Capítulo Sete – Negro das Ilhas Hébridas
Rumavam para a Muralha de Antonino. Já deveriam ter chegado, não fazia sentido o tempo que percorriam... Pelas informações que tinham, demoraria algumas horas para alcançar, de uma a outra, não um dia inteiro. Já havia anoitecido e não tinham a proteção que a muralha proporcionaria. Nesses tempos de guerras e invasões evitava o litoral para se afastar dos vikings. Também evitava dormir ao relento, não queria se expor a viajantes.
Olhou de relance para sua esquerda. Salazar estava perdido em pensamentos desde a partida da Muralha de Adriano, naquela manhã. Godric sabia ter feito o máximo para salvar a irmã dele... sabia ter lutado com todas as suas forças. Mas não conseguia deixar de sentir-se responsável...
Tantos povoados foram destruídos. Tantas terras foram tomadas. O rei Ethelred II tentava negociar com os vikings, mas seus subornos não eram suficientes. Olaf Trygvasson liderava suas investidas pela costa britânica incessantemente. Lorde Hywel acreditava que Ethelred iria aumentar seu suborno até um valor que quase não seria possível pagar, tudo para ver a terra que fora incapaz de proteger longe dos martelos nórdicos. E o reino, mesmo a despeito de tantas batalhas, estava coalhado de moedas de ouro.
Complicando ainda mais, havia a situação dos bruxos. Eram freqüentemente acusados de serem a causa das desgraças. Absurdo! Eles eram tão moradores daquelas terras quanto qualquer um! Não era justo serem perseguidos como culpados de uma guerra contra a qual também lutavam. E o rei não fazia absolutamente nada. Católico fervoroso que demonstrava ser, não via outro destino possível aos que carregavam sangue mágico.
Ouvira, em todas as vilas que haviam passado de Norfolk às Terras Altas, das atrocidades infligidas aos bruxos... As mais diversas torturas, as mais diversas mortes... Fogueiras, rios, forcas e poços... Eram assassinatos! Os bruxos eram covardemente assassinados. Alguns, de famílias tradicionais e abastadas, eram instruídos o suficiente para dominar feitiços que poderiam burlar os castigos, e até se divertiam com isso. Outros, a maioria, não era capaz de dominar os mais simples encantamentos. Crianças... soubera de crianças... Era covarde! Tantos na ignorância, se ao menos fosse diferente...
– Acho que teremos que acampar na mata essa noite. – Godric estava visivelmente abatido.
– Melhor que na estrada, não é? Nunca se sabe quem pode aparecer.
– Exatamente. Eu farei o primeiro turno de vigília. Pode repousar.
Na escuridão era impossível seguir a frente. Teriam que deixar a estrada e esconder-se na mata, por aquela noite. Olhou ao redor. Um brilho fantasmagórico surgia pelo canto de seu olho. Antes de apear o cavalo observou com mais atenção e percebeu um leve bater de asas. Uma águia... Mesmo de noite uma águia sobrevoava a região a frente deles. Era um ser lindo, de penas escuras, que emitia um brilho acobreado. Godric animou-se. Sabia que deveriam seguir aquele animal.
– Salazar, vamos! – anunciou virando seu cavalo na direção de Salazar e em seguida rumando na direção da ave.
– Godric! – Salazar bateu o calcanhar nos flancos do cavalo na tentativa de acompanhar Godric, um cavaleiro extraordinário.
A luminosidade que a ave fantasmagórica emanava iluminava-lhes o caminho a frente. Godric seguia animado e cuidadoso. Após meia hora de cavalgada, a ave pousou num muro de rochas. O vulto negro formado pela construção mal era discernível na escuridão da noite. Pôde ouvir o trote do cavalo de Salazar logo atrás do seu, a respiração entrecortada do companheiro de viagem. Ao observar novamente o local de pouso da águia, só pôde divisar uma figura desvanecida. A ave sumia completamente em seguida.
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Salazar havia seguido, levando sua montaria e a égua Renny, até um rio que descia de um dos muitos relevos altos daquelas terras. Teriam que saciar a si e aos cavalos para seguir em frente. Godric acabava de recolher os últimos utensílios da refeição matinal para ir logo atrás de Salazar.
Seguindo pelo caminho de vegetação rasteira escuta um relinchar familiar. Renny estava inquieta. Godric estranhou e apressou o passo, preocupado. Uma sombra tapou por alguns momentos o brilho do sol. Godric, preocupava-se cada vez mais com Salazar e as montarias. Ouvindo um galope selvagem abandonou o caminhou e jogou-se para uma moita. O cavalo de Salazar seguia em desesperada corrida. Godric correu para a beirada da descida que levava ao curso d'água e ouviu um rugido horrendo, transbordando de selvajaria.
Renny escoiceava, inutilmente, tentando intimidar o adversário. Uma massa negra e assombrosa se movia pesadamente avançando na direção dos dois. Godric engoliu um grito de horror quando percebeu do que se tratava. Salazar era um bruxo, mas continuava sem sua varinha.
O enorme dragão nativo das Ilhas Hébridas recolhia o pescoço, num movimento que parecia ainda sonolento, para junto do corpo. Pôde ver suas bochechas inflando e um fino fio de fumaça escapando por entre as mandíbulas. Godric, do local alto onde estava, aponta a varinha para animal.
