OS MAROTOS: O LIVRO DAS SOMBRAS
CAPÍTULO 4
A FESTA DOS INTERCAMBISTAS
'What's your name? (What's your name?)
Who's your daddy? (Who's your daddy?)
(He rich) is he rich like me?
Has he taken (has he taken)
Any time (any time)
(To show) to show you what you need to live?'
(Time of the Season – Zombies)
No fim da tarde, no dormitório, Remus estreitou o olhar quando viu o seu feitiço diminuir o inchaço do nariz de Sirius e do lábio partido de James. Os dois garotos não haviam aparecido na aula de História da Magia, nem durante o almoço no Salão Principal e nem mesmo na aula vespertina de Herbologia.
Quando, deixando as estufas, Remus ouviu os boatos de que Carter e Tyrone estavam na enfermaria e de que Black e Potter haviam sido suspensos por má conduta, o rapaz de cabelos castanhos seguiu para o dormitório e os encontrou com hematomas no rosto.
Lupin se antecipou em utilizar a sua varinha com os feitiços de cura que conhecia. Não raras vezes, Black e Potter acabavam machucados, fosse pelos treinos de Quadribol, fosse por se meterem em brigas desde o primeiro ano e, como consequência, Remus aperfeiçoara os seus feitiços medicinais, observando Madame Pomfrey executá-los.
Remus era muito inteligente, todos diziam. Isso tornava a vida do grifinório mais fácil, excetuando as vezes em que a sua mente virava um trasgo e o alimento favorito dela era, surpresa, ele mesmo!
"Ainda acho que deveriam dar uma passada na ala hospitalar..." — comentou Remus, guardando a varinha dentro das suas vestes.
"Carter e Tyrone quase não acertaram a gente e o que você fez já tá de bom tamanho. Valeu, lobinho..." — agradeceu, Sirius, apalpando o seu rosto que não estava mais inchado ou dolorido.
James, após ter erguido a camisa para Remus aliviar com feitiços a dor de um soco na costela que levara de Tyrone, jogou-se em sua cama, resmungando:
"Só é injusto termos sido suspensos das aulas de hoje e termos recebido uma Detenção por partirmos pra cima daqueles dois cuzões! McGonagall e Slughorn falaram um monte!"
Violência física era uma infração grave em Hogwarts e o corpo docente pesava a mão das punições em comum acordo, cavando arrependimento no coração dos alunos por conta das chapuletadas.
Mas os corações de Sirius e de James eram um caldeirão furado vasando culpa.
Remus ajeitou os óculos sobre o nariz, se sentando na beirada da cama de James.
"Eu copiei a matéria toda da aula de hoje e posso repassar o conteúdo pra vocês. É o mínimo que posso fazer por terem brigado por minha causa..."
Sirius, que se afastava do parapeito da janela, jogou-se também na cama de Potter, parecendo um cachorro quando vê os donos se aninharem confortavelmente em algum lugar. Em seguida, ele se espreguiçou, antes de apoiar as mãos sob a cabeça.
"Bom, pelo menos pude dar uma cochilada de tarde. História da Magia não é a minha matéria favorita e estou bem em Herbologia. Então..."
Remus observou os dois amigos deitados lado a lado e viu James esticar a mão, tomando o pulso de Sirius para consultar a hora.
"Só é ruim ter que cumprir Detenção hoje, depois do jantar."
Lupin, observando ainda os dois amigos, indagou:
"Por que vocês brigaram com aqueles dois afinal? Eles falaram algo sobre o fato de eu ser mestiço?"
Sirius trocou um olhar tácito com James, antes de pigarrear e responder sem jeito:
"É, foi..."
Remus sacudiu a cabeça, envolvendo os joelhos com os braços.
"Eles sempre falaram essas baixarias. Desde o primeiro ano. Não quero que briguem com eles mais por minha causa, tudo bem?"
Um novo olhar tácito foi trocado entre Black e Potter, antes dos dois concordarem de um modo um tanto vago.
Por alguma razão, os dois grifinórios não se sentiam à vontade em reproduzirem as palavras ditas por Carter e por Tyrone sobre Lupin no banheiro.
Sinceramente, não era a primeira vez que aquele tipo de comentário ao redor de Remus chegava aos ouvidos de Sirius e de James. No primeiro ano, os dois garotos souberam, por meio de Pettigrew, sobre uma confusão no vestiário durante o aquecimento da aula de voo, envolvendo Lupin. Black vira também, certa vez, alguns terceiranistas intimidando o amigo de cabelos castanhos na biblioteca e tecendo comentários sobre a sua sexualidade.
