Aviso: Alguns dos personagens encontrados nesta história e/ou universo não me pertencem, mas são de propriedade intelectual de seus respectivos autores. Os eventuais personagens originais desta história são de minha propriedade intelectual. História sem fins lucrativos criada de fã e para fã sem comprometer a obra original.
Sumário: Esta fanfic é a fanfic de minha autoria intitulada Os Marotos, escrita no início dos anos 2000 e publicada aqui, que foi reescrita e será finalizada.
Categoria: Angst/Romance/Slash/Aventura/ +18/ Conteúdo LGBTQIA+/Yaoi
OS MAROTOS: O LIVRO DAS SOMBRAS
CAPÍTULO 1
OS MENINOS E O LOBO (PARTE 1)
(...) I'm loose and I'm free and I'm fun
I'm wild as can be, and I want
I want you boy, I want you boy
I'm cool and I'm calm with danger
This army of one and I caught
Caught you boy, I caught you boy
Thunder in the air, trouble on my mind
Hold me in the dark, kiss it all behind
Baby, don't be scared, come on, honey, smile
Everything is fine now, everything is fine
My, my, talking all night
Laughing really hard and it makes me wanna cry
I love our playing House, love our dressing up nice
Drinks on ice
I'm yours and I'm free and I'm fun
I'm wild as can be, and I want
I want you, I want you
I'm cool and I'm calm
A dangerous army of one and I caught
I caught you, I caught you
I caught you boy, I caught you boy
I caught you, I caught you
I caught you boy, I caught you boy
I caught you, I caught you
(Caught You Boy – Lana Del Rey)
Capítulo Piloto de tudo o que estava por vir. E por ir.
Parte 1
Setembro de 1971
Remus se desvencilhou do abraço da mãe a contragosto.
A estação do King's Cross se enchia cada vez mais, reunindo diante do Expresso vozes e rostos transpassados por sentimentos diversos. A expectativa e os ruídos se fundiam, misturando-se ao vapor denso do veículo estacionado sobre a linha férrea.
"Prometa-me que vai se cuidar, meu bem..."
Remus estremeceu. Era difícil de processar aquela sensação. Há anos, ele ansiava profundamente por sua ida para Hogwarts. No entanto, agora que ela, de fato, acontecia, o menino era uma pilha de nervos.
"...Escreveremos para você quando chegar lá..."
Remus se deixou ser abraçado pelo pai, que parecia igualmente triste.
A insegurança trazia uma atmosfera sufocante para Lupin. Numa tentativa urgente de controlar o nervosismo, o menino procurou na multidão se distrair com qualquer coisa que chamasse a sua atenção.
Seu olhar cor de âmbar saltou pelas pessoas que compunham aquele mosaico. Uma garota de cabelos negros se despedia da irmã menor. Um menino acomodava uma coruja em sua gaiola. Outro, enfiava a varinha toda no ouvido.
O repuxar dolorido dos arranhões pelo ciclo licantropo de três dias atrás, sob as roupas de Remus, não colaboravam com a sua autoconfiança. Seria tão difícil para ele ter a sua atenção presa em qualquer coisa banal que não fosse o tic-tac do relógio?
Então, algo não banal aconteceu...
Remus tinha o seu rosto virado para uma instância ao lado da pilastra, próxima ao cartaz ilustrado pelos rostos bonitos do Ministro da Magia e de sua esposa, Jordana Johnson, chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia.
No rodapé do pergaminho, letras garrafais se mexiam com magia, dizendo: "Diversidade é Paz; Liberdade é Direito; Conhecimento é Força.". Um pouco afastado, um garoto alto com cabelos muito negros e compridos parecia discutir com os seus pais.
Remus achou, de fato, que deveria ser um garoto do segundo ano. Os pais do garoto, trajando roupas que vestiam a alta sociedade bruxa, olhavam o filho com desagrado enquanto o menino apontava o seu dedo em riste em direção ao trem.
Remus não pode compreender o que se sucedia ali. Mas ele não pode deixar de reparar no olhar austero que o casal lançava ao próprio filho e na sua postura arrogante de mandíbulas contraídas e queixos erguidos.
As vestimentas do casal excessivamente elegantes destoavam um pouco constrangedoramente de muitos ali presentes no lugar. Sobretudos; estolas de pele; chapéu com véu diante do rosto e seda os faziam parecer com ilustres viajantes que embarcavam em uma viagem, olhando os serventes com distanciamento e elitismo.
Em um determinado momento do confronto, o garoto de cabelos negros irritou-se com tanta virulência com os pais que, aparentemente, lhes proferiu algo muito desagradável antes de erguer o dedo do meio para eles.
Depois, ele se distanciou, pisando duro até o interior do trem. Seu rosto se revelava aborrecido e resoluto. O pai, vendo o garoto lhe dar as costas, chegou a alcançar a varinha no interior de suas vestes, mas a mulher, adiantando-se entre o farfalhar de seu vestido de seda azul-petróleo, ergueu a mão enluvada em renda com uma expressão azeda. Discretamente, ela indicou com o rosto as pessoas ao redor.
Os bruxos e os pais dos alunos nascidos-trouxa e mestiços alternavam o seu olhar do menino para o casal, murmurando baixinho frases inaudíveis como pessoas que não queriam parecer fofoqueiras, mas tampouco, conseguiam evitar sê-lo quando presenciavam um circo pegando fogo.
O garoto, com o cenho franzido, caminhou em direção ao lugar em que os Lupins se encontravam, trilhando o seu percurso até o portal do Expresso.
Nesse momento, o olhar do garoto e de Remus se entrechocou e, por breves segundos, o menino mais alto mirou as írises cor de âmbar diante de si. Foi com maus modos que ele indagou, estreitando os olhos selvagens sob as sobrancelhas contraídas:
"Tá Olhando O Quê?"
Remus espreitou os olhos cinzentos do garoto mais alto sobre si e engoliu em seco, quase dando um passo para trás, temendo ganhar também um Foda-se codificado em um dedo médio erguido em sua cara.
Por fim, Remus o viu desaparecer dentro do Expresso de Hogwarts, com a mochila nas costas.
"Aquele ali não é o filho mais velho dos Blacks?"_ indagou a senhora Lupin, passando o braço pelo ombro de Remus.
Lyall, o pai de Remus, estreitou a vista e olhou atentamente o casal que se retirava, passando pela parede mágica e levando junto o seu ar de superioridade que parecia um apêndice da família Black como um título ou um brasão.
"Sim. É ele mesmo. E lá vai embora os seus pais arrogantes e puristas. Pelo visto, o filho puxou isso deles..."_ respondeu o senhor Lupin, movendo o rosto em direção ao Expresso.
"Não me admira que uma criança cresça assim dentro de uma família daquelas. Estranho. A obsessão purista deles é lendária e ouvi muitas histórias das tentativas de interferência dos Blacks nas políticas trouxas durante e período em que atuei no Ministério. Além disso, ... ouch!"
Hope gemeu de dor quando algo acertou as suas costas. Um casal esbaforido atravessava, correndo, a parede mágica, puxando um menino pela mão e empurrando um carrinho com um malão. A família esbarrara nos pais de Remus por acidente.
O homem e a mulher com pressa eram demasiadamente jovens e, por alguns segundos, os Lupins acreditaram que se tratasse de dois bruxos que acompanhavam o irmão menor até o Expresso de Hogwarts.
"Ei, queiram nos desculpar, por favor. Achamos que o Expresso já tivesse partido. Vimos pais indo embora quando estávamos chegando na plataforma."_ desculpou-se o rapaz que tinha a altura do senhor Lupin, unindo as palmas das mãos num gesto de preocupação.
Lyall, virando-se para falar com o homem sorridente enquanto o ajudava com uma mochila que caíra do carrinho, consultava, intrigado, o relógio.
"Faltam alguns minutos para o trem partir ainda..."_ respondeu a mãe de Remus com delicadeza, cumprimentando a bruxa jovem e bonita diante de si.
"Ufa, que sorte que temos então! Jimmy, conseguimos! Não vai precisar esperar até o ano que vem pra ir pra Escola." _ riu-se a bruxa com a mão espalmada no peito_ "Desculpem-nos pelo inconveniente. Sou Joanne Potter. Este é o meu esposo, Henry, e este é o nosso filho, James..."
O senhor Lupin fitou a família com alguma surpresa. Joanne e Henry pareciam ter algo em torno dos vinte e poucos anos e já tinham um filho de onze. Não era comum no mundo bruxo os jovens se tornarem pais durante o período escolar, assim como também não era comum no mundo trouxa do início dos anos 70.
Contudo, situando-se melhor, Lyall se recordou de ouvir há algum tempo, rumores sobre a filha única de Fleamont e Euphemia Potter, que dera um passo precipitado e se tornara mãe e esposa muito jovem, casando-se com um primo. Os Potters tinham, entre os bruxos, um distinto verniz de família apoiadora das causas inter-raciais e das políticas democráticas no Ministério.
"Ora, ora... Já ouvi falar muito dos Potters. Obviamente, que bem. Sou Lyall Lupin. Esta é a minha querida Hope e este é o nosso Remus..."
