Aviso: Alguns dos personagens encontrados nesta história e/ou universo não me pertencem, mas são de propriedade intelectual de seus respectivos autores. Os eventuais personagens originais desta história são de minha propriedade intelectual. História sem fins lucrativos criada de fã e para fã sem comprometer a obra original.
Sumário: Esta fanfic é a fanfic de minha autoria intitulada Os Marotos, escrita no início dos anos 2000 e publicada aqui, que foi reescrita e será finalizada.
Categoria: Angst/Romance/Slash/Aventura/ +18/ Conteúdo LGBTQIA+/Yaoi
OS MAROTOS: O LIVRO DAS SOMBRAS
CAPÍTULO 2
OS MENINOS E O LOBO (PARTE 2)
'Intimate details of every kind
Opening doorways to secret rooms
His emptiness calling to you
Give a little bit of attitude
Give a little bit of something rude
Give a little bit of attitude
Get a little bit tacky too'
(Attitude – Suede)
Capítulo Piloto de tudo o que estava por vir. E por ir.
Parte 2
Foi com aturdimento que, na névoa densa, Remus entreouviu, então, o ruído de passos que se aproximavam dele, vindo de trás de uma das pilastras de pedra. Mas não havia ninguém ao redor, exceto a maquinaria do trem e as sombras bruxuleantes produzidas pelos candeeiros.
Ofegando a fumaça de friagem, Lupin arregalou os seus olhos cor de âmbar quando se deparou com James Potter, se revelando sob uma Capa da Invisibilidade. O menino ostentava uma expressão muito séria e colocou o dedo em riste diante dos lábios, antes de jogar o tecido translúcido sobre o corpo de Remus, cobrindo-o.
Depois, James se ergueu sobre os seus calcanhares e correu, com agilidade, para trás de uma das pilastras de pedra sob a luz de um candeeiro. Ele se mantinha muito quieto com a sua varinha em punho e recostado à parede.
Os sonserinos que perseguiam Remus saltaram do trem na plataforma e, praguejando, Scabior falou:
"Droga, pra onde ele foi?!"
"Eu acertei ele em cheio! Deve tá por aqui ainda!" _ redarguiu Lestrange, passando as mãos por seus cabelos com alguma confusão.
"Vamos checar os trilhos!" _ determinou Rowle, se afastando do grupo e, passando muito próximo ao corpo coberto de Remus, sem conseguir enxergá-lo.
O menino de cabelos castanhos se encolheu, repuxando o seu pé e levando a mão à boca para silenciar a sua respiração bem a tempo de emudecer também o assombro ao ver um raio acertando Rowle em cheio, fazendo com que o sonserino rolasse sobre a linha férrea.
Aturdido, Rowle se reergueu, apoiando as mãos na plataforma para subir novamente e o seu rosto se apresentou, na meia luz, coberto por uma rede de furúnculos purulentos que estouravam sozinhos. Lestrange se encolheu, demonstrando um pouco de desconforto ao contemplar a face deformada do amigo.
"Que porra é essa?!" _ indagou Rowle, tateando as feridas em seu rosto.
"Alguém lançou Furnunculus em você!" _ respondeu Rodolphus Lestrange, olhando ao redor.
"Mas aquele garoto é do primeiro ano! Quantos feitiços aquele sangue de bosta sabe afinal? Terá sido um fantasma?"
Scabior girou os olhos nas órbitas com impaciência, antes de contornar o trem a alguma distância.
"Fantasmas não conjuram feitiços, Thorfinn! Foi alguém bem vivo que te azarou..."
O bruxo de cabelos escuros e mechas vermelhas espreitou com os seus olhos pequenos a névoa, conjurando um feitiço para dissipá-la. Em seguida, voltou-se para os outros veteranos, dizendo:
"Vamos averiguar o Expresso de novo. Aquele sangue-ruim pode ter... Ah!" _ gemeu o rapaz, não concluindo a sua sentença.
Remus viu um feitiço acertar as costas de Scabior, logo após ser proferido por alguém o encantamento Estupefaça. O fogo de um dos lampiões do século XIX que iluminavam a plataforma oscilou, como objetos, normalmente, titubeavam quando o feitiço canalizado pela varinha escapava um pouco para fora do corpo do bruxo, sem que ele conseguisse retê-lo.
O fogo parou de bruxulear e se empertigou aceso, no mesmo instante em que Scabior tombou não totalmente desacordado, mas com o corpo paralisado e levando a mão ao peito, como se sentisse dor.
Remus, deitado ainda sob a Capa da Invisibilidade, pestanejou, vendo o corpo de Scabior em uma situação parecida com a sua. O veterano tentava se colocar de pé, mas não obtinha sucesso em sua empreitada. Rodolphus Lestrange, no entanto, se mantinha concentrado, com o olhar fixo em um ponto escuro entre as brumas e com a varinha em punho.
Lupin, então, acompanhou o olhar do veterano e, sentindo o seu coração acelerar um pouco; sentindo que o ar fugia dos seus pulmões e um calor que se instaurava em seu peito percorria partes do seu corpo de uma forma que nunca experimentara antes, mas experimentaria muitas vezes depois, se deparou com Sirius Black.
Sirius Black, de pé, com o seu maxilar contraído, trajando o seu uniforme indefinido de Hogwarts e alvejando o sonserino.
Lestrange se deteve, respirando também aquela fumaça gelada da noite e, por alguma razão, não tentando estuporar o aluno do primeiro ano.
"Sirius Black?"_ indagou, finalmente, o veterano estreitando a vista_ "É você?"
Sirius deu alguns passos em direção ao rapaz, munido ainda de sua varinha e, ao invés de responder, ele se revelou completamente diante do veterano. Lestrange voltou a falar:
"...Foi você que azarou o Scabior e o Rowle? Cacete, por que você fez isso, Black?!"
Sirius, com os seus cabelos compridos presos em um rabo de cavalo e parecendo muito elegante em suas vestes bruxas que eram um uniforme que nunca o tornaria, em absoluto, banal entre os outros jovens, guardou a varinha, colocando as mãos nos bolsos e se empertigando um pouco.
