O chão cheio de sangue.
O ar impregnado desse cheiro metálico.
Todos estão mortos.
Deixe-me chorar.
Deixe-me ser uma criança.
Meu irmão.
Porque tanto sangue?
Pra que?
Antes de falar comigo, limpe o sangue das mãos.
Dê-me o benefício da dúvida.
Pra que pisar no meu esforço?
Pra que me humilhar?
O que eu fiz pra merecer isso?
Foi eu querer ser melhor que você?
Olhe pra mim.
Só uma criança.
Olhe pra você.
A pessoa que eu admirava.
Meu herói.
E que agora tira tudo que eu amava.
Eu era só uma criança.
Pelo menos deixe comigo o direito de chorar.
Aquele que toda criança tem.
Você tirou tudo de mim.
Olha o pai.
Olha a mãe.
Olhe suas mãos.
Olha o sangue deles.
Olha o chão.
Olha essa poça de sangue.
Olhe lá fora.
Olha as vidas que você tirou.
Olha pra mim.
Diz na minha cara.
Diz que foi você que os matou.
Tira de mim a felicidade.
Tira de mim tudo.
Mas, deixe só a criança.
Essa criança vai chorar.
Mas uma hora ela vai parar.
E, nessa hora.
Ela vai dar o troco.
Mas ela vai voltar a chorar.
Chorar pelo quê?
Pra quê chorar?
Entra na minha casa.
Sinta o cheiro.
Ainda fede a sangue.
O mesmo sangue que corria em você.
Ele também corre em mim.
Como seria se nunca tivesse existido esse clã?
O nosso clã.
Como seria se fossemos de outra família qualquer?
Você ainda me tiraria do chão?
Você sujaria o chão de sangue de novo?
Diga.
Não, você não pode dizer.
Não pode fazer nada.
Não pode viver.
Porque eu te tirei isso.
E agora?
Dei um fim para o seu começo.
Mas e agora?
Vou começar tudo de novo?
Vou dar continuidade para esse sangue?
Para que essas crianças tenham o benefício da dúvida?
Não seria tão ruim.
Mas não posso voltar pra casa.
Ela fede.
Eu também estou fedendo a sangue.
Seu sangue.
Mas vou voltar.
Masoquista.
Cada lembrança daquela noite vai voltar para mim.
Mas eu vou voltar.
Então, quando apagar a luz,
Meus medos vão vir desejar boa noite.
Até que alguém acenda a luz.
Então a criança vai parar de chorar.
Ela não vai mas ter motivo pra chorar.
