Capítulo Trinta e Oito
The Egg's Clue
(A Pista do Ovo)
— Isso é completamente ridículo — murmurou Hermione quando os quatro foram tomar café cedo no dia seguinte. — Nós nos envolvemos em todos os tipos de aventuras e perigos nos últimos quatro anos, e, ainda assim, por algum motivo, o fato de eu ter arrumado o cabelo e ido a um baile com um garoto é no que as pessoas estão mais interessadas. — Ela disse a última palavra com raiva e olhou feio para os dois alunos do segundo ano que fingiam muito mal não estar olhando enquanto falavam dela. Harry encontrou os olhos de Ron, depois os de Draco, e silenciosamente decidiram não falar nada, mas Hermione percebeu. — Vocês não acham que é ridículo?
— Você estava muito bonita — disse Ron, dando de ombros, como se isso fosse digno de atenção. Hermione revirou os olhos, inconformada, mas não desconfortável nem culpada, o que Harry achou ser uma boa mudança.
— E o Krum é uma celebridade — lembrou Harry.
— Você é uma celebridade e estou do seu lado o tempo todo! — disse Hermione.
— Sim — falou Draco —, o que faz ser ainda mais interessante você estar toda amigável com o rival dele.
— Krum não é meu rival — disse Harry.
— No papel, ele é — respondeu Draco. — Campeões de escolas diferentes e tudo mais. Mas honestamente, acho que nem é tanto por isso e mais pelo fato de que foi a primeira vez que um de nós se envolveu em algo interessante que não era um risco às nossas vidas. Não é justo culpar as pessoas por se encantarem com a novidade.
— Ha, ha — disse Hermione, enquanto Harry e Ron trocavam um sorriso. Draco deu um sorrisinho afetado, e ela fez uma carranca.
— Só estou feliz por ser você e não eu, para variar — admitiu Harry, e o olhar que Hermione mandou em sua direção era igualmente exasperado e suave.
— Acho que uma coisa boa tinha que sair disso — falou ela por fim.
— Só uma? — perguntou Harry, notando Krum, que se demorava nas portas do Grande Salão com Morozov e Popa; o segundo parecia ainda sentir os efeitos da grande noite, enquanto o outro parecia cansado, mas inabalável. Krum estava como sempre, o que significava dizer vagamente grosseiro e completamente focado em Hermione.
Ela ergueu as sobrancelhas, virou, então notou Krum e sorriu.
— Vamos guardar seu lugar — falou Draco, entrando no Salão. Ron olhou para Krum, depois para Hermione, sorriu (talvez um pouco forçado) e o seguiu. Harry fez menção de fazer o mesmo, mas...
— Potter — chamou Krum, encontrando Hermione no meio do caminho, enquanto Popa e Morozov entravam. — Cuidado. — Ele indicou o Salão com a cabeça.
— Com o quê? — perguntou Harry, franzindo o cenho.
— Eles estão esperando você — disse Krum.
— Quem está esperando? — Harry olhou para o Salão, a mão se aproximando do bolso em que guardara a varinha.
— Você vai ver — disse Krum e oferece um sorriso fraco. Foi o que deixou a coisa toda menos tenebrosa, porque era um sorriso divertido, não sinistro, mas Harry ainda estava um pouco enervado. Krum se voltou para Hermione, hesitou, e aí se inclinou para beijá-la na bochecha. Hermione sorriu para ele, notou que Harry ainda estava lá, corou num tom forte de vermelho e se afastou de Krum.
— A gente se vê lá dentro — falou Harry em voz alta e os deixou sozinhos.
Num primeiro momento, o Salão estava normal; o céu estava limpo e azul, e as mesas tinham voltado ao lugar. A maior parte das decorações invernais do Baile de Inverno tinham sido guardadas — os elfos certamente tiveram uma noite ocupada —, mas algumas ainda estavam por ali, dando ao Salão um ar festivo apropriado.
Num segundo momento, notou que havia poucos alunos mais novos presentes; Harry provavelmente conseguiria contar o número de alunos do primeiro e segundo ano nos dedos de uma mão, apesar de ter um pouco mais de alunos do terceiro ano — que provavelmente foram ao Baile como acompanhantes de outros alunos — e quase todos os alunos do quarto ano em diante. Uma quantidade significativa de alunos do sexto e sétimo anos pareciam não ter dormido muito ou estarem de ressaca; talvez os dois.