"Você tava perseguindo um dos meus. Eu não gosto disso, Lestrange..."
Havia um tom cortante na voz de Sirius e, apesar de ele ser mais jovem do que Rodolphus Lestrange, parecia causar algum impacto no sonserino que engoliu em seco.
"Qual é, Black? As nossas famílias são aliadas desde tempos remotos. Se tá falando daquele pirralho do primeiro ano, ele é um sangue de bosta, sabia...?"
"Não use essa palavra!" _ argumentou Sirius, subindo o tom_ "Ele tá comigo e já estragou o primeiro dia dele em Hogwarts o suficiente, não acha?"
Rodolphus Lestrange meneou o seu rosto e um sorriso enviesado se desenhou no canto dos seus lábios.
"Então, o boato de que Orion e Walburga tiveram um filho defensor de trouxas é verdade? O que os seus pais vão dizer disso, Black? Acho que eles não vão gostar nada de saber de você azarando sonserinos pra defender a escória... Talvez, eu devesse avisá-los sobre isso."
Sirius também teve um sorriso enviesado se desenhando no canto dos seus lábios e a sua expressão assumia uma dureza que ultrapassava a sua pouca idade.
"Tenta então... Mas por hoje, isso acaba aqui. Ou vai querer azarar um Black e ver os nossos pais argumentando por conta disso e botando a aliança deles em pauta nas festas da alta sociedade...?"
"Se você não tivesse sangue imaculado e os Blacks não fizessem parte dos Sagrados Vinte e Oito, tava ferrado na minha mão, Sirius! E os meus amigos que você azarou? Como é que eles ficam?"
Black inclinou o rosto, contraindo um pouco as suas sobrancelhas diante da palavra imaculado.
"Você acertou um dos meus também..."
"Um mestiço... Ele merece uma lição."
Remus viu James se revelar, então, de trás da pilastra e fitar os veteranos com as mãos nos bolsos das suas vestes, sabendo que ele ainda tinha a varinha em um deles.
Rodolphus Lestrange moveu o rosto em direção ao garoto enquanto Rowle espreitava a situação com os furúnculos cobrindo ainda a sua face. Scabior conseguira se sentar e tinha os cotovelos apoiados sobre os joelhos, mantendo-se em silêncio, como alguém arruinado que tenta entender os pormenores da sua queda.
"Que porra é essa? É a revolta do primeiro ano por acaso? Quem diabos é você?" _ indagou Lestrange com azedume.
"James Potter." _ respondeu o menino laconicamente, ajeitando os óculos sobre o nariz com impessoalidade.
Lestrange observou o garoto por alguns segundos e ergueu as sobrancelhas.
"Filho de Fleamont e Euphemia?"
O menino pareceu pensar por um instante, antes de responder, estabelecendo alguma confusão:
"E de Henry e Joanne. Acho que vocês deviam ouvir o Black e darem o fora..."
"E eu acho que vocês deviam abaixar o tom quando falarem com os seus veteranos. Conheço os Potters. Sangue-puros simpatizantes das causas trouxas e outras raças. Influentes no mundo bruxo, mas não frequentam a alta-sociedade há séculos... Bruxos contrários às teorias de pureza do sangue e apoiadores dos sangues de merda..."
James, num gesto declaradamente grosseiro, escarrou no chão, dizendo ao mesmo tempo em que o fogo da lamparina próxima à pilastra parecia inchar e quase consumir com as suas labaredas o bojo de vidro ao redor:
"Aqui pros puristas."
Rodolphus Lestrange ergueu mais a sua varinha, falando:
"Quer que eu meta um feitiço no meio da tua cara, pirralho malcriado?"
"Chega, Lestrange! James também é um dos meus." _ interferiu Sirius, voltando a mirar a sua varinha.
Remus sentia o seu corpo recuperar os movimentos aos poucos e ergueu o seu rosto quando ouviu o ruído de vozes, acompanhadas pelo latido de cachorros.
Lestrange movia os seus olhos, espreitando os garotos. Scabior, apoiando a mão no chão conseguiu, finalmente, se levantar, cochichando próximo ao amigo enquanto ajeitava a lapela de suas vestes, parecendo alguém que se preparava para sair de cena.
"O filho mais velho dos Blacks e o filho único dos Potters. São sangue-puros. Melhor não..."
Rowle também sacudiu o seu rosto coberto de pústulas, impedindo discretamente que o amigo insistisse naquele conflito.
Por fim, Rodolphus abaixou a sua varinha, guardando-a dentro de suas vestes, segundos antes de Hagrid irromper na estação, acompanhado de seus cachorros mastins napolitanos, que se antecipavam, farejando a plataforma de Hogsmeade.
Ao seu lado, vinha Peter Pettigrew, apontando para os alunos que compunham aquele cenário.
"O que está havendo aqui? Lestrange, Scabior e Rowle, o que estão fazendo com os alunos no primeiro ano?" _ indagou Hagrid com uma expressão grave.
Lestrange fitou o guarda-caça de Hogwarts com algum desprezo, mas também com alguma hesitação, visto que ele era um veterano fazendo coisas muito erradas e Hagrid era aquele braço de Hogwarts disposto a limitá-lo e lembrá-lo de que a Escola não era dele.
Scabior também fechou os olhos como se se recordasse, subitamente, do grande filho da mãe incurável que era em Hogwarts e Rowle... Bom, Rowle levou a mão à bochecha, sentindo um dos furúnculos estourar enquanto se mantinha à beira das lágrimas.
"Estávamos só conversando. A gente tava instruindo eles sobre algumas das regras da Escola..." _ falou Rodolphus entre dentes, fitando Sirius.
"Esse não é o seu papel, senhor Lestrange... O seu papel é subir na carruagem e ir para o Castelo e me deixar fazer o meu trabalho que é conduzir os alunos do primeiro ano até Hogwarts. Acho que o senhor Rowle precisa também ir pra enfermaria..."
"Certo." _ redarguiu Rodolphus com maus modos, caminhando em direção a Sirius e esbarrando em seu ombro de propósito enquanto era acompanhado por seus amigos. Ele se deteve um pouco próximo ao garoto e lhe falou um pouco baixo _ "Cuidado, Black. Você tá chegando aqui hoje. Pode ser que outros alunos não tenham a mesma paciência com você..."
