Parte 4 – Caindo na real.
Era uma luminosa manhã de Inverno, porém regelante. Não houve tempestade de neve, apenas uma nevasca que tingiu toda a paisagem de branco desolador. Nas Masmorras, o frio era ainda mais intenso, mas nada que não fosse normal.
Igor Karkaroff foi o primeiro a acordar. Não fazia a mínima idéia de que horas podiam ser, mas acreditava não ser muito tarde, mesmo porque acordar tarde jamais foi um hábito seu. Jogou os cobertores para o lado, levantou-se e se despreguiçou, estalando algumas articulações. Como ele e Lucius Malfoy ficaram apavorados com a visão de Severus nocauteado, ambos sequer se lembraram de trocar as roupas por pijamas e assim dormiram, tirando apenas os sapatos.
Olhou para a cama ao seu lado direito e viu que as cortinas ainda estavam fechadas, indicando que Lucius ainda dormia como um bebê e, conhecendo bem o amigo almofadinha, tinha certeza de que ele atravessaria parte da tarde naquele sono. Deu de ombros. Ficar algumas horas sem a presença impertinente do louro-aguado seria uma benção de Natal, embora o Natal tenha passado.
— Fome! – O garoto exclamou, ao sentir o estômago resmungar. Olhou para o seu relógio de pulso e finalmente se atualizou quanto à hora: eram quase dez da manhã, mais tarde do que supunha! Xingou qualquer coisa em sua língua pátria, pois havia perdido o café da manhã e teria de esperar até o almoço para comer algo... A menos que ele fosse até a cozinha.
— Isso vai ser fácil! Quase não há ninguém na escola! O único problema é que aqueles grifinórios desgraçados podem estar por lá também.. se bem que... – Igor voltou-se para a cama de Lucius, sorrindo com sarcasmo e desdenho. — Potter e Black são tão almofadinhas quanto o louro azedo e, pelo que vi eles entornando ontem, devem estar semi-mortos também!
Tomou a direção do banheiro para se lavar antes de descer. — Não vou morrer de fome até o almoço...
Hermione não havia fechado os olhos durante a noite toda até poucas horas antes do amanhecer, quando a exaustão do corpo a derrubou de vez. Estava preocupada, confusa e com um pouco de medo também e os pensamentos cruéis não a deixavam em paz para dormir e descansar. E, mesmo em meio a toda essa esquisitice absurda – ou quase absurda – de um Snape garoto vindo do passado, a pequena briga que teve com seu namorado Rony a estava incomodando profundamente. A pressão que ele estava exercendo sobre ela para transarem e a total falta de sensibilidade dele para lidar com a insegurança dela a estavam enlouquecendo e pondo seu suposto amor por ele a prova: será que ela realmente gostava dele ou era mais uma confusão em sua cabeça?
Talvez, se ela realmente gostasse dele, já tivesse dado. Mas ela, simplesmente, não conseguia assimilar a idéia de sexo com Rony, embora ele fosse seu namorado e ela, supostamente, o amasse; quando se atrevia a imaginar a situação, tinha uma certa repugnância e via isso como algo absurdo – mas, absurdo é achar que sexo com o namorado que se ama seja repugnante, não é?!
Talvez ela fosse uma pudica, e não sabia.
Com raiva, meneou agressivamente a cabeça, querendo desmanchar a força tais pensamentos estúpidos logo àquela hora da manhã. Era cedo demais para pensar bobagens, tinha acabado de acordar! Olhou para seu relojinho de cabeceira e quase caiu da cama pelo susto: eram 9:38h! Ela, que sempre acordava por volta das cinco da manhã, perdeu mais de quatro horas do seu dia! Não interessa se não havia dormido durante quase toda a noite, ela deveria estar de pé, no máximo, até as sete!
E, além de tudo, queria saber o que foi resolvido quanto ao esdrúxulo caso do Snape do passado.
