Esclarecimento: Só reiterando que esta história não me pertence, ela é uma adaptação do livro de mesmo nome, de Sara Wood, que foi publicado na série de romances "Bianca Especial de Férias", da editora Nova Cultural.


Capítulo 4

Rin e Sesshoumaru tomaram o café da manhã num clima pesado. Ela não o perdoava pelas acusações injustas e descabidas e o fato de ele não demonstrar nenhum arrependimento só lhe aguçava a mágoa.

Terminada a refeição, foram até a recepção para encerrar a conta. Ele também tomou providências para que a bagagem fosse transferida para o local onde se hospedariam dali em diante. Depois, partiram para iniciar as atividades do dia.

A raiva de Rin só diminuiu quando ela avistou os muros da parte histórica da cidade pela primeira vez. Sob o glorioso Sol matutino, cheio de brilho e de calor, cruzaram uma das ruas mais agitadas da Nova Jerusalém. Viraram uma esquina e avistaram, mais adiante, as muralhas milenares guardando a Cidade Velha.

O branco das enormes paredes de pedra cintilava, radioso, sob a luminosidade ofuscante da manhã. Ladeado por magníficas palmeiras, onduladas pelo vento morno, via-se o Portão de Jaffa. Mesmo com o espírito tumultuado pela discussão daquela manhã, Rin não ficou indiferente à beleza exótica e à magia daquela visão. Extasiado, Sesshoumaru observou-lhe a mudança de fisionomia.

- Você não imagina o quanto eu estava ansioso para ver sua expressão ! - confessou, animado - Vou lhe mostrar tudo isso como se você fosse uma turista comum. Quero que me conte o que mais a impressiona, está bem ? Decerto a maioria das suas opiniões coincidirá com a de meus leitores. Mas, antes, quero uma foto da Cidadela e de seus arredores, certo ?

Rin captou as imagens em diversos ângulos, procurando focalizar a festa de cores que a incidência dos raios solares promovia sobre o branco imaculado das muralhas. Depois, seguiram caminho, passando por soldados israelenses, por homens e mulheres do povo, por turistas. De repente, avistaram um jovem cabo do Exército local apoiando seu rifle automático contra um muro baixo para beijar melhor sua garota, também integrante das forças militares. Era a melhor imagem da convivência diária entre paz e conflito, tão típica daquela região. Excitado, Sesshoumaru tocou o ombro de Rin.

- Pegue aquela cena ! Rápido !

Ela graduou o foco sem perder um minuto sequer. Sesshoumaru ficou andando de um lado para o outro bem atrás dela, fazendo-lhe os nervos se agitarem de irritação. Mal acabara de bater a foto, os dois jovens já se separavam.

- Tirou ? - ele quis saber, ansioso - Ficou boa ?

- Sr. Taisho, eu detesto ser pressionada enquanto trabalho. Se deseja instantâneos, não deve se preocupar com a qualidade do resultado. Boas fotos exigem tempo, preparo e ponderação. Mais alguma observação ?

- Não. Quer que eu peça a ele para beijar a garota de novo ?

- Não é necessário. E agora, aonde vamos ?

- Ao Portão de Damasco. Lá se concentra toda a essência de Jerusalém. É como se a humanidade inteira tivesse fluído daquele lugar ! Quero que você mergulhe na magia da Cidade Velha. Só assim captará como eu preciso o clima de coragem e fé que existe por aqui... vamos andar bastante e seria bom que você estivesse usando roupas mais adequadas à ocasião em vez desse traje de revista de moda.

Rin ignorou a mordacidade do comentário. Sabia que o calor e o trabalho exigiam uma roupa simples e leve. Por isso mesmo, optara por aquele conjunto esvoaçante de saia e blusa branco, de corte amplo e confortável. Calçara mocassins de salto baixo e complementara o traje com uma bonita echarpe colorida amarrada na cintura. Não tinha culpa se o traje lhe assentava tão bem, tornando-a elegante demais !

Caminhando tranqüilamente pelas muralhas, com a sensação gostosa do Sol aquecendo-lhe o corpo, Rin sentiu-se de repente despreocupada, em paz e de bom humor. Pena que Sesshoumaru também tivesse vindo. Seria muito melhor estar naquele lugar magnífico sem ele !

- O portão ainda fica muito longe ? - perguntou em dado momento, abandonando as divagações.

- Não muito, mas a caminhada vale a pena, você vai ver. Na verdade, são oito portões ao todo, sete abertos e um fechado. Vamos fotografá-los separadamente enquanto circundamos as muralhas. Isso se estiver pronta para percorrer doze quilômetros, subindo e descendo em saliências muito estreitas. Às vezes, ficamos atordoados, mas é divertido espiar as pessoas lá embaixo.