Hagrid pigarreou no mesmo momento em que um dos seus cachorros farejava algo em um canto da plataforma e Remus via o enorme mastim napolitano dar dois vigorosos latidos para o alto muito próximo a si. O guarda-caça falou então:
"Devo lembrá-los que vocês três já foram suspensos no ano passado por maltratarem os alunos mais novos e que precisam cumprir Detenções neste ano. O Professor Slughorn disse que quer falar com vocês antes do jantar..."
Scabior respirou fundo com chateação e fitou Hagrid, refreando-se ao impulso de xingar, responder ou argumentar. No fim, ele partiu junto com Lestrange e Rowle, seguindo por uma trilha pavimentada que levava até as carruagens utilizadas pelos outros anos.
Sirius se mantinha no seu lugar, parecendo um pouco contrariado e, quando o cachorro de Hagrid, latindo novamente, puxou com o seu focinho a Capa da Invisibilidade de sobre Remus, o menino, com os seus movimentos letárgicos ainda, observou as pessoas ao seu redor.
"Er... Olá?"
"Começou o seu primeiro dia em Hogwarts de uma forma bem emocionante, não é mesmo, senhor Lupin?" _ falou Hagrid, sorrindo.
O menino indagou, então, erguendo o seu rosto.
"Como sabe o meu nome?"
"Conhecendo os seus pais. Lembro da época em que Lyall e Hope frequentaram a Escola. Você tem o melhor dos dois..." _ falou o bruxo, sorrindo ainda por trás da sua barba espessa e acariciando a cabeça de seu cachorro, que farejava agora a Capa da Invisibilidade.
Sirius se antecipou até Remus, agachando-se ao seu lado:
"Consegue se levantar?"
O menino, observando por alguns segundos o rosto próximo de Sirius, sentiu que as palavras lhe fugiam, antes de, finalmente, conseguir responder:
"Meus pés ainda estão um pouco dormentes..."
Black, então, envolveu o seu braço ao redor do corpo do outro garoto, ajudando-o a se reerguer e, murmurando com a sua voz um pouco rouca, determinou:
"Certo. Peguei você. Pode se apoiar em mim."
Remus pestanejou um pouco aturdido. Ele sentia um perfume discreto de colônia se desprender da pele de Sirius e o rapaz tinha aquele cheiro de roupa limpa sendo exalado por seu uniforme.
Sirius o espreitava com as sobrancelhas um pouco contraídas e um ar um pouco sério. No fim, indagou, quando Remus estava de pé ainda se apoiando nele:
"Por que você ficou aqui sozinho...?"
Remus endireitou os seus óculos por um hábito que o acompanhava e respondeu, espreitando James conseguir resgatar a Capa de um dos cachorros que se deitara sobre ela.
"Eu fiquei esperando por vocês na cabine, mas vocês não voltaram..." _ respondeu Lupin com uma mágoa bastante infantil.
Sirius sacudiu a cabeça, falando:
"Quando a gente deixou o banheiro, o Expresso já havia parado e havia muitos alunos nos corredores. Os monitores tavam mandando todos descerem. Achamos que você, talvez, tivesse saltado e estivesse na plataforma ou seguido com o pessoal para a orla do lago. Mas quando não te vimos lá, eu e o Potter resolvemos voltar. Pettigrew foi chamar o Hagrid."
James, que estava agachado, guardando a Capa da Invisibilidade em sua mochila, falou então:
"Quando chegamos, vimos de longe você pulando uma das janelas do trem e correndo. A gente resolveu agir quando aquele veterano te acertou."
Remus engoliu em seco, sentindo-se um pouco envergonhado por desconfiar dos garotos e achar, precipitadamente, que eles haviam o deixado para trás sem se importarem. Ao seu lado, Sirius ainda o amparava com a mão ao redor da sua cintura. Potter colocava a sua mochila nas costas.
"Obrigado por voltarem. Acho que... nos desencontramos..." _ falou Remus, ruborizando um pouco.
"O que você fez afinal pra aqueles veteranos, cara? Eles tavam espumando..." _ comentou Pettigrew, puxando a sua mão ao sentir que um dos cachorros de Hagrid a lambera.
"Eles ofenderam os meus pais e daí eu joguei um feitiço neles. Não foi um feitiço excelente como o da minha mãe, mas derrubou um deles no chão..."
Sirius ergueu as suas sobrancelhas e James ergueu a vista da mochila.
"Caramba, você derrubou um veterano?! Você é badass, Lupin!"
O menino sorriu um pouco sem jeito diante do cumprimento de Potter.
"A minha mãe me ensinou esse. Foi você que jogou o feitiço Furnunculus naquele?"
James riu-se.
"A cara dele ficou ótima, não é mesmo?"
"E o Sirius acertou aquele tal de Scabior com um feitiço estuporante. Com quem você aprendeu a lançá-lo?"
Nesse instante, o menino de cabelos compridos se manteve aparentemente um pouco desconcertado e assentiu, não parecendo achar ruim quando Hagrid, caminhando ao lado de seus cachorros, pediu que todos deixassem a conversa para a hora do jantar e que se apressassem para seguirem para a orla do lago.
Remus caminhou entre os garotos, absorvendo aquelas informações conflitantes. Ele não quisera vivenciar aquela animosidade com os veteranos sonserinos no seu primeiro dia na Escola, mas, ao mesmo tempo, ele estava feliz, muito feliz por seus novos amigos terem retornado para procurá-lo. Deveria existir uma palavra para aquela excitação diante de uma catástrofe que se tornava, subitamente, algo muito reconfortante e sereno.
Os passos do garoto de cabelos castanhos já se tornavam mais firmes e foi de um modo tardio que ele percebeu que ainda tinha o braço de Sirius ao redor da sua cintura, mesmo que já conseguisse andar. Remus percebeu tal dado no mesmo momento em que se recordava de Black enfrentando Rodolphus Lestrange e lhe declarando que o garoto era um dos seus.
