Capítulo 05 – Assombrado

Ben resolveu voltar para casa a pé, assim poderia eliminar a energia acumulada. Seus passos eram lentos e despreocupados, como se não tivesse pressa para chegar em casa, o que era verdade.

Sentia-se deslocado no meio das pessoas que atravessam as faixas de pedestres ou andavam pelas calçadas. Parecia que ninguém sabia o que havia acontecido, sendo que para ele, era um fato muito importante.

Como ninguém se importava com a dor que sentia na alma? Por que ninguém se aproximava e perguntava "Está tudo bem?" ou então "Meus pêsames." ?

O adolescente afrouxou a gravata, que parecia enforcá-lo. Tudo o incomodava: a roupa que usava, as pessoas ao redor, o mundo, a vida, céu cheio de estrelas e a lua cheia. Sentia uma imensa necessidade de gritar que nem um lunático, ficar mudo de tanto berrar.

Quando chegou perto de casa, um calafrio percorreu da espinha até a nuca. Era como se existisse alguém o espiando nas trevas, com uma intenção assassina tão forte, que podia apalpá-la. E isso o assustava e muito.

Não era comum se sentir ameaçado, ainda mais sabendo que possuía o Omnitrix. Havia passado por situações piores do que aquelas, ainda quando menino e nunca fraquejou. Porém, dessa vez era diferente... Estava sendo caçado.

-Apareça de uma vez. Não estou com humor para brincadeiras...-ele ameaçou, levantando a voz para o nada.

Seus tóxicos olhos verdes percorriam ao redor, tentando achar quem poderia ser. Entretanto, a escuridão servia como camuflagem perfeita. Ele pensou em até usar o dispositivo alienígena, mas estaria se precipitando.

Acelerou o passo e entrou dentro de casa. O lugar estava vazio, afinal Carl foi consolar o irmão e Sandra foi acompanhar o marido. Na cozinha, havia um bilhete na geladeira, dizendo que a comida estava no microondas e só precisava ser esquentada.

Como a sensação não passava de jeito nenhum, trancou todas as janelas e portas da casa, rumando direto para o quarto. Trancou-se e deitou na cama, com o travesseiro sobre a cabeça. Ben não queria enfrentar nada, não agora que estava sozinho.

Não poderia contar com a força de Kevin ou os escudos protetores de Gwen... Eram tantos sentimentos, tantos pensamentos, que parecia estar sendo tragado para o fundo de poço. Sua água negra o envolvia, o engolia aos poucos, enquanto ele lutava para voltar à superfície.

Justo agora, que o vovô Max voltou...Justo quando pensou que teria sua família novamente unida, todos sorrindo e conversando na mesa da cozinha, durante o almoço de domingo...A esperança de dias melhores foi arranca do seu coração de tal forma que, ainda sangrava muito e parecia demorar séculos para se curar.

Até mesmo Kevin foi embora. A idéia de que ele nunca mais poderia fazer parte da família Tennyson, doeu no peito de Ben. Tudo mudou tão drasticamente e isso entristecia o adolescente, que se sentia inútil.

Mais lágrimas escorreram pelo seu rosto. Será que um dia poderia parar de chorar? Suas lágrimas chegariam ao fim? Ficou tão exausto de chorar que acabou dormindo. Seu corpo precisava de um descanso, apesar da mente nunca parar de pensar.

—X—

O sol não raiou naquela manhã. Estava encoberto por nuvens extremamente densas e cinzas. Parecia noite em pleno dia, um eterno crepúsculo. Quando Ben abriu a janela e encarou o céu, pensou em Kevin. Será que ele estaria olhando para o mesmo ponto que ele, em outro lugar? Onde ele poderia estar agora?

O dono do Omnitrix resolveu que não iria comer, seu estômago não sentia fome. Carl e Sandra acharam estranho, porém respeitaram o filho. Obrigá-lo a comer seria besteira, isso poderia atrapalhar mais ainda e tornar a situação pior do que já era.

Ben vestiu um conjunto do moletom e foi caminhar um pouco. Precisava fazer algum exercício físico, parar de pensar em tantas coisas. Seu cérebro nunca havia trabalhado tanto antes e parecia estar a ponto de explodir a qualquer minuto.

O corpo se movia de forma mecânica, sem saber exatamente onde estava sendo levado. Ao encarar a placa do parque central de Bellwood, achou que fosse uma boa idéia andar um pouco ali. O lugar estava vazio.