"Também já ouvi falar muito bem dos Lupins. É uma honra encontrá-los pessoalmente. Primeiro ano também em Hogwarts?"_ perguntou Henry, indicando Remus com a cabeça.
"Sim, sim..."
"Pode ser, então, que nossos garotos estudem juntos na mesma Casa..."
Remus olhou para James, que, por sua vez, estudava, absorto, o ambiente. Ao contrário dele, o jovem não parecia nem um pouco deslocado ou inseguro. Um feitiço conjurado por Joanne transportava o malão de seu carrinho até o bagageiro do Expresso e James colocou a mochila sobre os ombros com um ar um tanto displicente.
Ao perceber que era observado, no entanto, o menino moveu o seu olhar cor de avelã em direção a Remus. Os dois meninos se fitaram, então, em silêncio, por alguns segundos. E, em silêncio ainda, James endireitou os óculos sobre o nariz, pressionando o seu olhar naquele ponto intimidador no rosto do garoto de cabelos castanhos.
Se Remus nutrisse em si a coragem do filho dos Blacks, perguntaria para James o que ele estava olhando. Ainda que, em sua defesa, James o acusasse de ter sido espreitado primeiro.
Mas Remus não era assim e, em meio àquela conversa de adultos, os dois garotos estabeleciam a sua comunicação silenciosa de criança, que, quando não tenta organizar o mundo ao redor, fazendo perguntas aos pais, tenta entender as instâncias sem palavras.
O olhar de James era um tanto intimidador e Remus corou quando foi medido dos pés à cabeça. Não com julgamento. Com algo ininteligível.
O apito do trem ressoou para que todos os alunos entrassem no Expresso.
Remus abraçou mais uma última vez os seus pais e endireitou os óculos.
James, por sua vez, foi puxado para um canto pelos Potters e a família parecia tecer entre si palavras de apoio, encorajamento e despedida. Os três riam juntos em um apertado abraço e Lupin inferiu que aquela era a forma de comunicação peculiar entre aquela família de membros muito jovens. Não havia melancolia.
Atravessando o portal do Expresso, Remus constatou que o interior do trem era amplo e agradável. O garoto de cabelos castanhos achou melhor procurar logo um lugar para ficar.
Seus olhos percorreram sem entusiasmo as cabines lotadas dos vagões. Vários grupos de amigos dos anos mais avançados se reuniam entre conversas e gargalhadas. Como ele gostaria de fazer parte de um daqueles grupos. Ao menos, talvez não se sentisse tão deslocado e inquieto.
Uma garota muito alta e uma outra, demasiadamente baixa, conversavam no meio do corredor. A mais alta se curvava para apertar a mão da menina muito baixa, sorrindo.
Um grupo de sonserinos em que dois garotos de uns treze anos, com cabelos cor de palha, tinham o braço ao redor do ombro de uma menina do primeiro ano, passaram por Lupin, dizendo:
"Senta com a gente, Emily! A gente vai te apresentar todos os nossos amigos..."
Remus caminhou até o último vagão, espreitando as cabines um pouco timidamente. Ele viu um grupo de corvinenses jogando snaps explosivos e ouviu quando alguém falou, cumprimentando um rapaz e uma jovem que chegavam:
"Carlson e Liljeberg! Achamos que iam ficar na Suécia pra sempre! Sentem com a gente!"
Remus deu mais alguns passos e viu um garoto de cabelos muito loiros e olhos azuis passar por ele. O menino trajava já as vestes da Corvinal e baixou o seu olhar quando um grupo de sonserinos assoviou para ele.
"Oi, garoto veela... Quer sentar na gente?"
Remus se voltou para trás, franzindo o cenho e prosseguiu até o fim do corredor.
Talvez lá ainda sobrasse algum lugar vago para ele. Suas mãos já não tremiam mais tanto, mas ele precisava encontrar, realmente, um lugar para si no Expresso porque a opção de viajar de pé em meio ao corredor não existia e, sendo o seu sonho ir para Hogwarts, não devia se deixar abater por seus temores.
O menino apalpou o seu ombro quando um grupo de quartanistas passou por ele e, sem perceber, esbarrou em seu corpo, não desculpando-se.
Remus abriu, então, a porta de correr da última cabine, desejando que ela não estivesse já ocupada por alunos com vínculos formados e que estabelecessem aquele espaço do trem como o seu território.
Foi com surpresa que o menino se deparou com o rapaz, que, na plataforma, discutira com os pais, sentado com a cabeça apoiada contra a vidraça. Parecia agora não mais tão mal-humorado, mas... triste?
A princípio, Remus pensou o que um aluno do segundo ou do terceiro ano estaria fazendo sozinho no último vagão e não entre os grupos da frente, mas teve as suas reflexões embaralhadas quando o rapaz o olhou de cima a baixo e murmurou, após desviar o olhar.
"Hunf ...Você de novo... O que quer agora?"
Remus permaneceu calado por alguns segundos. Então, quando o outro garoto fez menção de falar novamente, ele redarguiu um pouco nervoso:
"Estava procurando um lugar, mas parece que todas as cabines já estão ocupadas... Er... Será que eu poderia ficar aqui...?"
O rapaz de cabelos compridos pareceu analisar um pouco as palavras do outro garoto, antes de desviar o olhar para voltar a falar com alguma rispidez:
"O Expresso não é meu. Pode se sentar onde bem entender, contanto que não seja no meu colo."
Remus ruborizou um pouco com a resposta do outro garoto e chegou a se boquiabrir por um instante. O rapaz de cabelos compridos respirou fundo e voltou a fitar a paisagem da vidraça, cruzando os braços.
Somente quando ele voltou a falar, Remus percebeu que se mantinha parado ainda de pé, parecendo mais estranho do que gostaria de transparecer.
"... Você vai ficar aí parado? Fecha a boca..."
O rapaz de cabelos castanhos pestanejou, aturdido, e fechou a porta de correr atrás de si e por último, a sua boca. Em seguida, ele suspirou com profundidade por aquela rispidez que lhe desconcertava e se sentou no assento diante do estranho. A manhã não começara bem.
Remus tentou recobrar algum controle da situação, estendendo a mão para o seu colega.
"Meu nome é Remus John Lupin... Er... Mas é um nome um pouco comprido. Pode me chamar só de Remus..."
O outro garoto fitou a mão diante de si por algum tempo, antes de aceitar a formalidade e apertá-la.
"Sirius Black..."_ disse ele, laconicamente.
Um silêncio longo se sucedeu. Os dois garotos ainda apertavam as mãos. Remus levantou os olhos para mirar Sirius e sentiu um leve tremor em seu pulso.
O menino não compreendeu bem, mas uma sensação estranha o envolveu. Um calor subiu por suas faces pálidas. Os olhos de Sirius pareciam esmagá-lo e isso era... bom? Remus não pode deixar de reparar no belo rosto do outro garoto. Rapidamente, o seu pensamento o censurou por ficar admirando a beleza de outro rapaz. Não era a primeira vez que isso acontecia e Remus julgava que se, para si, isso se tornava cada vez mais inevitável, pelo menos, para os outros, podia ser não tão evidente.
Sem tentar parecer nervoso, Remus puxou a sua mão e arriscou olhar novamente para Sirius. Foi com alguma timidez que ele tomou conhecimento de que Black ainda o mirava, medindo-o um pouco dos pés à cabeça. O que ele estaria pensando? O que quer que fosse, Remus tentou dizer qualquer coisa que dissolvesse aquela situação desconfortável.
"Eu vi os seus pais indo embora mais cedo..."
Imediatamente, após falar isso, Remus percebeu que cometera um erro grave. A expressão no rosto de Sirius se modificou significantemente e ele olhou com indignação o outro garoto. Remus voltou, prontamente, a sua atenção para a janela. O trem já estava andando e a estação ficara para trás.
"Como chama aqueles dois de pais?!"_ rosnou Sirius.
Péssima ideia. No que Remus estava pensando? Ah, sim... Que Sirius era bonito...
"Desculpa. Meu pai os reconheceu como os Blacks e eu pensei que fossem os seus pais..."_ respondeu Remus, gaguejando um pouco.
"Sobrenome e sangue não são tudo! Meus pais são patéticos! Tão esnobes e ridículos! Eles querem que eu seja escolhido pela Sonserina custe o que custar só por causa da vaidade deles! Como eles sabem o que é melhor pra mim se nunca me perguntam o que eu quero...!? Eles só querem mesmo é que eu faça todas as idiotices que eles me mandam fazer. Como...?"
Sirius se calou abruptamente enquanto Remus o observava assustado, por detrás dos óculos pesados, contemplando aquela súbita explosão. Sirius se recompôs imediatamente, desviando o olhar.
Lupin compreendeu que Sirius parecia há muito querer falar, mas só agora, extravasando o seu aborrecimento, ele dizia o que sentia.
Mesmo quando irritado, as linhas harmoniosas do rosto de Sirius se mantinham intactas, não deformando-o, mas o seu olhar se tornava triste como se algo em si esmaecesse um pouco. Além disso, as roupas alinhadas e elegantes combinavam de um modo pontual com o refinamento dos gestos de Black, mas, por outro lado, não combinavam em absoluto com algo que lhe era selvagem. O que aquilo queria dizer?