Harry viu Ron e Draco um pouco mais à frente e foi na direção deles.
Ele deu apenas três passos antes de Fred perceber sua presença e se levantar, e Harry entendeu exatamente sobre o que Krum o avisara.
— Aí ele está — disse Fred.
— Nosso herói — falou George, sentado, mas igualmente alto. — Ele está vivo! — Harry fez um gesto para eles, exasperado e desconfortavelmente ciente das pessoas que se viravam para observar.
— Olha pra ele... tão humilde. — Fred fingiu desmaiar, e George se ergueu num pulo para pegá-lo. As amigas de Fleur riram.
Harry teria seguido seu caminho, mas um dos Artilheiros da Lufa-Lufa se levantou e apertou o ombro de Harry antes de sair do Salão:
— Você não é tão ruim, Potter.
Alguém soltou um grito da mesa da Corvinal.
— Hã, obrigado — falou Harry, confuso.
— O que você fez, Harry? — perguntou Colin, os olhos arregalados. Ao seu lado, Ginny deu de ombros para dizer que também não sabia.
— Nem ideia — disse Harry e deu um aceno desajeitado antes de tentar se juntar a Ron e Draco.
Ao passar, outro Lufo deu um tapinha em suas costas, e McLaggen quase derrubou os óculo de Harry ao tentar bagunçar seu cabelo.
— Vejam — disse Lee, em pé numa cadeira e apontando para Harry enquanto ele tentava se livrar da situação. — O garoto que salvou a afterparty!
Fred e George comemoraram, assim como Alicia, Katie e as garotas de Beauxbatons — até Fleur bateu palmas algumas vezes, apesar de talvez ter sido um pouco sarcástica —, mas Harry ficou surpreso com a quantidade de gritos que vieram das outras mesas, vindo de alunos de Hogwarts, Beauxbatons e Durmstrang.
— Certo, já chega — murmurou Harry, sacudindo uma mão para Lee.
— Ele não falou nem uma palavra ao ser arrastado para sua ruína — disse George grandiosamente. Movimento veio da Mesa Principal; McGonagall e Padfoot tinham percebido que a cena não se resolveria sozinha.
— Não fui arrastado — falou Harry.
— Ouvi dizer que ele enfrentou um lobisomem. — Garcon ofereceu um sorriso dissimulado a Harry.
— Ele enfrentou mesmo! E se sacrificou para o lobisomem para salvar a todos nós! — falou Fred, pressionando uma mão contra o coração.
— Tão nobre!
— Tão corajoso!
— E colocado pra dormir antes da hora — continuou George, de repente sério, e apertou o ombro de Harry. — Trágico, de verdade. — Apesar de tudo, Harry riu, mas se afastou quando McGonagall se aproximava para brigar com eles por perturbar o café da manhã, enquanto Padfoot caminhava entre as mesas da Lufa-Lufa e da Corvinal, tentando acalmá-los.
Atrás dele, à mesa de Sonserina, Blaise ergueu a cabeça e encontrou os olhos de Harry, antes de se levantar e caminhar deliberadamente em direção às portas.
— Preciso ir — disse Harry, inclinando-se para falar com Ron e Draco. Pegou uma fatia de torrada com geleia do prato de Ron e tomou um gole do cálice que Draco tinha acabado de encher para si mesmo.
— Potter! — reclamou Draco, olhando-o feio.
— Não fique bravo… Fred e George falaram que eu sou um herói. — Harry sorriu antes de colocar a torrada na boca para que pudesse pegar uma maçã.
— Você é um perigo — disse Draco sem muita vontade e pegou um novo cálice.
— Quer que a gente leve mais alguma coisa pra você? — perguntou Ron.
— Não — respondeu Harry, a torrada ainda na boca. — Só atualize o Draco e garanta que Ginny esteja lá.
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— ... não perdi quase nada, então — falou Draco, com muito sarcasmo. — Só uma reunião da Ordem, o progresso que fizeram com o ovo de Potter, e você e Granger estão se desculpando de verdade...