O que significava pertencer a Sirius Black? No que consistia ser arrematado por aquele jovem audacioso que o protegia de um veterano, riscando um círculo ao redor do seu corpo ao declarar: ele é um dos meus?
Os meninos voltaram a conversar e no instante em que a atenção de Remus se deteve no zíper da mochila de Potter semiaberto com um pedaço do tecido translúcido para fora, indagou:
"Isso que você usou para me cobrir era uma Capa da Invisibilidade mesmo?" _ indagou Remus, seguindo pelo caminho pavimentado cercado por árvores, ao lado dos garotos. Hagrid caminhava na frente com os cachorros em seus calcanhares.
"Ah, sim! Ela tá na minha família há bastante tempo e, agora que entrei em Hogwarts, os meus pais me deram."
"Maneiro..." _ murmurou Remus.
"Fiquei surpreso quando você surgiu com esse artefato. Já havia ouvido falar de Capas da Invisibilidade, mas nunca pensei que veria uma..." _ comentou Sirius com uma expressão brevemente marota.
James sorriu, colocando a mão sobre a boca e dizendo baixo o suficiente para que Hagrid não o escutasse:
"Podemos usá-la para inspecionar o Castelo. Meu pai disse que é divertido..."
Remus sorriu e, espreitando o rosto de Black se suavizar com um sorriso jovial, ele arriscou-se a indagar um pouco sem jeito:
"O que significa os Sagrados Vinte e Oito?"
"O que?"
"Os Sagrados Vinte e Oito que aquele veterano mencionou..."
Sirius pigarreou, parecendo desconfortável e falou, talvez, um pouco mais ríspido do que intencionasse:
"Um selo de pureza de algumas famílias bruxas do Reino Unido. São vinte e oito ao todo e essas famílias, supostamente, nunca se casaram com trouxas ou outras raças."
Um silêncio incômodo se fez, entrecortado pelos passos dos garotos sobre o caminho de pedra lajeado por folhas caídas e a respiração ofegante dos cachorros que farejavam a trilha. Quem o quebrou foi Pettigrew.
"E, obviamente, Black e Potter fazem parte dos Vinte e Oito!"
"Eu não!" _ antecipou-se James _ "Apesar da minha família ter esse status estúpido que a classifica como sangue-puro por, no mínimo, três gerações, tivemos casamentos interraciais no passado e estamos ok com isso. Não somos puristas e, cacete, eu sou feliz por não sermos..."
Um desconcertado Sirius pigarreou com força e fitava o chão enquanto falava:
"Na melhor das hipóteses, os Sagrados Vinte e Oito são uma grande bobagem purista. Há famílias que participam dessa lista, mesmo tendo estabelecido relações interraciais e as mantido ocultas como os Malfoys e os próprios Blacks. Outros, como os Doyles e os Davies, que são obcecados com pureza há séculos, não fazem parte da lista por conta de uma divergência que tinham com Cantankerus Nott, que catalogou as famílias. É tudo muito impreciso e, no fim das contas, uma idiotice..."
Sirius se esforçava para se explicar e tensionava um pouco o rosto quando mencionava os Blacks.
"Existe algum trouxa na sua família?" _ perguntou Remus, com uma genuína curiosidade.
"Eu tenho uma prima que se casou com um nascido-trouxa. Andrômeda é a minha prima favorita, mas foi afastada do nosso convívio pelos meus pais e pelos meus tios..."
James espreitou o rosto de Sirius.
"Eu sinto muito..."
Pettigrew, que se mantinha em silêncio, falou, ajeitando a mochila sobre o ombro.
"Somos sangue-puros na minha família, mas não frequentamos a alta sociedade e não temos dinheiro. O que faz dos Pettigrews pessoas bem comuns..."
Remus falou então:
"A minha mãe é nascida-trouxa e eu passo bastante tempo com os meus avós trouxas. Meu pai se dá melhor com os meus avós maternos também do que com os meus avós paternos e passamos as férias em Cotswolds..."
Remus, nesse momento, se recordou de quando Lyall Lupin informou os seus pais sobre a condição de licantropo do filho e de como o jantar anual de Natal foi totalmente arruinado. A relação entre os avós paternos de Remus e de seu pai, que já não era das melhores, estourou com Hope, aborrecida, puxando o filho pela mão até a lareira enquanto Lyall, enfurecido, apontava o seu dedo para o próprio pai.
"Se você é um homem vazio que não pode sentir empatia pelo próprio neto, as nossas relações terminam aqui! É muito evidente porque nunca nos demos bem e porque eu sempre preferi..." _ Lyall se deteve, na ocasião, apertando os olhos com os dedos.
"Sempre preferiu os pais de Hope a nós?! É isso?! Pode falar, Lyall!" _ argumentou o avô de Remus, um homem de cabelos castanhos e olhos cor de mel muito austeros.
"Eles gostam de mim por quem eu sou e não me forçam a ser algo diferente só por vaidade. Então, claro, que me sinto mais à vontade com eles..."
A avó paterna de Remus, uma bruxa miudinha, interveio com uma voz alta, apesar da sua baixa estatura.
"Não estamos renegando Remus. Só que... Um lobisomem... Lyall, quais são as chances dele no mundo bruxo? Como ele vai frequentar Hogwarts ou qualquer outra Escola bruxa? Para nós, foi muito inesperado..."
Lyall olhou para Hope, que fitava os sogros com frieza enquanto pegava um punhado de Pó de Flu, segurando ainda firmemente a mão de um Remus com oito anos bastante assustado.
"Então, o meu filho não merece uma chance? Vamos procurar uma cura para ele e, por Merlin, vamos achar! Mas, de qualquer forma, depois de hoje, não quero que se aproximem de Remus nunca mais! Passei a vida toda tentando agradar vocês, sendo um bom filho e sempre fui desmerecido ou ridicularizado. Não quero que meu garoto passe pela mesma toxicidade que passei!"
Caminhando ao lado de Black, Potter e Pettigrew, Remus se recordou da sensação daqueles dias em que a licantropia foi apresentada à sua família e os seus avós paternos bruxos deram um passo para trás em desistência, enquanto os seus avós trouxas se envolveram na compreensão daquela condição, lendo livros bruxos herméticos até tarde na sala de estar da casa em Cotswolds com uma luminária acesa sobre a mesa.