Sirius olhou novamente a paisagem pontilhada de verde e de cinza do lado de fora, tentando não encarar o outro garoto. Ele estava envergonhado por haver dito mais do que intencionava fazê-lo. Talvez, a manhã não estivesse começando mal só para Lupin.
Remus arriscou falar mais uma vez e teve o cuidado de mudar de assunto, sem se importar que fosse drasticamente ou que parecesse estranho por isso:
"Eu gostaria de ir para a Grifinória, que foi a Casa do meu pai, mas acho que vou acabar na Corvinal, que foi a Casa da minha mãe."
Sirius mirou Remus com um misto de agradecimento e de alívio pelo fato do outro garoto não lhe fazer perguntas a respeito do que dissera há pouco. Sua expressão suavizou-se significantemente.
"Grifinória parece uma boa Casa para mim também."_ falou ele, arriscando um meio sorriso tímido.
"Eu pensei que você fosse aluno do segundo ou do terceiro ano. Não parece um estudante primário..."_ falou Remus, mexendo em seus óculos.
"Eu tenho doze. Na verdade, estou atrasado um ano porque fiquei muito doente no ano passado e não pude entrar na Escola. Estou ansioso para jogar Quadribol em Hogwarts. Você joga?"
Remus sacudiu a cabeça, baixando o seu olhar.
"Não sou muito bom nos esportes. A minha mãe chegou a jogar Quadribol no time da Corvinal na época em que ela frequentou Hogwarts, mas eu acho que puxei o talento do meu pai, que se saía melhor torcendo por ela nas arquibancadas..."
"Se quiser, eu posso te ensinar a jogar..."
Remus sorriu, assentindo.
"Obrigado. Vou gostar de tentar aprender. Será que eu consigo...?"
Sirius o olhou por um breve momento em silêncio, antes de responder:
"Se não conseguir, pode torcer por mim nas arquibancadas."
Remus arregalou por um segundo os seus olhos cor de âmbar. Sorriu mais por nervosismo do que por intenção. Novamente, o incômodo silêncio abafou o ambiente. Só que, dessa vez, Black teve aquela curva no canto dos seus lábios como um promissor sorriso maroto.
No futuro, Remus assumiria que o filho da mãe do Black o havia seduzido desde o início. Ele era bom nisso. Era bom também em quebrar corações. Desgraçado!
Um barulho na porta da cabine interrompeu a concentração dos dois garotos. Um menino magricela, pálido, com cabelos negros muito lisos e um nariz um pouco grande apareceu arrastando a sua bagagem. Sem dizer nada, ele jogou-se em um banco afastado e lançou um olhar meio grosseiro para Remus e para Sirius, que o olhavam com curiosidade. Ainda sem dizer palavra alguma, o garoto abriu um livro de Defesa contra as Artes das Trevas e começou a lê-lo em silêncio.
Sirius deu de ombros e virou-se para olhar para a outra pessoa que entrava na cabine. Um menino com cabelos despenteados e óculos surgia. Remus o reconheceu, imediatamente, como James Potter.
"Oi. Tá vago aqui? Esse trem não tem um lugar sequer vazio..."
Sirius mirou, em silêncio, o novo intruso por algum tempo, antes de concordar com a cabeça. James, trazendo a mochila em um ombro só, sentou-se diante de Sirius, ao lado de Lupin.
"Oi de novo, Remus."
Era a primeira vez que o rapaz de cabelos castanhos ouvia a voz de Potter. Era uma voz um pouco rouca, mas confiante para uma criança.
"Oi, James. Você também tava procurando uma cabine vazia esse tempo todo?"
O menino de cabelos rebeldes pigarreou.
"Bem, uns terceiranistas da Sonserina tavam jogando o feitiço das pernas-bambas nos alunos novos. Bem idiotas!"
Remus olhou com preocupação para James e inquiriu, apreensivo:
"Então eles pegaram você?"
"A mim?! Não mesmo! Lancei antes que eles me pegassem, o feitiço Furnunculus. Meu pai me ensinou como fazê-lo. Bom, quando os monitores chegaram, os três sonserinos tavam no chão com a cara coberta de furúnculos. Foi, então, a nossa vez de rir..."
Remus mirou James com espanto. Sua atenção foi desviada para Sirius. O menino de cabelos compridos sorria, parecendo se divertir com a história contada por James. Era a primeira vez que Remus o via sorrir abertamente. James também o olhou, antes de estendê-lo a mão.
"Sou James Potter."
"Sou Sirius Black. Então, você deu para os sonserinos idiotas o que eles mereciam?"
"Dei. E eu juro que se me mandarem para a Casa da Sonserina, volto imediatamente para Londres. Tinha outros garotos num dos vagões esbravejando contra os nascidos-trouxa e mestiços feito um bando de políticos puristas."
Remus se moveu no seu lugar com algum desconforto. Sirius passeou o seu olhar pelo rapaz diante de si, medindo-o um pouco, antes de perguntar para James:
"E o que você acha disso?"
James Potter, abrindo a sua mochila para retirar um cachecol do interior, deteve-se por alguns segundos, ajustando os óculos sobre o nariz com o dedo anelar e empurrando para dentro da bolsa um tecido translúcido que pulara de dentro.
"Uma merda. Eu não sou purista..."
Sirius esboçou um sorriso e fitou Remus que tinha o olhar fixo em seus sapatos.
"E você?" _ indagou Black, encarando Remus.
O menino, parecendo ainda desconfortável, respondeu:
"A minha mãe é nascida-trouxa. Logo, sou mestiço. E, obviamente, não sou um purista..."
"Ou seja, você não é um cuzão da alta sociedade. Acho que podemos ser amigos, Remus." _ comentou James com um sorriso enviesado, erguendo-se para guardar a sua mochila no bagageiro da cabine _ "Melhores amigos, se você não for para a Sonserina."
James era boca suja, mas uma gargalhada de Sirius ecoou pelo ambiente. Límpida e jovial. Ao mesmo tempo, um pigarro forte foi ouvido no fim da cabine. O garoto magricela de cabelos pretos parecia incomodar-se com algo. Mas se realmente ele estava aborrecido, os três garotos não puderam constatar, já que ele segurava firmemente o livro de Defesa contra as Artes das Trevas diante do rosto.
"Concordo com tudo o que você falou."_ redarguiu Sirius, sorrindo_ "Mas toda a minha família é da Sonserina..." _ complementou ele, tendo o seu sorriso esmaecendo.
"Puxa, olha que eu tava te achando bem normal. Se o Chapéu Seletor quiser te colocar lá, fala pra ele que você prefere ficar com a gente..."
Remus percebeu um longo olhar trocado por James e Sirius. Os dois, em silêncio, miraram-se por um estendido tempo como que estabelecendo a sua cumplicidade. De alguma forma, a autoconfiança de Potter parecia inspirar o outro garoto e, pensando bem, quando eles olhassem para trás, foi ali, naquele primeiro encontro que se cunhou o primeiro e derradeiro 'a gente'.
Então, foi Sirius Black, dessa vez, quem desviou o olhar para a paisagem campestre do lado de fora. James, no entanto, continuou mirando-o serenamente com os seus olhos cor de avelã até se voltar para Remus. Indicando com a cabeça o garoto magricela que se sentara no banco afastado, ele perguntou:
"Remus, quem é ele?"
"Não sei, James."
A porta da cabine se abriu mais uma vez e um menino meio rechonchudo, com os dentes incisivos um pouco grandes, apareceu na porta com uma expressão preocupada. Ele se deteve por um segundo, olhando para os outros garotos.
"Prazer?"_ perguntou James, erguendo uma sobrancelha.
"Vocês não são da Sonserina, são?"_ indagou o garoto, empalidecendo.
"Não somos de Casa alguma. Somos alunos do primeiro ano."_ respondeu Sirius, franzindo o cenho_ "Quem é você já?"
"Eu sou Peter Pettigrew. Tem uns sonserinos me perseguindo. Eles querem jogar feitiços nos alunos novos. Tá a maior confusão lá fora. Parece que um deles pegou a varinha de uma menina nascida-trouxa."
"Caramba! Esses valentões não vão parar nunca?!"_ murmurou James, se levantando e caminhando até a porta da cabine ao ouvir algumas vozes se elevando em uma gritaria.
Remus e Sirius o acompanharam também para espreitarem o corredor. O garoto magricela permaneceu no lugar onde estava, indiferente, mas abaixou, finalmente, o livro diante do rosto, revelando uma expressão um pouco azeda.
No fim, após quase três minutos inteiros, ele se ergueu também quando um pensamento o pareceu atravessar ao entreouvir uma voz conhecida vindo do conflito.
Chegando ao corredor, Sirius girou os olhos com impaciência nas órbitas quando viu um grupo de garotos da Sonserina jogando feitiços em três assustados alunos novos. Um dos veteranos tinha o cabelo muito loiro e um pouco comprido. Os outros dois eram morenos. Uma garota de cabelos muito negros e cheios sorria, apesar de seus olhos não sorrirem.