Ron riu pelo nariz e disse:
— Bem feito por ter voltado para casa. — Harry não conseguiu entender muito bem a expressão no rosto de Draco, mas Ron se acalmou. — Não, eu sei. — Draco resmungou. — Como foi? Você...
— Voltei — falou Harry e os dois se viraram para olhá-lo. Draco parecia assustado antes de ficar inexpressivo, mas Ron acenou preguiçosamente.
— Foi rápido — comentou ele, e Harry deu de ombros; Blaise só precisara pegar uma mochila na Sonserina (claramente, ele tinha se preparado na noite anterior) e então ele ficou bastante feliz em sumir com Monstro. — O que acha? — Havia uma piscina quadrada no meio da área rebaixada em que costumavam treinar, cada lado tão longo quanto Harry era alto.
— Ficou bom — respondeu Harry, segurando melhor o ovo que tinha ido buscar ao subir. — Onde as garotas estão?
— Aqui — disse Hermione, entrando por uma porta que não costumava existir.
— Precisei arrastar essa aqui pra longe do Krum — disse Ginny, balançando a cabeça na direção de Hermione ao segui-la sala adentro. A porta voltou a sumir na parede, e Harry pensou, pela milésima vez, que a magia era real e verdadeiramente brilhante.
— Você não me arrastou — falou Hermione, as bochechas rosadas, mas olhou com cautela para Ron. Ele só parecia divertido, e ela relaxou um pouco, entrando ainda mais e se acomodando ao lado de Draco no chão.
Ginny se acomodou na beira da parte rasa da piscina, correndo a mão pela água antes de jogá-la em Ron, que recuou, fechou a cara e então deve ter pedido silenciosamente para que a Sala fizesse a beirada da piscina desaparecer; Ginny caiu na água — que estava subidamente mais profunda — com um grito.
Draco bufou e Harry riu.
— Ron! — disse Hermione, mas sua indignação foi arruinada pelo fato de que ela claramente tentava não rir. Ginny emergiu um momento depois, soltando uma risada e com o cabelo colado no rosto. Ela jogou água em Ron, depois em Draco e Hermione e, por fim, em Harry, que jogou o ovo para Draco, transformou-se e mergulhou, fazendo-a gritar de novo. Ela o empurrou, ainda rindo, e ele nadou para longe, desajeitado.
— Harry! — falou Hermione, secando a água em seu rosto. Ele lhe ofereceu um sorriso lupino e achatou as orelhas contra a cabeça para que a água não entrasse nelas; nunca tinha estado na água como lobo antes, a não ser que passar correndo por poças e riachos contasse. Não era tão natural quanto correr pela floresta, mas não era completamente anormal, também, e quando terminou de dar algumas voltas ao redor de Ginny, achou ter dominando como fazer.
— Já que nós todos temos um trem para pegar daqui uma hora, que tal fazemos que o que viemos fazer? — perguntou Draco levemente. Ele ergueu o ovo.
— Tudo bem — falou Ginny, saindo da água para se sentar na beirada da piscina, que tinha reaparecido. Harry também saiu, as patas deslizando um pouco na beirada escorregadia, água pingando de seu corpo. Draco arregalou os olhos subitamente. Ron se afastou.
— Potter, não...
Harry se balançou para tirar a água do pelo, e todo mundo, exceto Ginny — que provavelmente já estava ensopada demais para se importar —, reclamou. Harry se sentou, a língua para fora e o rabo balançando.
— Se já tiver terminado...? — falou Hermione, com um revirar de olhos afetuoso. Ela cortou o ar com a varinha e murmurou: — Siccum. — E Harry sentiu o ar quente arrepiar seu pelo, secando-o. Ele se transformou no mesmo lugar, ainda sorrindo, e aceitou o ovo que Draco lhe passava.
Eles engatinharam até a beirada da piscina — menos Ginny, que já estava lá —, e Ron a diminuiu, até que tivesse apenas meio metro de profundidade.
Cauteloso, porque, se não funcionasse, o ovo gritaria e os ouvidos sensíveis de Harry não aguentariam, ele colocou o ovo na água e o abriu.
Uma gentil corrente de bolhas e luz branca correram pela água e, apesar de o som estar muito abafado, não parecia ser um grito. Parecia quase musical.
