Capítulo Cinco - Reminiscências
Rumavam para o norte, o sol já era engolido pela linha do relevo a oeste, e tudo ganhava a coloração púrpura do lusco-fusco. Era seu segundo dia de cavalgada. Suas costas, desacostumadas, latejavam devido à pouca mobilidade sobre a sela. Ansiava por estirar o corpo, nem que fosse num pedaço de chão duro.
Olhou para o homem ao seu lado, o rosto de soldado estava impassível. O pôr-do-sol enchia de sombras a face marcada de cicatrizes de guerra, os cabelos ganhavam uma coloração mais acobreada que o normal. Salazar passou a mão pelo próprio rosto, estava áspero, sua barba crescia livremente desde que despertara. Estavam em silêncio há mais de uma hora. Imaginou em quanto tempo Godric iria conceder a graça de uma parada. Graças a Merlim!, o pensamento tomou sua mente sem explicação, o rosto de Godric se iluminava. Ao voltar seus olhos para o norte novamente, Salazar divisou uma linha de acinzentada que tomava o horizonte de leste a oeste.
Chegavam à Muralha de Adriano.
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A construção era de pedra e turfa. Godric achara por bem escolher uma das antigas torres de vigia que ainda estavam de pé para se abrigarem por aquela noite. A umidade atingia-lhe os ossos. Salazar estava ao lado da muralha, certificava-se de que os cavalos estavam bem acomodados e amarrados.
Havia chegado a seus ouvidos, numa das poucas vilas de sobreviventes aos ataques, a notícia de que Lorde Ethelred II da Britânia tentava negociar com os vikings, mas que não obtivera sucesso. Incompetente...
Salazar entendia a necessidade dos nórdicos de avançarem sobre novas terras... solos mais férteis que seus campos nevados... Mas não entendia como um soberano poderia ser tão incapaz de manter suas próprias terras, seu povo... seus interesses. Seu poder! Caso Salazar fosse um soberano desse porte, não deixaria, jamais, seu poder se esvair pelas mãos de invasores.
Não esperava mais de um rei trouxa.
Aproximou-se de seu cavalo e começou a falar amigavelmente com ele. O animal o carregara de Norfolk até ali sem qualquer contratempo. Iriam continuar ao norte, até a Muralha de Antonino e, de lá Salazar procuraria um povoado próspero para se instalar.
Ouviu um sibilo e parou abruptamente de verificar os fechos das selas. Olhou cautelosamente em volta... nada... Voltou desconfiado ao que fazia até ouvir algo que parecia arrastar-se na grama. O cavalo ficou ansioso.
– Ssse fossssse voccccccê, meu amigo, não sssseguiria tão ao norte, por enquanto... sssss...
Salazar levou a mão ao cabo da espada que ganhara de Godric. Olhou ao redor e não enxergou viva alma. Uma estranha cena desenhou-se a sua frente... Era ele... estava num cômodo úmido e escuro. Ouviu o estalar de folhas a seus pés. Passou levemente a mão sobre o pote de cerâmica onde a transportava, mas ela não estava nele. Estava solta em meio à folhagem... Ouviu um assobio... "Ssssalassszar..." .
Aquilo era uma... lembrança?
Subiu os degraus de pedra da torre de vigia desajeitado. Uma lembrança! Tinha que falar com Godric. Contar a ele. Talvez ele soubesse, mesmo contra todas as probabilidades, onde haveria um local como aquele na cidade destruída, talvez houvesse conhecido alguém que soubesse, assim teria uma pista sobre seu passado.
Novamente a cena passou a sua frente. Apoiou-se na parede rochosa para não perder o equilíbrio.
– Incendio – era a voz de Godric.
Uma sucessão de imagens passou a frente de seus olhos. As casas pegando fogo. Os guerreiros vikings avançando sobre a cidade. Salazar estava de olhos arregalados. Ainda por sua mente dançavam imagens de algo familiar... algo conhecido... Uma garota de cabelos tão negros quanto os dele apontava uma vara de madeira à um punhado de lenha, gritava a mesma palavra: Incendio. Chamas iluminaram o salão de uma grande e confortável casa. Cheiro de mar, cheiro de peixe, cheiro de fumaça... Fumaça e fogo... Novamente a imagem dos guerreiros nórdicos assombrou-lhe. Vinham gritando e rodando seus martelos. Arrastavam as mulheres e matavam os homens, sem piedade. Salazar ouviu um grito, a mesma garota de cabelos negros gritava desesperada sob o peso de um homem enorme. Gritou junto com ela. Gritou à medida que as imagens ganhavam mais força e mais vivacidade. Ele estendia uma vara de madeira na direção de um homem nórdico, gritou e luzes verdes tomaram a noite. Ele tombou.
Gritou pela dor que sentia. Gritou pela sua casa incendiada, pela garota que chamava por ele.
Gritava por Seely...
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Ao abrir os olhos uma dor lacerante percorreu suas têmporas. Piscou inúmeras vezes até acostumar-se com a luminosidade instável.