Sirius caminhou em direção aos sonserinos.
"Vocês! O que pensam que tão fazendo?"
"Hey, olá, Black! Bem-vindo à Hogwarts!" _ cumprimentou um dos garotos que Sirius reconhecia como Macnair.
Sirius olhou para a garota de cabelos negros com ferocidade enquanto ignorava Macnair.
"Bellatrix, será que você não tem nada melhor pra fazer?"
A jovem meneou a sua cabeça com enfado e redarguiu:
"Primo Sirius, achei que Walburga havia conversado com você desde o ano passado sobre essa sua mania de interferir. Não vai bancar o defensor das subclasses aqui, vai? Estamos só nos divertindo com alguns sangues de bosta..."
Sirius fechou os olhos com irritação como se tentasse desenvolver alguma paciência ou resiliência em seu íntimo, mas, aparentemente, ele não conseguiu.
"Lava a boca, sua cretina! E não me chama de primo! Quero esquecer, pelo menos aqui, que somos parentes."
A jovem crispou os lábios delicados num gesto contrariado. O garoto de cabelos loiros que se mantinha em silêncio e parecia ser o líder do grupo, se aproximou com um riso debochado. Seu olhar se estendeu um pouco a Potter, Lupin e Pettigrew e ele baixou o tom.
"Qual é o problema, Sirius? Tomando as dores dos nascidos-trouxas para fazer média? Nem parece um Black falando. Escute bem, se você quer mesmo vir para a Sonserina, é melhor..."
"EU NÃO QUERO IR PRA DROGA DA SONSERINA!"_ explodiu Sirius, atraindo a atenção de todos.
James, Remus e Peter permaneciam observando não muito longe. Lupin chegou à constatação de que Black parecia um corpo em ebulição e que bastava que apertassem os seus botões para uma certa virulência ser desperta.
Entrementes, James teve a sua atenção desviada para uma vozinha fina que abria caminho entre as pessoas e passava por ele.
Seus olhos pairaram em uma menina de cabelos ruivos e olhos muito verdes que caminhou altiva até Bellatrix, que ainda mirava Sirius. Seu rosto sardento se ergueu para se dirigir à veterana.
"Devolve a minha varinha!"_ ordenou a garota ruiva, estendendo a mão para Bellatrix.
Bellatrix Black observou a menina, não melhor do que se observa algo desagradável como um animal morto em decomposição ou um inseto se esgueirando pelo chão. Depois, ela voltou a olhar para Sirius, ignorando-a totalmente.
"DEVOLVE A MINHA VARINHA AGORA!"_ berrou a garota, empurrando Bellatrix com força.
"Ei! Cuidado aí, sua pirralha sangue de merda, senão eu transformo você em algo mais repugnante do que já é! Quer que eu devolva a sua varinha, é? E se eu não quiser...? E se eu resolver parti-la ao meio...?" _ respondeu Bellatrix, retirando uma varinha de seu bolso e pressionando o seu meio com os dedos.
"ME DEVOLVE!" _ berrou a menina, avançando novamente para Bellatrix.
Sirius virou-se para Bellatrix com impaciência.
"Devolve a varinha dela agora mesmo!"
Bellatrix sacudiu o seu rosto e, com um gesto de empáfia, colocou as mãos na cintura com uma risada.
"Me obrigue?"
Sirius retirou a sua própria varinha de dentro do bolso das vestes e a apontou, sem cerimônias para Bellatrix.
"Obrigo se for preciso. Anda, devolve!"
Remus viu o garoto magricela aparecer na porta da cabine, deixando, finalmente, o seu livro de Defesa contra as Artes das Trevas de lado. Ele se pôs a observar a cena e, discretamente, estava munido também de sua varinha. James se mantinha espreitando a situação e, em algum momento, sacou também a varinha.
Havia uma resistência dos alunos do primeiro ano contra os veteranos abusivos.
Bellatrix, diante de Sirius, pareceu vacilar por um instante. Seus olhos alternavam de Sirius para a menina ruiva. Por fim, o rapaz de cabelos loiros e compridos interveio, parecendo disposto a encerrar o impasse.
"Devolve a varinha pra ela, Bellatrix. Vem, vamos nos sentar com os Doyles! Aparentemente, esse é o vagão dos defensores de trouxas..."
Depois, o rapaz espreitou por alguns segundos Sirius e, pestanejando os seus olhos muito azuis, acrescentou mais pressão onde o mundo já pesava toneladas.
"...Acho melhor você ser mais educado com os veteranos, Black. Afinal, esse é somente o seu primeiro dia e você vai precisar da nossa ajuda. Vamos parar por aqui por respeito aos seus pais, mas é melhor você escolher logo de que lado ficará."
"Ah, não enche o saco, Malfoy! O errado disso tudo é vocês acharem que existe a porra de dois lados! Somos todos bruxos aqui no fim das contas, não somos? 'Diversidade é Paz. Liberdade é Direito. Conhecimento é Força'." _ redarguiu Sirius, repetindo o slogan do Ministro Johnson, que defendia em seu exercício veementemente o convívio amistoso entre bruxos, trouxas e outros povos.
Bellatrix arregalou os olhos como se alguém houvesse proferido uma palavra muito feia na sua frente, cometido um crime ou exposto a sua própria nudez. Movendo a sua cabeça, instintivamente, talvez para buscar algum apoio em Malfoy e Macnair ou porque estava muito surpresa, ela chegou a gaguejar quando retomou a palavra.
"Se os meus tios souberem que você defende esse Ministro traidor do próprio sangue, vai permanecer a vida toda enterrado no St. Mungus. Cuidado, Sirius... Você parece muito satisfeito por achar que pode fazer o que bem entende em Hogwarts, mas eu vou manter um olho em você e não vou facilitar as coisas. Cuidado pra não se tornar um simpatizante de sangues de bosta. Isso não acontece na nossa família... Simplesmente, não acontece..."
Os Blacks permaneceram se encarando como o garoto e a garota muito bonitos que eram, mas com aquela animosidade virulenta que só se vê em familiares que se detestam mortalmente e não hesitam em usar formas sofisticadas de destruição.
"A prima Andrômeda..."
"Andrômeda morreu!" _ interrompeu-o Bellatrix, falando entre dentes.
Malfoy, parecendo querer encerrar o desconforto e colocando as mãos para trás num gesto maduro demais para um jovem, falou:
"Vamos parar por aqui. Boa sorte hoje na seleção das Casas, Sirius. Espero que não se torne uma decepção para os seus nobres pais..."
Sirius hesitou por um segundo, engolindo em seco. Manteve-se com a sua coluna ereta, mas o seu rosto se curvou um pouco, experimentando o efeito daquelas palavras. Os olhos, fixos nos próprios pés, enxergavam a substância dos desapontamentos.
Bellatrix tinha uma curva no canto dos lábios em uma expressão que não se podia interpretar se era o esboço de um sorriso ou um gesto de censura. Quando se retirou junto com os amigos pela multidão que abria caminho, a jovem jogou a varinha de Lily para trás no ar e se virou um segundo para Sirius, dizendo:
"Imagina a cara do titio e de Walburga quando souberem que o mais velho tem aptidões para a Lufa-Lufa, igual àquele alienado do Alphard... Sempre achei que ele era um grande fracassado..."
Os sonserinos desapareceram no corredor, no mesmo instante em que uma garota de cabelos cor de areia veio correndo em direção à menina ruiva, com uma expressão preocupada.
"Lily, tá tudo bem...?"
"Acho que... Acho que sim..." _ disse a garota que havia apanhado a sua varinha no ar.
Remus percebeu que Sirius ainda estava parado, parecendo um pouco atormentado pelo conflito que se sucedera. Seus punhos estavam fechados e ele inspirava o ar com um olhar desanimado. No fim, Black engoliu em seco quando, num gesto, o menino de cabelos castanhos tocou a curva de seu braço, indagando com a sua voz infantil:
"Você tá bem?"
Sirius moveu, finalmente, a cabeça parecendo despertar do torpor em que se encontrava. Repuxando os cabelos escuros para trás, ele retorquiu, aprumando-se de um modo que Remus achou parecido com o de alguém que tenta convencer a si mesmo de algo e, ao mesmo tempo, parecia desconfiado demais de que as outras pessoas vissem através dele.
Seria esse um gesto orgulhoso? Pensando bem, a execução e a constatação desse ato eram também maduras demais para dois meninos.
"Sim... Por que não estaria?" _ indagou Black, tirando a franja mal cortada dos olhos com uma displicência elegante.
A menina de cabelos ruivos aproximou-se de Sirius e murmurou, agradecida:
"Obrigada pela ajuda. Sou Lily Evans. Foi er... bem legal o que você fez..."
"Sou Sirius. Não liga pra aqueles imbecis. É melhor ficar perto dos monitores. Sonserinos são implicantes e não gostam muito de alunos novos de forma geral."
"Certo. Obrigada mais uma vez. Farei isso..."_ sorriu a menina com o seu rosto pontilhado de sardas.
