O corredor voltou a ficar silencioso, a lâmpada continuou a piscar. As duas únicas pessoas presentes nele se encaravam sem mexer um músculo.

O garoto moreno no chão, não entendeu nada que aconteceu nos últimos minutos que vivenciou na conversa silenciosa diante de seus olhos. Contudo, sua intuição disse que era o início de uma guerra entre aqueles dois e não um simples jogo de criança. Uma que arrebataria todos que ousarem chegar perto o suficiente e que se ele não fugir desse lugar, seria uma das primeiras peças do jogo distorcido da princesa de Namimori.

O problema é que a pressão que antes o sufocava, agora dava uma sensação enorme de correntes se arrastando por seus membros e prendendo ao chão.

A sensação de correntes por seu corpo se aprofundou quando Sasagawa começou a caminhar em sua direção. Era como se as correntes continuassem apertando cada vez mais em sua presença próxima. Pior, a sensação era fria e opressiva, quanto mais ela chegava perto, mais alarmes em sua cabeça zumbiam como sirenes.

O medo, apreensão e principalmente a cautela, era bastante aparente nos olhos do garoto. Os instintos que todos os seres humanos possuíam, sempre foram um fator de curiosidade para Sakura, principalmente, quando detectava um grande perigo por perto, e parecia crescer repentinamente. Isso mostrava que o garoto tinha bons instintos dentro dele.

Sakura chegou até o garoto e se abaixou ao nível de seus olhos castanhos. O garoto tinha cabelo castanho claro indisciplinado, como se nunca tivesse tido um encontro com o pente ou uma escova na vida. Possuía o rosto em formato de coração, nariz pequeno, olhos grandes e expressivos, pele clara e boca pequena. Ao todo, ele tinha a aparência de uma criança fofa e bonita.

Ela sabe que se fosse apenas pela aparência, o garoto seria bem popular entre as garotas da escola. Mas, Sakura nunca seria uma shinobi se não tivesse o histórico de vida de todos os alunos e funcionários da escola que ela e sua pequena irmã estudavam. É por esse pequeno fator, que ela possui o conhecimento da vida escolar do garoto à sua frente.

Gentil, bondoso, fofo e muito tímido, com todas essas características, o garoto teria muitas pessoas comendo em sua mão. Todavia, as outras características dele… ofuscaram essas boas. Fazendo que todos vissem apenas um garoto atrapalhado, medroso, burro e patético, para piorar a situação já ruim do coitado, o garoto tinha uma imensamente, muito enorme mesmo, habilidade de atrair todo o infortúnio do mundo para si mesmo. Como se ele tivesse uma grande seta vermelha apontada para si mesmo que atraia todo o azar ao seu redor.

Sem sombras de dúvidas… é karma pesado!

Ah…pobre alma infeliz!

- Você parece assustado, mas já pode ficar aliviado, porque ele já foi embora - Sakura disse com uma voz suave e um sorriso ainda no rosto.

Ele sabe disso, mas a sensação ruim só aprofundou quanto mais ficava perto de Sasagawa. Com o demônio de Namimori, ele sabia que seria espancado até sangrar e acabaria, possivelmente, no hospital. Porém, Sasagawa Sakura era uma incógnita.

Imprevisível e enganosa.

Sua intuição sempre foi capaz de avisar no que resultaria em sua interação com outra pessoa. Por exemplo, com Hibari-san seria muita dor física e um quarto no hospital. Com a garota que gostava, Sasagawa Kyoko, seria um certo carinho por parte dela e um aumento significativo de seu diário de bullying. Só que com Sasagawa Sakura, sua intuição só avisava para ficar longe antes que não fosse mais possível e depois ficava calada. Nada mais do que isso, sem uma previsão igual aos outros.

E era esse pequeno detalhe que mais o assustava por algum motivo desconhecido. Os seres humanos temem o que não conseguem entender, ele teme descobrir o que a por eles traz sorrisos.

Era melhor seguir sua intuição e sair logo de perto dessa garota. Ele não acha que sua mãe se importava de morar em outra cidade. É bom para abrir os horizontes, ele ouviu isso na televisão!