- É difícil saber se essas muralhas são mesmo tão antigas...

- Ah, são, sim ! Foram erguidas no século XVI, quando Suleiman, o Magnífico, governava Jerusalém e todo o Império Otomano. Foi ele quem imprimiu um novo estilo à cidade. Jerusalém é o centro de três religiões monoteístas: a dos judeus, a dos muçulmanos e a dos cristãos. Depois de Meca e Medina, este é o terceiro centro religioso para o islamismo, mas o único a merecer o nome El Kuds, que significa "sagrado". É uma fortaleza que se defende com unhas e dentes de profanadores e protege seus tesouros santos com igual veemência.

"Como eu", Rin pensou, "que me defendo de intrusos com meu jeito de ser."

- Só que a velha cidade tem a sabedoria de receber os visitantes certos.

Rin disfarçou o espanto. Sesshoumaru parecia ter lido os pensamentos dela. No entanto, continuava impassível, as mãos nos bolsos, despreocupado. Ela voltou a apreciar a beleza do Portão de Damasco, sorrindo da própria suposição.

Durante a caminhada, encontraram crianças vendendo milho verde cozido, mulheres árabes com trajes pesados e a testa adornada com moedas. Cruzaram também com alguns beduínos de roupas surradas e andar altivo. Misturando-se aos habitantes da cidade, havia gente de todo o mundo, turistas sequiosos de beleza e exotismo.

Alguns cidadãos idosos sentados junto ao muro bebiam um líquido verde e brilhante, em copos minúsculos.

- Aquilo é chá de menta - Sesshoumaru explicou - Dá para fotografá-los sem que percebam ?

- Claro ! Também quero fotografar aquele camarada de roupas turcas conversando com aquele árabe, todo de branco. Um contraste muito bonito, não acha ? As fotos vão ficar lindíssimas !

Sesshoumaru sorriu, satisfeito ao vê-la entusiasmada.

- Gostei da idéia. Depois, vamos até Khan al-Zeit.

Rin aprontou a câmera e bateu as fotos. Mal havia terminado, viu um judeu todo de negro ao lado de uma garotinha loira. A cabeleira longa e dourada chamava atenção de longe, em especial por causa do contraste com as roupas escuras do homem. Rin tirou a fotografia rapidamente, preocupada em não perder aquela imagem excepcional.

- Tem muito bom gosto, sra. Taniguchi ! Se continuarmos assim, faremos um guia de excelente qualidade.

Pouco tempo depois, os dois ultrapassaram o Portão de Damasco e penetraram na cidade. Viram uma porção de árabes fazendo seus cálculos com modernas calculadoras automáticas, estranha combinação com seus trajes tradicionais.

Logo penetraram em ruelas estreitas e Sesshoumaru colocou a mão no ombro de Rin para orientá-la. Ela sentia-se fascinada por aquele mundo e, ao mesmo tempo, intimidada. Era como se jamais pudesse fazer parte dele, tendo de se contentar em admirá-lo de longe, como a uma jóia rara.

Andavam por uma rua bastante apertada quando alguns árabes a cercaram. Sorriam e balançavam jóias diante do rosto dela, barrando-lhe a passagem. Assustada, achou melhor mostrar-se distante e indiferente.

- Não quero comprar nada - afirmou secamente - Saiam da minha frente, por favor.

- Por que está tão zangada, madame ? - um deles perguntou num inglês razoável, embora cheio de sotaque - Está na terra da felicidade, não sabia ? Sorria !

- Não estou zangada, só quero continuar meu passeio, se permitirem.

- Mas ficaria linda, madame, com um desses colares. Tenho outros tipos, também...

- Já disse que não estou interessada !

Nesse momento, Sesshoumaru se aproximou dela. Sorriu para os homens e abriu caminho em meio a eles segurando-a pela mão.

- Fica para outra vez - afirmou, já afastando-se; e, voltando-se para Rin, recomendou: - Não se aborreça com eles. Só estão tentando ganhar algum dinheiro, e de um modo muito honesto, aliás.

- E muito incômodo !

- Vamos, acalme-se. Não vou deixar mais ninguém se aproximar de você, está bem ?

Rin ignorou o tom de mansa ironia na voz dele. A promessa a tranqüilizara e apenas isso lhe importava. Dali a pouco, entraram numa rua um pouco mais larga, onde havia uma estranha mistura de camelos, condutores de camelos, pastores. Um retrato vivo daquela cultura única e peculiar, mescla de diversas religiões e costumes.

- Não é incrível ? - Sesshoumaru indagou, dando um profundo suspiro - Isso tudo é o que faz de Jerusalém um lugar tão especial.