Evans caminhou até o menino magricela que, por sua vez, caminhou também em sua direção. Os dois contornaram o corpo de James, que se mantinha parado espreitando os acontecimentos em torno de si. A menina e o menino trocaram algumas palavras e, no fim, Lily, ainda sorridente, murmurou:
"Estou numa cabine da frente com algumas meninas. Elas são bem legais. Me encontra lá depois?"
O garoto cochichou algo no ouvido da menina em uma cumplicidade que denunciava que os dois já se conheciam desde antes de subirem no Expresso e isso era meio que o sonho de toda a criança do Reino Unido que ingressava na microssociedade Hogwarts. Porque ter um amigo verdadeiro de antemão e passar pelos sete anos, sendo reconfortado por aquele laço era uma sorte para poucos. Com a voz um tanto rouca, um pouco pausada, o menino disse então:
"Vem pra cá depois, Lily. Preciso de um lugar sossegado pra me concentrar enquanto estou lendo... Prefiro ficar só com você."
Evans assentiu, contornando mais uma vez o corpo de James Potter e encontrando a garota que viera ao seu encontro no corredor. Havia um tom conclusivo e, ao mesmo tempo, divertido em sua voz quando falou:
"Certo, mas você vai ser o aluno mais inteligente de Hogwarts de qualquer jeito. Não precisa se esforçar ainda mais pra isso, Severus..."
Depois, ela seguiu pelo corredor, caminhando ao lado da outra menina com cabelo cor de areia e as duas embrenharam em uma conversa, cujo ruído desaparecia conforme se afastavam.
Remus não pode deixar de perceber que James seguia Lily Evans com o olhar, exercendo, novamente, aquela concentração inteligente de uma criança que perscruta as coisas mais simples ou até mesmo, o inefável.
Lily desapareceu no corredor, no mesmo instante em que três alunos do segundo ano, compostos por dois meninos e uma menina, caminhando na direção contrária e de braços dados como bons amigos, comentou:
"Os Doyles estavam começando a criar confusão também no outro vagão. Que saco! Todo ano vai ser isso?" _ queixou-se um menino de cabelo loiro sujo um pouco ondulado, trajando o cachecol da Grifinória sobre os ombros como se fosse uma manta.
"Seu pai podia dar um susto neles, Markus McKinnon... Aposto que esses cuzões se borram na frente de um Auror..." _ riu-se uma menina com olhos verdes amarelados e cabelos crespos e escuros, presos com uma presilha prateada.
"Esse comentário foi tão sonserino, Dorcas..." _ sacudiu a cabeça um rapaz com as vestes da Lufa-Lufa e os cabelos muito ruivos_ "E você ainda questiona se o Chapéu Seletor tava certo no ano passado quando te colocou na Casa de Slytherin...?"
"Eu sou o contrapeso do grupo, meus amores. E quer saber? A gente pode falar também com Rhyan Bones, o foda. Aposto que o seu irmão, Edgar, não acharia uma má ideia dar um susto nos Doyles..."
"Cacete, como você ainda não virou o jantar dos sonserinos, Dorcas?" _ indagou McKinnon, que tinha os lábios úmidos e avermelhados como se tivessem sido tingidos.
"Jantando eles primeiro como uma autêntica cobra real..." _ disse a jovem, trocando um olhar com os garotos enquanto passava por Sirius, Remus, James, Peter e Severus, até alcançar a parede. Chegando lá, o menino que se chamava Markus McKinnon deu três batidinhas com a varinha no reboco e uma porta secreta se revelou. O grupo a atravessou, sumindo atrás do portal enquanto Edgar falava:
"Pra quê esperar o carrinho de doces se a gente pode ir até ele? Não sou ninguém sem a minha cerveja amanteigada pela manhã..."
"Você parece um homem cansado de sessenta anos, fazendo exigências pra viver, Edgar! Ânimo, texugo! É um novo ano!" _ riu-se Dorcas.
Remus pestanejou e percebeu que os garotos ao seu lado estavam tão surpresos quanto ele. O Expresso era mágico mesmo e o que parecia ser o último compartimento do trem escondia uma passagem secreta, que aqueles veteranos pareciam conhecer. James se aproximou da parede, tateando-a a princípio e depois, examinando-a com a sua varinha. A porta secreta, no entanto, não se revelou novamente.
Severus fitou por um tempo a parede até que a sua curiosidade cambiou para o desdém. Girando o seu corpo, ele se voltou para dentro da cabine com um movimento de cabelos.
Pettigrew se aproximou de Sirius, espreitando brevemente as suas vestes da alta sociedade.
"Você é muito corajoso...Er... Cuidou direitinho daqueles idiotas sonserinos ...E você..." _ murmurou ele, virando-se agora para James, que tinha a sua atenção voltada ainda para o portal mágico_ "... foi aquele garoto que, mais cedo, lançou Furnunculus no outro grupo. Será que eu podia ficar com vocês durante a viagem?"
James sorriu com gentileza, ajeitando os seus óculos e desistindo da passagem secreta, após bater com os nós dos dedos no portal, verificando-o uma última vez.
"Claro. Somos todos do primeiro ano. Seremos colegas daqui pra frente e é bom se nos dermos bem desde já..."
Sirius, no entanto, limitou-se a olhar Pettigrew em silêncio, sem dizer palavra alguma enquanto James o ajudava a guardar a sua mochila no bagageiro. O menino com expressão azeda já havia retomado o seu lugar no compartimento e se voltava novamente para a sua leitura.
Os quatro garotos se acomodaram na cabine e se puseram a conversar, falando de suas famílias. De seus primeiros feitiços e de suas expectativas que mal pareciam poder ser comportadas dentro de um trem.
James se comunicava com uma espontaneidade precoce e Pettigrew o acompanhava. Sirius era um pouco mais observador e ocupou com muita naturalidade a sua posição de mais velho do grupo. E Remus... Bom, Remus era uma criança inteligente que sabia se comunicar, mas se atrapalhou um pouco quando mencionou por acaso que a sua família viajara ao redor do mundo nos últimos anos, sem terem uma residência fixa.
Quando indagado por quê, o menino não soube responder muito bem e desconversou, pois não podia falar da busca épica dos Lupins por curas milagrosas para a licantropia. E da frustração épica dos Lupins na mesma empreitada.
Quando o carrinho de doces do Expresso chegou, Remus fitou os bombons explosivos com interesse, colocando-se de pé. Tateando os sicles que a sua mãe havia guardado nos bolsos do seu jeans para alguma emergência, o menino comprou chocolates. Peter apontou para uma caixa de doces com raspas de visco do diabo comestível, dizendo:
"Já provei um desses..."
"E é bom?" _ indagou Remus com a mão no queixo, comprando também alguns bolos de caldeirão e pirulitos de abóbora.
"Cara, é bom, mas vai com calma..."
Sirius observou Remus comprar também outros inúmeros doces e uma caixa de feijõezinhos de todos os sabores. Por fim, ele pareceu refrear um sorriso quando o menino perguntou se os garotos estavam servidos.
"Você gosta mesmo de comer, hein. Pra onde vai tudo isso?"
"Vai pra mim." _ comentou Peter, apertando a barriga sob o casaco e mastigando um pedaço de bolo.
Remus ruborizou um pouco, se erguendo para pegar o seu cachecol no bagageiro da cabine. O início da tarde começava a esfriar.
"Eu gosto muito de doces. Não consigo evitar..." _ justificou-se ele com sinceridade.
O Expresso fez uma curva um pouco brusca sobre os trilhos enquanto o menino de cabelos castanhos enrolava o cachecol em seu pescoço e, antes que ele conseguisse se sentar propriamente, caiu sobre o colo de Sirius.
Remus sentiu os dedos de Black segurarem a sua cintura com firmeza, amparando-o quando ele tombou sobre o garoto. Remus sentiu as pernas de Sirius se moverem um pouco sob si e um aturdimento ser estampado em seu rosto.
Envergonhado, ruborizado e com gestos estabanados, Lupin se levantou, desculpando-se. Seu rosto estava muito vermelho e, no íntimo do menino, desenvolvia-se aquela certeza de que ele estava mandando muito mal com Sirius desde que se viram pela primeira vez.
Droga, fosse por Black ser um garoto mais do que bonito ou ostentar olhos cinzentos profundos e, ainda por cima, ser um ano mais velho, Lupin se lamentava por parecer um acidente vivo.
"Desculpa..."
Sirius, pestanejando, observou o menino com uma corridinha desajeitada, retomar o seu assento, após se agachar brevemente para juntar o pacote de sapinhos de chocolate que havia rolado no chão com a curva acentuada do trem. Com as bochechas vermelhas e uma expressão contrariada que deveria se dar em relação a si mesmo, Remus se manteve em silêncio.
"No fim das contas, você sentou em cima de mim mesmo..." _ comentou Sirius, fitando diretamente Lupin, que puxava o cachecol branco até a altura do queixo para se enterrar nele.
Havia algum humor no contrair das sobrancelhas de Sirius?