Nessas ocasiões, apesar de Sirius e de James sempre defenderem Lupin, os dois grifinórios nunca haviam conversado claramente com o amigo sobre aquele tópico específico ou sobre as preferências de Remus. Nem mesmo entre si, o que era bem atípico, visto que a amizade desenvolvida por Black e Potter se apresentava direta o suficiente para os dois falarem sobre qualquer coisa.
Lupin sorriu, cruzando os braços e descruzando. Era a primeira vez no dia que o seu olhar se apresentava sereno. Parecendo deliberar se aproximava-se dos dois amigos ou não, ele resolveu encurtar a distância no fim das contas, deitando-se entre os dois.
"...Obrigado de qualquer modo..." — falou Remus, dando um beijo muito rápido na face de um e de outro garoto, antes de levar as mãos ao rosto, que se tornava muito vermelho.
Sirius apalpou o seu rosto instintivamente, parecendo ter um tom rosado subindo por suas bochechas e permaneceu tão distraído por aquela doçura de Lupin que se revelava, muitas vezes, imprevisível, que demorou para perceber James beijando o topo da cabeça do rapaz de cabelos castanhos e desarrumando a sua franja de um modo carinhoso.
"Não precisa ficar com vergonha, Remus. Você beijava o nosso rosto, não faz muito tempo, antes de entrarmos numa partida de Quadribol." — disse James.
Remus ainda tinha as mãos cobrindo as faces quando falou:
"É, mas as coisas agora são diferentes..."
"Diferentes como?"
"Sei lá... Diferentes..." — falou Lupin, dando de ombros.
Sirius se sentou na cama, cruzando os braços antes de indagar um pouco sem jeito:
"O fato de ser diferente tem a ver com o fato de você estar gostando de alguém?"
Remus retirou a mão do rosto, voltando a colocar os óculos em sua vista. As suas faces pálidas estavam, de fato, muito vermelhas.
"Que?"
"É... De manhã, você falou como se estivesse gostando de alguém. Todo aquele papo de querer que, se acontecesse algo entre você e uma determinada pessoa, ficasse só entre vocês dois... Sei lá... Fez parecer que você estava gostando de alguém... Ou saindo com alguém..." — a voz de Sirius saía falha, acusadora e insegura como a de um menino com medo. Seu olhar nervoso alcançou, brevemente, James.
Remus endireitou os óculos, não por precisar, mas por seu hábito de fazer aquilo.
"Sirius, eu divido o dormitório com vocês dois e com Pettigrew. Se eu estivesse vendo alguém, acha mesmo que eu conseguiria esconder isso de vocês?"
"Sei lá, você é todo misterioso, Remus! Nem sempre eu consigo te prever ou te entender! E você nunca conta nada pra gente! Você nunca comentou se tá a fim de alguém da Escola ou se já ficou a fim de alguém... Ou se já deu recentemente uns pegas em alguém..."
O garoto de cabelos castanhos respirou fundo, afastando-se:
"Sirius, para algumas pessoas não é tão fácil falar de sentimentos... Sei lá, falar de amor é difícil pra mim..."
Sirius se deteve e o seu olhar nervoso alcançou James com tanta profundidade que o rapaz de cabelos rebeldes quase perguntou ao amigo se ele havia perdido algo em seu rosto. Em seguida, Black respirou fundo e repuxou os cabelos negros para trás com um gesto delicado.
"Eu não tô falando de amor, Remus... Tô falando em pegar alguém e se divertir..."
Remus meneou o seu rosto, um pouco nervoso. Engolindo em seco, ele disse:
"Pegar alguém e me divertir não é bem a minha visão sobre ficar com alguém. Sei lá, você conhece os meus pais, Black. Eles se conheceram na Escola; dançaram juntos no baile de formatura; se casaram e até hoje, parecem namorados quando dançam na sala de estar com o rosto colado, ouvindo música na vitrola tarde da noite. Sei que você pode achar tudo isso uma babaquice, mas, talvez, eu ache isso... legal?"