— Você estava certa — disse Harry, e Hermione sorriu, satisfeita.
— O que está dizendo? — perguntou Ron.
— Vamos descobrir. — Harry se deitou de bruços, deixou os óculos ao seu lado e afundou a cabeça na água.
Estivera certo ao pensar que o ovo soara quase musical, ele cantava. Achou que era uma voz feminina, mas era difícil saber de tão inumana que era:
... não importam.
A cabeça de Ron apareceu ao seu lado na piscina, e bolhas e sons de surpresa anunciaram a chegada de Hermione. Ginny e Draco a seguiram de perto.
... nos encontre, venha sozinho,
Para o reino que chamamos de nosso.
Encontre o que foi perdido e volte à superfície,
Para ficar...
Harry saiu da piscina, ofegante. Secou a água que escorria por seus olhos, respirou fundo, e voltou a afundar a cabeça enquanto Hermione erguia a dela com um ofego.
Os cinco demoraram vários minutos para ouvir a música o bastante para descobrir todas as palavras, alternando com as pausas para respirar.
— Respire fundo, Campeão, e mergulhe fundo — recitou Draco, conforme Hermione escrevia no quadro que Ron tinha feito aparecer. — A não ser que queira que fiquemos / com aquilo que mais estima / aquilo que lhe fará muita falta. / Busque e recupere com palavras ou varinha / por uma hora inteira / ou ficaremos com o que é seu até apodrecer / esforços tardios não importam. / Nos encontre, venha sozinho / para o reino que chamamos de nosso. / Encontre o que foi perdido e volte à superfície / para ficar uma tarefa mais perto do Troféu Tribruxo.
— Parece certo — falou Ginny. Harry assentiu, voltando a colocar os óculos.
— Parece um pouco sinistro, também — disse Ron, afastando o cabelo molhado do rosto. — O que é que ficará com eles e que lhe fará muita falta?
— Não é óbvio? — perguntou Harry, verdadeiramente surpreso.
— Eu diria que é sua vassoura, mas ela foi destruída durante a primeira tarefa — comentou Draco, meio brincalhão, meio desanimado; ele sabia que ainda era um assunto delicado para Harry.
— Sua varinha? — sugeriu Ginny.
— Reféns — falou Harry em voz baixa, e a única coisa que recebeu em resposta foi um silêncio esmagador. Tinha que ser; o que mais seria tão motivador?
— Mas a música fala aquilo que mais estima — falou Hermione por fim, ansiosa. — Como uma coisa. Um objeto. Não aqueles nem quem que mais estima.
— São sereianos — falou Ron. — Como é que conseguiriam um refém...? Entrariam nadando pelo banheiro e...? — Ele fez um gesto como se estivesse agarrando alguma coisa, mas ninguém sorriu (nem ele mesmo).
— Sirius? — sugeriu Ginny.
— Não sei — respondeu Harry. — Talvez.
— Ou Remus ou Dora. — Houve uma pausa, na qual Harry soube que Hermione deliberadamente não falara o nome de Stella; o estômago de Harry se apertou com a ideia de ela ser envolvida nisso tudo. — Ou um de nós — falou Hermione. — Já aconteceu antes. — Ela olhou para Ron e depois para Ginny, os cantos da boca se virando para baixo. — Se bem que... dessa vez é um evento organizado; eles não podem simplesmente nos sequestrar... Precisariam de permissão, e medidas precisariam ser tomadas para garantir a segurança dos reféns...
— É, porque até agora o Torneio tem sido seguro e acontecido como deveria acontecer — retorquiu Ginny. — Considerando que todos os Campeões são maiores de idade e que as tarefas são extremamente seguras...
— Harry quase foi morto por seu dragão — disse Ron — e não fizeram nada. E quando eu caí na segunda tarefa, Harry o único que fez alguma coisa. Acho que ninguém está seguro.
— A música também diz que os reféns ficarão lá até apodrecerem se não forem encontrados em uma hora — falou Draco. — Embora alguém se afogar seja mais provável.
— É muito mais provável — disse Ron. — Quando foi a última vez que você prendeu a respiração por uma hora?