Satisfeita, ela notou a mudança de Sesshoumaru diante daquele quadro. De repente, nada tinha a ver com o homem irônico, sempre disposto a ridicularizá-la. Agora, transbordava de encantamento e paixão e se ocupava apenas das próprias emoções.

Passavam diante de uma das lojas, e o vendedor veio assediá-la:

- Venha, senhora, entre ! Não precisa comprar nada. Apenas olhe e, se encontrar algo que lhe interesse, poderemos conversar. Por favor...

- Não ! - ela respondeu, secamente.

Continuou caminhando, e Sesshoumaru fitou-a com desaprovação.

- Não faça mais isso - ordenou em voz baixa e incisiva - Custa muito sorrir para eles ? Sorria, olhe tudo com calma, depois agradeça e diga que não quer comprar nada com polidez. Não havia necessidade nenhuma de ser tão agressiva.

Rin guardou um silêncio desdenhoso. Que petulância de Sesshoumaru ditar-lhe regras de comportamento ! Ela passara muito tempo em lugares como aquele e sempre agira assim para evitar aborrecimentos. Em todo caso, não pretendia começar outra discussão.

Um pouco além, ela avistou um garotinho com aparência de estrangeiro. Olhando com mais atenção, viu o logotipo de uma escola inglesa impresso na camiseta dele. Pelo medo estampado nos olhinhos azuis, Rin deduziu que estivesse perdido.

- Olá, tudo bem com você ? - indagou em tom amigável - Está sozinho ?

Ele pousou sobre ela os olhos marejados de lágrimas, mas não disse nada. Rin procurou ao redor e não encontrou mais Sesshoumaru. Mesmo assim não se perturbou. Ele conhecia bem a cidade e não teria dificuldade em achá-la depois. Naquele momento, o menino era mais importante.

- Posso ficar com você e esperar seus pais voltarem ? - insistiu, tentando dobrar a resistência do garoto.

Agachou-se no chão ao lado dele, numa tentativa de tranqüilizá-lo. De repente, se deu conta do motivo daquele mutismo.

- Já sei ! Seus pais o proibiram de falar com estranhos, não é mesmo ? Eles estão certos, mas você pode confiar em mim. Não vou levá-lo a parte alguma, só lhe farei companhia enquanto eles não chegam, está bem ?

O menino fez um gesto afirmativo com a cabeça e Rin sorriu para ele com ternura.

- Olhe, eu sou fotógrafa e estou aqui trabalhando. Quer tirar uma fotografia ? Eu lhe ensino como se faz.

Ele ainda a observou por algum tempo, mas depois sorriu, com simpatia.

- É gostoso esse seu serviço ?

- Eu gosto muito dele. Meu nome é Rin, e o seu ?

- Peter...

- Muito prazer, Peter. E então, não quer experimentar ? Veja, é só fazer assim...

E começou a mostrar ao pequeno companheiro como a máquina funcionava. De vez em quando, olhava ao redor procurando Sesshoumaru. Será que ele estava muito zangado com o seu desaparecimento ?

Numa pequena barraca, Rin comprou balas para ela e Peter. Depois de alguns instantes, os pais dele apareceram e correram para o filho, emocionados.

- Peter, onde você estava, querido ? - a mãe quis saber, abraçando-o.

- Eu não vi mais vocês e fiquei aqui, quietinho, esperando que me achassem. Aí, veio essa moça boazinha e ficou comigo. Ela me comprou balas e até me deixou brincar um pouquinho com a máquina !

- Muito obrigada, srta...

- Sra. Rin Taniguchi.

- Nós lhe agradecemos muito, sra. Taniguchi, e esperamos que Peter não tenha lhe dado muito trabalho.

- Que nada, foi um prazer ficar com ele. Até logo e boa sorte.

Rin deu um breve aceno ao menino e seguiu em direção ao Portão de Damasco. Mal andara quinhentos metros quando viu Sesshoumaru. Encostado a uma parede, as mãos nos bolsos, olhava apreensivo para todos os lados. Ao deparar-se com ela, franziu a testa sem esconder a irritação.

- Mas onde foi que você se meteu, Rin ?

- Desculpe, Sesshoumaru. Há quanto tempo você está aqui ?

- Você ainda não me disse onde estava.

- É que encontrei um menino perdido e fiquei com ele até os pais chegarem.

- Ah, então foi isso !

- Você me esperou por muito tempo ?

- Por horas - exagerou ele.

Para disfarçar o desconforto da situação, Rin enfiou a mão no bolso da saia, tirou uma bala, desembrulhou e colocou-a na boca.

- Não tem uma para mim, não ? - ele perguntou, fingindo desapontamento.

Rin pegou um punhado das guloseimas e colocou-as nas mãos dele. Os dois riram, descontraídos, espantando a tensão do desencontro.

