforia do filho. – Creio que se dá para jogar perfeitamente Quidditch na sala de visitas, apesar de duvidar que o dono da casa vá deixar.
- Sério? – James se sentou na cama num salto, ainda mais interessado – Então o quintal é enorme?
- Ali é uma mansão e o terreno deve ser muito maior do que aparenta.
- E será que o dono nos deixará brincar?
- Certamente... Só peço que não atormente o filho dele. Está bem?
- Está bem... – Harry estreitou os olhos – Não posso prometer nada! – grunhiu, sabendo que seu pai esperava ouvir o famoso "eu prometo solenemente..." - Mas eu garanto que farei todo o possível para não usar nenhum Artigo Weasley várias vezes seguidas.
- Oh! Desisto... – Harry negou com a cabeça tentando camuflar o sorriso enquanto deitava o filho de volta na cama e o cobria.
Depois de ajeitar a coberta de James e beijar-lhe na testa, Harry pousou os olhos em Albus. Com o maior não precisava se preocupar, já com o menor...
Albus era calado, não dizia quase nada e muitas vezes tinha que adivinhar o que ele queria ou sentia. Sua preocupação agora estava voltada ao seu pequeno. Tinha medo que saindo do apartamento onde tudo ainda lhe lembrava Ginny fosse prejudicial ao garotinho. Já não bastava ter sido largado pela mãe quando ainda tinha quatro anos? Não queria que ele ficasse inseguro ou retraído. Ao mesmo tempo achava que Albus era indiferente com as coisas que pertenceram à mãe.
Resolveu arriscar e caso o menino não se adaptasse, daria um jeito de voltar para o apartamento e fazer com que Malfoy se desdobrasse em conciliar as horas entre o trabalho, sua mansão, seu filho e ali com eles.
Agora que pensava melhor, essa situação era tão irreal que não terminava por acreditar que estaria dentro de poucas horas, morando debaixo do mesmo teto que Draco Malfoy.
Essa noite não dormiu direito...
Draco terminava de dar as últimas ordens e via como os elfos domésticos mudavam a decoração de um dos quartos.
A parede em tonalidade cinza escuro com bordas em ouro envelhecido lhe pareceu muito sóbrio para abrigar crianças. Assim, as paredes agora apresentavam uma tonalidade azul celeste com motivos de nuvens beirando o teto. Os detalhes de gesso e as bordas das molduras que enfeitavam o quarto tornaram-se brancas.
- Não... – reprovou em voz alta, o que fez o pobre elfo tremer de medo e quase se jogar a seus pés pedindo perdão – É um garoto de sete anos, esses motivos ficaram muito infantis para a idade... Tente um azul mais escuro, sem motivos. As bordas e o gesso eu quero em marinho.
O elfo lançou sua magia e no instante seguinte estava como o ordenado.
- Perfeito... – olhou para a lareira – Ali eu quero que coloque alguns enfeites de Quidditch. E deixe uma parede vazia, para que ele possa colocar suas próprias fotos, posters ou o que queira.
- Sim amo, senhor – o elfo fez uma reverência antes de continuar com seu trabalho.
Quando deixou o quarto, encontrou-se com Narcissa, que apreciava a habitação do lado. Era um dos quartos mais amplos naquele andar e já estava arrumado para receber seu novo hóspede. As paredes eram simplesmente brancas e não possuía muitos móveis nem decoração.
- Não acha que está muito simples para que Potter a utilize? Tenho a impressão de que você está dando mais atenção aos quartos das crianças do que a este quarto em particular.
O quarto do filho mais novo de Potter ficava ao lado do quarto de Scorpius e já o havia arrumado, não se diferenciando muito do quarto do irmão, em tons azuis, porém mais claros e o teto encantado para no escuro brilhar motivos de animais.
Draco parou ao lado da mãe e observou uma vez mais ao quarto que pertenceria a Potter.
- Achei melhor deixar em tom neutro para que ele mesmo possa modificar o quarto ao seu gosto. Se fosse por mim eu tingiria as paredes de vermelho, por ele ter cursado a Casa dos Leões, porém, poderia também ser em tom dourado, ou um creme... – torceu os lábios – Não me decidia e talvez ele se sentiria insultado... – deu de ombros.
Narcissa prestava atenção ao semblante do filho e sorriu. Segurou-lhe pelo rosto para que a fitasse nos olhos. Ele crescera tanto que para mira-lo, tinha que inclinar a cabeça para trás e faze-lo abaixar a sua.
- Sei que seu bom gosto não tem como ofender a ninguém, mesmo que este alguém seja Harry Potter. Você apenas deixará que ele não se sinta tão visitante, e isso, na minha opinião, é ótimo... – Com um beijo no rosto do filho ela se despediu – Te conheço, Dragão...
- Boa noite, mãe... E dê boa noite ao papai, por mim... – ela apenas acenou com a mão, antes de desaparecer ao fundo do corredor.
Draco suspirou, passando a mão pelo cabelo e voltando a observar o quarto em branco. Era a segunda vez que fazia isso e não pôde evitar recordar-se da primeira vez.
- Draco. Temos que conversar.
Draco olhou para o pai, que apreciava o jardim através das janelas.
- Estou à disposição... – comentou indiferente.
- Gostaria que você desse uma oportunidade para Hellenna... Ela parece realmente gostar de você e possui estrutura e capacidade de ser a futura matriarca Malfoy... – fez uma pausa, ainda olhando para o jardim – Ela não se importa com nosso nome, nem em qual lado estivemos na guerra...