Igor Karkaroff se esbaldava com todas as coisas boas e gostosas que os elfos domésticos faziam grande honra e questão de serví-lo: eram tantos pães salgados e recheados, tortas de frutas, bolos de nozes e muito chocolate quente que o rapaz cogitava, seriamente, a possibilidade de nunca mais ir tomar seu café no salão principal e passar a fazer isso diretamente na cozinha ou, melhor!, passar a fazer todas as suas refeições ali mesmo! Sempre lhe tiravam sarro por conta da sua magreza – que, na verdade, era a sua estrutura esguia, elegante – e talvez ele ganhasse alguma massa muscular com toda aquela fartura. Claro que, com tantos pães e bolos, era muito improvável que ele viesse a ganhar massa muscular, mas aquelas delícias valiam esse sacrifício.
Já não comia mais por fome e sim por gulodice. Enquanto os elfos excitados continuavam a trazer-lhe bandejas de doces e salgados, Igor resolveu dar uma esticada nas pernas e sondar a cozinha, que, aos seus olhos, era bastante agradável: parecia uma taberna, daquelas que se encontra em lugares ermos na Sibéria, para onde são enviados os degredados. Era escura, apenas iluminada por archotes e pelo fogo dos fogões e fornos; escavada no subsolo do castelo, suas paredes eram de pedras brutas e as mesas eram rústicas, grandes troncos de árvores que foram cerrados ao meio e colocadas pequenas pernas para sustentação. Tudo era muito baixo, ainda mais para ele, que tinha um pouco mais de um e oitenta de altura.
Estava alimentado e aquecido, logo sentia-se feliz. E foi com essa felicidade que foi rondando pela longa cozinha, apreciando tudo, até que chegou num canto em que parecia ser o lugar onde os próprios elfos faziam suas refeições ou paravam para descansar – supondo-se, claro, que elfos domésticos precisem de paradas, comida e descanso.
Na parede, sobre a mesa de pernas curtas, havia um quadro de cortiça onde estavam pregadas várias coisas: fotos, pedaços de papel, recortes, coisas que pareciam apenas lixo, mas, ao lado disso tudo, havia um calendário de numeração grande e a imagem animada de um desenho natalino, com direito a salpicos de neve e estrelas cintilantes. Igor mordiscava sua tortinha de nozes enquanto avaliava o quadro e suas tranqueiras pregadas, até, por acaso, se deter no calendário: a folha era do mês de dezembro; todos os dias anteriores ao dia atual, isto é, ao dia 26, estavam marcados com um xis vermelho. Por um mero acaso, seus olhos de azul profundo se detiveram no ano que brilhava em vermelho metálico, em tamanho garrafal, acima dos números de dias: 1 9 9 8...
Não se alardeou, apenas franziu o sobrecenho, estacando a mordida na tortinha: mil novecentos e noventa e oito?
Fez um sinal desdenhoso, chamando um dos elfos que estava por perto, apontando para o calendário: — Isso aqui é algum tipo de artefato de logro?
— Desculpe, senhor! Mas, isso o quê, senhor? – Perguntou o elfo na sua vozinha fina e baixa, encolhendo-se ao responder ao aluno.
Igor cutucou o numeral com a ponta do indicador, voltando-se para o elfo: — Isso aqui, criatura! Por que diabos alguém acharia engraçado criar um calendário cujo ano está vinte anos à frente? Estamos em mil novecentos e setenta e oito e não em noventa e oito! Muito sem-graça! Essa loja de logros já foi mais criativa.
O elfo se encolheu ainda mais e outros elfos que ouviram o que o rapaz havia dito entreolharam-se confusos, outros abismados. Nenhum deles havia contestado a identidade do rapaz que entrara em sua cozinha para pedir por alimento, afinal quase nenhum deles ali conhecia os alunos de Hogwarts, menos ainda todos os alunos, mas não puderam deixar de estranhar o que o rapaz dissera. Um elfo mais corajoso saiu do meio dos outros e, humildemente, contestou o que o aluno afirmava:
— Senhor! Desculpe, senhor, mas... não é um logro, não senhor! Esse calendário é um calendário comum, posto aqui para que nós elfos domésticos soubéssemos das datas para providenciar os alimentos e as arrumações de acordo com elas...
Igor voltou-se para o pequeno elfo que se encolheu ante o olhar estigmatizante do jovem russo. Não havia qualquer hostilidade da parte dele, mas não pode deter sua indignação – ou espanto.
— Mas esse calendário diz que estamos em 1998! Isso não é um logro?!