- Bom, acho melhor nós irmos andando - ela ponderou - Já perdemos tempo demais.

- Pelo contrário, acho que foi até bom ter acontecido isso. Assim pensei melhor no que faremos agora. Vamos parar em algum lugar e ficar observando o movimento.

Pegando-a pelo braço, conduziu-a em direção a um bairro muçulmano. Postaram-se numa esquina, de onde tinham uma boa visão dos transeuntes.

Ela estava contente com aquele trabalho. Sempre fora considerada uma excelente fotógrafa, mas suas fotos se restringiam a paisagens e objetos. Jamais haviam exigido dela imagens de seres humanos e animais. Agora, tinha a oportunidade de aprender a obter flagrantes da vida cotidiana, captando as emoções, sentimentos e atitudes neles envolvidos.

- Sesshoumaru, olhe aquele velho ! - ela apontou para uma cafeteria logo em frente - Parece um personagem bíblico ! Vou ficar do outro lado, esperando ele sair. Quando estiver bem perto daquela vendedora ali, bato a foto. Vai ficar linda, pois a roupa dele é muito bonita. Sei que você disse que comandaria o trabalho, mas...

- É uma excelente idéia - ele concordou, sorrindo - Minhas outras fotógrafas nunca tinham iniciativa própria. Parece que você já conhece o meu trabalho...

- E conheço, mesmo. Gostei muito de seus guias.

- Fico contente.

Rin esperou um bom tempo enquanto o velho saboreava sua bebida devagar, com a calma que só os homens do deserto possuíam. Em determinado momento, surgiu um outro árabe, ágil e apressado, o extremo oposto do primeiro. Ela mirou o alvo com habilidade. Perfeito ! Conseguira flagrar o encontro do langor absoluto com a paixão intensa.

Excitada, aproximou-se outra vez de Sesshoumaru e explicou-lhe a intenção da foto. E seu entusiasmo cresceu ao notar a aprovação estampada no rosto dele.

Rin comovia-se com o amor que ele demonstrava por Jerusalém e sua gente. Contagiada, também já não se considerava uma simples estrangeira. A cada minuto, Jerusalém se tornava para ela mais familiar, mais íntima.

Enquanto Sesshoumaru a fitava com admiração, Rin percebeu por que as outras mulheres sentiam por ele uma atração tão forte. As roupas não faziam diferença. A aparência desleixada perdia a importância diante do poderoso carisma que ele exalava.

Entre brincadeiras e piadas, os dois trabalharam sem parar, num ritmo gostoso e produtivo. Sesshoumaru discutia com Rin sobre as legendas que pretendia escrever para cada foto e ela o escutava com respeito e admiração crescentes. A atitude despreocupada de Sesshoumaru ocultava uma cultura vasta e abrangente, fruto de inúmeras viagens. Sem vaidade, ele discorria sobre hábitos de diversos países e sobre a história de outros povos de um modo simples e absorvente. Talvez por isso cativasse as pessoas com tamanha facilidade.

Enquanto desciam por uma viela rumo ao Patriarcado Grego, Sesshoumaru aproximou-se dela com ar de segredo.

- Agora, vamos a um lugar muito especial - anunciou, sorridente - É o Lago de Ezequias, escavado a quinhentos anos nas rochas para conter toda a água que chega até Jerusalém através dos aquedutos.

- Deve ser magnífico !

- E é mesmo, cheira a história.

Entraram por uma rua sombria, depois desceram uma escadaria de pedras rústicas e antigas. Então ele parou diante de um túnel escuro.

- Aqui estamos. Agora, é melhor você me dar a mão.

- Quem disse que vou entrar aí ?

Rin olhou apreensiva para a passagem estreita e sombria esculpida em pedra. Devia haver lixo acumulado ali dentro. Além do mais, dava para ver algo se movendo sobre o chão lamacento. Deviam ser ratos, ela pensou com um arrepio.

- Vamos ! - ele insistiu, estendendo-lhe a mão - É apenas um pequeno arco, uma passagem curta.

Tentando vencer seus receios, ela desceu mais dois degraus para dentro do túnel. Logo, sentiu sob os pés uma camada grossa de lodo. E os supostos ratos não passavam de cogumelos grandes. Ela parou por um momento, examinando com desgosto a lama grudada na sola de seus delicados mocassins.

- Ande logo ! - Sesshoumaru exclamou, impaciente - A luz está logo ali !

- Não vou continuar. Esse lugar é horrível !

- Está com medo ?

- Claro que não ! - ela mentiu - Só que não gosto de andar dentro de esgotos !