Apesar de ter somente oito anos na ocasião, Remus sabia o que o conflito no Natal significava. A sua enfermidade estava muito longe de ser favorável e na melhor das hipóteses, ao descobrirem sobre a licantropia, muitos bateriam em retirada. Logo, ele deveria ser cuidadoso com o seu segredo. Talvez, a licantropia fosse, de fato, solitária, mas pelo menos, ele tinha os seus pais e avós maternos ao seu lado, ainda que eles se encontrassem agora a um dia inteiro de viagem de trem.
Os meninos foram os últimos alunos a virem da estação ferroviária de Hogsmeade e a subirem no barco, cruzando o Lago Negro de Hogwarts, acompanhados de Hagrid e de seus efusivos cachorros, que ajudavam a sacudir o barco como se as águas turbulentas já não fossem suficientemente assustadoras.
Houve, naturalmente, o atordoamento habitual dos alunos e o boquiabrir-se quando cruzaram os gramados de Hogwarts, observando o Castelo sob a noite, iluminado por suas milhares de luzes magníficas. Na porta, os garotos foram recepcionados por um carrancudo Filch que os espreitava como se a sua satisfação na vida fosse ser desagradável.
"Por onde andaram? Vocês demoraram! Andem logo!"
Cruzando o corredor que levava ao Salão Principal, Remus se deparou com a menina de pele oliva e olhos verdes da tonalidade da grama queimada, que atendia pelo nome de Dorcas e o menino que usava batom em um tom de cereja, que atendia pelo nome de Markus McKinnon, cochichando entre risos.
A jovem usava as suas vestes da Sonserina e o garoto, as roupas femininas da Grifinória.
O sapo grande que McKinnon segurava junto ao peito coaxou quando Remus, Sirius, James e Peter passaram perto dele.
"Que inferno! Eu já vou, Gerald Thompson! Quanto estrelismo para querer se exibir! Eu tô conversando..." _ argumentou McKinnon, erguendo o sapo verde no ar para encará-lo, antes que o animal coaxasse com mais vigor.
Um mal-humorado Filch fitou os dois alunos, falando com azedume:
"Por que McKinnon está vestindo o uniforme das meninas? Falei que devia parar de fazer isso no ano passado!"
"A Professora McGonagall disse que posso usar o que quiser. Gosto mais deste uniforme aqui!"
Filch crispou os lábios.
"Pois sim... O coral vai começar. Vão já lá pra frente! Não quero ninguém no corredor!"
Dorcas girou os olhos nas órbitas e, colocando a mão nos ombros de McKinnon, empurrou-o até o Salão Principal iluminado por seu céu enfeitiçado. Os dois estudantes seguiram para um grupo de alunos que se organizava em três fileiras de pé diante das mesas.
Sirius se deteve um instante, antes de adentrar o Grande Salão, parando próximo à porta. E, com uma elegância que o acompanhava em cada gesto, ele esticou o seu braço em direção a Remus, tocando em sua franja.
Lupin permaneceu observando Sirius por mais tempo do que podia perceber, mesmo quando o rapaz de cabelos compridos afastou a sua mão.
"Tinha algo no seu cabelo. Acho que era uma folha..."
Remus encostou naquele pedaço de si que os dedos de Sirius alcançaram e se sentiu ligeiramente inquieto. Por que ainda sentia o outro garoto lhe tocando?
Os meninos foram conduzidos à mesa em que os seus lugares permaneciam vazios e foram aplaudidos como os últimos alunos que faltavam chegar e foi, diga-se assim por dizer, um pouco constrangedor ver tantos veteranos famintos, olhando, após uma viagem longa, para os seus pratos vazios sem nenhum tira-gosto enquanto eram obrigados a esperar quatro pirralhos atrasados.
Severus Snape não os aplaudiu e ao invés disso, crispou os lábios, sacudindo o rosto com um gesto de censura.
O coral, então, começou a cantar, sendo apressado pelo maestro, um professor miudinho que parecia ansioso pelo cronograma derrocado e movia os braços, estabelecendo o compasso com a sua batuta e com a mão vazia.
A menina chamada Dorcas se mantinha no centro da terceira fileira, elevando a sua voz um pouco mais alto do que os outros alunos e ela era, tipo, maravilhosamente afinada e a sua voz, que alcançava tons inimagináveis, envolveu o Salão em um calor acolhedor.
Os veteranos pareceram esquecer, momentaneamente, dos roncos em sua barriga e apreciaram a voz da sonserina que entoava a canção de um anjo com a naturalidade de alguém que respira ou boceja.
Ao mesmo tempo, o grupo de alunos que conduzia o coaxar de seus sapos cantores, tinha McKinnon, que meneava o rosto sorridente enquanto fazia o backing vocal, acompanhando os movimentos do anfíbio, que, por sua vez, parecia ter o momento de sua vida no instante da apresentação.
O grupo dos corvos era a parte do coral composta por bruxos que tinham a ave empoleirada sobre o ombro esquerdo, entoando o seu crocitar nos hiatos silenciosos dos sapos.
No fim da apresentação, todos aplaudiram, efusivamente, o coral e Edgar Bones, o menino ruivo que Remus vira no trem, produzia com a sua varinha o ruído de plateia batendo palmas que se estendeu, mesmo quando os alunos do coral retomaram os seus lugares em suas respectivas mesas. Ele ainda assoviou, antes de se calar finalmente.
"Certo, senhor Bones. Podemos encerrar agora?" _ determinou uma professora de olhar austero que segurava uma lista numa mão e um chapéu envelhecido, na outra.
Durante as palavras de boas-vindas proferidas pelo Professor Dumbledore, Remus se manteve distraidamente fitando Sirius Black, que cochichava algo com James Potter, esboçando um sorriso.
O olhar de Lupin se estendeu também quando começou o processo dos alunos serem designados para as suas respectivas Casas, após o Chapéu Seletor conduzir o seu espetáculo, cantando fatos passados e expectativas futuras.