– Deprimo!
O deslocamento de ar causado pela explosão lança Renny e Salazar contra a colina. Godric aparata ao lado de Salazar lançando uma barreira de proteção ao redor deles com o feitiço Protego Horribilis. Esse foi o exato momento em que uma flecha de chama veio da parede de fumaça à frente. Podiam sentir o calor. Salazar esbravejou.
Levantando-se, adiantou-se dois passos.
– Godric, preciso de uma varinha. Você não pode, simplesmente, se atirar a frente dele sozinho.
– Mas não temos outra varinha, você deve ter perdido a sua em Norfolk. E não vou ficar sentado esperando que ele nos pisoteie.
O dragão exibia uma mancha avermelhada na couraça escamada. Alguns arranhões se mostravam pela pele mais sedosa do peito e barriga. Godric não se deixaria abater por aquele animal. Tinham que sair dali, ele tinha que, pelo menos, desacordar o bicho.
Desembainhou sua espada de punho cravejado de rubis e aparatou. Surgiu novamente abaixo do peito do dragão, uma região particularmente perigosa, mas Godric não conhecia nenhuma mais vulnerável para seu dono. Direcionou um golpe e atingiu a pele macia, porém resistente.
– Stunner! – Godric ouviu a voz de Salazar logo atrás de si. Sentiu o deslocamento de poder e viu quando atingiu o bicho.
Olhou incrédulo para o companheiro. A varinha servia para reunir e direcionar a energia para o feitiço. Mesmo sem varinha, Salazar fora capaz de acumular suas forças e focá-la no inimigo. Mas o resultado não havia sido tão bom quanto se utilizasse o instrumento.
Uma pata enorme alcançou Godric, que foi atirado à metros de distância. Segurando firmemente o cabo da espada, cortou o ar até encontrar a dureza de uma parede escarpada. Perdeu a noção de espaço, ficara tonto. Tateou o chão em busca de sua varinha, mas não conseguia encontrá-la. Sentiu um tremor, forçou-se a abrir os olhos. O corpanzil do dragão lançava-se ao seu encalço. Levantou-se com dificuldade e apertou o punho da espada. O animal se aproximava rapidamente a despeito de seu tamanho.
Um vulto passou correndo a sua frente. Renny empinou como que para proteger seu dono. Lançando os cascos para o ar, a égua tentava equiparar forças com o dragão. Godric pôde ver novamente o fio de fumaça escapando da bocarra do animal. Concentrou-se num feitiço de proteção.
– Stunner! – novamente voz de Salazar. O feitiço acertou uma das asas de morcego da criatura.
O dragão desequilibrou-se e Godric partiu na direção dele acompanhado de Renny. Pôde ver Salazar, que também estava muito próximo, o rabo em forma de flecha da criatura acertou-o em cheio e lançou-o de encontro a Godric. Ambos rolaram pelo chão e atordoados tentaram levantar-se.
Um brilho, que não vinha da varinha que Salazar portava, ofuscou-lhes a visão. O dragão que mais uma vez deixava escapar o fio de fumaça pela mandíbula parou a pouca distância dos companheiros. Godric enxergou a oportunidade perfeita. Avançando sobre o flanco da criatura, foi acompanhado por Salazar que gritava encantações. Levantando a espada na direção da criatura, desceu-a com força, rasgando carne e músculos. Um jorro de sangue banhou os dois no momento que novamente a cauda longa e escamosa procurava por alvos. Sentiu as cristas afiadas se enfiando em seu corpo.
Foram jogados novamente e Godric sentiu a água gelada em suas pernas. Ouviu o gemido de Salazar. Se a criatura não tivesse morrido com seu ataque, estariam acabados. Godric piscou inúmeras vezes. Seus olhos pesavam, não conseguia se manter desperto. Sentia a água gelada tomando sua cintura e seu tórax. Da cabeça, um liquido encorpado e quente escorria. Em poucos segundos seu corpo ficou dormente, seus dedos não se mexiam mais. Perdeu a sensibilidade ao toque, mas sabia que sua espada estava ao seu lado. Sentiu o calor do metal por alguns instantes.
Godric tentou virar a cabeça na direção de Salazar, ele tinha que escapar dali. Tentou, também, ouvir Renny, mas não teve sucesso em nenhuma das empreitadas. Sua visão se anuviou. Piscou e desesperadamente tentou manter os olhos abertos. Gemeu ao esforço. Tentava levantar as mãos, mover as pernas. Uma luminosidade tomou conta do local. Godric tinha plena consciência de que estava morrendo. Uma figura encantada apareceu a sua frente, deveria ser alguém do Povo das Fadas. Era uma mulher de espetacular beleza.
Admirou aquela figura encantada. Sentiu aroma de pilriteiro e cheiro doce da videira... até que não sentiu mais nada.
Olá!
Espero que tenham gostado do cap!
A fic está chegando ao fiiimm... Faltam poucos caps...
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Gostaria de agradecer àqueles que vêm acompanhando a fic! Muito, muito obrigada!
Especiais agradecimentos à Manu (minha bettaaa! excelente beta!! bjbj), Aerton, ChunLi e VicZala!!
Seja muito bem vinda, VicZala!!
Obrigadíssima pelo apoio, pelas reviews, mensagens de incentivo e por acompanharem! Espero que continuem gostando!!
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