Seja por coragem ou ingenuidade, o elfo de antes, mais uma vez, contestou Igor:
— Senhor, desculpe, senhor... mas, o ano é 1998, ainda, senhor... mas, semana que vem, será 1999, senhor e...
A tortinha que Igor mordiscava caiu de sua mão ao chão e o garoto, por instantes, sentiu o chão e as paredes ondularem a sua volta.
Por céus! Se o ano é mil novecentos e noventa e oito, isso que dizer...
— Merlim! N-nós viajamos no t-tempo!!
Havia sido bem instalado num quarto amplo, confortável e quente, o que lhe garantiu uma boa noite de sono, embora achasse estranho ser bem tratado desta forma, sendo ele um intruso... ele próprio, sabia, não faria isso com um cara suspeito e, menos ainda, se esse cara suspeito viesse com uma estória bastante absurda, como a dele.
Enfim, deve ser esta a principal e mais marcante diferença entre Grifinórios e Sonserinos...
Sobre uma pequena mesa redonda de quarto, havia um farto desjejum posto para ele, e ficou mais confiante em saber que, além de McGonagall ter permitido que ele tivesse um bom descanso num quarto decente, providenciou que também tivesse um café da manhã decente, então isso deveria significar bom sinal.
Snape estava bem descansado e bem alimentado e agora esticava suas pernas, andando de um lado ao outro pelo amplo quarto, podendo, com tranqüilidade, pensar a respeito dessa sua louca aventura com o feitiço de Tempo... sim, era uma aventura e também era louca. No fundo, jamais teve a convicção de que o tal feitiço realmente funcionasse e agora que isso aconteceu... e aconteceu de forma até mesmo exagerada: vinte anos à frente foi um pouco demais!
O garoto parou curvando suas costas e jogando seu pescoço para trás... vinte anos. E quanto a ele próprio, o seu "eu futuro" ? Se ele ainda existe, está com trinta e sete anos. Essa conclusão lhe causou arrepios. Para um garoto de dezessete anos que não é muito imaginativo quanto ao seu próprio futuro, ver-se numa idade "tão avançada" quanto a de trinta e sete anos é tão ou mais absurdo quanto viajar no tempo e atravessar décadas com um simples feitiço!
— Trinta e sete anos?! O que devo ser? Como foi minha vida até chegar nesse tempo? Provavelmente eu não seja lá grandes coisas, visto que nem McGonagall me ligou a fato algum, até mesmo se lembrar de mim, que fui seu aluno!
Um súbito sentimento depressivo tomou conta do garoto, tirando-lhe o ar dos pulmões e baixando sobre ele uma nuvem escura... como foi dito, ele não era muito imaginativo, menos ainda sonhador quanto a si mesmo e ao seu futuro, mas se deparar com a idéia de que ele continuava a ser um sujeito insignificante e obscuro era amargo! Talvez, ele tenha morrido há muito tempo e não deixou nenhuma lembrança de sua existência, o que seria tão ruim quanto uma existência vazia e sem significância.
Três pancadinhas na porta precederam a entrada de McGonagall, com uma postura ainda mais soberba do que ela tinha há vinte anos atrás. A nuvem depressiva de Snape sumiu, dando lugar ao receio e à insegurança. O garoto se virou para a professora, que o encarou silenciosamente por longos segundos, avaliando-o, tentando julgá-lo apenas pelo que via de seu exterior: um adolescente de aspecto doentio e que aparentava estar muito desalentado. Isso enterneceu a Diretora, mas que se manteve oculto em si mesma. Precisava sondar o rapaz e encontrar uma forma de devolvê-lo para sua própria época.
Igor Karkaroff sentia-se sufocado quando saiu aos tropeços da cozinha, contendo o impulso de correr desembestado pelos corredores e acordar Malfoy para contar a notícia terrível de que eles acabaram viajando no tempo através do feitiço de Snape. Ele, primeiramente, precisava pôr sua cabeça em ordem, precisava se acalmar e raciocinar. Acreditava que conseguiria isso assim que aquele balão de ar em sua garganta esvaziasse, pois sentia que teria um colapso a qualquer instante se isso não acontecesse!