Sirius moveu o seu olhar selvagem com impaciência. Cruzou e descruzou os braços:
"E você, Remus, apesar de não ter tido o desprazer de conhecer os Blacks, sabe que meus pais se detestam e que Orion trai Walburga Helléne Black desde que me entendo por gente e ela também o trai. Já ouvi os dois dizerem coisas um para o outro de gelar o coração e eles só se casaram por causa da porra de um título de sangue puro. Então, desculpa, Remus, mas pegar alguém e me divertir sem expectativas, é bom o suficiente pra mim..."
Um silêncio desconfortável se fez presente e James tinha uma expressão muito séria. Remus, com os olhos úmidos, falou então:
"Você não é os seus pais, Sirius!"
Black respirou fundo, movendo a sua mão no ar, parecendo não saber o que fazer com ela.
"Mas ficar tranquilo e dar uns pegas em alguém é só o que estou disposto a fazer... Não acredito nesse amor todo e se ele existir, não é pra mim."
"Mas você já teve várias namoradas, Sirius..."
"E nem sempre fui uma boa companhia pra elas, pelo que pode ter percebido pelos meus términos..."
Remus baixou o olhar e um Sinto muito chegou a se formular em sua garganta, mas, por alguma razão, guardou-o só para si, estrangulando-o. De certa forma, aquelas situações lhe relembravam porque deveria embotar os seus sentimentos e esperar que o tempo os curasse.
Sirius já tivera inúmeras namoradas, mas parecia estagnado naquela sua visão dura e áspera dos afetos. O amor, para ele, se mantinha como algo idealizado, supervalorizado e distante. Quase um país longínquo que ele afirmava não ter vontade nenhuma de conhecer. E se ele não estava disposto a conhecer o país estrangeiro que Remus habitava, isso só tornava mais clara a incompatibilidade entre os dois.
O rapaz de cabelos castanhos declarou, então, tentando mudar o rumo da conversa porque observava aquele ar melancólico alcançar Black e sentia o desânimo afetar a si mesmo.
"É claro que eu tenho curiosidade em saber como é beijar e tal... Mas se ninguém me roubar um beijo, acho que vou demorar pra saber como é. Quero dizer... Ninguém quer nada comigo..." — e o rapaz de cabelos castanhos, ruborizando um pouco, acrescentou — "E acho que sou tímido demais pra fazer algo muito ousado com alguém que eu não goste pelo menos... bastante? Sei lá, sexo só por fazer me parece estranho..."
James se apoiou no seu cotovelo e falou:
"Bom, eu nunca fui além das mãos e acho que estamos no mesmo barco... Porque eu também fico inseguro pra cacete em fazer mais do que isso, apesar da Estivalet ter usado a boca em mim..."
Sirius se manteve em silêncio e o rapaz de cabelos castanhos deduziu que Black já se lançara em alto mar, não dependendo de boias ou salva-vidas para se afastar do barco no qual Lupin e Potter ainda navegavam. Possivelmente, ele executava um nado sincronizado nas águas profundas, feito um sereiano hábil.
"Você tem mais experiência, James. Eu, por outro lado, não, mas tenho curiosidade, claro!" — comentou Remus com o rosto matizado de vermelho.
Sirius, vendo a interação entre os dois amigos, interveio, dizendo:
"Você também deve ter experiência, Remus. Quero dizer, você é todo certinho e tal, mas deve se..." — Black fez um gesto alusivo com a mão fechada, movendo-a para cima e para baixo que foi, imediatamente, entendido por seus amigos.
"Claro, Black!" — respondeu Remus, com azedume— "Mas o que isso tem a ver com experiência com uma outra pessoa?"
James arregalou os olhos e fitou Black, pensando se teria que intervir, calando a sua boca. Black não ia ousar perguntar sobre a sexualidade de Remus, fazendo uma assunção encorajadora de que Remus deveria ser bom punhetando outros garotos por ser, naturalmente, um garoto que se masturbava. Se a sexualidade de Remus se mantinha nebulosa e o grifinório nunca lhes falara nada abertamente a respeito, começar uma conversa daquela forma era, no mínimo, uma bola fora. Felizmente, Sirius pareceu cair em si e sacudiu o rosto, dizendo:
"Não tem nada a ver. Eu não dormi ainda o suficiente e não estou falando coisa com coisa... Desculpa, lobinho..."
O que diabos estava passando pela cabeça de Sirius? Que merda era aquela? O próprio garoto de cabelos compridos não entendia muito bem a sua linha de raciocínio.