Draco apertou os lábios, incomodado. Não queria se envolver com ninguém. Não desejava formar uma família, não precisava carregar com mais responsabilidades e deixar tudo a perder, como sempre fizera na vida...
Como o filho não se pronunciava, Lucius voltou a falar.
- Conversei com sua mãe e ela acha que você precisa de alguém. Que está cada dia mais distante e se desse uma chance para que Hellenna te mostrasse que pode merecer o posto... – o mais velho franziu o cenho antes de completar – Bem, este é o ponto de vista de sua mãe... Muito emotivo na minha opinião...
Draco voltou a frisar os lábios. Nunca conseguia ser de seu jeito? Sempre teriam que impor em sua vida?
- Pedirei Hellenna em casamento se me responder com sinceridade... – dessa vez Lucius o fitou. Não era sempre que Draco o desafiava dessa forma, apesar de que depois da guerra e de tudo que o filho passou, ele estava mais evasivo e calado, e muitas vezes não lhe dava importância, o tratando com indiferença como se não existisse.
- E o que seria?
- Mamãe me contou que quando se casaram vocês não se amavam... – viu como o pai apertava a mandíbula, incomodado – Por parte dela, não amava ninguém e sim, com o tempo lhe teve sentimentos sinceros... – esperou que lhe contestasse, o que veio em forma de aceno de cabeça, muito lentamente, então prosseguiu – O senhor por outra parte, tinha "interesses" por alguém... Estou no correto?
- Aonde que chegar? – sua pergunta soou indiferente, mas Draco pôde ler em seus olhos uma moléstia crescente, o que o fez sorrir afetado.
- Valeu a pena deixar esse "interesse" para dar uma oportunidade porque minha mãe era perfeita para o posto de matriarca Malfoy? Conseguiu olvidar a pessoa que escolheu pela que era mais apropriada?
O olhar inquiridor, desafiante e quase cruel que Draco tinha, o levando muito longe do que se mostrava até então: distante, indiferente e aborrecido com a vida; fez com que Lucius lhe contestasse com a verdade, pois era um verdadeiro Malfoy assumindo seu posto como senhor confrontando o antigo líder, agora nitidamente débil e fraco demais para o cargo.
- Não...
Uma única palavra que expressava tudo o que queria ouvir e esclarecia o que era o óbvio. Draco sorriu satisfeito.
- Com isso, não preciso dizer-lhe que passarei a dominar os negócios familiares e que logo terá um herdeiro...
Draco esperou objeções, mas seu pai apenas fitava seu rosto sem realmente enxergá-lo, reconhecendo que não era mais o patriarca e que sua palavra nunca mais seria a última a imperar e se perguntando interiormente quando foi que seu filho deixou de apreciá-lo e admira-lo para vê-lo apenas como um vulto sem importância, ocupando um canto da casa.
- Sorte a minha que eu não esteja "interessado" em ninguém, não é? Assim poderei ter a capacidade de desenvolver sentimentos sinceros por Hellenna – sua voz destilava veneno, ironia e sarcasmo ao mesmo tempo. Lucius não precisava ser inteligente para saber que ele estava agredindo com as palavras.
Mas como era um Malfoy orgulhoso e desafiante, tivera o dever de contestar-lhe. – Seria a mais sábia escolha...
Draco voltou a sorrir, dessa vez com desprezo e uma pequena quantidade de alegria e orgulho dirigido ao mais velho, que buscava com afinco o que um dia havia sido. Talvez, só talvez, devesse recordar de sua infância e reconsiderar manter um milésimo de respeito por este homem... O amava, pois era seu pai, sangue do seu sangue, mas só amor não bastava para trazer respeito e admiração para com alguém que lhe decepcionara tanto...
Como havia dito, pediu Hellenna em casamento naquela mesma noite e viu como um sorriso diplomático tomava seus lábios cheios de mulher, mas seus olhos brilhavam de felicidade.
Hellenna não quis um casamento suntuoso, se contentando com uma reunião de amigos e parentes para terminarem num jantar familiar.
A primeira impressão que teve, foi a de uma mulher delicada, bela e atraente, mas com o tempo, viu que não era apenas um rostinho bonito e que sua astúcia e perspicácia eram dignas de um Malfoy, como bem descrevera seu pai.
Passou a entender o que havia visto Lucius nessa pequena e frágil criatura: um suporte para não afundarem na lama e, mesmo que isso o revoltava profundamente, alguém que tomaria conta de si... Alguém que manteria a mente perturbada do herdeiro Malfoy consciente para arcar com todas as responsabilidades...
E foi nessa hora que também enxergou que mesmo depois de tudo - da guerra, do sofrimento, da tragédia - seu querido pai ainda não acreditava em sua capacidade.
Não ficou triste nem magoado, na realidade não sentiu nada. E era esse nada que incomodava sobremaneira a Lucius.
Após o casamento, Hellenna foi morar na mansão que agora seria sua por direito. Draco fizera questão de deixa-la escolher o lado da casa que habitariam, em qual quarto dormiriam, que cor desejava que fossem as paredes e os móveis...
E tudo partiu exatamente dali. Um quarto amplo, de paredes brancas, poucos móveis e nenhum adorno... O primeiro passo para sua nova etapa de vida...
