Ser o Rei do Norte tinha suas vantagens, sobretudo, para escolher minuciosamente a sua tripulação para uma considerável viagem do Norte até Pedra do Dragão. Por isso, Jon Snow optou por integrantes do Povo Livre que viajaram com ele desde Durolar, tripulantes nortenhos que jamais haviam pisado em Winterfell e mulheres.
Ele jamais consideraria que qualquer tripulante pudesse surpreender a princesa das Amazonas, mas preferiu levar outras tripulantes como uma forma de provar mais uma vez seu ponto. Se queria que as nortenhas se preparassem para ao menos defenderem suas vidas na guerra que aconteceria em algum momento em um futuro breve, não poderia nunca mais cercar-se unicamente de homens.
Além disso, Jon Snow estava indo buscar ajuda da Mãe dos Dragões, a Quebradora de Correntes, a Nascida da Tempestade. Nada mais coerente do que também contar e confiar no trabalho de outras mulheres para lhe conduzirem até o seu destino. Nada que causasse problema algum ao Lobo Branco, no fim das contas. Nada que impactasse suas convicções, afinal.
Robb Stark se ressentiu novamente por ser uma espécie de fardo a ser passado de Stark a Stark, mas guardou a sensação para si e preferiu agradecer ao gesto do meio-irmão ao voltar a circular sem se preocupar em ocultar a sua identidade. De fato, nenhum dos tripulantes se importava realmente com mais um dos conselheiros do Rei do Norte e se limitavam a fazer seus respectivos trabalhos.
E ele pode observar de muito perto a admiração de Diana ao navegar de verdade. A viagem que fizeram de Temiscira até o ponto mais ao Norte da Muralha de Gelo não fora nada tão impressionante quanto estar em uma embarcação genuína por semanas. Ele entendia a admiração por ganhar novamente o mundo, especificamente os mares como cenário primordial.
A filha de Hipólita aprovou a mudança de ares e a chance de ver mais de Westeros após tanto tempo restrita a Winterfell, entretanto, nenhuma empolgação por ganhar novos horizontes poderia impedir que notasse a situação oposta em seu principal companheiro desde a saída de casa. Diana poderia compreender o dilema vivido dia após dia por quem trouxe de volta, de certo forma, até compartilhavam essa dor.
Ela se remexeu na cabine que ocupava no navio e despertou ao ouvir a quietude da noite. Queria dormir, mas reparou na ausência dele – mais do que a adotada desde o embarque – mas sua mente não se desligava. Ela saiu do local e foi para a proa, surpreendendo-se ao encontra-lo parado olhando a água. Como se sentisse a presença dela, ele se virou e sorriu de canto.
_ Desculpe, eu não estava espionando. Não consigo mais dormir e imagino que você sequer tenha tentado.
_ Eu sou assim fácil de decifrar, princesa? – ele volta a encarar a calmaria do mar sem fim.
_ A verdade tem um outro significado quando vem espontaneamente.
_ Achei que essa sensação de não ser merecedor deste mundo diminuiria ao me afastar de Westeros, mas parece que fica cada vez mais forte.
_ Eu conheço essa sensação. – reconheceu ela sendo encarada por ele com ceticismo – Já te contei como fui forjada no barro por minha mãe, não é? – Diana respirou fundo e recebeu o leve balançar de cabeça do companheiro de viagens como um sim – Eu fui a única amazona a nascer em Temiscira. Todas as outras foram forjadas em batalhas e provadas em combates antes de merecerem a sua morada na ilha. Muitas amazonas jamais aprovaram a atitude de minha mãe, eu sei que muitas acham que eu não deveria existir. Ao menos, não em Temiscira.
Talvez, ela compreendesse menos do que imaginava. Na ilha, Diana sempre soubera que os seus fracassos eram mais significativos que os das outras. Todavia, também saberia que seria dona de suas conquistas. Se corresse depressa o bastante, lutasse com força suficiente, pensasse rápido o suficiente, suas irmãs respeitariam as suas vitórias. A jovem guerreira encostou o braço no dele.
_ Isso me ajuda a entender um pouco mais as coisas em sua casa. E também não torna menos honrada a sua vontade em fazer a diferença neste mundo e provar o seu valor. Todos queremos a chance de grandiosidade de algum modo. – respondeu o mais velho dos Stark passando a encarar o céu desta vez.
_ E querer mais do que um pouco? Você consegue um pouco, busca por mais. Como reconhecer o ponto certo e se satisfazer? Parece ser uma verdade pouco difundida neste mundo – Diana respirou fundo. Robb, então, a fitou, com uma tristeza comum nos olhos.
_ Você quer encontrar um sentido para um mundo insano, e eu queria entender a vontade dos Deuses em brincar com a minha vida. Se eu pudesse gostaria de refazer a minha história. Construir algo que eu compreendesse. Acho que no fundo ainda quero.
_ Acho que nós estamos fadados a falhar em nossas missões, então. – ela quase se assusta com a risada amarga dele.
_ Mais uma para a lista, estou me acostumando demais com isso. Apenas sinto por arrastá-la comigo.
A amazona se ressente por falhar em algo tão primário quanto oferecer um conforto para alguém que visivelmente estava sofrendo. Muito. Ela entende de uma vez que a sua sensação de não pertencimento estava léguas distante da dor de não se achar digno de um mundo por ter cometido erros e arrastado outros consigo. Robb ainda não entendia porque ele tinha retornado e sequer como poderia conviver com isso pelo tempo que tivesse pela frente.