Remus bateu com um travesseiro em Black, que, por sua vez, apertava os olhos e quase se desequilibrou de cima da cama. Depois, colocando-se de pé, o rapaz de cabelos castanhos ao ouvir batidinhas na vidraça da janela do dormitório, caminhou até ela.
Lupin não pode perceber um olhar involuntário que os dois amigos lançavam em sua direção, permeado por uma curiosidade projetada que tinha a ver com milhares de outras coisas além de Remus.
Abrindo a vidraça, Remus se deparou com uma coruja-das-torres, que possuía uma carta amarrada em sua pata estendida. No envelope em papel rosado, estava registrado o endereçamento a Sirius. Lupin chamou o amigo então.
Quando Black se aproximou da janela e desprendeu a correspondência da pata da coruja, leu o nome do remetente:
"É da Aileen Marrett..."
Imediatamente, o rosto de Remus se contorceu em uma discreta careta, antes do rapaz de cabelos castanhos se afastar e se ocupar, guardando o material escolar de dentro da sua mochila na escrivaninha.
Alguns pergaminhos escritos com a caligrafia inclinada do grifinório foram reservados para o interior da gaveta com chave e Remus, empurrando mais para o fundo uma carta amarelada que já se encontrava lá dentro, acomodou-os no móvel.
O rapaz de cabelos castanhos girava a chave na fechadura e verificava o puxador da gaveta, certificando-se se o móvel estava mesmo fechado, quando Sirius murmurou, dobrando o pergaminho que lia, guardando-o no envelope e o jogando sobre a sua escrivaninha sem muito cuidado:
"Tenho um encontro hoje à noite depois da Detenção. Aileen disse que Mia Estivalet perguntou por você, Potter, e que ela vai junto se você quiser..."
James esfregou os olhos, se colocando de pé antes de dizer um vago:
"Ok!"
Remus se afastou, então, daquele mundo que envolvia lindas garotas apaixonadas escrevendo cartas para os seus amigos o tempo todo e não esperando mais o horário das refeições ou a presença deles no Salão Principal para bombardeá-los com corujas.
O rapaz, que se sentara na cadeira de sua escrivaninha com alguns pergaminhos em branco e o seu tinteiro diante de si, ergueu o rosto novamente, somente depois quando Pettigrew irrompeu, eufórico, pela porta do dormitório. O grifinório de cabelos claros tinha um grande pacote abraçado contra o peito e gritava:
"Elas chegaram! Elas chegaram!"
"Quem chegou, Pettigrew?" — indagou James diante da empolgação do amigo.
"As camisetas que mandamos fazer! Vamos ver!"
Remus e Sirius se aproximaram da escrivaninha de Peter, vendo-o arredar de qualquer jeito os seus livros e depositar a caixa sobre o tampo do móvel. Abrindo com pressa o papel amarelado remetido por Bob Gotobed e rasgando o lacre, os rapazes se depararam com duas camisas brancas e duas pretas bem dobradas.
Sorrindo, Lupin tomou uma das opções em branco e a colocou sobre os seus ombros até que ergueu o seu olhar para Sirius, que fazia o mesmo movimento com a sua camiseta escura.
Contraindo as sobrancelhas, Remus indagou, confirmando a sua suspeita de que não podia se esperar nada de um bruxo chamado Bob Gotobed que tinha estado preso por fraude e que cobrava o valor antecipado de uma compra, ainda que demorasse tanto tempo para despachá-la.
"O que diabos é Oralders?!"
Sirius, James e Pettigrew checaram o designer das camisetas e, de fato, na frente das peças, vinha escrito em letras garrafais a palavra Oralders em vez de *Marauders. Pettigrew entreabriu a sua boca enquanto o seu sorriso morria um pouco.
"O que?! Mas eu expliquei pra ele que era pra escrever *Marauders e não essa porra de Oralders, seja lá o que essa merda significa!"
Remus viu as letras garrafais se moverem magicamente como se dançassem em um animado O.R.A.L.D.E.R.S.
"... Tá certo que o Bob só fez até o terceiro ano de Hogwarts..."
"O problema dele é com a escrita e não com a magia..." — determinou Remus, sacudindo a cabeça — "A gente pagou 2 galeões por isso?!"
James levara a sua mão ao queixo e observava a cena com algum divertimento. Foi Sirius que desatou numa risada sincera, apertando os olhos.
"Oralder deve ser alguém que é bom com sexo oral! Um boqueteiro... Onde você arrumou esse patife, Pettigrew?"