Tonto, cambaleante, o garoto se afastou o máximo que pode, apoiando-se nas paredes de pedra bruta, até encontrar um canto menos iluminado que lhe inspirava proteção. Recostou-se à pedra fria da parede e começou seu processo de calmaria, antes que sofresse um sincope. Forçou o controle de sua respiração, sorvendo o ar gelado do corredor em grandes doses, até sentir-se suficientemente oxigenado para poder voltar a respirar compassadamente pelo nariz. Ficou nesse estado por muito tempo, até atingir um grau de controle sobre seus nervos e, então, seus pensamentos começaram a fluir de forma ordenada, permitindo que ele raciocinasse.
— Deus! Queria que isso fosse um pesadelo! Vinte anos! Viemos parar vinte anos no futuro e nem sabemos direito como isso foi possível acontecer! E, se não sabemos como isso aconteceu, não saberemos como consertar essa merda!
Levou suas mãos à cabeça, curvando-se sobre si mesmo. Por mais que ele quisesse se manter frio e calmo, não conseguia evitar o desespero que parecia um monstro se remexendo em suas entranhas! Ele jamais foi um cara corajoso e destemido, por mais que isso o envergonhasse, e tentasse sempre evitar a humilhante covardia e, agora, quando se depara com essa situação terrível de estar num tempo diferente e muito distante do seu próprio tempo, a que ele conhece e que tem sua vida, não conseguia sequer encontrar a serenidade necessária para poder raciocinar.
— Não, não, não! Estou sendo estúpido de novo! Eu não posso acreditar que a data de um calendário de elfo doméstico esteja certa! Isso é idiotice! É claro que aquilo é um logro! E, afinal, desde quando elfos sabem alguma coisa?! Não! Eu estou sendo estúpido, é isso! Malfoy está certo quando diz que eu sou um soviético idiota! Que merda!
Igor tomou compostura, ajeitando seus cabelos crespos e longos para trás e ajeitando suas vestes em seguida. Tentava engolir a vergonha que sua predisposição ao desespero lhe causava, quando ouviu passos confiantes vindo na direção de onde estava, mas não se alardeou com isso. Era algum aluno, de certo, e, na pior das hipóteses, deveria ser o lunático do Filtch, que era apenas como um cão velho e inútil: latia demais por ser incapaz de morder.
Não queria dar a impressão de que esteve fazendo coisas erradas e menos ainda demonstrar que sofreu recentemente de um ataque de imbecilidade. Altivo, pois que sua aparência realmente inspirava altivez (embora interiormente ele não fosse isso nem um pouco!), galgou em passos confiantes, ao encontro daquele que vinha naquela direção. Simplesmente passaria por ele e voltaria para o dormitório, já que não havia nada para se fazer naquele que era apenas um dia posterior a um dia morto como o Natal. Esperaria lá pelo almoço, lendo algum livro ou adiantando alguma lição passada para as férias.
Andou apenas alguns metros quando, finalmente, se deparou com o dono dos passos que vinha em sua direção. Aliás, dona. Hermione estacou com o susto, abafando um gritinho agudo que saiu involuntariamente. O grito assustou a Igor, que também estacou. Quando viu que se tratava de uma garota da Grifinória, sentiu uma raiva subir por sua garganta e, por pouco, não xingou a garota por conta do susto que ela lhe deu. Afinal, havia necessidade disso?! Está certo que havia muito poucos alunos na escola nesse período, mas daí andar por aí achando que não esbarrará com ninguém é ser tolo demais.
Igor não se alardeou com isso e, mesmo de cara amarrada e se contendo para não ofender a garota, passaria por ela na boa, continuando seu caminho. Mas Hermione já havia tido emoções demais por casos absurdos para permitir que o garoto continuasse seu caminho tranqüilamente; sacou sua varinha e se afastou de ré do rapaz, que novamente se deteve, desta vez confuso, sem entender o porque da atitude defensiva exagerada da grifinória. Ele poderia ter seus defeitos, não ser dotado de grande coragem, mas sabia se defender e atacar muito bem, por essa mesma razão: por lhe faltar uma grande coragem e ousadia, ele tinha se tornado um dos melhores duelistas de sua antiga escola e agora também de Hogwarts.