Olhos castanhos cheios de resolução fitavam os esmeraldas brilhantes. Sakura vê que o garoto inspirou coragem para fugir desse lugar, apesar de ela achar que ele deseja fugir principalmente dela .

Algo que não vai deixar acontecer.

O jogo que começou a jogar com Hibari é definido por quem tem mais poder para dominar o outro fora de uma luta e a escola virou campo de batalha, já tem Hibari com o posto e status de presidente do DC na frente. Os lacaios que possuem e o poder que tem como presidente do Comitê Disciplinar, já dá uma grande vantagem em comparação a Sakura.

Nesse jogo, Hibari possui peças a sua disposição, enquanto Sakura não tem nenhuma além de si mesma e nenhum poder na escola.

Como uma pessoa lógica e justa, o certo é pegar alguém que já foi pego no fogo cruzado. Afinal, ela também precisa de peças para jogar.

Um calafrio passou por todo o corpo do garoto, por algum motivo estranho e bizarro, ele tinha a sensação de que Sasagawa o olhava como se ele fosse um objeto. Ele colocou força em suas pernas para se levantar e sair correndo. Mas, quando estava no meio de se levantar para fugir como um covarde que nessa situação em que se encontrava, não via nenhum problema, uma mão em seu ombro o impediu de seguir seu desejo.

Tudo isso já parecia um filme de terror!

- Hun, por que a pressa ? Faz parecer que está tentando fugir de mim.

É porque ele está tentando fugir de uma possível psicopata pior do que Hibari-san!

- E-Eu… hum… tenho q-que… ir p-para aula - Sua voz saiu fraca e gaguejada.

- Mas… nós já somos amigos e nem sabemos o nome um do outro! - Sakura fez uma cara triste e magoada.

Desde quando eles se tornaram amigos?! Ele não quer ser amigo dela! Sua intuição continua gritando para correr antes que seja tarde demais para ele. Qual foi o pecado que ele cometeu em sua vida passada para estar vivendo essa situação?! Só faltava ele descobrir que faz parte de uma família que matava pessoas a gerações!

- Eu… hum, n-não… só-

- Meu nome é Sasagawa Sakura, mas acho que você já sabe - Sakura tinha uma impressão feliz e alegre no rosto.

A mão no ombro do garoto tinha um aperto de ferro e ela colocou a outra em sua frente para apertar. Contudo, a sensação que tinha olhando para aquela mão puxada e os olhos esmeraldas o observando detalhadamente, o apavorava. Ele não queria dar seu nome, nem seu endereço ou qualquer informação pessoal! Algo no fundo o dizia que no momento que desse o nome a apertar-se aquela mão, ele não poderia mais escapar das correntes que o prendiam a uma pessoa que parecia que permaneceria a outro mundo como Sasagawa Sakura.

Ele está decidido! Ele não daria seu nome e ficaria calado até ela desistir.

Sakura contemplou aqueles olhos certos. Que divertido e interessante também, o garoto é cheio de surpresas e espiritualidade. Sakura poderia imaginar os pensamentos que passaram pela mente dele. Mas, essa criança vai precisar de mais de cem anos antes de tentar vencer contra ela.

Quase que teve pena dele. Quase. Isso não vai impedir de conseguir o que queria. Ninjas são indivíduos sorrateiros, enganosos e cruéis quando precisam. Mas, o mais importante é que eles não tenham vergonha de jogar sujo.

O garoto ficou surpreso quando um rubor surgiu nas faces de Sasagawa, sua atitude mudou de uma garota confiante para a de uma tímida e com vergonha. Seus olhos verdes o fitavam temerosos e pareciam que iriam chorar.

Uma sensação de culpa tomou conta dele, o garoto não queria magoá-la ao ficar calado em seu pedido de amizade. Sua intuição estava gritando alguma coisa, mas ele não queria prestar atenção. Tinha uma garota que parecia que iria chorar pela culpa dele!

- É que… eu pensei… que como você se confessou para mim diante da escola inteira… hum… pensei que gostava de mim e conseguiu ser amigos - Sakura caprichou na voz e em suas feições para parecer como a Hinata quando elas ainda eram genin.

A culpa em seu peito só duplicou com essa declaração, ela pensou que ele gostava dela, por causa da maldita confissão que deu errado. Se contar que ela não era a pessoa destinada, vai parecer que ele é um cretino e uma galinha! Mas… não pode deixar Sasagawa pensando nisso, é errado!