- Isso não é um esgoto, não há razão para se assustar. É só a má impressão de pisar em algo que não se vê. E nós combinamos que você fotografaria tudo o que eu pedisse. Agora, estou lhe pedindo para atravessar esse túnel e tirar fotos do que está do outro lado dele. Portanto, refreie sua repugnância e mexa esses pezinhos delicados.

Ele estendeu-lhe a mão mais uma vez. Rin desceu mais dois degraus com cuidado, a princípio tocando de leve as pontas dos dedos dele, depois, entrelaçando-os com firmeza, numa união que lhe causou uma gostosa sensação de segurança.

- Só não estou gostando dessa escuridão - ela ainda reclamou.

Sesshoumaru sorriu, passando-lhe o braço em torno da cintura.

- Pois eu estou adorando. É um lugar perfeito para se estar na companhia de uma linda mulher.

Aborrecida com a brincadeira, Rin tentou afastar-se. Porém ele prendeu-a com maior firmeza, enquanto os pés dela escorregavam no lodo. O contato entre ambos, embora apenas insinuado, inundou-a de um calor estranho, desconhecido, ameaçador. E o medo pelo local foi substituído por outra espécie de terror.

Ela sentia-se desamparada e protegida ao mesmo tempo pela masculinidade que emanava de Sesshoumaru. A mão dele em sua cintura, às vezes descendo até o quadril com naturalidade, provocava-lhe arrepios. E ela já não saberia dizer se gostava da sensação ou se estava apavorada.

- Relaxe, menina. Não vou atacá-la.

- Deixe de ser bobo !

- Então não fique tão séria.

- Por que deveria rir ? Acho esse lugar detestável !

Na verdade, nem pensava mais no túnel ou no lodo. A batalha de sensações contraditórias dentro dela dominava-a por inteiro. E ocorreria em qualquer lugar, desde que Sesshoumaru se aproximasse dela ou a tocasse de forma íntima, como naquele instante. Essa certeza a irritava. Já era uma mulher ! Não tinha cabimento se comportar como uma adolescente ingênua !

- Diabos, Rin, você não tem jeito ! Já ficou azeda de novo, só porque as coisas não aconteceram do modo que esperava. Deve ser horrível viver assim, com tantas regras rígidas na cabeça. Por que não experimenta se descontrair um pouco ?

- Acontece que não sou uma marionete, que muda de atitude conforme se puxam os cordões !

A voz dela soou magoada, apesar da agressividade da resposta. Se ao menos pudesse mudar de uma hora para outra, libertar-se dos medos que a prendiam como amarras ! Tentava muito, mas sempre voltava ao ponto de partida.

- Você é, sim, uma marionete de si mesma - Sesshoumaru comentou, com inesperada ternura - Esperneia tanto que acaba presa aos nós criados pela sua imaginação...

Acariciou-lhe os cabelos longos e negros, num misto de carinho e sensualidade. Irritada, ela afastou a cabeça.

- Está vendo ? - ele murmurou - Se deixasse, eu teria toda a paciência do mundo para ajudá-la a sair desse emaranhado.

- Como você é pretensioso ! Pois fique sabendo que não preciso nem de sua ajuda nem de sua paciência !

- Você é quem sabe.

Sesshoumaru soltou-a com raiva e saiu na frente. Ao chegar ao fim do túnel, parou, extasiado com a visão do enorme reservatório de água. Casas turcas rodeavam o lago, cuja superfície as refletia qual espelho colossal. E os sons do cotidiano traziam vida à paisagem. Mulheres robustas e morenas iam e vinham carregando baldes, cantarolando velhas cantigas de seus ancestrais. E o murmúrio das águas trazidas de Belém por uma intrincada rede de aquedutos enchia o ar de poética musicalidade.

Rin surgiu e agarrou-se a ele, tentando manter o equilíbrio. Sesshoumaru lhe sorriu, os dentes alvíssimos contrastando com a pele. Ela voltou-se para o lago, pouco à vontade com a repentina intimidade do contato entre os corpos dos dois. Sentia o olhar dele, como a queimá-la.

- Bata uma foto daqui - ele pediu, afastando-se de repente - Depois, vamos tomar café.

Num misto de alívio e decepção, Rin atendeu-o. Em seguida, Sesshoumaru conduziu-a até uma alfaiataria. O dono do estabelecimento cumprimentou-os com solenidade, indicando-lhes uns bancos baixos, onde se sentaram.

- Você vai tomar café aqui ? - ela perguntou, espantada. Olhando ao redor, Rin achou a casa limpa, apesar do chão rústico. Contudo, na certa a água vinha do Lago de Ezequias. E ela vira, muito bem, mulheres lavando roupa no reservatório...

- Vou, sim, por quê ? - ele respondeu com naturalidade - Faz parte da hospitalidade do povo oferecer água, café e leite aos visitantes sem cobrar nada. Além disso, você deveria apreciar os hábitos e bebidas genuinamente locais.