Hermione não sabia o que dizer. Ela não reconhecia o rapaz a sua frente e sendo ele de aparência tão atípica – alto, espadaúdo, de cabelos longos negros e crespos, pele morena, uma aparência que lembrava a de um cigano ou turco – ela tinha a plena certeza de que ele não pertencia a Hogwarts e seu raciocínio perspicaz a levou direto à ligação dele com o jovem Snape e, ainda, à terrível conclusão de que Snape – se é que era mesmo Snape! – não estava ali tão inocentemente assim, por conta de um feitiço que deu errado – ou certo demais!
— Se der mais um passo eu o estuporo! Você não é daqui, é um invasor!
— O quê?! Há há há! Você tá pirada, grifinória! Encheu a cara demais ontem, foi? Para seu próprio bem, grifinória, abaixe essa varinha e... – Neste momento, uma compreensão perpassou pela mente do soviético, lhe arrancando um sorriso dos lábios: essa mesma grifinória era a que estava em companhia de McGonagall na noite anterior, conduzindo Snape que havia sido estuporado. E ela pensava que faria o mesmo com ele? Não mesmo! — Então foi você que nocauteou o Severus, grifinória?! Admito que você deva ser boa com essa varinha, mas não se atreva a fazer o mesmo comigo, se arrependerá!
Hermione engoliu a seco, não pela ameaça do rapaz estranho, mas por ele confirmar de que conhece o jovem Snape e, ainda por cima, presenciou a cena de ontem. A garota, trêmula, apertou mais firme a varinha em sua mão e disparou um feitiço:
— ESTUPORE!
Os filetes vermelhos passaram raspando por Igor, que se desviou bem a tempo de ser atingido em cheio no peito. Bateu dolorosamente as costas contra a parede de pedra, atiçando, assim, ainda mais a sua raiva. Com destreza e violência, sacou sua varinha, contra atacando Hermione com o Expelliarmos; a varinha da garota voou de sua mão para Igor enquanto era arremessada para o chão pela força de impacto do feitiço. O corredor alto, longo, deserto fez ecoar o baque abafado da queda de Hermione que, desesperada, se levanta o mais rápido que seu corpo dolorido lhe permitia, tentando correr ao lado oposto do rapaz e pedir por socorro.
Mesmo sem entender absolutamente nada da reação exagerada da garota, Igor resolveu que era melhor deter a grifinória e tentar falar com ela calmamente do que deixa-la sair desesperada e fazer daquele pequeno mal entendido uma grande catástrofe. Quando Hermione ia gritar por socorro, Igor a alcançou, agarrando-a pela cintura com o braço e tampando-lhe a boca com a mão livre.
— Você é maluca, garota! Você quer ferrar com minha vida aqui em Hogwarts?! – Sussurrou ao ouvido de Hermione, que se debatia para se livrar do abraço apertado do rapaz, mas ele era forte demais para ela.
Por instantes, os dois pararam, segurando a respiração. Ouviram passos e vozes e quando Hermione percebeu que eram Rony e Harry que se aproximavam conversando animadamente, tentou desesperadamente se livrar do abraço de Igor se debatendo e tentando se livrar da mão que lhe aprisionava a voz, para gritar para os amigos.
Igor entendeu que isso lhe traria problemas seríssimos e tudo não passava de um engano besta. Avistou uma porta próxima e a abriu com um feitiço, tendo o cuidado de não dar chances de Hermione se libertar. Entrou na sala vazia e empoeirada, trancando a porta logo em seguida e lhe lançando um feitiço silenciador. Só então ele conseguiu relaxar e respirar, e pode soltar Hermione, que se afastou dele aos tropeços ficando o mais longe possível. Ela estava presa com um estranho perigoso, sem sua varinha e sequer com possibilidades de pedir por socorro a quem quer que fosse.
Recostado à porta, o garoto tentava, mais uma vez, sorver o ar que lhe faltava aos pulmões. Aquilo tudo deveria ser uma brincadeira de muito mau gosto e não duvidava que fossem aqueles intragáveis Potter e Black que tivessem aprontado alguma coisa, lhe lançado alguma azaração, talvez. Primeiro aquele logro com o calendário dos elfos, agora essa atitude histérica dessa garotinha maluca que, por acaso, é grifinória também.
E ela lhe olhava com rancor.
— Quem são vocês e o que pretendem fazer em Hogwarts, afinal?! Dumbledore está morto e o que mais vocês querem? É a Harry, não é?! – Hermione falou com excesso de raiva em sua voz, com a habitual coragem típica de um grifinório.
