- Meu Rei! – disse respeitosamente, com a voz trémula. Praguejou mentalmente ao se aperceber da falha na sua voz.
- Nervoso Murtagh? – perguntou sarcasticamente Galbatorix. A sua voz rouca e cavernosa provocou arrepios a Murtagh. – Não precisas de estar, tenho apenas mais uma missão para ti. Preciso que me consigas recuperar um artefacto valioso.
- Um artefacto valioso? - Murtagh viu o tirano rei se levantar e se colocar de perfil para ele, olhando um ponto indefinido do salão. Uma das "tochas" acesas no salão proporcionou contornos arrepiantes ao seu rosto.
- Sim… - respondeu com pensamentos distantes e voz áspera. – Há muito tempo atrás, ainda antes da queda dos Cavaleiros, Oromis escreveu um pergaminho onde está encerrado um dos grandes segredos da magia. Agora, com a sua morte, existe apenas uma pessoa, ou melhor, uma elfo, que sabe do paradeiro desse pergaminho.
- Uma elfo? – perguntou Murtagh intrigado.
- Uma jovem, mas mesmo muito jovem elfo. Pelo que consegui saber, ele afeiçoou-se a ela quando ainda era muito pequena. É filha de um dos grandes guerreiros de Ellesméra e, ao que parece, apesar da sua tenra idade já segue as pisadas do pai. Oromis ensinou-lhe muito, tanto a nível de magia como da arte da espada e foi a única a quem confiou o segredo. Caso lhe acontecesse alguma coisa, a responsabilidade de proteger esse pergaminho ficaria a cargo da jovem guerreira.
- E que pretende que eu faça, meu rei?
- O que pretendo que faças meu caro Murtagh? – o rei riu-se – Como é obvio, quero que a captures e que a tragas até mim. Segundo os meus espiões ela partirá daqui a dois dias de Gil'ead em direcção a Feinster para se juntar aos Varden. Não sei muito da sua descrição, apenas que tem longos e negros cabelos ondulados, mas não deve ser difícil encontrá-la. Partirás amanhã ao nascer do sol!
Fez sinal para Murtagh sair e acrescentou antes de este atravessar a porta:
- Não te atrevas a falhar!
Murtagh engoliu em seco discretamente e saiu do arrepiante salão.
***
Sentia o ar bater-lhe no rosto enquanto voava no dorso de Thorn, rumo a Gil'ead. Perguntava-se como não se recordava de ver a guerreira elfo durante a batalha. Não era comum ver uma mulher em batalha, mesmo sendo uma elfo, não lhe deveria passar despercebida. Estaria Galbatorix a receber informações falsas?
- Ninguém se atreveria a fazê-lo. – disse-lhe Thorn ao que Murtagh concordou em silêncio auditivo e mental. – Olha ali!
Murtagh olhou curiosamente para a direcção apontada por Thorn. A pouco mais de dois quilómetros de distância, um cavalo negro cavalgava velozmente na direcção contrária. Montado no ágil animal, podia-se ver o seu cavaleiro, de longos e negros cabelos ao vento. Cavalgava pelo interior de uma densa floresta, com a intenção de passar despercebido.
- Parece que não vamos ter de avançar mais. – um sorriso desenhou-se no rosto de Murtagh. O destino resolvera sorrir-lhe também, enviando aquilo que procurava na sua direcção.
Thorn desceu rapidamente, descrevendo uma apertada espiral. O solo tremeu assim que as suas imponentes patas tocaram o chão e algumas folhas caíram, impelidas pela brisa criada ao fechar das suas asas.
O cavalo relinchou assustado assim que se deparou com o grande Dragão vermelho e o cavaleiro, ou melhor, cavaleira que o montava pareceu surpreendida. Murtagh foi quase de imediato atraído pelo misterioso brilho dos olhos de cor invulgar da elfo. Um azul noite penetrante, quais duas safiras brilhantes incrustadas no seu rosto. O seu cabelo negro e ondulado completava a sua beleza, beleza essa que Murtagh podia jurar ser superior à de qualquer outro elfo com quem já se tivesse cruzado.
Abanou ligeiramente a cabeça, numa tentativa de se afastar de tais pensamentos e desceu do dorso de Thorn, aproximando-se do cavalo que a elfo montava. Viu-a descer também do dorso do belo animal, de forma graciosa.
- Parece que os rumores estavam certos e que tão bela e jovem guerreira elfo iria mesmo juntar-se aos Varden. Que tão mal escolhido aliado… - abanou a cabeça em tom de reprovação, com um sorriso irónico nos lábios. Inclinou-se um pouco, em sinal de vénia. – Permite-me que me apresente, sou…
- Creio que as apresentações são desnecessárias Murtagh, filho de Morzan, o último Renegado. – interrompeu a elfo. A sua voz harmoniosa continha uma certa frieza. – Que pretendes de mim Cavaleiro das Trevas? – retirou rapidamente a sua espada, de punho negro e lâmina prateada, da bainha, presa no cinto das calças de cabedal negro.