- E aprecio. Mas não é por isso que vou entrar na primeira espelunca para comer ou beber qualquer coisa que me ofereçam, mesmo que seja de graça.

- Ele está fazendo café especialmente para nós. Não se atreva a desapontá-lo.

O tom ríspido da recomendação não deixou a Rin outra alternativa senão o silêncio. Ela olhou com desagrado para o velho fogão a óleo em que o alfaiate preparava o café, numa panela também bastante gasta. Encostou na parede com uma expressão de desconforto, depois fitou Sesshoumaru com um olhar cheio de raiva.

- Se eu apanhar febre tifóide ou cólera, juro que o processo por perdas e danos ! - disse baixinho.

- Já fui recebido nas mais diversas casas, e como de tudo o que me oferecem em todos os lugares desta região. E lhe garanto que, até hoje, nunca senti nem mesmo um ligeiro mal-estar por causa disso - voltando-se para o alfaiate, ele falou: - Naam, sokar aleel - depois, olhando para Rin, esclareceu: - Pedi a ele para não colocar muito açúcar.

- Quer ficar elegante ?

- Ora, Rin, pare de me provocar ! Olhe para esse senhor, para a expressão satisfeita no rosto dele. Veja as roupas, tão limpas e bem cortadas. Será que ele descende de turcos, beduínos ou árabes ? É com isso que deve se preocupar em vez de apontar erros e defeitos em tudo o que a rodeia. Você tem à sua frente uma cultura rica e misteriosa, formada ao longo de séculos de História. Pense nisso antes de se prender a preconceitos e ninharias !

Ela não soube o que responder. Logo em seguida, o anfitrião estendeu-lhe uma caneca de café fumegante, exalando um cheiro delicioso.

- Heht ! - o homem exclamou, apontando para a bebida e olhando para ela, sorridente.

- O que foi que ele disse ? - Rin indagou a Sesshoumaru, curiosa.

- Que colocou algumas sementes de cardamomo, uma planta aromática, na infusão. Você vai gostar, tenho certeza.

Foi o café mais gostoso que ela já provara na vida. Repetiu-o duas vezes, para alegria do dono da casa.

- Desculpe, você tinha razão - ela admitiu em voz baixa.

Preparou-se para um longo sermão, no qual Sesshoumaru se vangloriaria do próprio modo de pensar. No entanto, ele apenas a olhou com muita calma.

- Não precisa se desculpar - afirmou com naturalidade.

Então, Rin relaxou e ficou ouvindo com prazer o sotaque exótico do homem enquanto conversava com Sesshoumaru em inglês. Sesshoumaru lhe fazia perguntas sobre as roupas prontas, pendendo do teto da loja em cabides rústicos. Apesar de todo o serviço programado para aquele dia, dispensava ao velho toda a atenção possível, sem demonstrar a mínima pressa.

Aos poucos, também ela já se sentia à vontade naquela humilde casa de pedra. O ambiente, antes tão estranho, proporcionava agora um aconchegante prazer interior. Era como se, de repente, transcendesse o real para penetrar em outro mundo, diferente do conhecido mas em nada inferior a ele.

Quando saíram dali, Rin se envolvera por completo pela magia de Jerusalém. Caminhou junto com Sesshoumaru pelo bairro armênio, passando pelo Portão do Sião, rumo à Tumba do Rei Davi. Quando chegaram, encontraram alunos de uma escola infantil ocupando o local para as preces do meio-dia. Os dois pararam para observar as crianças num silêncio respeitoso. Algumas delas traziam as cabeças cobertas pelos tradicionais solidéus e os cumprimentavam com a saudação milenar Shalom. Rin sorria para eles, encantada, e retribuía o cumprimento da mesma forma.

- Teremos de esperar que terminem de orar - ele comentou - Com o lugar cheio desse jeito, não haverá condições de você tirar boas fotos.

- Mas seria maravilhoso se os incluíssemos, Sesshoumaru ! Todos esses rostinhos compenetrados, um mar de cabecinhas enfeitadas com chapeuzinhos... alguma imagem retrataria melhor a fé dos judeus ? E estão cantando agora. Vamos entrar ?

- Claro. Você tem razão, não há imagem mais tocante. Vamos lá !

Os dois seguiram as crianças para dentro da caverna escura. Sesshoumaru colocou um bonezinho semelhante aos dos meninos, enquanto Rin cobria a cabeça com a echarpe que tirara da cintura, em respeito à tradição local.

O interior do templo era simples e solene, amplo e iluminado fracamente por tochas presas às paredes de pedra cinzenta. Ao redor dos pilares imponentes, rabinos oravam e as crianças repetiam as preces em coro. Depois de algum tempo, os cânticos recomeçaram, entoados pelas vozes infantis.