— Podemos recusar — sugeriu Ginny. — Acho que a segurança não é garantida, mas você deve estar certa quando diz que precisariam de permissão.
— Eles vão encontrar outra pessoa — falou Hermione. — Luna, talvez, ou Fred, ou George.
— Eles também podem recusar — disse Ginny.
— Por melhor que fosse — falou Draco. — É o Potter; podem encontrar um aluno qualquer do primeiro ano da Lufa-Lufa que ele nunca conheceu e ele ainda sairia correndo para salvá-lo.
— Então tem que ser um de nós — resolveu Ron.
— Qual parte de "apodrecer" se eu não for rápido o bastante você não entendeu?! — perguntou Harry, balançando a cabeça.
— Todas — respondeu Ron. — E é por isso que não podemos permitir que um aluno qualquer do primeiro ano da Lufa-Lufa seja envolvido. — Ele ofereceu um sorriso que não chegava aos olhos. — E não pode ser o Sirius. Consegue imaginar que ele vá concordar em ficar desarmado e amarrado, ou sei lá, enquanto espera ser salvo? — Harry não conseguia.
— Não — falou Hermione em voz alta. — E mesmo que ele concordasse, não deveria; se algo der errado, ele provavelmente é nossa melhor chance.
— Ele ou Moony — concordou Harry; embora Padfoot tivesse as habilidades de um Auror e pudesse chamar outros como reforço, Moony saberia melhor quais criaturas viviam no lago e como lidar com elas.
— Então quem vai? — perguntou Hermione, mordendo o lábio, e o estômago se Harry se contorceu.
— Eu — falou Ron duramente, no mesmo instante em que Draco dizia, relutante: — Eu vou.
Eles se entreolharam.
— Meu pai não vai permitir que eu me afogue — suspirou Draco.
— Mas ele pode deixar que você seja usado — falou Ron, cauteloso. Eles trocaram um longo olhar, e aí os cantos da boca de Draco se viraram para baixo. Ele desviou os olhos. Harry se virou para Hermione, que também os observava, e deu de ombros, franzindo o cenho, quando percebeu que Harry a olhava.
— E você é a melhor escolha? — perguntou Draco. — Deixe-me adivinhar: você acha que é menos valioso ou algo assim? — Ele soava (e cheirava) bravo e seu tom era desafiador, como se desafiasse Ron a concordar. — Melhor você do que um de nós, certo?
— É — falou Ron —, mas dessa vez é porque eu acho que eu sou mais valioso. — Ele sorriu, um pouco envergonhado, e ergueu uma mão. Os óculos de Harry saíram voando até ela.
Os rostos deles estavam borrados, mas Harry conseguia sentir o cheiro da surpresa de Ginny e Draco. O cheiro de Hermione só era divertido — apesar de provavelmente ser pela reação dos outros, porque não durou muito.
— Há quanto tempo você consegue fazer isso? — quis saber Ginny.
— Não muito — respondeu Ron. — Mas a questão é que se acabarmos amarrados e sem nossas varinhas... Pode ser que eu consiga ser útil. — Ron deu de ombros, o rosto corado, e inclinou-se para devolver os óculos de Harry. — E também sei nadar.
— Você quase morreu da última vez — falou Harry em voz baixa.
— Quando, nadando?
— Não... na última tarefa.
— Não tem de onde cair em um lago — falou Ron, dando de ombros mais uma vez.
— Você ainda pode se afogar — lembrou Draco.
— Você não vai deixar — respondeu Ron.
— Não posso garantir — disse Harry, agitado. — Eu agradeço a confiança e tal, mas se algo der errado lá embaixo... Então... E aí? Não parece ser como a última vez, quando estávamos todos juntos, e você estava numa posição em que podia se proteger se fosse necessário. Parece mais que tudo depende de mim e isso... isso é demais...
— Você nunca nos decepcionou — falou Ginny.
— Nós tivemos sorte... E se dessa vez for diferente? — Harry esfregou os olhos por baixo dos óculos. — E se eu só... não for bom o bastante, ou rápido o bastante, aí...