- E-eu... você n-não - O garoto não conseguiu terminar de falar quando viu uma lágrima cair naqueles olhos esmeraldas.

- Você foi… o primeiro garoto que disse que gostava de mim. Fiquei tão feliz e empolgada!

A culpa dentro de seu peito aumentou dez vezes. O garoto não podia machucar os sentimentos da garota em sua frente e sua mãe podia ficar feliz quando ele disser que tem um amigo. Mesmo que seus instintos gritassem para dizer não, sua vida já era uma merda! Uma garota não pode torná-la pior do que já é todos os dias.

- P-Podemos ser a-amigos… meu n-nome é… S-Sawada Tsunayoshi… mas, pode me chamar de T-Tsuna - Ele baixou os olhos para a mão puxada e apertada com sua mão trêmula.

No exato minuto em que sua mão entra em contato com a de Sasagawa, um pressentimento arrepiante tomou conta de seu corpo. Seus olhos se arregalaram com o choque que senti. Tsuna, que tinha mantido os olhos grudados na mão, só agora percebeu que a outra mão de Sasagawa, continuou com um aperto de ferro em seu ombro.

Com olhos castanhos arregalados, Tsuna trabalhou a cabeça em um instante rápido em direção a garota em sua frente.

A expressão de uma garotinha tímida sumiu. Olhos esmeraldas obedientes como uma faca preparada para matar, o analisavam como se fossem devorar sua alma. O sorriso que sempre esteve presente em seu rosto também sumiu.

Sasagawa parecia uma outra pessoa.

Fria, vazio e perigoso. Alguém de outro mundo.

Eles ficaram assim por alguns minutos até Tsuna sentir a mão em seu ombro sair e acariciar sua superfície com delicadeza, como se ele fosse um objeto precioso. Tsuna sentiu quando a mão em sua cabeça desceu para agarrar seu queixo e puxar levemente em direção ao rosto dela.

Dava para sentir seu corpo quente devido à proximidade dos dois, seu coração voltou a bater tranquilamente junto com uma sensação calmante que dominava todo seu ser. Tsuna sentiu como se uma chama começasse a ganhar vida outra vez. A última vez que ele se sentiu assim foi quando seu pai o visitou aos cinco anos, logo depois foi como um bloco de gelo ouvido dentro do seu peito.

Mas, agora estava quente.

Quente de uma forma agradável.

Vivo.

Ele saiu de seu estado de sonho quando reparou na boca de Sasagawa perto de seu ouvido direito. Sua voz era como seda deslizando entre seus dedos, ao mesmo tempo que dava uma sensação de flores de cerejeira sendo levadas pelo vento.

- Fico contente que você seja minha primeira peça nesse jogo de poder, Sawada Tsunayoshi.

Sakura se levou do garoto e saiu tranquilamente, como se nunca tivesse entrado naquele corredor.

Um silêncio voltou a tomar conta do lugar.

Tsuna observou a mão que ainda tinha o calor da outra. A chama quente dentro dele já havia se apagado e levado consigo a tranquilidade e paz que o fez sentir inteira outra vez na vida.

Quando a sensação de uma chama se dissipou totalmente, um sorriso depreciativo nasce em seu rosto, dirigido a si mesmo. Todos de Namimori sabem que existe um demônio ( Hibari Kyoya ) entre eles, mas da pior maneira possível de descobrir, Tsuna encontrou um segundo.

E com esses dois demônios vivendo na mesma cidade que ele, Tsuna teve o infortúnio de ter o primeiro, odiando suas tripas. Já o segundo, ele tem certeza ao contemplar sua mão, que Tsuna acabou de formar um pacto com ele e vender sua alma.

Sua bela e pura alma…

Uma risada vazia foi ouvida em todo o corredor.

Tsuna descobriu algo muito importante depois de tudo. Ele tem absoluta certeza que matou o bichinho de vencer de um Deus ou um padre em sua vida passada. Porque não é possível em nenhum universo, alguém possui tanto infortúnio na vida quanto ele!

Sua vida já é uma merda, agora, Tsuna pressente que vai se transformar em um inferno pior!