- Devem ser os salmos de Davi - Sesshoumaru cochichou ao ouvido de Rin.

Não tinha importância que ela não entendesse o significado dos versos. Encantada, fitava as faces das crianças, às quais a iluminação incerta do ambiente conferia um misticismo etéreo. Os olhinhos escuros transmitiam adoração e contentamento, imagem que ela procurou eternizar quando tirou as fotografias.

Ao saírem dali, estavam emocionados, cercados por uma doce aura de paz. Sesshoumaru segurou a mão de Rin, num gesto espontâneo e natural. Pela primeira vez, ela não se esquivou ao contato. Reconheceu naquilo uma demonstração de amizade entre duas pessoas que acabam de dividir um momento sublime.

Em silêncio, subiram as escadas rumo à Sala da Última Ceia, localizada bem acima da Tumba do Rei Davi. O aposento amplo, vazio, era feito da mesma pedra cinzenta do local da tumba. Porém uma luz inexplicável se somava à luminosidade tênue das tochas acesas, conferindo a tudo um aspecto imaterial. Os dois continuaram de mãos dadas, como se buscassem apoio um no outro para a estranha emoção que os dominava. E, mesmo após deixarem o salão, ficaram um bom tempo quietos, ainda usufruindo da sensação de paz interior.

- Vamos trabalhar mais um pouco, depois tomamos um lanche - ele sugeriu de repente, quando já haviam saído do templo.

Rin percebia que toda a animosidade contra Sesshoumaru desaparecera no decorrer da manhã, substituída por uma simpatia forte, mista de atração e receio. Agora sabia por que as outras fotógrafas haviam se envolvido sentimentalmente com ele. Decerto aquele tipo de amizade com um certo ar de desinteresse que ele lhes oferecia as fascinava por completo...

E o fato de terem países exóticos e estranhos por cenário provavelmente tornava irresistível a sedução daquele homem. A forma carinhosa de tratá-las, somada à beleza física e à sensualidade gritante de Sesshoumaru, tornava muito difícil qualquer mulher manter-se indiferente. Para ela, seria uma proeza conseguir isso, pensou um tanto insegura.

Durante o trabalho, foi crescendo entre eles uma mistura estranha de intimidade e tensão. Quando seus corpos se tocavam ou seus dedos se entrelaçavam, surgia um clima mágico e ameaçador entre os dois.

A beleza inesperada de Jerusalém constituía um componente a mais dessa alquimia misteriosa. Atônita diante de tamanho deslumbramento, Rin encontrava em cada recanto uma nova experiência que merecia ser registrada por sua câmera.

Sesshoumaru não escondia o quanto admirava seus questionamentos e abordagens inteligentes. Demonstrava o prazer que lhe proporcionava guiá-la por todo um mundo de mistérios e tradições. O trabalho, aliado ao sentimento de união e cumplicidade, fazia-os sentir um prazer extremo na companhia um do outro.

Ao cruzarem o caminho onde a Via Dolorosa se encontrava com o Khan al-Zeit, Sesshoumaru abraçou Rin pelos ombros numa atitude de proteção. Assistiram à passagem de um cortejo de católicos franceses cantando hinos. Enquanto isso, bem próximo a eles um judeu ortodoxo, com suas vestes características, também louvava o Criador numa ladainha fervorosa.

Rin sorriu, confusa, diante de tantas experiências diversas chegando-lhe aos sentidos a um só tempo. Procurou apoio em Sesshoumaru, abraçando-o pela cintura. Naquele momento, ele representava o único vínculo entre ela e seu mundo cotidiano.

- Parece um caleidoscópio - ela murmurou, atônita - Todos os pedaços do mundo, de todas as culturas, parecem se encontrar aqui e ao mesmo tempo !

- É tudo muito intenso, não é ? E, ainda por cima, essa estranha sensação de poder místico pairando no ar... ninguém fica indiferente a Jerusalém. Impossível ignorar esse mistério !

Os dois se fitaram, os olhos de ambos refletindo a mística insondável da paisagem. Aquela cidade, com milhares de anos de história, os impelia cada vez mais um para o outro. Obedecendo a um impulso incontrolável, Sesshoumaru acariciou o rosto de Rin com os dedos incertos, trêmulos de emoção. Contudo, de repente retirou a mão e, segurando-a pelo braço, caminhou rapidamente, embrenhando-se na multidão. Rin seguia-o sem entender a razão da súbita mudança de atitude.

- Não faça isso de novo ! - ele exclamou com raiva, andando cada vez mais depressa.

- Fazer o quê ?

- Não me envolva no seu joguinho de sedução, moça ! Uma vez já foi o bastante !