"Ele é meu vizinho! Eu já disse!" — determinou o rapaz, atirando a sua camisa dentro da caixa de papelão.
"Então, nós quatro mandamos bem nisso?" — indagou James, fazendo um gesto obsceno com a sua mão e com a bochecha.
Pettigrew parecia querer, pela primeira vez desde que aquela trapaça começara, matar Bob Gotobed, que deveria ser Gotojail ou Gotodie.
"Aquele desgraçado vai ver só! Me deem aqui que vou mandar de volta pra ele!"
Sirius sacudiu a cabeça.
"E deixar de aparecer com uma merda dessas na merda de um evento importante?! Não mesmo! A festa de despedida dos intercambistas ainda está de pé com os Oralders."
Uma ova, Black!
Remus mexeu nos seus óculos e ficou feliz por Pettigrew verbalizar o seu pensamento:
"Uma ova, Black!"
"Por que não, Pettigrew?"
"Porque, se você e o James utilizarem essa porra, todo mundo vai achar vocês descolados e à margem da sociedade e blá blá blá. Se eu e o Remus vestirmos essa merda, vamos ser vistos como dois idiotas..."
Pettigrew tinha um ponto. E Remus acrescentou:
"Além do mais, eu nem sei se vou ainda a essa festa..."
"Você tem que ir como representante de turma do quarto ano, lobinho, e a gente vai ficar do seu lado o tempo todo. Sei que não gosta muito de festas!" — declarou Sirius, desabotoando a sua blusa para vestir a camiseta— "E, Pettigrew, um pouco de coragem e de não se importar tanto com o que os outros pensam de você faz parte do lema de um *Marauder!"
"Ou de um Oralder!" — acrescentou James, fazendo Sirius rir— "Além do mais, pagamos por isso. Não vou jogar fora!"
Remus sacudiu a cabeça, guardando a camiseta em seu gaveteiro enquanto achava que aquela era somente uma brincadeira de Black e de Potter.
No entanto, quando, na hora do jantar, o rapaz de cabelos castanhos viu os amigos desfilarem pelo Salão Principal, sendo Oralders e os dois grifinórios foram cumprir Detenção, trajando as suas camisetas com letras garrafais com um O boqueteiro ululante, Remus compreendeu que eles estavam falando sério.
(cut)
No sábado, após o almoço, Remus seguiu para a biblioteca a fim de concluir a sua pesquisa de Poções.
Ele viu Severus Snape na seção de Defesa contra as Artes das Trevas, lendo um livro com a lombada da grossura de uma mão espalmada. Os olhares dos dois garotos se encontraram e o rapaz de cabelos castanhos cumprimentou o sonserino, antes de ir se sentar em uma das mesas próximas à janela, escrevendo em seus pergaminhos o maior número de informações que conseguiu obter sobre o preparo da Poção Rejuvenescedora e da Poção do Morto-Vivo.
Quando Remus retornou para o dormitório, fazendo questão de passar pelo Salão Principal no caminho, ele viu o recinto ser decorado com balões coloridos e serpentinas.
O cheiro delicioso de comida preenchia o salão e havia uma mesa de ponches com as cores das Casas de Hogwarts. A vitrola da Escola estava posicionada próxima à mesa dos professores com a sua agulha erguida no ar.
A festa de despedida dos intercambistas sempre começava com um jantar formal precedido dos discursos dos alunos que voltariam para os seus respetivos países; das palavras dos diretores das Casas e, por último, de Dumbledore.
Depois, os professores, tacitamente, se retiravam, deixando os estudantes a sós para uma comemoração juvenil, sobre a qual concordavam que, vez ou outra, era indispensável para a manutenção da ordem escolar.
Afinal de contas, manter um número considerável de adolescentes com magia e hormônios a mil por quase um ano inteiro enfurnados dentro de uma Escola tradicional, envolvia uma boa dose de diplomacia e de negociação dos professores para todos se manterem focados durante as aulas e não explodirem.
Então, os professores proporcionavam aquelas comemorações saudavelmente administradas com a ajuda de alguns monitores fazendo rondas nos corredores e nos banheiros (quando eles mesmos não sucumbiam aos próprios hormônios e magia); Filch inspecionando os gramados para que nenhum aluno tirasse a roupa e pulasse dento do Lago Negro e os fantasmas flutuando diante das entradas das Casas para ninguém afoito escapulir para o dormitório de alguém compassivo. Era uma boa logística, excetuando-se o fato de que os alunos não precisavam de corredores, banheiros ou camas para serem criativos na hora de serem jovens e impulsivos.