Igor arregalou os olhos, boquiaberto. A princípio, acreditava que estava delirando, mas, desgraçadamente, ele tinha certeza de ter ouvido perfeitamente bem o que a garota falou-lhe com muita clareza.
— O professor Dumbledore... m-morto?! Isso.. isso não é possível! Ontem mesmo ele estava muito alegre durante a ceia! V-você está brincando, só pode!
Hermione se surpreendeu com a sinceridade que o rapaz demonstrou, e parecia chocado de verdade. Se a estória de Snape é verdadeira, então esse garoto – que demonstrou conhecê-lo - também veio do passado, juntamente com ele. Mas Snape não falou absolutamente nada de que tinha vindo mais alguém junto a ele e se ele omitiu essa informação é porque queria esconder algo ou, talvez, apenas proteger o amigo.
E por que ele lhe parecia tão familiar? No jovem Snape havia alguns traços marcantes que era inconfundíveis a quem lhe observasse com atenção... e quanto a esse outro rapaz?
— Você está brincando! É isso! É alguma armação da dupla dinâmica de heróis da Grifinória, não é?!
— Dupla dinâmica?!
— É!! Aqueles asquerosos Black e Potter! Sempre os exibicionistas, sempre os encrenqueiros! Não conseguem deixar as pessoas em paz, não é?! E você, garotinha? Qual deles lhe prometeu levar pra sair se entrasse nesse jogo sujo deles?!
Hermione ficou vermelha de raiva, sentindo o sangue ferver em suas veias e a sua vontade era de jogar uma cadeira sobre a cabeça desse atrevido! A vontade era tanta que sua mão se fechou sobre o encosto da cadeira que estava ao seu lado, até que a razão lhe trouxe de volta à realidade: o garoto estava sendo sincero, não havia sarcasmos ou cinismos de sua parte e, pelo visto, ele não tinha a mínima idéia de onde estava ou, melhor, quando estava...
Abrandou-se, tornando-se calma, e lhe falou num tom complacente e lento, como se falasse a uma criancinha:
— Não há nenhuma brincadeira aqui... também não há nem mais Black e Potter, nem Dumbledore também... o que há é que... você atravessou no tempo alguns anos... seu amigo Snape nos contou o que aconteceu...
Para ele, aquilo foi o mesmo que morrer. Igor sentiu um gelo terrível invadir seu peito e se alastrar por todas as suas terminações nervosas, perdendo a sensação de vida em seus braços e pernas que fraquejaram, fazendo o garoto escorregar para o chão. Aquilo era terrível demais para ser verdade.
— Não.. não pode ser! Eu.. eu não queria acreditar! C-como isso pode acontecer? É impossível! – Balbuciou para si mesmo.
Hermione temeu que o rapaz estivesse tendo algum colapso e sua ingênua veia altruísta a obrigou a ir até ele para verificar se ele estava bem. Mesmo vacilante, aproximou-se do rapaz, abaixando-se próximo a ele.
— Você está bem? Me deixe buscar ajuda! A diretora McGonagall pode ajudar você, assim como fez com Snape! Por favor, confie em mim!
Quase não acredita no que ouvia, como foi antes. Direcionou seu olhar desolado para a garota parada próxima a ele e estudou sua feição e acabou por ver o distintivo de Monitor-chefe preso à capa de inverno dela... definitivamente, ele jamais a vira em sua vida e, sendo ela uma Monitora, deveria conhecê-la...
— ... se fizesse parte de minha época... – Completou seu raciocínio em voz alta, sussurrando as palavras.
— Snape não falou nada sobre você, talvez quisesse protege-lo... mas, acredite que McGonagall encontrará uma forma de manda-los de volta para o tempo de vocês!
O garoto se encolheu, ainda mais desolado: — Ele não poderia ter dito nada.. ele não sabe! Não sabe que viemos de carona no feitiço dele! Merlim! Sequer acreditávamos que isso daria certo! E não vimos nenhuma alteração! Como pode ter acontecido isso?!
Hermione vincou as sobrancelhas, afastando-se do rapaz: — Você fala no plural! Não existe só você e Snape aqui?! Quem mais ou quantos mais usaram esse maldito feitiço?!