Era muito solene, de fato, o procedimento de escolha das Casas, mas toda a burocracia não facilitava a ansiedade dos alunos do primeiro ano que pareciam pálidos e doentios, diante de um precipício que pareciam ter que pular. Remus, no entanto, alternava os seus pensamentos entre o precipício e Sirius Black.
"Por que você tá me olhando?" _ indagou Sirius, sem meandros, cruzando o seu olhar com o de Remus em um determinado momento.
"Nada..." _ respondeu o menino, ruborizando um pouco ao sacudir o seu rosto com nervosismo.
Contudo, passados alguns minutos, Remus voltou a encarar Sirius e esse era o constrangimento de se interessar por alguém porque os olhos não pareciam pertencer mais a pessoa, mas ao outro que prosseguia se movendo como se o mundo continuasse o mesmo.
Lupin pestanejou quando Sirius o flagrou olhando mais uma vez e chegou a abaixar o rosto para evitar ser surpreendido novamente.
Então, Sirius foi chamado por seu sobrenome na ordem alfabética ansiosa e, quando ele se colocou de pé, subitamente, uma área da mesa da Sonserina se embotou em silêncio, assim como o canto que Black ocupara há pouco.
O menino alto, com os seus cabelos compridos no meio das costas, moveu-se, arrastando a sua existência até aquela extremidade do Salão Principal para onde era chamado. Fosse impressão de Remus ou não, o menino julgou ver algumas meninas do segundo ano da Lufa-Lufa sorrirem para Black e cochicharem algo entre risinhos, observando o rapaz bonito do primeiro ano.
E, quando Sirius se sentou naquele banco distante com o chapéu esfarrapado sobre a sua cabeça, Remus se sentiu um pouco nervoso por pensar em si mesmo passando por aquele teste. E se flagrou desejando que, por um golpe de sorte, ele, Sirius, James e Pettigrew pudessem ir para a mesma Casa. Pudessem se conhecer melhor. Aprofundar aquela amizade. Compartilhar experiências. Enfim, ser alguma coisa uns para os outros.
Passado um minuto, Sirius tinha ainda o Chapéu Seletor sobre a sua cabeça, estabelecendo tensões. Aparentemente, o Chapéu e ele argumentavam por meio de pensamentos que somente Black podia escutar. A Professora McGonagall crispou os seus lábios, trocando um olhar breve com o Professor Dumbledore, antes de mais um minuto transcorrer e o Salão Principal parecer prender a sua respiração.
(cut)
Naquela noite, Remus sentiu um alívio profundo, após experimentar as suas entranhas afundarem várias vezes no decorrer do dia e se embaraçar um pouco sozinho, desenvolvendo tensões.
Durante a seleção das Casas, o menino de cabelos castanhos, num gesto nervoso, se ergueu por engano quando achou que chamaram o seu nome.
James e Pettigrew, na ocasião, se viraram para ele e Sirius, sentado na mesa da Grifinória, próximo à Lily Evans e Raven Fraser, contraiu os lábios como se prendesse um riso.
"A professora chamou Luckham. Você vai furar a frente do cara?" _ indagou Pettigrew, sorrindo e revelando os seus dentes incisivos um pouco grandes.
"Não..." _ declarou Remus, voltando a se sentar e abaixando a sua cabeça, torcendo para que ninguém mais o notasse.
Seu olhar cruzou, então, com o de Sirius que movia a sua cabeça com uma expressão divertida e muito mais suave do que Remus vira durante a noite inteira. A sua pouca idade parecia, finalmente, se revelar nas suas expressões delicadas e fisionomia bonita. Seus olhos cinzentos se moviam por trás da franja mal cortada e ele aplaudia com entusiasmo cada aluno que era trazido para a mesa da Grifinória.
Lupin se questionava se a mudança de humor de Black fora ocasionada pela decisão do Chapéu Seletor em mandá-lo para uma Casa diferente da Casa de seus familiares.
Os sonserinos também, ocasionalmente, espreitavam Sirius e cochichavam algo entre si. Entre eles, havia dois rapazes com cabelo cor de palha idênticos, que deveriam ser do segundo ou do terceiro ano, sentados ao lado de uma menina de cabelos lisos escuros do primeiro ano, que se chamava Emily Davies e que permanecera algum tempo com o Chapéu Seletor em sua cabeça, antes de ser encaminhada para a Sonserina.
Não muito distante, estava sentada Bellatrix Black e ela interagia com o rapaz de cabelos loiros e rabo de cavalo, que, no Expresso, provocara os alunos. Remus tremeu um pouco a sua pálpebra quando viu a jovem simular um corte em sua garganta com a varinha, movendo a cabeça em direção a Sirius.
"REMUS JOHN LUPIN!" _ falou a voz enérgica da Professora McGonagall como se o chamasse pela terceira vez porque, tipo, ela estava realmente o chamando pela maldita terceira vez.
O menino de cabelos castanhos, pulando fora da sua distração e de seus pensamentos, se levantou atabalhoadamente diante do sorriso de James e de Pettigrew.
"Eu!" _ gritou Remus, correndo até o banco e vendo Sirius o observar atentamente enquanto alguns alunos riam e o Chapéu Seletor era colocado em sua cabeça.
Não demorou muito para o artefato mágico puído adentrar os pensamentos de Lupin e murmurar com a voz de um sábio rouco mais consciente do que muitas criaturas vivas:
"Bem, bem... Aqui temos Remus John Lupin, filho de Lyall Lupin e Hope Howell. Ainda lembro de quando mandei o seu pai inseguro para ser cuidado por Gryffindor e a sua mãe sagaz, para Ravenclaw. Talvez, eu pudesse repetir o meu feito e mandar o filho único deles para uma dessas Casas. Existe inteligência e observação nessa mente perspicaz, sem dúvida. Você poderia ser feliz na Corvinal e isso deixaria o menino em você muito orgulhoso. Mas existe algo mais dentro de você, meu rapaz. Existe astúcia e violência, senhor Lupin. Sim, de fato! Escuridão e sonsidade. Eu poderia mandá-lo para a Sonserina. O lobo no seu coração ia se sentir livre no modo como Slytherin lida com as coisas..."