Não havia famílias fazendo piquenique ou cachorros correndo atrás de varetas ou sons de risadas e sentimentos de alegria. O único ser humano no parque era Ben, que continuou andando. A atmosfera parecia ameaçadora, as árvores se assemelhavam a vultos altos e cheios de braços, as sombras pareciam se mover no chão e o lago era uma grande poça de piche.

A umidade no ar crescia rapidamente e dentro de poucos segundos, a chuva caia do céu. Os pingos eram pesados e gelados, encharcando o moletom de Ben. Ele ficou parado no meio da trilha, sentindo a água escorrer pelo rosto e corpo.

Os raios cortavam as nuvens e os trovões faziam o ar vibrar. Entre os flashes de luz, ele viu que havia mais alguém no parque.

-QUEM É?! –berrou inutilmente, sabendo que não obteria resposta.

A sombra não respondeu e começou a avançar na direção de Ben. Ativou o Omnitrix e no momento em que escolhia o alienígena, sentiu algo batendo em seu estômago, o arremessando para longe. Seu corpo escorregou na lama que havia no chão, sujando o moletom e tornando difícil para levantar.

Ben não sabia o que estava acontecendo, o dispositivo parecia não funcionar, um certo tipo de interferência tornava impossível o Omnitrix transformar o adolescente em alienígena. Sendo assim, teria de virar na forma humana. E foi isso que fez.

Saiu correndo na direção do lago, onde poderia contorná-lo e ir direto para o portão e quem sabe, conseguir ajuda. Os músculos das pernas trabalhavam o máximo que podiam, porém o lago parecia nunca estar perto o suficiente.

Ben sentiu o desespero crescer dentro do peito, no momento em que viu a figura indo à sua direção. Ele nunca havia visto nada parecido antes, a criatura era feita de trevas. Era como se fosse apenas o contorno de um ser humano, pintado de preto no interior.

Não existia boca, nem olhos, nem nada...Apenas escuridão.

-O que você quer comigo? –perguntou, tentando se recompor.

Logo após a pergunta, fendas se abriram no rosto da criatura, como se fossem olhos. Eram brancos e contrastavam com o fundo negro. O contorno alongado dava uma impressão de olhar sádico e cheio de loucura. Outra fenda também se abriu, uma espécie de boca. O sorriso maníaco acompanhava o teor psicótico dos olhos e a criatura parecia extremamente perigosa.

-Eu...Desejo a sua vida...-o ser humanóide respondeu, sua voz era lenta e áspera.

-O que?

-Sua vida...Eu desejo...Morra...

De repente, os braços do ser esticaram como tentáculos, Ben tentou escapar, mas de alguma maneira, foi alcançado antes que pudesse começar a correr. A chuva não parava de cair e dificultava ainda mais os movimentos do adolescente, que estava coberto de lama.

A figura o puxava pelo pé, lentamente. Parecia estar se divertindo com o horror que os olhos verdes de Ben emanavam. Desesperado, agarrava na grama, esperando retardar os puxões que sofria. Suas unhas quebravam e começavam a sangrar.

Será que aquele seria o seu fim? Sozinho no meio do nada, sem ninguém para poder ajudá-lo? Realmente, não era assim que imaginava a sua morte...Sempre achou que seria de maneira gloriosa, durante uma batalha para defender a Terra.

Estava com medo, sentia-se covarde por querer de modo tão desesperado a vida. Mas...Não havia com quem se preocupar. Gwen já se fora e Kevin estava em algum lugar do planeta, caçando Mike. Por que então lutar para viver?

Ben largou a grama e deixou que a criatura o arrastasse para perto de si. Os tentáculos agora largavam seu pé e enrolavam no pescoço, apertando-o aos poucos.

O adolescente sentiu o ar ficando rarefeito, as células do corpo adormecendo, as batidas do coração desacelerando, os pulmões respirando cada vez menos...Os olhos já não conseguiam mais manter o foco no rosto da criatura, que gargalhava de satisfação.

Ben percebeu que as últimas lágrimas da sua vida escorriam pela face, misturando-se com as gotas de chuva. Pensou em tantas coisas e ao mesmo tempo em nenhuma. Lembrou dos pais, da infância, das aventuras que viveu até ali, dos ensinamentos do vô Max...E principalmente, sentiu um calor reconfortante ao pensar em Kevin e Gwen.

Seus lábios formavam um fraco sorriso, conforme a vida se esvaia a cada segundo.

-Adeus...-sussurrou antes de mergulhar na escuridão do inconsciente.