I. Toive Tähteä

A tarde, cinzenta e morta, as nuvens carregadas de neve, era um mau agouro. De boca em boca corria a notícia de que a infeliz Rauha, outrora a mais querida e desejada da vila, daria à luz ao filho de Armo Toivonen. O nome ainda suscitava revolta nos aldeões, que se lembravam com ódio do dia em que o misterioso viajante chegara à vila; charmoso, sedutor, conquistara de imediato o amor da jovem Rauha. Cega de paixão, ela havia desobedecido as tradições ancestres do povo e fugido com ele, apenas para reaparecer meses depois – sozinha, de coração partido e carregando seu filho. Desde então caíra em desgraça e nas más línguas; murmuravam as curandeiras e parteiras que a criança seria um farol de infelicidade e má sorte, de modo que nenhuma delas se dispôs a assistir a jovem mãe. O dia ruim só parecia confirmar seus presságios, assim como o longo inverno: logo os estoques de comida terminariam, as predições das estrelas do ano novo não poderiam ser feitas na data tradicional. E a criança de Rauha era a única a nascer naquela época.

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O fogo queimava baixo e crepitava na pequena lareira. Deitada na cama estreita, sozinha, Rauha olhou para fora através da janela aberta; a neve caía farta e espessa como uma cortina branca, e ela imaginou ter visto atrás dela um vislumbre de seu amado. Chamou-o, baixinho, e esperou; mas não veio resposta, e a dor de uma contração a trouxe novamente à realidade: apenas os flocos flutuando, abundantes e indiferentes, no frio do inverno. Então a mulher suspirou e voltou o olhar para as vigas baixas do teto, aguardando e rezando em silêncio e sofrimento.

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Mas no firmamento, acima da neve e do frio, as estrelas brilhavam. As nuvens se afastaram e o céu se abriu, e os olhos cintilantes de Atena caíram sobre aquele nascimento, abençoando-o com graça e ventura.

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No mesmo momento, os sábios e velhos se reuniriam para observar o céu noturno e fazer suas predições para as colheitas, como de costume no início do ano; com a nevasca que rugia nas janelas e ao redor das casas seria impossível, e as leituras atrasadas costumavam trazer más safras. Mas sua discussão, ao invés, foi sobre o cessar tão rápido da neve e o brilho incomum das três estrelas da Espada, estranhamente deslocadas para aquela época, e colocadas no centro do céu.

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A figura luminosa passou por entre as árvores, silenciosa, e adentrou a cabana. Mãos delicadas enxugaram o suor e as lágrimas de Rauha, seguraram as suas para lhe dar coragem e a confortaram com suaves carícias; de olhos fechados, ela pensou ter ouvido uma voz que lhe murmurava ao ouvido, dando-lhe forças, falando numa língua desconhecida. Talvez fosse só sua imaginação novamente, disse a si mesma, talvez apenas um sonho. Mas se era uma peça que sua mente lhe pregava, ainda assim a consolava um pouco; e a fazia esquecer do quanto se arrependia de seus erros, e do quanto não queria aquela criança.

Atena se entristeceu. Quando colocara sua mão sobre a jovem e infeliz Rauha, suas intenções eram de alegrar a pobre mãe com o nascimento de uma criança abençoada, que lhe traria felicidade e paz de espírito, fazendo-a esquecer seu amor perdido. Mas o destino é sempre estranho. Ela encontrara uma gestação difícil, complicada pela presença de dois bebês, e não pudera gerar uma terceira criança saudável sem afetar a mãe já fraca e combalida. E não pudera voltar em seus passos, tampouco; restava-lhe apenas consolar e aliviar a dor da mulher em seus últimos momentos, e aceitar seu rancor como punição. E a deusa sofreu, e chorou em seu íntimo pela infelicidade de Rauha.

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Agouro, má sorte, desgraça, diziam as velhas que liam o destino aos sábios. Era necessário livrar-se da semente do estrangeiro, tão logo viesse ao mundo, ou mais acontecimentos como a queda de Rauha se sucederiam. E os deuses, insatisfeitos, desfavoreceriam suas colheitas e caça, trazendo consigo a ruína de todo o povo. Os velhos debatiam acaloradamente entre si, alguns lembrando o destino inexorável tecido pelas videntes, outros apontando um crime completamente desnecessário, suas vozes perturbando o silêncio.

Um leve toque na porta interrompeu as discussões. Quando a abriram, viram os sábios uma figura de luz que ascendia aos céus, deixando uma trilha de pequenas estrelas; e, na soleira a seus pés, três recém-nascidos.

Se perguntados, os velhos não saberiam por que acolheram as crianças, contrariando as tradicionais leituras de destino e sorte, contrariando os costumes que sempre regiam todas as decisões. Talvez fosse o presságio da Espada e da silhueta luminosa, talvez fosse a aura de amor e paz que circundava os pequenos naquela incomum noite límpida, ou talvez fosse apenas uma rara manifestação de misericórdia e compadecimento por parte de seus corações. As crianças foram adotadas pelo conselho da vila, contra todas as convenções e regras; o corpo de Rauha foi queimado, como de costume, por três dias, e suas cinzas sepultadas na orla da floresta.

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Aulis foi o nome decidido para o mais velho, para que fosse a mão forte que auxiliaria o povo em seus momentos de dificuldade. Alli, para a menina do meio, para que pudesse transcender sua fragilidade e seus problemas com um espírito ardente e poderoso, e inspirar a todos. E Vieno, para o mais novo, para que com sua suavidade pudesse consolar e alegrar aqueles necessitados de gentileza e carinho. Aulis, Alli e Vieno receberam em público o sobrenome de sua mãe, Ilmavalta, embora alguns ainda os vissem como filhos de Toivonen e os chamassem por outros nomes; Usko, Säde e Onni Toivonen foram seus nomes no batizado ritual, aquele onde eram ditos uma vez e então esquecidos seus verdadeiros nomes, perante os deuses.

Apesar de seu histórico conturbado e da falta dos pais, os irmãos cresceram sob o olhar e proteção de Atena e no amor dos aldeões, e foram criados cercados de afeto e cuidados, tratados como filhos queridos por todos. Cada um tinha o seu predileto, seu favorito; mas todos os três encantavam os aldeões, e eram chamados de crianças abençoadas, os filhos das estrelas.


Notas:

a. Siipirikko significa aproximadamente "Asas Quebradas", "Asas Partidas".
b. Toive Tähteä, "Estrelas de Esperança".
c. Rauha, "paz".
d. Armo, "graça", "misericórdia".
e. Toivonen, derivado do nome Toivo, "esperança".
f. Estrelas da Espada: referência à subconstelação chamada no Brasil de Três Marias, pertencente à constelação de Órion e conhecida em alguns países como a Espada de Órion. A constelação não é visível no Hemisfério Norte entre os meses de janeiro e outubro.
g. Aulis, "solícito", "aquele que ajuda".
h. Alli, uma ave anseriforme gregária e migratória, comum na Finlândia [Clangula hyemalis]; ou diminutivo local para Adelheid, "de classe nobre".
i. Vieno, "gentil".
j. Ilmavalta, "poder do ar".
k. Usko, "fé".
l. Säde, "raio de luz".
m. Onni, "sorte", "felicidade".


Primeira parte da fic Siipirikko, que conta a origem dos trigêmeos Ilmavalta. Enjoy!