"Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontram as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou."

Heráclito

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Nunca mais

Saga POV

Miro meu rosto ao espelho, mais uma vez. Diziam que eu era belo... isso mesmo, diziam, pois há anos não posso e não devo mostrar meu rosto em público. Essa beleza... jamais me serviu de coisa alguma! Apenas... apenas quando Kanon vem me ver é que posso usufruir um pouco disso a que todos sempre chamaram de "beleza".

Está perto da hora de meu irmão vir me ver. Sorrio, de forma irônica. Quando que, há alguns anos atrás, eu imaginaria que Kanon voltaria a vir me ver? Eu pensava que nunca mais iria vê-lo... ao menos não nesta vida. Numa outra, longínqua e daqui muitos milênios... sem sequer vir a me lembrar desta história e desta situação na qual me encontro atualmente...

Todavia, foi nessa vida de fato que o encontrei novamente. Intentei castigá-lo, mas quem recebeu o castigo fui eu. Tolo! Quem sou eu, afinal de contas, para castigar Kanon, carregando em mim o fardo que carrego?

Enfim. De qualquer forma, o cri morto por seis anos. Nesse período, vivi um luto muito real, muito sentido, assim como a antiga história de Castor e Pólux conta. Um dos gêmeos sentiu tanto a morte do outro, que decidiu dividir a imortalidade a fim de trazer o irmão novamente à vida.

O luto é uma constante no Destino da Constelação de Gêmeos, e eu tive de passar por tudo isso para compreender enfim, para sentir na pele, tudo o que a cosmo-energia de minha constelação compreende.

De nossa constelação, aliás. Minha e dele. Não posso esquecer.

Eu lembro de quando estava de luto. Era algo horrível, uma dor que parecia não mitigar com absolutamente nada. Então eu separei algumas coisas de Kanon e as trouxe para os aposentos os quais ocupo até hoje, como Grande Mestre. Havia dias nos quais eu me dedicava somente a ficar olhando suas anteriores coisas, e cheirando suas roupas, e até mesmo escrevendo algumas mensagens a ele, como se Kanon fosse capaz de lê-las, mesmo estando supostamente morto. E eu enterrava meu rosto em suas anteriores roupas, e ficava ali a cheirar o cheiro dele - o pouco de cheiro que anda havia dele nas roupas - prostrado por horas que não sabia e não queria contar.

Até o dia em que reparei que o cheiro das roupas estava sumindo. Ou melhor, se diluindo. Se eu ficasse muito tempo prostrado nas roupas dele, elas ficariam com o meu cheiro, e não o dele.

Ou com o cheiro de ambos. Mas como ele já não usava mais as roupas, com o tempo o cheiro dele ia desaparecer completamente, e ia ficar somente o meu. Então, parei de me debruçar sobre as roupas dele, a fim de conservá-las da mesma forma que eram quando ele havia "ido embora".

Então ele voltou.

A mente que tem de se adaptar ao luto, a fim de colocar novamente a pessoa em seu cotidiano caso o ser supostamente morto se demonstre vivo - como foi o caso meu e de Kanon - há novamente que sofrer uma adaptação. Fiquei imensamente feliz em ver que ele obtivera o favor dos deuses na prisão do Cabo Sounion - embora triste por ele não ter-se redimido, e mesmo tendo ido ao Reino de Poseidon - mas a minha mente teve de mudar outra vez. Minha cabeça hoje se habituou aos horários que ele vem me ver, quando ele vai embora, que caminhos toma para não ser reconhecido.

E eis que, repentinamente, eu percebo com toda a clareza e lucidez, de uma vez só, como meu pensamento mudou em relação a ele.

Após o retorno de Kanon e após reatarmos nosso relacionamento, nunca mais fui às coisas dele, as quais usava para me consolar no período de luto. É óbvio, o luto havia acabado, e também eu tinha a ele pessoalmente para me ocupar. Mas num dia, ao abrir um armário, vi lá as coisas dele. Todas elas. E elas me trouxeram imediatamente a memória afetiva de como eu me sentia no luto.

É incrível perceber o quão doloroso aquele período foi. E também é incrível constatar que ele voltou e sobreviveu, por mais que na época o "nunca mais" rondasse a minha memória.

Ao rever todas aquelas coisas após tanto tempo, decidi separá-las e fazer algo com elas.

Quando Kanon enfim aparece, em seu horário costumeiro, eu o tomo pela mão e mostro, em silêncio, as coisas para ele. Meu irmão é tomado por um esgar de assombro.

- São coisas minhas!

- Sim. De antes de você ir embora.

"Ir embora", é claro, é um eufemismo para todo aquele inferno que foi a nossa separação, amarga e forçada para ambos, embora eu tenha agido ativamente para que ela acontecesse.

Kanon sorri.

- E pensar que elas estão aqui! Eu fui para o Reino do Mar, à época, somente com a roupa do corpo! E vejam... aqui estão as demais coisas!

Ele pega nas coisas. Abre os cadernos. Enfim ele lê o que eu escrevi a um Kanon supostamente morto. Meu gêmeo sorri outra vez, e então não é de desdém ou mesmo de galhofa. É de ternura.

- Então, Saga... você guardou tudo isso? Eu, nos seis anos nos quais estivemos separados, pensei que não estivesse nem aí...

