Capítulo Seis – O Uso da Visão
A serpente terminou sua mudança, ganhou um brilho prateado, suave e gélido. O animal se contorce e num acesso de fúria abocanhou a própria cauda, fazendo sangue gotejar das feridas. A águia estremece, é dominada por uma angústia incontrolável. O réptil cria um ciclo de ódio e rancor que perduraria por gerações, que ele faz a si mesmo e aos que o seguem? O leão rondou a serpente, preocupado e protetor. Com seus olhos experientes a águia pôde notar sua consternação. Os dois certamente já estavam em território escocês. Emanavam uma luminescência: magia.
Rowena acordou intrigada. Novamente os sonhos com a cobra e a serpente... Não era a primeira, segunda nem a terceira vez que sonhava. Eram duas pessoas... Duas pessoas que carregavam a magia. E uma sofria... Sofria e entrava num caminho, que a partir de determinado ponto, não teria mais retorno. Um caminho de dor e sofrimento. Sentou-se sobre a colcha de peles ajeitando o enorme cabelo castanho. O que poderia ela fazer?
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Helga havia saído mais cedo, estava auxiliando na grande cozinha. Rowena auxiliava os últimos discípulos que se encontravam no galpão, naquele fim de tarde. Cìaran tinha um talento impressionante para ungüentos e poções, mas tinha dificuldades com outros tipos de feitiços. Helga, com sua determinação e paciência, o ajudara bastante, havia feito grandes evoluções. Rowena decidira dedicar um pouco mais de tempo ao rapazinho. Odharnait era uma garotinha que recebia atenção especial de sua parte, parecia frágil e delicada, mas era dona de poder e inteligência impressionantes.
Odharnait tinha dificuldades em reconhecimento de ervas e preparo de poções, por isso decidiu aproximar os dois aprendizes e ver em que a união de pupilos tão diferentes poderia resultar. Inicialmente não se deram muito bem, coisas de crianças, garotas e garotos chegam numa idade que não costumam ter muita afinidade.
Rowena gostava dos resultados, era a segunda semana que dedicava o fim das tardes à integração dos dois alunos e percebeu uma grande melhoria. Rowena louvava a clareza de raciocínio de Odharnait, mas era impressionada com a persistência de Cìaran. Reparou que um compensava o outro em determinados pontos. Era vantajosa a união.
Olhando para o céu avermelhado, levantou-se de seu local a frente dos jovens e anunciou o fim da lição, naquele dia. Rumando para sua casa, o pensamento nos sonhos a inundou novamente. Queria discutir com Helga...
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– Dois bruxos? – Helga, pela primeira vez desde que a conheceu, franziu o cenho. – Você disse que um deles está com dificuldades...
– Isso... – Rowena olhou a sua volta, estavam sentadas próximas ao celeiro, Helga já havia ceado, mas Rowena achara por bem não comer nada. – Venho tendo esses sonhos, não acho que seja por um mero acaso... eles estão entrando em território escocês.
– Talvez... tenham algum propósito... – Helga fitou o céu na direção que sabia ser o sul, de onde ambos vinham.
– Helga... Talvez eu possa observá-los por vontade própria, não só por sonhos...
– Talvez...
– Eu estou preocupada com eles, não sei a razão, mas acabei me apegando aos dois, à sua segurança.
– Você não ceou para tentar a Visão, não foi? – Helga fitou-a profundamente.
Rowena não respondeu. Helga levantou-se e Rowena em seguida. Iriam a um local mais reservado onde não seriam incomodadas. Seguiram até o galpão. Rowena sentou-se ao gramado atrás da construção, sendo banhada pela luz da lua. Helga postou-se ao seu lado, à certa distância.
Rowena cerrou os olhos e concentrou-se nos sonhos... numa serpente e num leão... Lentamente os sons a sua volta foram ficando abafados. Os seus membros formigaram. Não sentia mais a umidade da grama abaixo, sentia o vento frio batendo em seus braços... não, em suas asas.
Sobrevoou os vales de Alba, suas Terras Altas, na direção do sul. A serpente e o leão se aproximavam da Muralha de Antonino, mas desviando no relevo montanhoso escocês, haviam perdido o rumo perfeito de seu destino. Algo diferente ocorre. O leão a observa e muda o rumo, segue agora em sua direção. A águia bate as asas suavemente e segue à Muralha de Antonino. Pousada sobre a pedra, sente um bafo quente agitar suas penas. Uma força gigantesca e selvagem domina aquele lugar. É mais forte do que pode suportar. Olha para os viajantes, mas é tarde demais.
Exausta, Rowena tomba lateralmente numa lentidão aflitiva. Abre os olhos e fita Helga, por alguns segundos, ela vem a seu encontro, preocupada. Sente os braços de Helga envolvendo-lhe. Uma leveza toma conta de seus membros, não sente mais grama ou rocha. Queria falar à Helga, contar o que estava acontecendo. Contar da Muralha... do calor...
Sentiu o aconchego das peles de sua cama. Ouviu a voz do pequeno Coinneach, irmão mais novo de Helga, gritando por um pote com água e um pano limpo, corria para fora do quarto. Uma mão forte tocou a sua, beijou os nós de seus dedos. Sentiu a pele áspera da barba por fazer. Sentiu o cheiro que apenas ele carregava, era Axel. Queria falar, mas não havia forças em seu corpo. Rowena mergulhou num sono inquieto e profundo... repleto de visões contorcidas e pesadelos.
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