Com um suspiro ressentido, Draco não pôde deixar de sentir a mesma coisa. Que a partir das paredes brancas daquele quarto, sua vida tomava um rumo distinto ao que foi até então.
Realmente passou a ter sentimentos verdadeiros por Hellenna, tal qual sua mãe por seu pai. Sentia falta dela e essa falta estava corroendo-lhe por dentro nesse exato momento.
Apoiou o braço no marco da porta e escondeu o rosto na curvatura que formava o cotovelo.
Como odiava passar por isso... Seus olhos pinicando, as lágrimas querendo sair...
Já havia chorado várias vezes na vida, e antes do funeral de sua esposa, derramou generosas lágrimas por ela. Foram lágrimas silenciosas e indesejadas, porém elas estavam ali, para banhar o túmulo de quem foi sua esposa, sua amiga, sua mão direita, seu suporte...
- Papai...
Draco se sobressaltou imperceptivelmente e respirou fundo para dissimular seu sofrimento antes de girar o corpo e encarar a pequena figura parada a alguns metros de si e sorriu com carinho.
- Diga querido... Por que não foi dormir ainda? - Scorpius inclinou levemente a cabeça para o lado direito e o observou por um momento antes de negar – Veio pedir para que eu lhe cubra para dormir? – dessa vez o acento foi de sim, timidamente.
Depois do falecimento da esposa, Scorpius passou a ignorar a pobre ama e exigiu a seu modo discreto e inseguro, que seu pai o colocasse para dormir. Draco não culpava o menino por isso, visto que quem o trocava e o cobria todas as noites eram Hellenna.
Ali, Scorpius já estava de pijama e deduziu que a velha Ann tivera de fazer um tremendo esforço para conseguir essa façanha. Abraçava seu dragão de pelúcia e o esperava comportado para que se decidisse.
Como negar? Ambos se precisavam mutuamente para superar e preencher esse vazio que ficou, enchendo esses espaços que pertenciam a Hellenna e suas tarefas rotineiras de mãe e esposa.
Estendeu a mão para o filho e a tristeza que o dominava suavizou consideravelmente ao sentir a pequenina mão segurando com firmeza a sua enquanto caminhavam para o quarto.
Ia entrar, quando sentiu que Scorpius parou na porta, olhando com apreensão a cama e seus incontáveis bichos de pelúcia.
- Qual o problema, filho? – perguntou suavemente.
- Eu... Eu posso dormir com você papai? Por favor... – e os grandes e prateados olhos do menino cravaram aos seus, idênticos, tão desolados e temendo passar mais uma noite ali sozinho, que tivera de ceder.
- Claro...
Mais animado Scorpius o seguiu para seu quarto. Nunca mais dormiu em seu aposento matrimonial, achando uma tortura entrar ali. Acabou por se mudar para um quarto mais próximo do filho.
O cômodo não era tão maior que os dedicados aos hóspedes. De fato era bem menor que o quarto que havia reservado para Potter, mas no momento não considerava estranho o anfitrião da casa dormir em um lugar menor que um visitante. Tudo para não precisar ver os objetos pessoais de Hellenna.
- Já escovou os dentes?
Scorpius fez que sim e estendeu os braços para que o colocasse sobre a cama. Assim que estava nela se enfiou debaixo das cobertas ainda abraçado ao seu dragão.
Draco por sua vez foi para o banheiro e se deu uma ducha, afogou a tristeza junto com a água que caía do chuveiro e depois de quinze minutos estava listo para dormir com um pijama de seda negro.
Quando chegou ao lado da cama notou que o filho ainda estava acordado, os olhos abertos e observando os cantos escuros cuja luminosidade das velas não alcançavam. Ainda parecia amedrontado com algo, talvez pela morte tão repentina da mãe.
Suspirou. Era apenas uma criança de cinco anos...
Deitou sob as cobertas e assim que Scorpius sentiu sua presença, o pequeno corpinho se encolheu de encontro ao seu se fazendo uma bolinha e parecendo ainda mais menor do que já era.
- Tranqüilo Escorpião... – murmurou afagando o cabelo do menino, assim como sua mãe sempre fizera consigo para acalmá-lo e como o esperado, depois de um tempo relativamente curto, o filho já dormia.
Prolongou a carícia por mais alguns minutos antes de cerrar os olhos e aos poucos também cair dormindo, afinal, amanhã teria que acordar cedo e seria um longo e indecifrável dia...
James amanheceu animado o dia seguinte, e como era de costume estava de pé antes de Harry adentrar o quarto, já pronto para o café da manhã.
Por outro lado, Albus ainda dormia quase sumido entre os travesseiros e a coberta. O menor não gostava de acordar cedo e preferia prolongar as horas de sono.
Ao pousar os olhos nesse pequeno monte que ocupava a cabeceira da cama, Harry sentiu aquela conhecida pena de ter que acorda-lo. A maioria das vezes deixava o menor dormir até as nove da manhã, mas quando tinham compromisso, como hoje, não podia.
Com cuidado o carregou, lhe chamando suavemente e sorriu quando Albus fez uma careta de desagrado enrugando o narizinho e enfiou o rosto de encontro a seu peito.
Enquanto se ocupava do menor, James saiu do quarto e foi para a cozinha.