- "Nem aí"? Kanon, você não tem ideia do quanto fez falta. Não tem ideia do quanto eu ansiava por nosso reencontro. Você simplesmente não tem ideia! Eu não sabia, Kanon... antes de nossa separação, eu simplesmente não tinha ideia de que te amava tanto...

Não resistimos ambos e nos beijamos na boca, com intensidade. Os beijos se transformam em carícias cada vez mais ousadas, e quando dou por mim, estamos fazendo amor, Kanon por cima e por dentro de mim, me penetrando com intensidade e ao mesmo tempo com carinho e amor. Transamos com muita vontade, beijando um a boca do outro sem parar, até gozarmos, um bem próximo do outro como sempre. Então sorrimos e nos deitamos na cama, ainda juntos, ainda segurando as mãos e os cabelos um do outro. Ainda trocando beijos e carícias, então mais calmos do que durante o ato que nos unia.

- Kanon...

- Diga, meu amor.

- Você poderia vestir novamente aquela camisa?

- A camisa antiga? Por que?

- Quando pensei que você estava morto, fiquei com medo de o cheiro da roupa sumir completamente. Agora que está aqui, pode vestir a camisa outra vez e impregná-la com seu cheiro novamente.

- Mas eu estou vivo. Não precisa mais da camisa.

- Bem, nunca se sabe... pode acontecer alguma coisa e você pode vir a se ausentar outra vez.

- Hum... creio que não. Vamos ficar juntos, Saga, eu e você. Eu juro... eu prometo... que quando um de nós se for, o outro vai junto. Eu sinto isso, Saga.

- Pode até ser. Mas pode ser também que outra razão, que não seja a morte propriamente dita, faça com que nos separemos.

- Huuuuuum, não. Não acredito. De qualquer forma, vamos aproveitar o momento, você e eu!

"Aproveitar"... após tanto tempo separados, a urgência de "aproveitar" a cada vez que ele se demonstra disponível é imensa. Então "aproveitamos", dessa vez eu por cima dele, o beijando e o penetrando afinal, suas carnes duras e firmes, sua entradinha apertada e deliciosa, tudo isso me dando um prazer imenso. Ele rebola no meu pau o quanto pode, sendo tão ou mais ativo que eu na relação.

A seguir, após mais um orgasmo, já cansado, ele dorme enfim. Eu acaricio mais uma vez seus lindos cabelos, tão iguais aos meus, e o abraço. Agora posso sentir seu cheiro diretamente, sem precisar de roupas ou camisas como "intermediários". E no entanto...

...no entanto, seu cheiro não é mais o mesmo. Kanon hoje em dia tem um cheiro de mar, de tudo o que está presente no Reino de Poseidon. E de repente eu percebo que aquele Kanon, aquele que era o segundo Cavaleiro de Gêmeos, aquele rapaz que ficava oculto dos demais e eu vinha ver para instruir e trazer as informações do mundo de fora, aquele rapaz não existe mais.

Kanon hoje é comandante poderoso, mais ambicioso do que nunca, um dos homens mais fortes que hoje pisa na face da Terra. E eu... eu não sou mas aquele Cavaleiro de Gêmeos, o qual andava orgulhoso e altivo, mas também extremamente benevolente e generoso pelas vilas e arredores do Santuário, tido como quase um ser divino. Esse Saga também não existe mais.

Ambos morremos naquela noite fatídica, quando eu pensei que Kanon havia perdido a vida. Não; Kanon não perdeu a vida, mas se transformou em outra pessoa. Eu de fato morri, não fisicamente, mas enquanto ser humano digno. Não tenho mais individualidade, não determino mais sequer no que meus poderes serão utilizados. Eu sim morri, e vou sofrer com esta "morte" sabe-se lá até quando.

Ligeiramente desiludido e mesmo surpreso, guardo as roupas e coisas antigas que pertenciam a Kanon. Elas guardam a essência daqueles tempos, nos quais éramos felizes. Quando não havia corrupção, quando eu ainda cria que meu irmão era somente um menino travesso e não alguém realmente mau. Não; o Dragão Marinho não deve vestir as roupas que pertenceram ao antigo Kanon. É necessário respeitar o lugar que cada um teve no Destino e em minha vida.

Protejo enfim as coisas de tomar um ar e uma energia que atualmente não são as suas. Respiro fundo, olhando Kanon a dormir mais uma vez, e constato mais uma vez o quanto mudamos. E ainda triste, ainda perplexo, percebo que aquele Kanon do passado nunca mais irá voltar. Quem saiu da prisão do Cabo Sounion e se apoderou da escama de Dragão Marinho foi um homem completamente diferente.

Quem está, hoje, em minha cama ressonando, é alguém que muitas vezes eu penso ainda não conhecer, embora seja meu irmão gêmeo idêntico. E a pior parte, e também a mais assustadora, é que também não sei quem eu mesmo sou ou me tornei com o passar dos anos e das tormentas que os mesmos me trouxeram.

FIM

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Ai geeeeeeente, mais angst! Eu não resisto a um bom angst com esses gêmeos...

Adoro fazer fics que exploram o luto. Poucos dão real importância e significado a esse sentimento, até o momento em que ele atinge a pessoa em cheio. O "nunca mais" é muito intenso.

Felizmente, no caso dos gêmeos, haverá final feliz, rsssss!

Era pra ter saído até o dia catorze de fevereiro (dia dos namorados fora do Brasil), mas infelizmente saiu com um pouco de atraso. Espero que compreendam.

Beijos a todos e todas!