- Eu não fiz nada disso ! Como você é pretensioso ! Fiquei um pouco tonta com tantas imagens ao mesmo tempo e me apoiei em você, só isso ! Está interpretando as coisas da forma mais conveniente aos seus interesses, como sempre, não é ?

- Não me interessam as suas razões ! Se você chegasse um milímetro mais perto, eu a beijaria ali mesmo ! Não percebe o quanto é forte o que está acontecendo entre nós ? Não acha que está exigindo demais de mim ?

Ela o fitou, sentindo-se injustiçada. Havia algo forte entre os dois, sim, mas não era culpa dela ! Sesshoumaru respirava com dificuldade, os olhos dourados translúcidos de desejo.

- E não me olhe assim ! - ele protestou, exasperado - Droga, Rin, você fica aí me pedindo com essa carinha de anjo... venha cá !

Ele puxou-a para um canto mais tranqüilo, encostando-a contra a parede.

- Sesshoumaru, por favor, você prometeu ! Não deve agora...

- Sei muito bem que não devo, mas quero, preciso fazê-lo ! Você me enlouqueceu o tempo todo e, agora, não consigo mais me segurar !

E, tomando-lhe as mãos, aproximou-se dela, beijando-a com suavidade. Aos poucos, a intensidade da carícia foi aumentando. Sesshoumaru envolveu os lábios dela com sofreguidão ainda maior quando encontrou em Rin um eco poderoso dos próprios desejos.

Nenhum homem a beijara de forma tão ardente até então. Rin abandonou-se àquela carícia, deixando Sesshoumaru explorar-lhe a boca com a língua hábil e ousada. Mas gradativamente ele foi refreando o próprio ímpeto, o ardor esmorecendo aos poucos. E, quando afastou-se, tomou-a outra vez pela mão e reiniciou a caminhada em silêncio.

Depois de algum tempo, chegaram diante de um portão imenso que protegia a área interna de transeuntes curiosos. Ele bateu com a aldrava e esperou até que alguém viesse abrir. Logo, um monge magro e moreno abriu a porta.

- Buongiorno ! - Sesshoumaru saudou-o alegremente.

- Buongiorno, sr. Taisho !

- Esta é a sra. Taniguchi, minha fotógrafa. Sra. Taniguchi, este é Luigi.

- Seja bem-vinda, sra. Taniguchi. Por favor, entrem.

Os dois seguiram o monge por uma alameda cercada de flores e algumas árvores frutíferas. Como nas antigas residências romanas, pórticos de colunas e arcos rodeavam o jardim. Ao centro, uma fonte recoberta de ladrilhos decorados com arabescos coloridos embelezava ainda mais o cenário.

Rin admirava tudo em silêncio. Não sabia direito se a emoção vinha daquela maravilhosa réplica das casas romanas ou das sensações experimentadas pouco antes, quando Sesshoumaru a beijara com tanto ímpeto.

- O que viemos fazer neste lugar ? - ela perguntou a Sesshoumaru, assim que teve uma oportunidade.

- Vamos nos hospedar aqui. Vivi alguns meses neste local, escrevendo. Antigamente, isto era um hospital franciscano chamado Casa d'Oro, que posteriormente foi transformado em hospedaria. No momento, é Luigi quem cuida de tudo.

Solícito, o hospedeiro conduziu-os a um aposento espaçoso, decorado com simplicidade. A mobília consistia em uma cama larga, uma cômoda, duas cadeiras e um guarda-roupa grande, tudo em pinho, de linhas despojadas. Pela janela entreaberta, via-se um limoeiro, cujo perfume agreste e fresco invadia o quarto. A ele somava-se um cheiro gostoso de lavanda, vindo de uma bacia de uma jarra de porcelana sobre a cômoda.

Sesshoumaru deixou-a ali e seguiu o monge até o jardim, onde ficaram um bom tempo conversando. Rin ouvia as risadas dos dois, enquanto Sesshoumaru descrevia ao amigo episódios engraçados do dia e do trabalho em Jerusalém.

Ela umedeceu a mão na água perfumada da bacia de porcelana e lavou o rosto. A pele queimava e parecia febril. Seria efeito do Sol forte ou das emoções intensas e marcantes daquele dia longo e cansativo ?

Ao erguer a cabeça, deparou-se com Sesshoumaru observando-a através da janela.

- Venha cá - ela chamou.

- Prefiro esperar você aqui fora.

Na voz dele havia uma tranqüilidade inalterável. Porém os olhos dourados traduziam-lhe o desejo dominador, intenso, selvagem. Para seu espanto, Rin descobriu o mesmo incêndio dentro de si, queimando-a com voracidade. Seria tarde demais para subjugar o perigo ?


P. S.: Nos vemos no Capítulo 5.