— Aí você acredita um pouco em Ron — falou Hermione. — E acredita que ele não estará completamente impotente sem você, mesmo que a tarefa pareça ter sido pensada para deixá-lo impotente. — Dito assim, Harry não podia discordar. — E você confia na gente... — ela indicou a si mesma, Draco e Ginny — para ajudar vocês dois, como fizemos em todas as outras tarefas.
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— Então você tem que nadar até onde os sereianos vivem e recuperar alguma coisa...
— Achamos que alguém — falou Harry, ajeitando o jeito que segurava Stella, que assoprava bolhas e estava totalmente alheia à conversa. Padfoot ficou em silêncio por um momento, franzindo o cenho, antes de suspirar.
— Isso faz sentido até demais. Alguém, então. E depois você tem que voltar para a superfície. E tem uma hora.
— Até onde a gente sabe — concordou Harry. Estavam de volta em Grimmauld, apenas os dois; Moony precisara ficar em Hogwarts com os alunos de Beauxbatons que não tinham voltado para a França depois do Baile, e Dora tinha uma reunião com Scrimgeour sobre voltar a trabalhar. Os amigos de Harry estavam no trem, provavelmente no meio do caminho entre Hogsmeade e King's Cross, Draco decidido a ficar n'A Toca pelo resto das festas, e Hermione ia se juntar a eles na véspera de Natal.
Padfoot correu uma mão pela parte de baixo do rosto e se acomodou melhor no sofá da sala.
— Sabe — disse ele —, eu já cansei desse Torneio idiota.
— Eu também — falou Harry, rouco, jogando a cabeça para trás quando Stella fez menção de tentar pegar seus óculos. — Acho que você não conhece nenhum jeito de ficar sem respirar por uma hora, né?
— Petrificação — respondeu Padfoot. — Ou podemos te transfigurar em algo inanimado.
— Você poderia me transfigurar num peixe — falou Harry, voltando a desviar das mãos de Stella. Ele cutucou as costelas dela com gentileza, fazendo cócegas, e ela se torceu com um grito, distraída. Harry deu um sorriso pequeno, mas verdadeiro.
— Essa é uma linha de raciocínio melhor — disse Padfoot e sorriu ao ver a expressão de Harry. — Não essa ideia em particular, mas focar nas formas que você poderia respirar embaixo d'água deve ser melhor do que tentar ficar sem respirar. — Harry resmungou.
— Conhece algum jeito?
— Bem, transfiguração — falou Padfoot, assentindo. — Algo como o Feitiço Cabeça de Bolha pode funcionar também... Só vi ser usado para atravessar nuvens tóxicas, fumaças de poções e coisas assim, mas talvez exista alguma variação... Caso contrário, deve ter alguma poção que faça isso... Snape saberia... Mas esse é um problema para outro dia. — Padfoot se levantou e esticou os braços para Stella. Harry a passou para ele e obedeceu quando Padfoot fez um gesto pedindo para que se levantasse.
— O que vamos fazer?
— Eu vou cobrir essa aqui em feitiços de aquecimento e impermeável — respondeu Padfoot, fazendo uma careta para Stella e esfregando gentilmente o nariz contra o dela. Ela puxou o cabelo dele, e ele fez uma careta de dor antes de fazê-la abrir a mão com cuidado. — Você vai procurar uma bola, e aí nós vamos até o parque do outro lado da rua para te deixar queimar um pouco de energia e pensar em algo que não seja o Torneio por algumas horas.
-x-
— Siri... Ah! Bem, que gracinha; seu molengão. — Harry abriu um olho para olhar para Dora, que sorria apoiada no batente da porta. Ele mesmo estava esparramado em frente ao fogo, com Stella adormecida, acomodada na lateral do seu corpo. Seu rabo se chocou inconscientemente contra o tapete algumas vezes e aí ele congelou. — Quem cansou quem? — perguntou Dora, entrando na sala.
Harry soltou um latidinho nervoso. Ela se acomodou em uma das poltronas, e o coração de Harry se apertou; tinha torcido para que ela saísse da sala, o que lhe daria tempo de se transformar e aí... Bem, aí ele pelo menos poderia tentar passar despercebido por ela.
Ou...
Harry deu seu melhor para se afastar de sua irmã sem acordá-la, mas ela soltou um som infeliz e fez uma careta.
