Fic OURO no I Challenge Crônicas de Nárnia do Fórum MM (vide mais no meu perfil).

Fic escrita para o Projeto Espelho de Ojesed do Fórum MM.

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Verdades e lendas

Adriana Swan

- Coisas maravilhosas só acontecem a pessoas maravilhosas.

A voz baixa de Reepicheep era clara e chegou a Caspian como vinda de muito distante. O jovem rei acompanhava a conversa entre o rato e o dragão em silêncio, enquanto olhava as estrelas e pensava na seu próprio destino ao viajar por águas ainda não exploradas.

Um movimento perto da fogueira chamou sua atenção e viu com surpresa que era o Rei Edmund que havia se levantado e ia em direção aos outros dois. Uma coisa que Caspian não conseguia entender era como Eustace podia ser parente dos antigos reis, sendo tão diferente em fibra moral e dignidade, sendo tão sem importância.

O rei, ainda deitado, viu Edmund andar a passos lentos e sorrateiros pela areia até chegar onde estava seu primo, possivelmente com vontade de confortá-lo em seu infortúnio. Ele sentou, em silêncio, deixou as pernas um pouco curvadas e escorou os braços em seus joelhos, o rosto jovem (apesar dos milhares de anos) olhava o mar sem expressão.

O rato e o dragão o observaram com interesse, curiosos para saber o que levava o rei Edmund (ou só Edmund, para Eustace) a levantar no meio da noite e ir ter com eles.

- Sábias palavras, Reepicheep – Edmund comentou, mais para si que para os outros – Sábias palavras.

Caspian abriu bem os olhos, sentindo qualquer vestígio de sono se esvair. Havia alguma coisa no tom indiferente de Edmund que o deixou inquieto.

- Ora, são só as palavras tolas de um rato, majestade – Reepicheep respondeu lisonjeado, feliz demais pelo elogio de seu Rei – Tenho certeza que um nobre Rei como o senhor é conhecedor de muito mais sabedoria que este pobre rato.

O rapaz sentado na areia não respondeu a princípio, parecendo ainda mais um simples rapaz em suas divagações e não um Rei em seu silêncio.

- Eu conheço a verdade de suas palavras, Reepicheep, - ele respondeu – como nem você mesmo ousaria imaginar.

Seus três ouvintes franziram o cenho. Do que o Rei estaria falando? Iria Edmund pela primeira vez falar com eles sobre a Golden Age? Falar abertamente? Tudo que se sabia daquela época chegara a eles por lendas, pouco se sabendo da boca dos próprios Pevensie.

- Li um pouco sobre as lendas que vocês conhecem de nós... a Golden Age, os mitos – ele continuou ainda olhando o mar – mas na verdade, não sabem nada. O que sabem sobre a Feiticeira branca? Muitos desejaram que Caspian a trouxesse três anos atrás enquanto estávamos em guerra com Mirax. Sabe, não era só uma questão de gelo...

Um pequeno silêncio se fez seguindo suas palavras. Na escuridão, Caspian engoliu em seco, fingindo dormir, a memória do dia em que quase chamara a Feiticeira branca ainda bem viva em sua mente, assim como uma pequena revolta queimando seu peito por Edmund achar que eles não sabiam de nada.

Reepicheep se levantou de onde estava, escorado nas grossas e avermelhadas escamas do dragão e foi sentar ao lado de seu Rei Edmund, colocando uma de suas pequenas mãos sobre a perna deste para o confortar.

- Nós sabemos que ela foi o pior inimigo que Nárnia já teve, majestade. – O pequeno rato falou.

Edmund não pareceu ter escutado o que ele disse, pois continuou falando no mesmo tom distante e ligeiramente amargo.

- Eu era muito jovem quando estive em Nárnia pela primeira vez, Reepicheep. Muito jovem – sua voz era baixa, embora fosse o suficiente para chegar onde Caspian o escutava atento a cada palavra sua como se lhe revelassem verdades que não conhecia – A primeira vez em que vi a Feiticeira Branca, ela me ofereceu o que eu mais queria. Um castelo de gelo, reinar ao lado dela, docinhos... eu nem lembrava mais dos docinhos.

- Todos sabemos que era jovem e que vossa majestade e seus irmãos lutaram bravamente para salvar Nárnia da Feiticeira – Reepicheep continuou.

Edmund riu.

- Ela me ofereceu o que eu mais queria: estar acima de Peter – ele falou seco, as palavras doendo tanto nele quanto chocando seus ouvintes – Vendi Nárnia e todos os Nárnianos para ficar acima de meu irmão.

Caspian e Reepicheep abriram as bocas, surpresos, sem conseguir pensar em nada. Nunca ouviram nada assim nas grandes histórias do passado. O dragão fez um pequeno barulho involuntário, acostumado demais a ver a união dos irmãos Pervensie para acreditar em algo assim vindo de Edmund.

- Mas majestade... – o pequeno rato continuou, incrédulo – o senhor é o Rei Edmund, O Justo. Ela deve ter o enfeitiçado!

Outro sorriso se fez nos lábios do rei, mas dessa vez bem mais ameno.

- Não, ela não fez isso. E foi assim que eu aprendi sobre a justiça, Reepicheep – ele respondeu – sendo o maior traidor que Nárnia já viu.

- Mas o senhor aprendeu com seus erros, alteza – o rato continuou, animado. Confiava na dignidade de seus reis – e é isso que o torna um rei tão justo. Mesmo tendo traído o seu povo, conseguiu governá-lo com honra, como era destinado a ser.

- Sim – ele concordou levantando e batendo a areia das vestes para voltar a dormir em seu canto, a luza da fogueira criando grandes e assustadoras sombras a seu redor – e é por isso que concordo que coisas maravilhosas só acontecem a pessoas maravilhosas.

O mais nobre de todos os ratos sorriu, orgulhoso de ver suas palavras repetidas por seu Rei. Edmund se virou para o dragão.

- Talvez você ache que seja um castigo, talvez muitos achem que você não seja digno, – falou e seu tom era o mais amigável possível – mas como disse Reepicheep, algo assim, não aconteceria a alguém que não tenha um grande destino pela frente. Talvez um dia, Nárnia o reverencie e conte histórias sobre você assim como fazem comigo e os outros. Eu não sei se eu mereço, ou se você merece, mas acho que Aslan acredita que sim.

Sem mais delongas Edmund deu boa noite e voltou a se deitar, deixando um dragão e um rato em uma conversa calorosa (e unilateral, já que Eustace só fazia mover a cabeça) sobre a possibilidade de virarem uma lenda enquanto em um cantinho do acampamento, fingindo dormir, um outro rei olhava o céu.

Era um telmarino. O Telmarino que Salvou Nárnia. Caspian X. Quantas vezes vira Aslan? Todas na presença dos Antigos Reis. Nenhuma lenda ou profecia, nada. Um dia também seria reverenciado e diriam histórias sobre ele, assim como faziam com os antigos reis.

Será que nesse dia seria digno também?