Como já tinha sete anos, tratou de ajudar o pai arrumando a mesa. O chá e o leite já estavam prontos, o que só precisou ir até a geladeira para pegar o suco. No balcão ao lado da pia havia um pacote de papel contendo as deliciosas baguetes de frango que o pai raramente comprava para o café da manhã que se resumia em cereal. As retirou do pacote e as serviu em uma travessa colocando no lugar de sempre. Quando estava preparando seu leite achocolatado que Harry entrou na cozinha puxando pela mão um ainda muito sonolento Albus Severus já trocado e penteado.
Albus sentou em sua cadeira preferida e observou ansioso como James cortava um pedaço da baguete, mesmo estando morrendo de sono. O irmão percebeu e rolando os olhos e reclamando um "pentelho mimado" em voz baixa, deu o pedaço ao mais novo para em seguida cortar um para si mesmo.
Harry, que preparava o leite do menor, não evitou sorrir. – Creio que a culpa é sua por deixa-lo mimado... – comentou casualmente.
James ficou indignado. – Não seria culpa do nosso pai, por ele ser o caçula?
- Hum... – Harry se fez de pensativo por um momento, o que irritava ainda mais o filho – Acho que não, afinal, o pai de vocês apenas faz o que se deve fazer e na hora que se tem que fazer conforme o que os filhos, na idade que possuem, precisem. Mas pelo que eu vejo, você, que não precisa fazer isso, coloca em primeiro lugar os desejos do seu irmão acima dos próprios... – observou os olhos castanhos esverdeados de James e sua careta de desagrado pelo que ouvia – Isso se chama mimar.
O garoto bem que tentou retrucar, mas nada vinha em mente. Abriu e fechou a boca várias vezes, mas não saía nada.
- Jey... Eu quero queijo com goiabada... – James fitou o irmão, estreitando os olhos. Albus terminava de comer o pedaço servido e o olhava esperançoso – Jey...
Harry preparava chá e torradas para comer e fingia não prestar atenção, mas logo voltou a sorrir quando o filho mais velho, suspirando resignado e torcendo a boca em desagrado, atendia o pedido do irmão colocando sobre a fatia de queijo, que sempre deixava previamente cortado, uma generosa porção de doce de goiaba feita pela senhora Molly.
Depois do café da manhã, Harry deixou os filhos na sala brincando com um quebra-cabeça enquanto conferia as bagagens e as transportava para perto da entrada.
Estava realmente nervoso, sem saber como seria dali em diante. Olhava para os filhos e se perguntava se ficariam bem, olhava para o apartamento e se questionava se havia feito a escolha certa.
E se maldisse novamente por ser tão impulsivo.
Nesse momento a lareira se acendeu e dela saiu Luna Lovegood, nada pontual, como sempre.
- Olá Harry – ela saudou, com o mesmo ar disperso.
- Oi Luna. Já estava ficando preocupado. Achei que não podia vir.
- Mas eu havia lhe dito que acompanharia os meninos pra você... – ela pousou uma mirada estranhamente superficial sobre os garotos – E não os deixaria na mão...
- Agradeço esse imenso favor. Não queria que eles ficassem sozinhos num ambiente desconhecido enquanto estarei no St. Mungus – Harry sorriu um pouco, se sentindo mais seguro estando Luna junto com seus filhos.
- Pensei que hoje não fosse trabalhar... – dessa vez ela mirava um ponto qualquer sobre as cabeças das crianças.
- E não irei, mas preciso me consultar.
- Oh Harry! Não sabia que estava doente... – com lentidão segurou ambas as mãos do amigo, como forma de apoio – Mas se recuperará logo... – depois de uma pausa estranha, na opinião de Harry, pois ela parecia querer continuar a frase, ela acrescentou – Sabe, dizem que é extremamente raro uma gestação masculina e que para se ter sucesso os parceiros precisam consumar o ato várias vezes seguidas em posições especiais descrita no Kama Sutra...
- Quê? – quase berrou, completamente corado.
- Dizem que se assemelham aos...
E Mérlin bendito mandou seu apoio fazendo o interfone soar. Harry deu graças por não ter que ouvir a comparação do que ela acabava de dizer com algum animal raro.
- Com licença – se escusou rapidamente indo atender e quase agradeceu a Malfoy ao ouvi-lo do outro lado da linha e ignorando o estranho dele estar chamando pela parte muggle ao invés da parte bruxa.
Malfoy se afastou do interfone e enquanto esperava passou a vista pelo prédio. Não era de se reclamar, apesar de não chegar à altura de um Malfoy. Para isso o condomínio faltava no mínimo duas estrelas.
Seus olhos logo se desviaram da arquitetura para se focarem discretamente em duas moças que estavam sentadas num banco do parque situado do outro lado da rua. Não era um parque grande, mas era bem arborizado e bonito. Elas o observavam e sorriam entre si cochichando o quão lindo que se via.
Bufou para seu interior negando com a cabeça. Em se tratando de comportamento pessoal, o mundo muggle não diferenciava tanto do mundo bruxo.
Franziu o cenho ao notar um tipo estranho vestido com roupas negras colada ao corpo, excessos de adornos pelo pescoço, pulsos e dedos, tintura contornando os olhos e andar afeminado. Até os próprios muggles o olhavam com repulsa e discriminação.
O rapaz, que não era nada feio, logo o notou e como o olhava, começou a se aproximar com um sorriso insinuante, o que o fez erguer uma delineada sobrancelha.
- Eeee... Malfoy... Espero que não esteja querendo flertar com ele justo agora.
Draco desviou a vista do rapaz para encarar a Potter que vinha de mãos dadas com os filhos e estava literalmente surpreso e envergonhado.