Remus prendeu a respiração e se flagrou apertando o tecido da capa do seu uniforme com força, como se alguém houvesse lhe dado uma bofetada e estivesse prestes a arrancá-lo do banco.
Não fazia muito tempo, na sua última visita ao St. Mungus, o menino fora informado pelos medibruxos que ser um lobisomem implicava em carregar uma criatura das trevas dentro de si durante toda a vida. Implicava nas coisas se tornarem piores na adolescência, quando a licantropia criasse raízes no seu hospedeiro e fosse assimilada pelo psicológico, coração e instintos humanos. Fosse pelo lobo emergir naquela parte do cérebro de Remus, analisada pelo Chapéu Seletor, fosse pelo artefato mágico imergir em seu íntimo como um punhal adentrando dolorosamente a carne, as sombras de Lupin foram percebidas.
"Eu não seria feliz na Sonserina..." _ argumentou Remus em seus pensamentos com uma assertividade rara.
"Não hoje, talvez, mas quando o lobo em você crescer e procurar as trevas, poderá se entediar com as ravinas e os corvos..." _ redarguiu o Chapéu com uma voz profunda _ "Mas, de fato, o garoto em você poderia ter momentos difíceis na Sonserina. Como satisfazer, então, essa tensão em você, meu jovem, que é um lobo e um garoto ao mesmo tempo? Como agradar ao senso predatório do lobo e à natureza gentil do menino?"
Remus pestanejou, vagamente consciente de que todos o observavam e sabendo que a sua seleção não era breve como a de alguns alunos, mas sim, argumentativa e minuciosa como era a das crianças não tão óbvias. Ele gostaria, no entanto, de ser óbvio nesse momento. E banal.
O artefato mágico consciente lhe apontava verdades indigestas demais e, embalado pelo cheiro de incenso e do fogo que queimava nas tochas do Salão Principal, Remus sentiu como se o Chapéu Seletor entrasse mais fundo em seu universo.
"Acho que já sei o que posso fazer com você. Não tanto o intelecto e nem tanto o ego. É preciso cuidar do seu coração primeiro, meu jovem. Vou mandar você para uma Casa em que poderá transmutar racionalidade e brutalidade em coragem. Lá, a sua força será apreciada e qualquer vislumbre de estoicismo será completamente pulverizado como fumaça. E isso é bom. Porque isso, talvez, o ajude a crescer, Remus John Lupin. GRIFINÓRIA!"
Uma explosão de palmas foi ouvida e o menino se manteve ainda um pouco aturdido, antes de ter o Chapéu retirado de sua cabeça pela Professora McGonagall e ouvir os ruídos, misturados àquele feitiço produzido pelas varinhas dos veteranos que entoavam um rugido de leão que preenchia todo o recinto, fazendo todos acreditarem, por um segundo, que, a qualquer momento, o grande felino ia pular de debaixo de uma das mesas e estraçalhar a todos.
No brasão das Casas, por magia, o animal também se moveu, arranhando o seu espaço e voltando a se tornar imóvel segundos depois.
No fim, aqueles que se encontravam presentes no Salão Principal só puderam ouvir a decisão pela Grifinória e aquela conversa profunda se manteve somente entre Remus e o Chapéu. A sua surpresa, no entanto, talvez, estivesse estampada em seu rosto ao vivenciar um embate entre Corvinal e Sonserina, que, no fim das contas, declarara a Grifinória, a Casa escolhida.
Despertando dos seus pensamentos, então, Remus caminhou até a mesa da Grifinória e viu dois monitores lhe darem tapinhas nos ombros. Ele se sentou de frente para Sirius que lhe sorria e aquela certeza se fez real. A certeza de que sempre desejara ir para a Casa de Gryffindor.
Remus não se animara tanto com a sugestão da Corvinal como se animara com o veredicto final. A Corvinal era a Casa de sua mãe e ele, naturalmente, sabia que era uma Casa formidável, mas o seu coração disparou acelerado, chegando a doer no peito quando ouviu o rugido de leões, arrepiando a sua nuca. E o menino de cabelos castanhos ocupou, então, o seu lugar na mesa, tanto quanto ocupava um espaço de si mesmo.
Olhando para as suas vestes, Remus constatou que, por meio de magia, a sua gravata escura fora tingida pela tonalidade vermelha e dourada e que em seu peito, o emblema de um leão surgira.
Sirius olhou para Remus diante de si e os dois meninos se encararam por um instante de dez segundos na contagem adulta e a porra de um quatrilhão de horas, na contagem adolescente.
Lupin abriu os seus lábios como se fosse dizer algo, ainda que não soubesse o que poderia dizer até que sentiu o dedo mindinho de Sirius se entrelaçando no seu, antes de falar com a sua voz de menino que começava a mudar:
"Então, no fim das contas, terminamos juntos!"
Quando o dedo de Black se desprendeu do dedo de Lupin, o menino de cabelos castanhos fitou a sua mão pálida com algumas pequenas veias azuladas notórias no dorso enquanto ouvia em algum lugar distante de si, o nome de Claire Macmillan ser chamado e, após alguns segundos, ela ser designada para a Lufa-Lufa enquanto a mesa de Hufflepuff explodia em aplausos e o grunhido do texugo se erguia como um engasgo rouco, preenchendo o Salão Principal.
A seleção seguiu e os assentos na mesa da Grifinória foram ocupados por Peter Pettigrew e James Potter. Julian Parker, a menina de cabelos cor de areia cheios, que estava próxima à Lily Evans no Expresso, e Winona Rivers, uma bruxa baixinha que parecia menor do que as outras crianças, juntaram-se ao grupo, parecendo muito satisfeitas consigo mesmas. As varinhas rugiram alto todas as vezes enquanto os leões ocupavam as charnecas.
No fim da noite, Lupin se encontrava feliz por ser selecionado pela Grifinória juntamente com Sirius, James e Peter. Os quatro foram escalados para dividir o mesmo quarto e, parecendo haverem tirado uma tonelada de sobre os seus ombros, os garotos se mostravam, agora, relaxados e animados.