Todo mundo deixa algo para atrás quando retorna, fora uma das frases ditas por Melisandre no último encontro antes de sua partida intempestiva de Winterfell. Robb Stark parecia estar lidando com o efeito contrário, todavia, ele trouxe tudo consigo e a dor de todos também. Algo até semelhante a corrente que une todas as amazonas, as dores de todas são compartilhadas. No caso de Robb, ele se sentia e se considerava – certo em até determinado ponto – responsável por tanto sofrimento.
_ Diana – disse Robb, tirando-a de seus devaneios. Quando tudo isso acabar, se Westeros sobreviver, você vai voltar para casa?
_ Honestamente, eu não sei.
Diana acreditava que depois de tudo aquilo, mesmo que fosse bem-sucedida e o mundo não fosse condenado a uma Longa Noite, pudesse ser exilada ou sequer encontrar o caminho de volta. E, o tempo corria de maneira diferente em Temiscira. Além disso, ainda que resolvesse viver ao lado deles em um tempo de paz, isso seria capaz de abrandar a dor de perder sua casa? De nunca mais ver sua mãe e suas irmãs?
_ É a primeira vez que ouço essas palavras sendo ditas por você, princesa de Temiscira. E, ainda assim, acho que é a melhor resposta que poderíamos ter nesse momento.
_ Não ter certeza do resultado das coisas e, mesmo assim, seguir adiante é algo que eu invejo nos homens. Vocês criaram formas de cruzar os mares, decifrar línguas desconhecidas, curar doenças e semear a terra mesmo em um inverno dantesco como no Norte. A humanidade é capaz de alcançar a grandiosidade, especialmente, quando compartilha seus avanços apesar das diferenças. Esse é um tipo de coragem diferente da que sempre encontrei em casa, mas que as amazonas abandonaram com o tempo. Não deveríamos viver tão alheias a humanidade.
_ Eu não julgo seu povo, Diana, por saber exatamente tudo o que o meu pode fazer. Mas, o fato de você ter nascido em Temiscira pode ter feito a diferença. Se você era diferente das demais, você fez a diferença. Você me salvou, salvou minha família, salvou a minha casa e está permitindo que tenhamos uma chance a mais de salvar nosso mundo. Se apenas Jon e o Povo Livre estavam dispostos a lutar agora temos o Norte e quem sabe a Mãe dos Dragões ao nosso lado em poucos dias.
Confortar era algo novo para ela. Por isso, as palavras de Robb Stark pareceram fazer tanta diferença. Definitivamente, esse apoio irrestrito aos seus de forma tão humana, tão mortal era diferente de tudo o que ela tinha vivenciado em Temiscira.
Nem melhor, nem pior. Apenas diferente, como alguém estava se tornando cada vez mais importante para ela definira tão bem. Ao pensar em sua situação com o Jovem Lobo, ela nunca se perdeu muito tempo em definições e não saber estava sendo genuinamente bom.
Robb Stark passou algumas das outras noites em alto-mar sem conseguir pregar os olhos, revelando algum dos pesares que carregava naquele tempo extra. Diana optou por ouvir mais e permitir que compartilhar se tornasse algo comum entre os dois. "Eu mandei 5 mil homens para a morte em uma batalha por estratégia. Não achei que a vitória aplacou o peso de minha decisão na época e agora muito menos".
Estratégias de guerra somente poderiam ser feitas com soldados, sacrifícios e por alguém que tomasse uma decisão. Ela disse que não se precisaria governar sozinho, mas alguém sempre necessitar tomar a última decisão. Robb era assombrado por decisões de vitórias e massacres, e a princesa se questionou se o mesmo afligia sua mãe de tempos em tempos.
Naqueles momentos, Diana compreendeu que poderia ser a filha de Hipolita, princesa das amazonas, mas não fora forjada para reinar. Ela queria fazer a diferença por si mesma, onde precisassem e não detida por uma série de obrigações e decisões.
Pedra do Dragão era um cenário pouco hospitaleiro a distância e Jon Snow temia que isso poderia se estender para suas relações com a rainha Targaryen. O Rei do Norte precisava definir quem lhe acompanharia no desembarque e aqueles que permaneceriam no navio. Para ele, o mais coerente seria manter Robb em alto-mar, mesclar homens e mulheres de confiança ao seu lado com Diana, o Cavaleiro das Cebolas e Fantasma, claro
Seria, mas também o Lobo Branco sabia que era uma batalha perdida exigir que o irmão mantivesse distância por um tempo indeterminado, assim, ele permaneceria na posição mais afastada, discreta e não participaria da reunião na chegada.
Tamanho zelo foi recompensado ao desembarcarem e serem recebidos prontamente por Tyrion Lannister. Robb baixou ainda mais o capuz, manteve os olhos no chão e não proferiu palavras ao ser abordado por Dothrakis. Apesar disto, ele poderia jurar que o Tyrion lhe encarou mais de uma vez.
Ele poderia jurar que sua identidade havia sido descoberta ao dar o seu primeiro passo em Pedra do Dragão e Tyrion poderia jurar ter visto um fantasma desembarcar em sua ilha. Um outro Fantasma, além do lobo branco gigantesco e fielmente ao lado do Rei do Norte.
O anão afastou o pensamento de sua cabeça e respondeu ao cumprimento do Rei do Norte. Se Robb Stark estivesse ali e vivo, ele estaria apertando a sua mão e não a de seu irmão-bastardo. Não, seria impossível.