Remus fingiu observar a janela porque sabia que os garotos fitavam o seu rosto e, com onze anos, ele se sentia ainda envergonhado quando meninos faziam isso. Porque ele se importava pra cacete com a opinião dos garotos nessa época maldita da pré-adolescência.
Após alguns minutos, para tentar se entreter, Remus começou a comer alguns dos seus doces. As balas e os chocolates estavam ótimos. As delícias gasosas, também. Os caramelos explosivos eram sensacionais. Por fim, ele experimentou os doces de chocolate e abóbora com raspas de visco do diabo comestível.
Remus sorria, feliz por poder comer mais açúcar do que os seus pais permitiam que ele comesse em uma manhã ou mesmo, em um dia inteiro. Sorrindo, o menino mastigou o doce, refletindo que ele era bom. Muitíssimo bom. Contudo, quando o visgo do diabo alcançou a sua garganta, Remus levou a mão ao peito, pondo-se a tossir, enquanto tentava puxar o ar para os seus pulmões. Algumas labaredas deixaram a sua boca.
Remus sentiu a mão de James, dando alguns tapinhas em suas costas, antes de destampar a garrafa de sua própria água de gilly e oferecê-la. Lupin, no entanto, com alguma educação, sacudiu a mão diante do seu rosto vermelho, recusando repetidamente a bebida oferecida até que James, deixando escapar um palavrão, falou, não com chateação, mas com um lampejo de bom senso.
"Aceita, porra..."
Então, Remus aceitou a porra da água de gilly e o menino sentiu o líquido gelado rapidamente refrescar a sua garganta em brasas.
"Eu disse que era pra ir com calma..." _ comentou Pettigrew, oferecendo o seu suco de abóbora também_ "Cara, você come açúcar como se fosse um maníaco. E olha que eu como, tipo, muito... Muito mesmo."
Tossindo ainda por quase um minuto inteiro e com os olhos lacrimejando, Remus sentiu que a raspa de visgo que o fazia engasgar, finalmente, desceu por sua garganta. Sirius tinha as sobrancelhas contraídas e perguntou:
"Você tá bem?"
Remus assentiu, enxugando as lágrimas dos seus olhos e pensando, com desalento e resiliência, que era só mais um vexame de uma série. Não, ele não estava bem.
"Você é filho único?"
Lupin estranhou a pergunta de primeira, mas, depois, inferiu que Sirius o categorizara como uma das crianças mimadas do primeiro ano e que não durariam nem três dias sem os cuidados dos pais na Escola.
"Sou. E você?" _ respondeu Remus com alguma mágoa.
Sirius sorriu.
"Tenho um irmão mais novo, mas ele ainda é muito pequeno pra frequentar Hogwarts. Você me lembra ele..."
Remus tomou mais um gole da água de gilly de James e tinha o gargalo próximo à boca quando indagou ainda com mágoa:
"Ele é desastrado?"
Sirius ainda sorria e permaneceu um tempo em silêncio, antes de responder, espreitando a vidraça.
"Não. Ele é bem bonitinho na verdade. Parece um pufoso..."
Remus entreabriu a sua boca para redarguir algo, mas a fechou em seguida porque não sabia o que significava ser comparado com o irmão pequeno de Black e muito menos com um pufoso. Sem responder ainda, Lupin teve a sua atenção atraída por James, que falou, erguendo a vista da sua revista de Quadribol:
"Sua boca tá suja de chocolate, Lupin..."
Remus se apressou em esfregar os lábios com o polegar, indagando em seguida:
"Saiu?"
"Não. Manchou ainda mais. Espera, deixa eu te ajudar..."
Lupin viu James chupar o seu polegar e esfregá-lo contra a sua boca. Então, Remus permaneceu ali, parado e confuso, deixando o garoto de cabelos rebeldes esfregar a própria saliva em sua boca com aquele dedo firme. Não era que a experiência incomodasse a Remus. Absolutamente. Não como, talvez, poderia incomodar alguém que tivesse um estranho fazendo aquilo. Remus se incomodava porque o outro garoto o estava tocando e isso não era ruim. Ao contrário. Ele permaneceu espreitando o olhar concentrado e avelã de James por trás das lentes dos óculos.
O fato de Sirius e Pettigrew observarem os dois não suavizou a tensão para Remus, que moveu os seus olhos quando James murmurou, afastando-se:
"Saiu."
O menino de cabelos rebeldes se voltou, então, para a sua revista de Quadribol, folheando-a com interesse como alguém que cria um tumulto e sai da confusão fumando um cigarro. Sirius murmurou, parecendo fixar a vista em algum ponto além da paisagem enquanto Remus pestanejava, pigarreando um pouco.
"Vocês já se conheciam?"
"Não. Nos vimos hoje pela primeira vez..." _ respondeu James, erguendo a sua vista brevemente.
"Nem de vista, sei lá... Não eram conhecidos?"
"Não... Por quê?" _ indagou James, aproximando o rosto de uma página enquanto ajustava os óculos sobre a vista com o dedo anelar.
Sirius espreitou brevemente Remus, que tomava mais um gole da água de gilly, antes de devolvê-la para Potter com algum rubor sobre as suas faces pálidas.
"Por nada..."
James, ignorando a resposta, dobrou a revista e a virou para Sirius e Pettigrew.
"Ei, vocês que gostam de Quadribol, sabem fazer isso?"
A imagem mostrava um bruxo se equilibrando de pé sobre uma vassoura que voava a muitos metros do chão.
Sirius se voltou para a imagem e disse:
"Consigo agachado, mas de pé ainda não..."
Os três garotos se embrenharam por uma conversa sobre Quadribol, seleções e nomes de jogadores famosos e Remus, não participando tanto do assunto, em um determinado momento, se retirou da cabine para ir ao banheiro, levando a sua mochila consigo.
O menino de cabelos castanhos precisava trocar as suas ataduras e curativos dos arranhões sob a roupa. No caminho, ele passou por uma cabine com a porta aberta e se deparou com o trio de alunos que vira mais cedo sumir através de uma passagem secreta do Expresso. Num dos assentos vazios, havia uma montanha de doces e guloseimas. Em outro, um sapo grande e verde coaxava.
O garoto chamado Markus McKinnon se encontrava sentado no colo do garoto ruivo que atendia pelo nome de Edgar Bones, com os seus braços compridos entrelaçados no pescoço dele. A mão de Edgar repousava no joelho do amigo.
"Markus, você pesa, sabia? E tem um assento vazio bem ali..."
"Eu não preciso de um assento, Edgar. Eu tenho você." _ riu-se McKinnon, dando um beijo estalado no rosto do menino ruivo e Remus pode constatar, demorando-se um pouco ao passar pela porta, que Markus, de fato, usava batom sobre os lábios_ "Seja um lufano bonzinho..."
Dorcas, que estava esticada em seu assento, brincava, conjurando alguns feitiços com a sua varinha e com a mão apoiada sob a cabeça, falou:
"Quando pararem com o namorico, precisamos pensar na vingança que vamos dar no grupo do Gibbon por terem sacaneado você no ano passado, McKinnon. Bruxo de merda..."
O que o garoto que atendia pelo nome de Gibbon havia feito, Remus não pode descobrir por que não era possível remanchar mais sem parecer um intruso fofoqueiro, participando de uma conversa dos veteranos como se ela lhe dissesse respeito. No entanto, pode ouvir McKinnon falando:
"Esquecer que o idiota do Gibbon existe conta como vingança?"
Remus alcançou o banheiro, após caminhar mais um pouco e se deteve lá por um bom tempo. Os curativos estavam manchados e a sua blusa de dentro tinha alguns pingos de sangue que ultrapassaram as ataduras.
O menino de cabelos castanhos aproveitou a oportunidade para trajar o seu uniforme de Hogwarts desprovido ainda de um emblema; com a gravata ainda escura, carente de cores e sem a definição ainda de uma Casa específica. Havia um hiato vivenciado pelos alunos do primeiro ano estabelecido por um Chapéu cantor do século X, que, como um apresentador enfastiado, diria: "Vai você pra lá, corvino. E você aí que tem cara de Grifinória, senta logo aqui. Agiliza!"
Quando Remus, após mais de meia hora, deixou o banheiro e voltou para a sua cabine, esbarrou com o rapaz magricela que se sentara com a cara enfiada num livro de Defesa contra as Artes das Trevas em seu vagão. Com uma expressão aborrecida, o garoto arrastava a sua mala de tampo envelhecido e desbotado que arranhava o assoalho.
Suavizando um pouco a sua expressão azeda, o garoto de cabelos escuros olhou Remus rapidamente e, por um momento, atrapalhando-se com a bagagem, deixou que o livro que lia caísse no chão. Remus ajoelhou-se prontamente para apanhá-lo e o devolveu ao seu dono, sorrindo.
"Isso aqui é seu..."
O garoto magricela girou em seus calcanhares para olhar para Remus. Pareceu atordoado por um momento, antes de esticar o braço e agradecê-lo com uma voz um tanto quanto rouca, tal qual a voz que não se usa há muito tempo se torna quando há a necessidade de se quebrar o silêncio.
"Eu sou Remus Lupin."
"Se...Severus Snape..."_ murmurou o rapaz, estudando o rosto do outro.