Quando Remus chegou ao dormitório da torre da Grifinória, foi avisado por Pettigrew que Sirius e James haviam descido para o treino de Quadribol para o próximo jogo da Grifinória contra a Corvinal e que os dois encontrariam os amigos no Salão Principal, durante o jantar.
Pettigrew já estava pronto para a celebração de despedida dos intercambistas, sentado em sua cama com as pernas esticadas, folheando uma revista de Quadribol. A sua camisa de Oralder estava corajosamente vestida sob uma jaqueta escura. Havia um pouco de gel, repuxando o cabelo claro do rapaz para trás.
Lupin, então, demorou-se no banho e, sem acreditar em si mesmo, vestiu aquela camiseta ridícula escrita Oralders.
Olhando-se no espelho, Remus viu as marcas de arranhões e dentes em seus braços, em decorrência de seu último ciclo lupino que não estavam tão ruins como estavam em sua barriga, ombros e tórax e, talvez, fizesse todos acreditarem que ele só se atracara com algum animal fantástico, feito um Newt Scamander da sua geração e não que se tornava um lobisomem ansioso por matar alguns.
O rapaz amarrou, então, o casaco de zíper na cintura e se observou criticamente, desde a franja de fios castanho-claros caindo por seu rosto até os jeans e os tênis brancos. Remus mexeu em seus óculos de armação pesada e se achou o rapaz mais desinteressante e sem graça de toda Hogwarts.
Poção de autoestima solidária que é bom, bruxo nenhum inventava.
Quando Remus e Pettigrew atravessaram a entrada do quadro da Mulher Gorda, Julian Parker, que passou por eles, cumprimentando-os, inclinou um pouco a cabeça, tentando ler a palavra escrita em suas camisas. O mesmo se repetiu com outros alunos que passaram por eles até os dois amigos alcançarem o Salão Principal.
Chegando lá, Remus avistou Sirius e James sentados ao lado dos jogadores do time de Quadribol da Grifinória e os dois tomavam uma garrafinha de cerveja amanteigada.
Ambos os garotos pareciam animados, discutindo sobre estratégias do esporte bruxo com os colegas e se mantiveram conversando sobre alguma outra coisa quando alguns alunos do sétimo ano se incluíram na conversa. Depois, chegaram algumas garotas e, rapidamente, elas também começaram a interagir com o grupo.
"Er... Eu vou lá dar um oi pra todo mundo..." — falou Pettigrew.
Remus ponderou. Deveria ir junto? Dar um oi para pessoas que não sabiam nem quem ele era quando Black e Potter estavam naquele estado de popularidade, brilhando, irradiando fascínio e não precisavam das lembranças de infância, beijos de brincadeira e conversas de dormitório porque estavam sendo bajulados, beijando de verdade e ouvindo histórias realmente interessantes.
"Eu vou... er... beber alguma coisa. Nos vemos depois..." — despediu-se Remus, seguindo para a mesa da Grifinória.
Remus se serviu de cerveja amanteigada e se pôs a conversar com Raven Fraser, sua colega de ano e Casa, sobre intercâmbios e ementas dos cursos de outras Escolas bruxas.
A menina lhe revelava um sonho antigo de cursar o sexto ano em Beauxbatons e permanecer um ano residindo na França, aperfeiçoando os seus conhecimentos e feitiços.
O rapaz de cabelos castanhos observou Lily Evans se sentar num lugar um pouco afastado, conversando com Rebbecca Liljeberg, da Corvinal, e o monitor do sexto ano bonito em quem Remus derramara suco na quarta-feira.
Depois, Julian Parker se juntou a eles, assim como um pessoal das turmas mais avançadas. O monitor corvinense olhou em direção a Lupin e o rapaz de cabelos castanhos sorriu meio sem jeito, antes do outro responder ao sorriso.
"Você, a Evans, a Parker e a Rivers não andam mais juntas?" — indagou Remus, acompanhando o olhar tristonho de Raven.
A grifinória baixou o seu rosto e se serviu de uns pãezinhos com azeite e alecrim muito gostosos que foram oferecidos como aperitivos, falando com uma voz um tanto chateada:
"A gente ainda divide o dormitório e tal, mas... acho que a Lily e a Julian preferem a companhia dos novos amigos..."