— Ah, não precisa se mexer por minha causa — falou Dora, sorrindo —, e se você a acordar antes de eu ter tido a chance de tomar uma xícara de chá, você vai se arrepender. — Harry suspirou e voltou a deitar a cabeça no chão. Como se tivesse sido convocado pela palavra "chá", Monstro apareceu silenciosamente na sala segurando uma xícara, que ofereceu a ela com um curvar do corpo... e aí ele congelou, piscando para Harry.
— Monstro? — chamou Dora.
Monstro olhou para Harry com pânico; Monstro conhecia as diferenças entre sua forma lupina e a de Padfoot, e uma das poucas regras que ele tinha de seguir o tempo todo era que ninguém além de Padfoot, Moony e o próprio Harry podia saber sobre a forma animaga de Harry. Monstro gostava de desafiar os limites com brincadeiras, mas elas eram inofensivas e todo mundo sabia disso. Não era o caso. Dora olhou de Monstro para Harry.
— Não é... higiênico — falou Monstro, ansioso. — Não é adequado, ah, não, um animal do lado de um bebê, o que...
— Não tem problema, Monstro — falou Dora, misturando açúcar em seu chá. — Harry deve ter recebido o mesmo tratamento quando era bebê e ele tá bem. — O rabo de Harry bateu contra o chão mais uma vez, sem que ele quisesse. — Além do mais, essa menina é meio lobo... Passar um tempo assim com Padfoot deve ser bom pra ela.
— O mestre... Mestre Sirius devia vir com Monstro — falou ele.
— Monstro, você tá bem?
— Monstro está bem, ah, sim — disse Monstro, torcendo as mãos. Dora o olhou com preocupação. — Monstro deve... Monstro deveria... Monstro precisa ir... indo? — Monstro olhou para Harry com agonia, e Harry assentiu levemente, torcendo silenciosamente para que Monstro procurasse Padfoot e que, juntos, eles conseguissem pensar num jeito de tirá-lo dali. — É, indo.
Monstro desapareceu silenciosamente.
— Acha que ele tá ficando mais maluco na velhice? — perguntou Dora, divertida. Ela tomou um gole de chá. — As coisas deram certo com Scrimgeour — continuou depois de um momento. Harry inclinou a cabeça, interessado apesar de tudo. Ela sorriu. — Vou voltar a trabalhar em tempo integral no começo de janeiro, e querem que eu assuma um Recruta quando começarem o próximo treinamento em junho... passar um pouco do que aprendi na França. — Harry resfolegou suavemente e abanou o rabo deliberadamente. — Serei uma das mentoras mais jovens que eles já tiveram — comentou. — O que é muito maravilhoso.
Harry inclinou a cabeça, de modo que seu nariz estivesse um pouco acima de Stella, então olhou para Dora e inclinou a cabeça.
— Ela vai ficar com a minha mãe durante o dia e com Remus à noite, dependendo da minha escala. E aí com Remus o tempo todo quando ele terminar com a Beauxbatons em junho. — Ela franziu o cenho. — A gente conversou sobre isso no outro dia. — Harry se encolheu, mas Dora não percebeu. Ela franziu ainda mais o cenho e ele ficou tenso, mas então ela continuou: — Esbarrei na Skeeter no Ministério, também.
Harry soltou um som que era meio suspiro, meio rosnado, e Dora sorriu um pouco antes de voltar a franzir o cenho. Harry latiu o mais suavemente possível, tentando fazer o latido soar como uma pergunta, e Dora entendeu imediatamente.
— Ela queria um comentário. — Harry inclinou a cabeça. — Não tenho ideia sobre o que era... Foi minha culpa, de verdade, eu só... Quando eu a vi... Ela escreveu aquelas coisas horríveis sobre Remus, sobre você e sobre Harry e os pais dele, e, bem... Eu certamente dei minha opinião. — Dora fez uma careta. — Qual a probabilidade disso se voltar contra mim...? — Harry choramingou. — É, pensei o mesmo. — Dora suspirou.
Um baque veio das escadas, depois outro e outro, e Harry não teve tempo nem chance de fazer qualquer coisa além de colocar as orelhas para trás, culpado, antes de Padfoot colocar a cabeça para dentro da sala.