"Você também é do primeiro ano, não é mesmo? Por que ficou calado na cabine durante a viagem? Poderia ter se juntado a nós. Também somos alunos do primeiro ano..."
Severus se manteve calado, olhando o menino diante de si, sem parecer se esforçar para formular uma resposta. Remus fitou, então, o livro que Snape segurava.
"Esse livro de Defesa contra as Artes das Trevas é muito bom. Já dei uma olhada nele quando o meu pai comprou pra mim na semana passada. Acho que Defesa contra as Artes das Trevas deve ser a melhor matéria de Hogwarts... Acho que Poções e Feitiços devem ser legais também..."
Remus pode ver Severus mover os lábios finos levemente em um sorriso meio inseguro. Remus retribuiu ao sorriso espontaneamente.
"Preciso ir agora. Espero que fiquemos na mesma Casa. Até mais tarde..."
Remus se afastou com a mochila em suas costas e não pode sentir os olhos de Snape ainda fixos nele, enquanto o menino girava sobre os seus calcanhares e se detinha com aquele malão gasto e com uma das fechaduras quebrada, espreitando o outro garoto.
Sirius e James, que se mantinham naquele compartimento dividido do Expresso, viraram as suas cabeças quando ouviram o ruído da porta de correr se movendo e Remus surgindo.
James girava a sua varinha entre os dedos e murmurou com Sirius, que tinha uma expressão contrariada.
"É o Remus. Achei que era aquele mala voltando..."
"Quem?" _ indagou Remus, ajustando os óculos sobre a vista com o indicador dobrado e se sentando diante dos meninos. James migrara para o lado de Black.
"O garoto que tava aqui. Nossa, ele é insuportável! E aquela menina ruiva, amiga dele, é três vezes pior..."_ desabafou James.
Lupin ficou sabendo que, enquanto estivera fora, Lily Evans viera ficar um tempo com Snape na cabine e o grupo entrou em conflito por causa de uma disputa entre as Casas.
Supostamente, Severus, parecendo se ofender com o tom jocoso que James e Sirius utilizavam para se referirem à Sonserina, revidou falando mal da Grifinória, que era, tradicionalmente, a Casa para a qual todos os Potters iam.
No fim das contas, Evans tomara as dores de Snape e os dois deixaram o compartimento. Minutos depois, o menino magricela voltara para apanhar o seu malão e migrar definitivamente para outra cabine. Esse fora o momento em que Remus esbarrara com ele no corredor.
Lupin, após ouvir o relato, colocou a mão em seu queixo.
"Ele se chama Severus Snape... Eu falei com ele no corredor."
"Pfff, parece ser um antipático! Viram como ele ficou durante a viagem inteira emburrado lá atrás?"_ redarguiu Sirius com deboche.
Remus, tentando fazer justiça ao que experenciara, falou:
"Sabe... Ele não parece ser má pessoa. Só parece ser meio tímido. Deve estar se sentindo deslocado nesse primeiro dia..."
Sirius olhou Remus por alguns segundos e reparou em suas vestes já trocadas de Hogwarts. Murmurou, então, com algum mau-humor:
"Severus Snape... Que nome ridículo ele tem... E parece que, hoje, já ganhou mais um defensor... "
Remus não entendeu o motivo do comentário de Sirius e preferiu manter-se em silêncio, sem emitir uma opinião específica sobre o assunto e desviando o tópico.
"Onde está Pettigrew?" _ indagou Lupin, movendo a cabeça como se o menino não tão pequeno pudesse se esconder em um compartimento não muito espaçoso.
"Ele disse que ia dar uma esticada nas pernas..." _ falou Sirius, medindo um pouco Remus dos pés à cabeça_ "Você não ouviu o que eu falei mais cedo sobre os valentões mirarem nos alunos do primeiro ano? O seu uniforme tá gritando primeiro ano, Remus, e você vai acabar virando o jantar dos veteranos! _ complementou Black, contraindo as sobrancelhas.
Lupin, percebendo que se tornara um alvo vivo, fitou a sua própria roupa, justificando-se ao mesmo tempo em que apreciava um pouco o seu nome sendo dito por Sirius.
"A minha outra roupa manchou com... com suco de abóbora. E eu não vou sair mais dessa cabine até chegar em Hogwarts..."
Sirius sacudiu a cabeça, sufocando uma risada discreta, que Remus não soube interpretar.
O restante da viagem seguiu naquela harmonia de crianças que passam a se conhecer, ora falando animadas ora tentando fechar os olhos para dormir um pouco. Na maioria das vezes, alterando as suas vozes quando alcançavam um ponto em comum ou descobriam afinidades.
Aliás, as afinidades de Black e de Potter se revelaram sem muita demora e Remus pode perceber que parecia ser muito fácil para o garoto de cabelos rebeldes arrancar Sirius daquele estado, que após alguns anos ele compreenderia como uma perturbação pós-Blacks.
Tornar-se-ia muito comum, amiúde, Sirius adentrar um estado típico de mau-humor, amargura, rispidez e crueldade ansiosa como um efeito pós-traumático nas vezes em que interagia com os seus pais e eles drenavam o ar ao seu redor, deixando o filho naquele torpor dementado, asfixiado e embotado dentro de si mesmo como uma peça esquecida e dispensável.
Pensando bem, o primeiro ano de Sirius em Hogwarts fora como o de uma criança anêmica tomando sol pela primeira vez. E, nesse ínterim, o fato de um garoto esperto e que parecia exalar autoconfiança desencadear, espontaneamente, uma gargalhada verdadeira nele delimitou os próximos anos num átimo.
Assim. As coisas mais verdadeiras se desdobraram naquele estar-com inusitado e tais foram os afetos. O efeito James Potter em Sirius Black não tardou a se revelar e aquele, talvez, fosse o contrapeso do mundo. Do mundo de Sirius.
Após anoitecer, os garotos, faltando dez minutos para chegarem em Hogwarts, colocaram as suas mochilas nas costas, anunciando que iam trocar de roupa no banheiro. Remus permaneceu em seu compartimento, sentindo a friagem da noite adentrar um pouco o Expresso e verificando o arranhão próximo a sua clavícula para se certificar de que os curativos se mantinham intactos.
Tentando não pensar que faltava pouquíssimo tempo para ele descobrir para qual Casa seria designado e que era um milagre (graças aos esforços dos seus pais, de Dumbledore e do corpo docente) poder entrar em Hogwarts, a despeito da licantropia, o menino se manteve muito quieto. Ele olhava a noite escura pela vidraça, mas enxergava a si mesmo.
Foi com alguma surpresa, ao ser arrancado de seus pensamentos, que Remus viu o Expresso de Hogwarts parar finalmente e a algazarra de alunos poder ser ouvida nos corredores do trem, que, rapidamente, eram ocupados por uma massa escura de estudantes. O menino de cabelos castanhos colocou o seu rosto para fora da cabine, movendo a porta de correr e observou os colegas, animadamente, evacuarem o veículo.
Ele se reteve, tentando distinguir entre os alunos se Sirius, James ou Pettigrew já retornavam.
Remus remanchou por uns quinze minutos, esperando em seu compartimento, checando se guardara tudo em sua mochila e olhando pela janela as silhuetas dos alunos.
Ajeitando o cachecol, ele espreitou mais uma vez o corredor que se encontrava praticamente vazio já. Fora do Expresso, Remus ouvia a voz rouca do guarda-caça da Escola, pedindo que os alunos se apressassem, sobreposta ao latido efusivo de cachorros.
Será que Sirius, James e Pettigrew haviam se esquecido completamente dele e seguido juntos para Hogwarts?
Remus baixou o seu olhar um tanto desapontado, um pouco constrangido por permanecer esperando. Esfregando as mãos nas suas vestes e sentindo a friagem da noite se tornar mais intensa, ele não chegava a estar chateado por ser "esquecido" porque eles tinham, tipo, ocupado o mesmo vagão e conversado bem durante toda a viagem, mas aquilo fora uma feliz coincidência.
Talvez, em seu íntimo, Lupin nutrisse a esperança de que os quatro pudessem, por acaso ou por sorte, ser selecionados para a mesma Casa e pudessem ser, tipo... amigos?
Os medibruxos no St. Mungus haviam explicado para Remus com uma didática fria, o quão a licantropia e o fato de ele se tornar mensalmente um lobisomem não somente era uma condição solitária, mas uma condição que exigia um educado distanciamento dos outros, a fim de ela não ser percebida por uma comunidade bruxa que desprezava profundamente qualquer criatura das trevas habitando um hospedeiro.
Esse era o acordo, não é mesmo? Permanecer em Hogwarts, sem deixar que as outras crianças notassem a sua enfermidade. A misantropia era um caminho seguro.
Torcendo a boca para um lado, numa desistência solene daquela espera que, estendendo-se por mais quinze minutos, só evidenciava o seu abandono, Remus se colocou de pé, pensando: "Bom, vamos lá..."