Remus assentiu com o seu olhar cor de âmbar e cumprimentou a pequena Winona Rivers quando ela se sentou ao lado de Raven Fraser, servindo-se de suco de laranja, após olhar brevemente na direção do time grifinório de Quadribol.
Remus ponderou que entendia muito bem o que a colega do quarto ano queria dizer.
Não eram raros os momentos em que Lupin se sentia como se sentia agora. E, em sua defesa, nas ocasiões em que ele se forçara a interagir com os novos amigos dos seus velhos amigos, sentia-se, claramente, invisível, com os veteranos trocando o seu nome a cada minuto; falando por cima dele; rindo de coisas que não eram nem um pouco engraçadas e cortando-o toda hora.
E, talvez, pior do que se sentir deslocado, eram somente as tentativas de Sirius e de James de incluí-lo porque só quando os grifinórios falavam de Remus, a sua presença parecia ser notada por um bando de veteranos metidos.
Na defesa dos veteranos, Longbottom e Dayal eram bem legais. Alice Fawley, apesar da personalidade um pouco mais explosiva, podia ser um doce, se as pessoas a soubessem levar. O restante do pessoal do Quadribol era ok. Mas os outros colegas, lamentavelmente, tudo patife.
A Professora McGonagall se aproximou da mesa dos professores, batendo com uma colher de prata em uma taça de cristal, pedindo aos alunos que tomassem os seus lugares e anunciando que o jantar estava prestes a ser servido.
Sirius e James contornaram os assentos da Grifinória e caminharam, com Pettigrew em seus calcanhares, até onde Remus estava sentado, a despeito de algumas garotas puxarem sensualmente os seus braços para que se sentassem próximos a elas feito viscos do diabo querendo apertá-los.
Remus não pode deixar de notar que Fraser e Rivers, sentadas perto, olharam para Black e Potter com algum desconforto e os pares não se cumprimentaram. Aliás, era curioso como, diferentemente das outras Casas, o grupo do quarto ano da Grifinória não era um grupo coeso e unido. Principalmente, porque Sirius e James andavam com os veteranos, assim como Lily Evans e Julian Parker também.
Pettigrew se jogou em uma cadeira, parecendo muito aborrecido ao puxar o zíper da sua jaqueta ruidosamente até quase o pescoço. Sirius e James pareciam um pouco constrangidos.
"Já soube da maior, Remus?! Não dá pra confiar nesses caras..."
Remus ergueu a sua sobrancelha e fitou, brevemente, Black e Potter, que ostentavam sorrisos amarelos.
"O que houve?"
Pettigrew moveu as suas mãos teatralmente, dizendo aborrecido:
"Têm dois Oralders só nessa mesa! E ao lado deles, têm dois traidores! O combinado não era virmos para a festa, vestindo a droga dessa camiseta ridícula?"
Remus observou novamente os seus amigos, que vestiam roupas trouxas legais e sem nenhum O.R.A.L.D.E.R.S com letras coloridas e dançantes, parecendo as vestes de uma criança de cinco anos. Sirius tentou se explicar:
"Desculpa, o Longbottom fez a gente treinar até ainda pouco com o time e acabamos vestindo qualquer coisa que tínhamos no vestiário. Essa camisa do Potter nem é dele! Eu que emprestei!"
"E ele tá ótimo! Nem parece um pervertido..."
De fato, James trajava uma blusa xadrez escura desabotoada até a clavícula, que o vestia muito bem e Sirius usava uma camisa preta lisa de manga comprida que o fazia parecer muito descolado, com os cabelos úmidos presos em um rabo de cavalo.
Remus sacudiu o rosto, lançando um olhar de censura para os dois amigos enquanto desamarrava o seu casaco listrado da cintura e o vestia por sobre a camiseta. Mantendo-se em silêncio, ele se limitou a entortar um pouco o canto da boca, ouvindo a história que lhe era narrada.
"... O pior foram as garotas do quinto ano me perguntando o que diabos significa Oralders! Tipo, elas nunca falam comigo e quando falaram, foi sobre isso!" — Pettigrew apontava para o seu peito, a fim de enfatizar as letras que giravam com magia.
James endireitou os óculos sobre o nariz com o dedo anelar.
"Peter, você não precisava dizer que Oralder significava alguém que era bom com sexo oral. Isso podia ser evitado!"
Pettigrew jogou os seus talheres no prato, aborrecido.
"Mas quando aquelas duas gostosas falaram comigo, foi só no que consegui pensar!"