Igor estranhou a mudança brusca no tom de voz da garota. Por instantes, ponderou se deveria omitir a presença de Lucius ali ou não, mas como aquilo não era nenhuma brincadeira e nem sequer era um plano premeditado, achou por bem ser o mais sincero possível, mesmo porque ele não queria ficar preso em 1998, queria volta a 1978, onde estava sua vida e sua família.
— Somente eu e Lucius.. quando pulamos para dentro do portal, ele já estava desaparecendo e não havia ninguém por perto. Acho que não há mais nenhum.. invasor do passado por aqui, senhorita...
— Lucius? Você fala de.. Lucius Malfoy?! – Hermione finalmente se levantou, percebendo que a situação era mais grave do que parecia. Se era mesmo Lucius, pai de Draco, que ali estava, então já haviam dois Comensais da Morte que vieram do passado para conhecer o futuro e, talvez, usar isso a favor deles. A garota mergulhou nessas conjecturas que mal ouviu o que Igor lhe confirmava.
— Sim, Lucius Malfoy! Você o conhece? Bem, não me surpreende.. ele é o tipo que já nasceu com a vida ganha, provavelmente ele será grandes coisas no futuro!
— Sim, grandes coisas! Porém, nenhuma que preste! – Hermione respondeu, com a raiva novamente queimando dentro de si. Virou-se com brusquidão para o rapaz que permanecia sentado no chão, olhando-o com superioridade e lhe dirigindo a palavra com rispidez: — E você? Quem é?
O garoto sentiu-se decepcionado por ver a garota voltar a trata-lo de forma grosseira. Talvez pelo calor da situação, simpatizou-se com ela, crendo que ela poderia ajuda-lo a sair dessa encrenca... mas ela tornava à mesma atitude hostil e defensiva de antes. Ainda assim respondeu-lhe, sem muita vontade.
— Karkaroff... Igor Karkaroff.
No quarto onde Snape fora alojado na noite anterior, Minerva e ele discutiam o assunto. Melhor dizendo, o garoto apenas ouvia e era obrigado a concordar, pois não lhe ocorria saída melhor para isso no momento.
— O senhor compreende qual a sua situação aqui, Sr Snape?
— Sim, senhora... – o garoto respondeu cabisbaixo, os cotovelos apoiados sobre as pernas e seus cabelos oleosos caindo-lhe sobre o rosto, cobrindo-o parcialmente. — Não estou aqui há passeio, eu sei, mas... eu terei mesmo que permanecer preso aqui até que se descubra uma forma de reverter esse feitiço?
— Exatamente! O senhor não deve andar por aí e tomar conhecimento das coisas! Isso é muito perigoso, principalmente para você mesmo.
Snape se reergueu e havia desespero em sua fisionomia: — Mas, professora! E se levar muito tempo? Levar anos até conseguir me mandar de volta para 1978?! E se nunca conseguir?!
— Não se preocupe com isso, jovem, nós conseguiremos. – Minerva se levantou, dando as costas a Snape. — Se a coisa foi feita então pode ser revertida. Podemos levar alguns dias ou semanas, mas nada que possa mata-lo por esperar! Lembre-se que você perderia toda a sua vida se eu resolvesse envia-lo ao Ministério da Magia.
Minerva McGonagall saiu do quarto, batendo e trancando com feitiço a porta assim que passou, deixando um Severus Snape desolado para trás. O garoto levou as mãos aos cabelos, sentindo o medo e o desespero lhe devorando aos poucos por dentro. Heroicamente evitava que as lágrimas escorressem de seus olhos.
E tudo que ele queria era apenas algo diferente, algo que quebrasse aquele tédio, lhe desse alguma satisfação ou algo especial.
Ele havia conseguido algo especial, talvez o único no mundo inteiro que tenha conseguido a façanha de viajar tão longe no tempo... mas isso, nem de longe, lhe parecia algo a que se alegrar ou não temer, ainda mais.
Fim – continua...
Snake Eye's – Dezembro de 2008.
N/A: Mestra Sarah... o que a senhora não me pede rindo de lado a lado que eu, pobre pupilo, não faço me esbaldando de lágrimas ;]
Às caríssimas leitoras que nos prestigiaram com reviews.... MTO OBRIGADO!!!