O menino caminhou até o portal do trem com as mãos nas alças da sua mochila e alcançou uma plataforma vazia. A névoa noturna se desprendia do chão como se o solo fervesse fantasmagoricamente e liberasse seus vapores pálidos. Puxando o cachecol até sobre a boca, Lupin olhou para os lados, ouvindo um pouco distante muitas vozes.
Remanchando, esperando, ele se afastara demasiadamente do grupo e agora se encontrava perdido. Remus, Remus, talvez Sirius Black estivesse certo e ele, de fato, não durasse três dias em Hogwarts. O menino se pôs a caminhar com passos apressados.
Foi quando seguia na direção das vozes que Remus viu três alunos pularem de dentro de um dos outros portais do Expresso. Eles usavam os seus uniformes e, mal deixaram o trem, um cheiro de fumaça se fez presente.
Um dos garotos fumava e, quando ele se deparou com o menino do primeiro ano, instintivamente, fez menção de jogar a guimba do cigarro fora sobre os trilhos, antes de se deter. Os três rapazes pareciam ser do quinto ou sexto ano e próximo à lapela de seus uniformes, havia o brasão da serpente prateada sobre o fundo verde.
Fez-se dez segundos eternos em que Remus se manteve parado, encarando os garotos, olhando um pouco inquieto sobre os seus ombros, antes de resolver falar algo:
"Er... Boa noite..."
O rapaz que fumava e que tinha um rosto relativamente bonito, com cabelos compridos até a altura dos ombros e mechas vermelhas, espreitou o garoto com os seus olhos cinzentos.
"Ora ora... Um filhote perdido. Boa noite, primeiro ano..." _ falou o sonserino com a sua voz firme, aproximando-se do menino _ "Está sozinho?"
O rapaz tragou o seu cigarro e espreitou Remus que se mantinha em silêncio, um pouco nervoso.
"... O Matagot comeu a sua língua...?"
"Eu tô sozinho! Pra onde foi todo mundo?"
Os três rapazes deram uma risada e o bruxo que se dirigia a Remus falou:
"O primeiro ano segue por um caminho diferente dos outros alunos, mas a gente sabe qual é... A gente pode tentar te levar lá se você quiser..."
Remus hesitou um pouco, vendo que os outros dois adolescentes trocavam um olhar, contraindo as suas sobrancelhas.
"É só me dizer pra onde ir... Er... Posso ir sozinho...Mas, obrigado..." _ respondeu Lupin, olhando o seu entorno novamente.
O bruxo sorriu, esticando a sua mão com o cigarro entre os dedos até Remus.
"Eu sou Scabior. Aqueles lá são o Lestrange e o Rowle. Quer dar um trago com a gente?"
O menino de cabelos castanhos espreitou o cigarro bruxo que lhe era oferecido um pouco consumido pelo fogo e expelindo a sua fumaça sinuosa. Sacudindo o rosto veementemente, Remus recusou.
"Não, a minha mãe me mata!"
Os três veteranos deram uma risada debochada e Scabior tragou o cigarro, antes de voltar a falar.
"E a sua mãe é bruxa?"
"Uhum..." _ respondeu Remus, olhando novamente o seu entorno, percebendo que o seu caminho era obstruído pelos sonserinos que se aproximavam.
"Sangue-puro?"
Remus hesitou e, sentindo um profundo desconforto, ele pareceu, por um instinto, propenso a mentir, mas, no fim, acabou falando a verdade.
"Nascida-trouxa..."
Scabior assentiu como se acompanhasse um raciocínio que não verbalizava. No fim, indagou:
"E o seu pai?"
"Sangue-puro."
O bruxo espreitou o menino diante de si de cima a baixo.
"Então, o seu papai sangue-puro comeu a sua mamãe sangue-ruim e mandou mais um sangue de bosta mestiço para Hogwarts como se não tivéssemos já o bastante..."
Remus se sentiu tão agredido pelas palavras de Scabior que deu um passo para trás instintivamente. Os seus lábios tremiam um pouco, fosse pela friagem noturna, fosse pelo desconforto que sentia desde que se deparou com aquele grupo. Rowle, um garoto de cabelos loiros e olhos muito fundos, rindo-se ao fazer um gesto obsceno, falou:
"Sabe como se mete em alguém, pirralho...? Já te ensinaram isso? Sabe que o seu papai fodeu a boceta da sua mamãe pra que você pudesse nascer, não sabe?"
Lupin engoliu em seco quando viu que os sonserinos o espreitavam e Scabior caminhava em sua direção com passos firmes. Num gesto impensado, Remus sacou a sua varinha, falando com a voz infantil e um pouco insegura.
"Não fala assim dos meus pais!"
Scabior abafou uma risada incômoda e atirou a guimba do cigarro na linha férrea, dizendo com os seus olhos semicerrados:
"Ora ora... Você não sabe nem segurar a varinha direito e quer nos ameaçar, garoto? Anda, manda ver! Tô morrendo de medo de ser azarado por um sangue-ruim do seu tamanho..." _ o bruxo movia as mãos, incitando um combate, chamando o menino como se fosse para uma briga.
Remus se manteve com a varinha erguida e com o seu pulso tremendo. Scabior se aproximou um pouco mais dele e Remus moveu o artefato mágico no ar, lembrando-se de um feitiço que a sua mãe lhe ensinara e era moda na Casa da Corvinal na época em que ela frequentou a Escola. Remus o murmurou primeiro e depois, com uma voz mais assertiva, proferiu:
"Alarte Ascendare!"
Um raio prateado se desprendeu da varinha de Remus, atingindo o peito de Scabior em cheio e o atirando a alguma distância, ao mesmo tempo que a força do feitiço fez com que Remus desse alguns passos para trás.
O sonserino teve o seu rosto contraído e, quando tombou no chão, chegou a ser arrastado um pouco pela plataforma. Não fora nem de longe forte o suficiente o feitiço conjurado por Remus, mas ele era, de fato, alguma coisa.
Os sorrisos nos rostos dos sonserinos feneceram. Lestrange, um rapaz de cabelos muito escuros e olhos muito claros, praguejou, socando o vagão com o seu punho fechado.
"Seu bostinha! Como ousa atirar num veterano?! Eu vou arrastar a sua cabeça nos trilhos, sangue de merda!"
Remus disparou, então, correndo para dentro do Expresso quando viu que os sonserinos vinham em sua direção, munidos de suas varinhas.
Parecendo um pouco tonto ainda, Scabior se colocou de pé e conjurou um feitiço que passou por cima do ombro de Lupin, não acertando-o por pouco. O menino pulou para dentro do trem e correu para o interior de uma das cabines, se trancando do lado de dentro.
A insegurança de Lupin em ir para Hogwarts existia, de fato, e era pontual sobre tópicos como se entrosar com os outros alunos; adaptar-se bem em Hogwarts; manter a sua condição de licantropo sob sigilo e ser designado para uma boa Casa. No entanto, a situação em que o menino se encontrava agora fugia em muito ao que ele previra.
Subitamente, ele estava sendo perseguido por três veteranos sonserinos enfurecidos dentro do Expresso de Hogwarts em uma plataforma completamente vazia.
Remus se sobressaltou quando escutou, no corredor, o ruído de passos e as vozes de Scabior, Lestrange e Rowle escancarando as portas de correr das cabines com feitiços. Então, um dos raios prateados acertou o compartimento em que Lupin estava escondido e ele ouviu a voz de Scabior falando, diante da porta que não foi aberta:
"Ele tá aqui dentro!"
O menino de cabelos castanhos se adiantou em ficar de pé no assento do compartimento e pulou a janela da cabine sem demora, caindo sobre o cimento da plataforma, antes de correr o mais rápido que pode. A névoa se adensava e uma fumaça branca e gelada deixava a boca de Remus.
Foi com nervosismo que Lupin ouviu a voz de Lestrange gritando ao colocar a cabeça para fora da vidraça do compartimento do vagão:
"Ele fugiu! Lá vai ele... Impedimenta!"
Remus sentiu, então, o impacto do feitiço em suas costas e, sendo atingido, diminuiu a sua marcha até que cambaleasse, tombando para a frente. Por alguns segundos, o garoto experimentou os seus membros muito pesados e uma câimbra forte em suas pernas. Inquieto, ele tentou se reerguer sem sucesso.
"Boa, Rodolphus! Acertou o sangue-ruim direitinho!" _ comemorou Scabior, sentindo-se vingado enquanto batia a sua palma na palma de Lestrange.
Lupin escutou uma agitação dentro do Expresso e pestanejou, tentando se movimentar mais uma vez. Ele conseguiu se arrastar alguns centímetros e deduziu que os veteranos corriam para um dos portais do trem para descerem do veículo e virem até ele. E isso era assustador.
Assustador pra cacete porque Remus tinha certeza de que os sonserinos não iam lhe dar tapinhas nas costas por ter feito um feitiço razoável e direcioná-lo para a fila do primeiro ano. A chance de aquilo acabar bem era nula.
"Vamos nos divertir com o sangue-ruim!" — Remus escutou a voz de Rowle, vindo do trem.
Assustador era pouco...
Então, Remus, com um rosnado bastante lupino, tentou mais uma vez se libertar do feitiço.
Mas ele estava preso.