- Levar-te à presença do nosso Rei, Galbatorix. Ele deseja que lhe reveles uma informação. – colocou a sua mão em redor do punho de Zar'roc, preparado para a empunhar rapidamente, caso fosse necessário.
- Nosso rei? – a guerreira elfo riu-se. Uma risada cristalina que pareceu irreal ao Cavaleiro – Eu apenas tenho uma rainha e é ela Islanzadí. Essa ratazana com uma coroa na cabeça nunca será meu rei!
- Bem… Virás a bem ou preferes sair daqui derrotada e ser arrastada até Urû'bean?
- Não perderei… Não para aquele que decidiu ser a maldita continuação dos Renegados! – e ditas estas palavras avançou para Murtagh, de espada erguida, vendo o seu golpe habilmente cortado pelo Cavaleiro. Recuou e voltou a investir sendo o seu golpe de novo bloqueado.
Murtagh defendia-se com dificuldade. Tal como todos os elfos, a jovem elfo era veloz, ágil e forte. Bastante forte! Murtagh sabia que sairia derrotado, mas isso era algo que não poderia acontecer, não poderia falhar. Já tinha sofrido demasiadas torturas devido às suas falhas.
A luta prosseguiu. Murtagh via as suas forças escassearem enquanto a elfo parecia ter uma fonte de energia inesgotável. Não aguentaria muito mais tempo. A sentença estava prestes a ser ditada e ele estava condenado a falhar e a ser torturado por isso. Num momento de desespero, não lhe ocorreu nada melhor do que um golpe baixo. A única solução… Abasteceu-se rapidamente da pouca energia que tinha armazenada no rubi de Zar'roc e concentrou toda essa energia num só golpe de espada, mais forte do que julgava ser capaz de dar.
Por momentos, a elfo soltou a espada, devido à força do impacto. Aproveitando-se de tal facto, Murtagh fez-lhe uma rasteira. A guerreira desequilibrou-se, caindo de costas. O Cavaleiro agarrou a espada da elfo, que ela largara acidentalmente durante a queda. Deu graças por ela não ser uma guerreira de basta experiência.
Apontou-lhe Zar'roc ao pescoço com um sorriso triunfante no rosto, recebendo um olhar carregado de ódio em troca.
- Desculpa… - disse o Cavaleiro, com mais sinceridade do que a desejada – Mas isto é necessário.
A guerreira apenas virou o rosto, com a sua expressão carregada de raiva a até mesmo desespero, conhecendo a sua derrota numa batalha onde valia tudo, pela liberdade.
***
Puxou-a pelo corredor por um braço, olhando algumas vezes para os seus pulsos atados, tentando ter a certeza que ela não professaria um feitiço para se libertar.
A jovem elfo tornara-se um mistério para ele. Nada ela dissera durante a viagem para Urû'bean. Queria saber o seu nome, queria poder saber como suaria o seu nome dito por si, dito por ela. Sentia-se estranho perante a anormal curiosidade, mas os olhos dela, envoltos em mistério e brilho, tinham sido suficientes para que ele se perdesse nela e a quisesse conhecer, desvendar o seu mistério. Um desafio que fizera despertar nele os mais estranhos sentimentos.
A porta do salão onde Galbatorix estava abriu-se instantaneamente assim que se aproximou. Sentiu a elfo estremecer assim que entraram. Não era apenas ele que se sentia desconfortável com o ar respirado naquela divisão.
- Bom trabalho Murtagh. – ouviu Galbatorix felicitá-lo quando se aproximou do trono. Largou a elfo, sabendo que ela não se atreveria a fugir perante Galbatorix, e inclinou-se numa vénia. – Será que posso ter a honra de saber o nome de tão formosa elfo? – perguntou ele com um sorriso de desdém. Murtagh viu-se ansioso pela resposta.
- Lhian. – respondeu a elfo num tom de voz áspero, olhando para o rei desafiadoramente, tentando esconder o medo e opressão que Murtagh tinha a certeza que ela sentia interiormente.
Lhian. O nome soava tão belo na sua voz rouca, mesmo sendo dito apenas em pensamentos. Parecia tão certo dizê-lo, tão natural. Achou o nome belo, perfeito para a bela, corajosa e misteriosa elfo que já tinha mostrado toda a sua perícia e determinação. Uma adversária temível, que mesmo com medo, não vacilava diante de adversários ferozes.
- Onde está o pergaminho? – perguntou Galbatorix. A elfo não respondeu. Um silêncio cortante reinou. – Vá lá Lhian, será mais fácil se mo disseres. Pouparás muito sofrimento a ti própria. – Mais uma vez silêncio! Lhian olhava o rei com o mesmo olhar desafiador. Galbatorix levantou-se, mostrando a sua pouca paciência. – Murtagh, leva a nossa convidada para os seus aposentos. Talvez ela decida falar depois do tratamento conveniente.
- Sim, meu rei!