Godric afastou-se dele. Tinha um tecido encharcado de água nas mãos. Levou um líquido viscoso a sua boca. Gosto familiar... A dor desapareceu.
– Não se mova tanto.
Salazar parou de imediato o movimento que fazia. Voltou a apoiar a cabeça sobre o travesseiro formado por sua capa. Godric olhava-o preocupado.
– Godric, eu... eu acho que me lembro... – virou os olhos na direção do amigo.
Godric deixou o tecido ao lado dos outros utensílios de viagem. Sentou-se ao seu lado.
– O quanto você lembra? – sua voz estava carregada de pesar. Salazar sentiu-se incomodado.
– Lembro-me... lembro-me da noite da invasão. De uma enorme casa em chamas... e... e dela... Lembro-me de Seely... Ela usou a mesma palavra que você, certa vez... Incendio... Bruxa... era uma bruxa, como minha mãe, como meu pai... como eu. Como você! Ela foi... foi morta por aquele trouxa imundo!
Godric passou a mão pelo peito. Parou o movimento um instante logo abaixo da garganta, era como se acariciasse um talismã pendurado em seu pescoço.
– Como? Como era Seely? – Godric fitava algum ponto além.
Salazar permaneceu um tempo em silêncio, soltou o ar de seus pulmões como num suspiro.
– Tinha cabelos negros... e olhos muito verdes... Olhos da cor do mar...
A face de Godric transfigurou-se na expressão da própria dor. Passou a mão pelos cabelos longos e avermelhados, mais embaraçando-os que propriamente arrumando-os. Num movimento vacilante levou a mão à nuca e puxou um finíssimo cordão dourado. Estendeu-o a Salazar.
– Perdão... Perdão por não ter conseguido salvá-la... Perdão por não tê-lo parado a tempo...
A agonia estampava os olhos de Godric. Salazar levou a mão na direção do pingente. Pequenas pedras de esmeralda formavam uma letra. O enorme S era finamente moldado no ouro. Novamente imagens tomavam sua mente, apertou os olhos com força na esperança de que se esvaíssem. Mas elas continuavam lá. Sua casa, sua família. Eram bruxos... poderosos bruxos de Norfolk. Seely, sua irmã.
Salazar reprimiu a raiva e virou-se fitando a parede. Encolheu-se e apertou a jóia na palma de sua mão. O colar de Seely. Ela estava morta, assim como o resto de sua família. Os galeses não chegaram a tempo, mas não era responsabilidade deles. Já chegaram ali, como Godric havia dito, por ordem do Senhor da Cornualha, prevendo um desfecho doloroso para os habitantes do litoral leste. Era culpa de Ethelred e sua incapacidade. Ethelred era um fraco e por sua culpa Norfolk e toda Bretanha estava sendo invadida. Um fraco! Trouxa e fraco! Pela sua fraqueza como soberano Salazar havia perdido tudo.
– Protego Totalum – pode ouvir a voz rouca de Godric murmurando o feitiço de proteção enquanto o guerreiro bruxo se movia pelo cômodo.
Sua família, sua casa. Eram poderosos, mas os invasores eram muitos... seu pai já começava a mostrar sinais da senilidade. Fora uma invasão repentina. Não estavam protegidos, estavam no meio daquela comunidade infestada de trouxas incapazes... Incapazes como seu rei... Seu rei... o rei deles! Um trouxa. Tantas vezes pedira para seu pai tirar a família dali! Tinham posses, poderiam começar uma comunidade em qualquer lugar! Salazar não conseguia acreditar que Norfolk havia sido arrasada daquela maneira. Aldeias devastadas... Mortes, muitas mortes...
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Com os primeiros raios de sol, montaram nos cavalos e seguiram rumo ao norte. Seu cavalo estava inquieto. Salazar sentiu a pele escamosa roçar a sua. Um toque suave como seda, familiar. O pequenino réptil adentrou sua bota de montaria e acomodou-se delicadamente em torno do tornozelo.
– Amigo, não ssssssigam ao norte... sss...
Mas Salazar não deu ouvidos. Queria vingança e, para isso, teria que começar sua vida novamente. Começaria ao norte. Nas Highlands.
Percorreram longo caminho até a próxima parada, alimentaram-se e descansaram. Não tardaria a chegar à Muralha de Antonino, não poderiam demorar. Ele tinha pressa. Pressa para vingar-se... Reconstruir a sua vida e vingar Seely...
Antes do anoitecer, a pequena cobra havia desaparecido.
Oláaaa! Novamente!!
:d
Estou aqui para agradecer às pessoas que vêm acompanhando a fic!
Especialmente à Manu Black, Aerton Zambelli e ChunLi Weasley Malfoy! São leitores assíduos! OHO! Nossa! Fiquei tão feliz!
:D
Estão sempre acompanhando e me dando apoio! Vocês não imaginam como isso é gratificante!!
Um enorme beijo para vocês!!
:(bjbjbj)
Duachais Seneschais
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