Olhando pela janela do dormitório que seria o seu quarto de agora em diante, Remus contemplou a lua minguante não ameaçadora no céu noturno. O Professor Dumbledore, os professores e os seus pais haviam se esforçado para criarem os meios para que ele pudesse estudar em Hogwarts, a despeito da sua licantropia.
Lupin estava disposto a ser um excelente aluno e esforçar-se para isso, a fim de retribuir a generosidade de todos; a fim de estruturar aquela magia indômita e temperamental que muitas vezes corria dentro de si, debatendo-se para existir também do lado de fora.
Contudo, ele não podia, de modo algum, permitir que os seus novos três amigos descobrissem o seu maior segredo. O seu ciclo lunar precisava ser conduzido com cautela e as suas ausências precisavam ser embasadas de um modo convincente, a fim de afastar dúvidas e questionamentos.
Era necessário Remus adestrar o lobo que o Chapéu Seletor farejara se debatendo nas paredes de suas instâncias, espreitando a atmosfera ao redor. Era necessário silenciar o lobo.
Remus se afastou da vidraça e se aproximou de sua cama de cortinado.
Nas outras camas próximas, Sirius, James e Peter descansavam, após alojarem as suas coisas sem muito cuidado no novo quarto.
Black e Potter conversaram um pouco, sentados em suas respectivas camas e com um ar travesso, já haviam usado a Capa da Invisibilidade de James para explorarem a Sala Comunal e os corredores da torre.
Os dois grifinórios retornaram quase uma hora depois e a expressão de Sirius permanecia serena, estabelecendo, tacitamente, aquele vínculo com James Potter que perpetuaria ad eternum.
Remus percorreu os olhos brevemente pelos seus novos amigos, não fechando ainda o seu cortinado. Peter adormecia agora, roncando um pouco baixinho em sua cama. James, virado de lado, parecia ler algo enquanto remanchava um pouco para dormir. Os cabelos caíam molhados por sua testa. Sirius ainda estava acordado, olhando para o teto em silêncio com as mãos sob a sua cabeça.
"Boa noite, pessoal!"_ falou o menino de cabelos castanhos, retirando os seus óculos de lentes grossas.
"Boa noite, Remus!"_ respondeu Black e Potter quase em uníssono enquanto Lupin desamarrava o cortinado de sua cama.
James, finalmente, retirou os seus óculos também e mergulhou sob as cobertas, deixando na cabeceira da cama, o livro letivo de Defesa contra as Artes das Trevas que folheava. A luz do quarto se apagou por magia.
Remus mirou, então, na penumbra, pela abertura do cortinado, os contornos da face de Sirius que piscava vez ou outra para o teto. Os fios negros de sua franja mal cortada caíam-lhe pelo rosto. Sua cabeça estava apoiada sobre o braço esquerdo. Sirius, por um instinto natural, percebendo o insistente olhar, virou o seu rosto para encarar o outro menino.
"O que você tá olhando, Remus...?"
Remus corou violentamente e ficou satisfeito pelo quarto não estar muito claro e Sirius não poder ver, como um acúmulo do dia inteiro, a vergonha crescendo em seu rosto pálido novamente.
"Er...Eu tô pensando...que foi muito bom ficarmos na mesma Casa..."
"Para de ficar me olhando, Remus, porque eu quero dormir. Não consigo dormir com ninguém me olhando..."_ respondeu Sirius, voltando a encarar o teto.
Remus corou um pouco mais e abaixou o seu olhar cor de âmbar.
Vez ou outra, no entanto, ele encarava o amigo com cautela o suficiente para não o deixar perceber e, no fim, o menino se sentiu mal por parecer demasiadamente apegado à imagem de Sirius.
Pensando bem, Black estabelecera aquele poder sutil sobre Remus desde a primeira vez que se encontraram e, com onze anos, comportar dentro de si aquele estremecer, aquele caos, aquele impacto era demasiadamente difícil.
Sirius seria o amor de Remus por toda a sua vida. E se o menino de cabelos castanhos alcançasse aquela certeza naquela noite, talvez fosse embora assustado de volta para Londres no primeiro trem que partisse de Hogsmeade.
Porque o amor não consistia em almas-gêmeas que se marcam a esmo e são determinadas por razões lógicas (ou ilógicas), fazendo sentido num fio de palavras argumentativas.
O amor ali se tratava de duas pessoas que cresceriam infinitamente em direções muito pessoais e indefinidas e que aprenderiam a enxergar o outro com uma generosidade compassiva. Às vezes, no processo de amar, haveria dor e lágrimas. Em outros momentos, haveria paixão e arrebatamento. Também, haveria tudo isso junto.
O amor, no fim das contas, era para os corajosos.
Remus fechou, finalmente, o cortinado de sua cama e, num hábito que adquirira recentemente sem dar muita atenção, ele deslizou a língua por seu canino pontudo e ligeiramente torto com uma sensualidade que ultrapassava a sua meninice.
Erotizando aquele espaço emparedado por um cortinado e tendo os seus olhos amarelos se tornando um pouco mais brilhantes, o garoto sentiu um arrepio em sua espinha como se dedos deslizassem por suas costas nuas sinuosamente.
O lobo em Remus espreitava também Sirius Black e acenava para a sua escuridão, para a sombra Black nele em um gesto descuidado e provocativo, antes de voltar a dormir em sua hibernação até a lua cheia. Com a sua natureza indômita, a criatura das trevas não deixaria de contemplar aquele mundo novo através das pupilas do menino e desejar tudo o que pudesse reivindicar.
Então, na equação dos afetos, é preciso se lembrar de que haveria o lobo em Remus que, não raras vezes, seria parte do amor lascivo e do conflito entre Lupin e Black.
O lobo também espreitara James. Havia um abismo escuro em James Potter. E esse abismo era sedutor e profundo. Nele, Remus e o lobo também se refestelariam.
Remus, pestanejando com o sono e voltando a ser um garoto de onze anos, mergulhou, então, nos seus próprios sonhos e no seu próprio mundo, que, rapidamente, esqueceu-se de como era configurado antes de conhecer os seus melhores amigos.
Os seus corajosos amigos.
Os seus amados amigos. Os seus Marotos.
Seus.