- Do que está falando? Eu não jogo pra esse lado Potter.
- Do jeito que estava encarando o rapaz, não pareceu... – pensou consigo em voz alta.
O mencionado havia parado de se acercar enquanto o loiro lhe deu as costas para conversar com o moreno, mas se manteve por perto, indeciso em se aproximar ou ir embora, afinal, era um loiro daqueles que não se achava dando sopa por aí.
- Achei meio estranho o modo em que está vestido e a forma de andar muito espalhafatosa – voltou a franzir o cenho – E tentava entender porque os próprios muggles o olhavam com tanta adversidade.
Harry abriu a boca ao perceber. Então Malfoy não era Bi, ele simplesmente fazia o que dava na telha e por pouco não correu o risco de ser assediado pelo pobre rapaz, totalmente iludido pelo olhar detalhista do loiro.
Não agüentou e começou a rir. Agora se arrependia de ter atrapalhado, pois seria interessante ver ao arrogante Slytherin se safar dessa enrascada.
Draco se molestou visivelmente com suas risadas. – Do que está rindo, Potter?
- Seria uma cena interessante...
Malfoy parecia se irritar pior, mas passou a ignora-lo chamando um homem de meia-idade que aguardava ordens perto de um carro.
- Ele é meu motorista e levará as crianças e as bagagens até a mansão.
- Aliás... – Harry observou desconfiado ao homem – Por que está no lado muggle?
- Não podemos mais utilizar a rede flú nem trasladores em toda Wiltshare devido aos atentados. Como é uma região nobre, o Ministério achou melhor proibir. As comunicações serão feitas somente por corujas e o transporte por meios muggles.
- Entendo...
Harry ficou sério. Esses atentados realmente eram perigosos, não para a classe mais simples, mas para os poderosos. Mordeu o lábio inferior com certo receio ao se dar conta que Malfoy pertencia aos que poderiam ser uma das vítimas.
- Não se preocupe – Potter o olhou um pouco desconcertado, mas logo percebeu que sua expressão havia sido transparente – Não acontecerá nada com seus filhos, pois ali também se encontra o meu, por se acaso desconfia de mim e acha que eu deixaria de menos o que acontecesse com eles.
Era nítido que atrás da voz casual, havia um quê de ofendido.
- Desculpe, não foi minha intenção insinuar algo desse tipo. Somos pais e nosso lado protetor às vezes fala mais alto.
Malfoy concordou com a cabeça. Entendia perfeitamente esse instinto e lá no fundo agradecia não ter nascido insensível como seu próprio pai. Amava tanto a Scorpius que se algo acontecesse com ele, não sabia o que faria, como reagiria...
- Oh! – Harry se sobressaltou ao recordar – Que falta de educação a minha... – puxou para frente de Malfoy seu filho maior – Este é James... – depois de se cumprimentarem formalmente fez o mesmo com o menor – E este é Albus Severus...
Draco observou com interesse o garoto que levava o nome de seu padrinho. James tinha o cabelo ruivo escuro e olhos castanhos esverdeado. Já Albus tinha o cabelo de um marrom avermelhado bem escuro e os olhos verdes como os de Potter. Passou os dedos pela franja do menino antes de desviar os olhos para a figura calada que estava atrás do moreno.
- E esta é sua esposa? – estranhou não encontrar ali a ruiva caçula dos Weasley.
Antes que Harry pudesse contestar, a loira estendeu a mão e estreitou a de Malfoy. – Luna Lovegood... Não sou esposa do Harry, ele está disponível por enquanto. Divorciou-se faz um ano de Ginevra...
- É mesmo? - Malfoy ergueu uma sobrancelha enquanto Harry corava inevitavelmente, mais por nervosismo que por vergonha. Eram informações que não pensava dizer para o loiro.
- Luna ficará com os meninos em minha ausência para que não se sintam tão coibidos num lugar estranho então, que tal irem andando? Está ficando tarde e não quero chegar atrasado na consulta. – se abaixou para falar com os filhos – Papai logo estará com vocês, está bem? – ambos concordaram - Quero que se comportem – novos assentimentos.
O chofer abriu a porta do carro e ajudou colocar as crianças, depois Luna quem levava as bagagens encolhidas dentro da bolsa entrou no lado do passageiro para então fechar a porta e entrar no lado do motorista e partir.
Harry franziu o cenho vendo como Malfoy estava parado ao seu lado com as mãos nos bolsos da calça e o quadril inclinado levemente para a direita numa pose bem elegante.
- Vamos... – Draco caminhou para uma Ferrari prata conversível e abriu a porta do passageiro cavalheiramente. Harry não se moveu, olhava ao carro ainda mais abismado o que fez com que sorrisse afetado – Vamos Potter!
Harry se assustou um pouco, saindo do estupor daquela cena tão estranha. – Malfoy... Que?
- Acha que não iria à primeira consulta oficial do meu filho te largando para ir sozinho?
Dessa vez Harry reagiu, mais por instinto que por vontade própria. Caminhou até o carro e se sentou no banco de couro. Ainda parecia incrédulo.
Esperou que Malfoy entrasse atrás do volante e desse a partida para finalmente falar.
- Desde quando dirige? – era irreal, como se estivesse em um mundo paralelo. Desde quando a pessoa que mais se gabava por ser sangue-puro passou a se envolver com muggles? Usando criações muggles, por Merlin!
- Desde os dezesseis, é um dos requisitos por ser parte Black.