— Ol... Ah! — Padfoot xingou longamente. — Eu... hã... Ah, não, como foi que esse... hã... animal selvagem...
— Accio varinha — rugiu Dora, e a varinha de Padfoot saiu voando de seu bolso, direto para a mão dela. Dora continuou a apontar a própria varinha para ele e apontou a de Padfoot para Harry, que ficou onde estava. — Qual foi sua sugestão de nome para Stella? — exigiu, mas manteve a voz baixa para não acordar a filha.
— Elvendork — respondeu Padfoot com um olhar resignado para Harry.
— E quem fez Remus ficar tranquilo com a paternidade?
— Harry — respondeu Padfoot.
— Tá, então você é o Sirius. Então quem ou o que diabos é isso?! — sibilou ela.
— Harry — repetiu Padfoot com uma careta. Dora olhou para ele, e ele a olhou de volta com um sorriso lupino ansioso. Ela piscou, sentou-se pesadamente e riu uma vez, quase histérica. Padfoot entrou um pouco mais na sala e aí precisou se abaixar quando ela jogou sua varinha de volta. Padfoot sorriu. — Honestamente, eu estou um pouco ofendido por você não notar as diferenças.
— Eu achei mesmo que você estava diferente — contou Dora. — Sem pelos brancos em volta dos olhos e no focinho, para começar...
— Como é que é! — exclamou Padfoot, horrorizado, e Harry soltou uma risada latida.
— ... mas aí pensei que tem um cachorro preto enorme...
— Lobo — corrigiu Sirius, e Dora olhou para Harry, as sobrancelhas se erguendo, mas continuou.
— ... na sua casa, com a minha bebê, então ainda que você estivesse um pouco mais magro...
— Ei!
— ... e um pouco mais digno — Harry soltou um som que era uma mistura de uma tosse e uma risada, e Padfoot fez um gesto grosseiro em sua direção —, achei que talvez só fizesse muito tempo que eu não te via como cachorro, porque quem mais poderia ser?! Pare de rir! — Ela se virou para Harry, rindo. — Remus sabe?
— Hã...
— É claro que sabe — suspirou Dora. — Marlene?
— Não — respondeu Padfoot. — Hã, ou pelo menos não que eu saiba. — Ele olhou para Harry, que balançou a cabeça.
— Monstro? — Ela deu uma olhada na expressão de Sirius e balançou a cabeça. — Não é de surpreender que ele agiu tão estranho agora há pouco.
— Monstro esteve aqui? — perguntou Sirius. Harry bufou. — Essa criaturinha ingrata... Um aviso teria sido legal! — gritou porta afora e aí congelou (assim como Harry e Dora) quando Stella virou com um resmungo sonolento. Alguns momentos depois, ela ainda estava profundamente adormecida, e eles relaxaram.
— Não registrado... Na verdade, não responda... — Dora apertou a ponte do nariz. — Ou acabarei sendo uma cúmplice.
— E foi por isso que não te falamos nada antes — explicou Padfoot.
— Ótimo — falou Dora, revirando os olhos, enquanto um sorriso esticava seus lábios. — Sabe de uma coisa? Eu vou fingir que isso tudo foi apenas um acidente mágico infeliz e nada ilegal e que você, Sirius, vai transformar o pobre Harry de volta à sua forma humana e explicar duramente sobre os perigos da transfiguração humana; é preciso que um bruxo seja incrivelmente habilidoso para não estragar tudo e para que uma pessoa que ainda está na escola tivesse sucesso seria preciso de muito talento e seria algo muito, muito impressionante.
Padfoot piscou.
— Você tá passando muito tempo com o Moony — disse ele.
— Vai entender — respondeu Dora. Ela pegou seu chá e saiu da sala.
— Aonde você está indo?
— Tomar banho — respondeu ela. — E depois vou para Hogwarts para conversar com Remus sobre algo completamente diferente e em nada relacionado com segredos que ele está escondendo de mim.
Padfoot soltou sua risada latida.
— Acho que a bebê Lupin vai ficar por aqui, então.
— Acho que é o mínimo que você pode fazer! — retorquiu ela.
Continua...
N/T: a coitada aqui achou que ia ter tempo pra atualizar com mais frequência. Mas é isso... devagar e sempre.
