Fechou os olhos e deixou a cabeça cair levemente para trás, tentando abstrair-se do que o rodeava. Impossível! Os gritos de dor e determinação, o ruído metálico do embater de espadas e de escudos… O frenesim de uma batalha desigual onde o sangue era derramado em grandes quantidades sobre as ruas de Gil'ead.

Endireitou a cabeça e, apertando os olhos com força, deixou um suspiro agonizado escapar dos seus lábios. Era desprezível! Tudo aquilo era desprezível, ele próprio o era. No que se teria transformado ele afinal? Num monstro? Não, recusava-se a acreditar em tal. Era obrigado a fazer tudo aquilo. Não tinha culpa, tinha de acreditar nisso.

Olhou mais uma vez para a cidade, onde elfos e humanos se defrontavam de forma explosiva. Entre a mistura de túnicas vermelhas bordadas a ouro e armaduras prateadas uma outra cor, um outro brilho chamaram a sua atenção. O brilho dourado das escamas de um velho dragão morto. Morto, perdido para sempre na escuridão imensa de um sono eterno. Morto logo após o seu também velho Cavaleiro elfo que dera a sua vida em prole de uma causa maior.

Os seus músculos faciais contorceram-se numa expressão de repulsa. Em prole de uma causa maior… Nada é mais importante que a nossa vida, que a nossa sobrevivência. Nada pode ter um preço tão elevado, nem mesmo uma crença impossível, a certeza de uma liberdade que nunca viria a existir. "Não, enquanto Galbatorix viver".

- Acho que já fizemos o que tínhamos a fazer por aqui. Vamos embora! Este ruído dá-me dores de cabeça.

- Estamos a perder, Galbatorix não gostaria que fossemos embora e deixássemos os seus soldados morrerem e perderem para estes duas pernas de orelhas pontiagudas! – contrapôs Thorn, continuando a flutuar no céu escuro de uma noite desprovida de estrelas.

- Não temos ordens para permanecer aqui, não depois da morte do velho.

Não foram precisas mais palavras. Thorn voou para sul, rumo a Urû'bean. Aos poucos o barulho foi desaparecendo e, em pouco tempo, o silêncio total reinou. A lua, parcialmente encoberta por nuvens acinzentadas, brindou-os com uma ténue luz do seu prateado luar, fazendo cintilar as escamas de Thorn.

Respirou fundo, tentando descontrair. Sentia o corpo dorido. Não era fácil lutar contra elfos. Criaturas de agilidade, rapidez e força sobrenaturais, que poucos humanos ousavam enfrentar. Mesmo com a sua preparação física e incrível força, incrementada por Galbatorix, tinha-lhe sido difícil a tarefa de lutar contra tais seres. Ergueu a sobrancelha.

- Poderia vencê-lo através da mente mas suponho que me fosse impossível vencê-lo numa batalha corpo a corpo, tendo em conta a sua aparência neste momento.

- Referes-te a Eragon, certo? – perguntou Thorn – Não te subestimes! És forte e sabes disso.

- Mas não forte o suficiente.

Não houve resposta por parte de Thorn. Continuaram em silêncio, durante o resto da viagem.

***

O cansaço abandonara-o durante as poucas horas de sono e chegara a vez de a necessidade de dormir o abandonar também.

Tivera medo, teve de admitir a si próprio. Tivera medo que Thorn estivesse certo e Galbatorix ficasse descontente com o facto de ter deixado o exército sozinho, na desigual batalha de Gil'ead. Mas este limitou-se a mandá-lo descansar, demasiado satisfeito com o facto de ter conseguido eliminar Oromis.

"O descanso terminou", pensou enquanto se levantava da estreita cama envolta pela intensa penumbra do quarto. Vestindo-se com roupas escuras e, colocando Zar'roc à cintura, abandonou o quarto em direcção ao salão fantasmagórico onde Galbatorix permanecia, sentado no seu majestoso e negro trono que demonstrava o seu poder opressor sobre a região de Alagaësia.

Pela primeira naquela dia abriu as barreiras da sua mente, permitindo a entra do seu Dragão.

- Porque me fechaste a tua mente? – foram as primeiras e calmas palavras de Thorn.

- Precisava de reflectir sozinho sobre algumas coisas.

- Como sobre o facto de ainda não teres encontrado uma mulher que te ache atraente? – podia-se notar divertimento na sua voz. Uma rouca e cavernosa gargalhada ecoou na mente de Murtagh.

- Talvez. – respondeu o Cavaleiro com um sorriso trocista no rosto.

O sombrio corredor que percorria, sombrio como qualquer outra parte do castelo, terminou numa majestosa e escura porta, de grandes proporções. A porta abriu-se, sem que ele pedisse, sem que ele e empurra-se. Dentro da divisão nada mudara desde a última vez que lá estivera. O aspecto sombrio, a escuridão em que o espaço era envolto… Como sempre, sentiu um arrepio assim que entro no salão. Medo, intranquilidade, opressão… Era o que sentia sempre que ali entrava. O ambiente tão sombrio e frio como o coração de Galbatorix, era desconfortável. Curvou-se diante do majestoso trono onde um homem com um sorriso irónico estava sentado. Os seus olhos negros observavam atentamente todos os movimentos de Murtagh.

- Meu Rei! – disse respeitosamente, com a voz trémula. Praguejou mentalmente ao seu aperceber da falha na sua voz.