Então o rosto de Malfoy ficou tão próximo ao seu que o fez reter a respiração pelo susto e pelos olhos prateados a poucos centímetros do seu. Seu corpo se retesou ao contato do peito do loiro contra seu braço.
Não durou muito, apenas um ou dois segundos e logo Malfoy já havia afastado para prestar atenção na avenida. Sentiu algo pressionando de leve seu peito e notou enfim que era uma cinta preta transversal. Malfoy havia agido dessa forma para colocar-lhe o cinto-de-segurança. Isso lhe fez enfadar-se consigo mesmo e em como havia reagido.
Eram reações espontâneas e julgou ser por não estar muito familiarizado com toques e contatos liberais pela falta de convivência com as pessoas. Ultimamente vivia muito tempo no serviço e só tinha tempo para os filhos e os amigos mais próximos, como a família Weasley.
- Poderia ter me lembrado. Não sou uma criança que não sabe colocar sozinho... – resmungou de mal-humor.
Malfoy não respondeu, apenas ladeou um sorriso antes de pegar a avenida principal. Sabia que iria enfada-lo e isso lhe era mais interessante que passarem todo caminho calados e se ignorando mutuamente. Precisava esquecer-se de Hellenna ou não teria cabeça para mais nada.
Depois de um tempo em silêncio, visto que Harry ainda estava mal-humorado, o moreno passou a pensar em outra coisa.
Malfoy havia dito que aprendera a dirigir porque era parte Black. E Sírius dirigia uma moto... Uma moto voadora...
E a curiosidade falou mais alto que o enfado.
- Malfoy... Esse carro voa?
Draco voltou a sorrir de lado, lançando um olhar de esguelha a seu acompanhante. Estavam em uma estrada pouco movimentada.
- Como acha que chegaremos em St. Mungus em tão pouco tempo?
Assim que pronunciou a última palavra, mudou a marcha e pisou fundo no acelerador tomando uma velocidade pouco prudente para um muggle. O carro praticamente voava no asfalto deserto e isso aconteceu literalmente, pois dentro de uns instantes que Harry pôde sentir perfeitamente por ser um dos melhores voando, os pneus não tocavam mais o chão e gradativamente tomavam altitude. Sentiu também que um feitiço os envolvia, certamente de invisibilidade.
Uma cosquinha começou a se formar no estômago de Harry o que o levou a sorrir abertamente enquanto o vento batia de encontro a seu rosto e sacudia seu cabelo. Olhou a paisagem dali de cima e achou simplesmente lindo. Pensou que se fosse à noite seria ainda mais perfeito.
Não era como se sentir livre igual estando voando em uma vassoura, mas era agradável e cômodo ao mesmo tempo. Podia relaxar o corpo e recostar a cabeça no banco do carro se quisesse. Não precisava manter o equilíbrio todo o tempo.
Fechou os olhos jogando a cabeça para trás enquanto o vento brincava com as mechas de sua franja, deixando seu cabelo ainda mais rebelde e aproveitou a sensação.
Draco sorriu um pouco, sem ser um sorriso afetado ou arrogante. Potter realmente preferia o céu que a terra e se perguntava como o moreno foi nascer sem asas. Também apreciava voar... Passava horas e horas voando quando era criança, ou quando aconteciam coisas que queria esquecer-se momentaneamente. Voar sempre ajudava...
Depois da guerra nunca mais fez isso. Sempre ficava em seu quarto, ou na biblioteca vendo o tempo passar ou lendo um livro escolhido a esmo e achou que talvez devesse voltar aos seus antigos costumes... Talvez se tivesse voado durante alguns minutos depois do enterro de Hellenna, não tivesse se derrubado como havia acontecido, longe dos olhos de todos, inclusive de Scorpius...
Esses pensamentos lhe incomodaram.
- Sírius tinha uma moto voadora...
Seus pensamentos se dissolveram pela repentina conversa. Olhou para Potter, para encontra-lo da mesma forma, cabeça caída para trás, olhos cerrados e o vento desgarrando os fios longos da coleta que os prendiam.
- Severus comentou algo, uma vez...
- Severus?
- Algo como: ele adorava se exibir como o rebelde arrasador de corações em sua ridícula moto voadora.
Ambos riram, recordando dos dois homens que ocuparam um lugar importante em suas vidas.
Depois de um reflexivo silêncio, cada qual com suas próprias lembranças, Harry voltou a falar.
- Lamento pelo que aconteceu com seu padrinho, Malfoy... Principalmente como teve que acontecer...
Draco apertou o volante ao ouvi-lo. – Eu também... – sussurrou, e lá no fundo desejava poder tê-lo frente a frente mais uma vez e pedir sinceras desculpas... Necessitava esse perdão em sua vida e sabia, para seu pesar, que nunca teria.
Harry mordeu o lábio inferior, dessa vez abriu os olhos e fitou o céu azul e as nuvens brancas como algodão que os rodeavam. Compreendia como Malfoy sentia, afinal, passara pela mesma coisa.
- Sírius morreu por minha culpa e isso ainda dói...
Malfoy voltou a olha-lo, vendo como seus olhos verdes fitavam o nada, talvez perdido em algo lá dentro do coração e que ainda sangrava. Entendeu que aquela frase na realidade significava outra coisa...
"Sei o que é carregar essa culpa e nunca poder se redimir dela, pedir perdão e se perdoar... Te entendo como entendo o que sinto e ninguém que não tenha passado pelo mesmo, poderá entender...".
Não sabia se foram as palavras de Potter, ou o significado delas, ou por saber que havia alguém que se sentia como sentia, mas aquele peso havia diminuído como se pudesse voltar a respirar.
A culpa ainda estava lá, mas não tão opressiva...
O restante do caminho eles permaneceram em silencio.
Assim que chegaram ao St. Mungus, Harry notou que todas as miradas eram dirigidas a eles. Todas, sem exceção. E isso lhe incomodava mais que o necessário.
Tentou ignorar, mas não teve muito sucesso quando Malfoy fez questão de acompanha-lo até a sala de espera e sentar a seu lado, como se nada.
Havia uma quantidade razoável de pacientes esperando, o que o deixou ainda mais incomodado, pois a maioria o conhecia por também ser um medimago e trabalhar ali. Tivera de cumprimentar um par de gentes no processo.
Todos faziam as mesmas perguntas: Por que Draco Malfoy estava junto de Harry Potter? E por que Harry Potter estava esperando uma consulta?
Harry se fez de indiferente. Sabia que não era para esperar naquela sala, pois os pacientes dali passariam com medimagos da área de enfermidades generalizadas, mas não queria ser visto entrando da sala de espera da maternidade com Malfoy lhe seguindo os calcanhares.
Também sabia que seria infantil da sua parte, mas preferia despistar o loiro e entrar discretamente na área correta, pois ser o centro das atenções nunca lhe caiu bem.
Então viu como em câmera lenta a atendente Cindy Gordinha, uma das mais simpáticas e escandalosas do hospital e que todos amavam, desde pacientes a funcionários, lhe avistar desde o fim do corredor.
- Oh droga... – grunhiu, fazendo Draco entrar em alerta e lançar discretos olhares ao redor.
- Doutor Potter! – ela acenou com um caloroso sorriso que nunca poderiam deixar de retribuir, e foi o que fez, lhe sorrindo de volta – Sua consulta será na ala norte da maternidade, doutor! Não pode esperar aqui ou nunca será chamado! – ela vinha falando enquanto se aproximava, com seu jeito descontraído e voz suave e alegre. Assim que parou frente a ambos, pôs as mãos na cintura como se estivesse o repreendendo de forma maternal.
Todos exclamaram assombrados e os cochichos logo foram gerais. Harry sentia seu rosto queimar e não precisava se ver em um espelho para saber que estava mais vermelho que o cabelo de Ron. Até mesmo Malfoy acabou tendo nas bochechas um indiscreto tom rosado.
- O-oh... – ela tampou a boca, percebendo seu erro – Desculpe, não achei que fosse um segredo...
Harry suspirou. Como sentir raiva de alguém como Cindy? Tão divertida, alegre e talvez a única que conseguia levantar o astral de qualquer um naquele inferno de hospital. St. Mungus seria tão mais sombrio se não fosse por pessoas como Cindy...
- Tudo bem, eles iam saber de uma forma ou de outra... – deu de ombros e se levantou para ir à ala norte ainda com a cara ardendo.
Mas havia alguém que era capaz de sentir raiva e rancor de Cindy...
Draco Malfoy a fulminou com uma mirada tão mortal que se olhar matasse, ela teria sido desintegrada naquele instante.
Depois de ameaça-la de uma morte muito dolorosa apenas com as pupilas, o loiro acompanhou a Potter até a dita ala Maternidade baixo os olhares surpresos e curiosos das pessoas.
Harry se sentou numa das cadeiras e ignorou redondamente os casais que sentados juntos estavam de mãos entrelaçadas aguardando a consulta.
- Vou por um pouco de café. Você quer?
Harry ergueu os olhos para Malfoy e notou que suas bochechas ainda estavam levemente coradas. Sorriu para si mesmo alegre por não estar passando por isso sozinho.
- Gostaria de um chá...
O loiro apenas concordou e foi ao fim do corredor, onde havia as bebidas.
Ninguém comentou nada, mas estavam claramente assombrados com a amabilidade com que se tratavam.
Depois de um tempo Draco regressou com dois copos. Um deu a Harry quem agradeceu baixinho. Sentou ao lado do moreno e passou a bebericar seu café.
Harry não fez o mesmo. Segurava o copo com ambas as mãos e com a cabeça apoiada na parede fitava o teto.
Viera ali inúmeras vezes, tanto na gestação de James como na de Albus e agora retornava àquela ala, não como acompanhante, mas como paciente...
O medimago chamou o próximo da lista e eles deixaram a sala de espera entrando por uma porta. Draco reparou que o lugar agora vazio era um sofá de estofado macio e não como os bancos coletivos próprios de consultórios, onde estavam.
- Aqui não está incômodo pra você? Não prefere se sentar ali?
Harry inclinou a cabeça para o lado, sem desapoia-la da parede e fitou o lugar que o loiro indicava. Sorriu.
Agora entendia como Ginny lhe repreendia dizendo que não se tornou de cristal só por estar grávida. Fazia exatamente o mesmo que Malfoy estava fazendo consigo, achando que tudo tinha que estar confortável, tranqüilo, espaçoso...
Merlin! Isso por estar ainda no primeiro mês! Nem sentia o bebê!
- Aqui está bom...
- Certeza? – o loiro o olhou duvidoso.
- Malfoy... – respirou fundo colocando os olhos em branco – Nem passou o primeiro mês! E somando que sou homem, meu corpo não é delicado como o de uma mulher.
Draco também colocou os olhos em branco, torcendo os lábios numa careta de desagrado. Agora que pensava dessa forma, era completamente repulsivo.
Não conseguia imaginar um corpo masculino gerando uma barriga. O que vinha em mente eram aqueles balofos nojentos apoiados na mesa de uma espelunca imunda e fedendo a wisky barato.
Lembrava claramente de sua esposa em seu sétimo mês de gestação. Ela ficava linda mesmo com a curvatura enorme de seu estômago. A barriga proeminente parecia ser tão natural em suas curvas que era impossível não acha-la adorável...
- Hellenna parecia que ia desfalecer quando estava grávida... Eu ficava preocupado pelo simples fato dela andar ou pegar um livro de capa dura. As cantoneiras pareciam querer feri-la quando apoiava na barriga...
Harry bebeu um pouco do chá antes de voltar a sorrir.
- Eu também ficava preocupado quando Ginny estava grávida. E quando íamos visitar os Weasley e ela tinha que subir as escadas... – negou com a cabeça recordando o pavor que sentia só de imaginar ela pisando em falso e rolando escada abaixo – Ginny ficava uma fera e me repreendia dizendo que não precisava que eu a acompanhasse por todas as partes colado em seus passos – dessa vez soou levemente entristecido, sentindo falta daqueles dias.
- Hellenna também dizia a mesma coisa e acrescentava que eu acabava sendo um estorvo...
- Ginny também dizia isso...
Ficaram em silencio novamente, se recordando.
Enquanto Harry terminava seu chá, Draco aproveitou para observa-lo discretamente. Não se via nada de anormal, mas tinha certeza que seria completamente horrível vê-lo com aquela barriga enorme. Bem, ele não tinha uma fisionomia feia, mas deveria ser muito estranho... Aterrador...
- Não consigo imaginar... – comentou, desviando os olhos para a parede branca do outro lado do corredor.
- Imaginar? – Harry tentou compreender.
- Você sabe... – revirou o copo nos dedos, tentando disfarçar o incômodo.
- Hn? – Harry ladeou a cabeça para olha-lo melhor.
- Você com... – fez um gesto torpe com as mãos que não significaram nada para o moreno, quem ainda o fitava sem entender – Daqui a alguns meses... – e seus olhos prateados desceram para pousarem sobre a barriga plana de Potter.
Harry arregalou os olhos e abriu a boca de forma cômica ao compreender. Malfoy estava tentando imagina-lo...
Ruborizou-se ao mesmo tempo em que desencostava da parede e apoiava os cotovelos nos joelhos, ficando encurvado para frente e tampando da vista do loiro aquela parte de seu corpo.
- Eu não cheguei a pensar nisso... – disse de modo brusco.
Nunca chegou a pensar nesse pequeno detalhe e agora que Malfoy tocou no assunto se sentia... Como dizer? Completamente constrangido, amedrontado e estranho.
Seu corpo ia sofrer uma mutação e estava até agora sem levar isso em consideração! Tinha que conversar com Hermione ao respeito, mesmo que morresse de vergonha no processo.
E por que tinha que ser justo Malfoy a pessoa que o veria em estágio de incubação e metamorfose?
- Você é medimago, pensei que já tivesse visto casos como este... – o loiro comentou casualmente.
- Não sou dessa área, Malfoy... – soou mais irritado do que pretendia.
- Mas não é comum disso acontecer?
- Nem tanto, ou quase nunca... – grunhiu, se sentindo mal em falar de algo que logo estaria passando na pele – Eles não ficam andando por todo St. Mungus para serem vistos...
Draco enrugou o nariz. – Sabia, deve ser horroroso...
Harry apertou os lábios tomando isso como uma ofensa. Levantou e caminhou até a mesa de bebidas se perguntando se também ficaria horroroso daqui a alguns meses.
- Provavelmente... – disse para si mesmo, voltando a encher seu copo com chá quente.
Depois de uns quinze minutos Potter não voltou a sentar e Draco estava sopesando a idéia de ir até ele, no final do corredor entre as bebidas, e arrasta-lo de volta à cadeira.
Viu como o moreno passou a andar de um lado a outro e isso começou a irritá-lo.
- Potter... – chamou, conseguindo a atenção daqueles olhos verdes e dos poucos pacientes que ainda esperavam ser atendidos.
Harry entrecerrou os olhos querendo ignora-lo, mas notou o gesto da mão de Malfoy, indicando a cadeira do lado da sua onde outrora estava sentado como uma ordem muda. Apertou os lábios e dessa vez sim, o ignorou redondamente passando a andar de um lado a outro.
Draco suspirou. Isso poderia fazer mal ao bebê...
Levantou discretamente e a passos silenciosos se aproximou do moreno o encurralando contra a parede para que ficasse quieto.
As pessoas, que acompanhavam a todos os movimentos dos dois, suspiraram de antecipação, achando que eles passariam a algo mais íntimo.
Harry ficou mais tenso do que já estava e instintivamente girou o rosto para enfrentar os olhos de Malfoy, como sempre fizera em Hogwarts.
Suas miradas se chocaram desafiantes...
Então o medimago chamou em voz alta: - Senhor Potter?
Continua...
Agradeço a todos os reviews e desculpe-me por não colocar os nomes de todos como sempre faço no final. Esse capítulo por pouco não sai...
Logo responderei.
Abraços.