Remus tinha os braços cruzados, acompanhando a discussão e pensou que, de algum modo, intuía que ele e Pettigrew haviam feito papeis de bobos. Black indagou, então, servindo-se das torradas com alecrim enquanto os intercambistas, que tinham os nomes chamados e estavam vestidos com os uniformes de suas verdadeiras Escolas, caminhavam até a mesa dos professores, alinhando-se diante dela para iniciarem os seus discursos.
"Por que você não se juntou a gente mais cedo, Remus? Alguns veteranos são legais..."
"Porque eu preferi tomar uma cerveja amanteigada aqui com a Raven." — respondeu Remus laconicamente.
Sirius mirou a menina alta, sentada ao lado de Remus, que tinha a sua atenção atraída para Mia Estivalet, que começava o seu discurso, trajando as vestes azuis de Beauxbatons e pontuando as suas frases com um delicado sotaque francês.
"Ah, ok..."
Hogwarts contava com quatro intercambistas naquele ano de 1975: Mia Estivalet da Escola de Magia francesa Beauxbatons, que fora selecionada pela Corvinal; Nicholas Huang e Alejandra González da Escola norte-americana de Ilvermorny, que foram escolhidos pela Lufa-Lufa; e Detlef Hausen, da Escola de Durmstrang, na Escandinávia, que residia na Casa da Sonserina.
Com os seus agradecimentos sinceros, os intercambistas se mostravam satisfeitos com o acolhimento durante o tempo em que permaneceram em Hogwarts e, no término dos seus discursos, foram recebidos com calorosos aplausos. Os diretores das Casas entoaram em suas palavras a importância daqueles laços entre as Escolas de Magia e as diferentes culturas, o que foi ratificado pelo Professor Dumbledore.
Depois, a refeição seguiu como um jantar comum, excetuando-se o fato de o buffet preparado contar com pratos da culinária francesa, norte-americana e alemã.
Remus se serviu de schwarzwälder kirschtorte na sobremesa, que era uma torta alemã de chocolate com cerejas, empolgando-se bastante com o doce que não degustava, desde que estivera em Berlim com os seus pais, anos atrás.
Depois da refeição, muito rapidamente, os professores e diretores bateram em retirada e os monitores, com as suas varinhas, arredaram as mesas das Casas para o canto e alinharam as cadeiras em uma extremidade, mantendo o centro do Salão Principal livre para a festa que se iniciaria.
Remus se ajoelhou próximo aos discos de vinil ao lado da vitrola, conferindo-os porque se havia uma coisa do mundo trouxa que o fascinava era a música e essa incorporava uma magia própria, mostrando-se superior a maioria das músicas bruxas em muitos aspectos.
Graças aos alunos nascidos-trouxa e mestiços abastados (muitos descendentes de condes e duques britânicos), que traziam os seus próprios vinis para a Escola, Hogwarts estava bem servida de música.
Dayal, um veterano que jogava na posição de goleiro do time de Quadribol da Grifinória e era nascido-trouxa, inspecionava também os discos e sorriu para Remus.
"Teremos boa música hoje, hein, Lupin!" — falou o rapaz, sorrindo com o seu rosto moreno e com o seu sotaque indiano enquanto checava também os discos.
Dayal era um dos veteranos simpáticos e que sabiam o nome de Remus. De vez em quando, os dois trocavam ideias sobre matérias e política bruxa.
"Ah, sim..." — assentiu Remus — "Talvez, um pouco de rock seja uma boa pedida pra começar a festa... Hum, Deep Purple?" — deslizou o rapaz, o dedo pela capa do disco com a foto dos integrantes da banda um pouco desfocados.
"Vai em frente! Daqui a pouco, alguém deve trazer algo de Avalon e as coisas vão ferver. Mas, na minha opinião, pode começar a ferver desde já..."
Remus sorriu, mexendo nos seus óculos e bateu a palma na mão estendida de Dayal, antes de posicionar o disco na vitrola e ajustar a agulha do aparelho musical. Rapidamente, o Salão Principal foi tomado por riffs de guitarra pesados, arrastando os alunos para o centro da pista. A namorada de Dayal puxou-o pela mão, saltitando para o meio do salão e os dois alunos começaram a dançar abraçados.
Sirius se aproximou de Remus com uma taça de ponche vermelho na mão, indagando:
"Você assovia de vez em quando essa música no dormitório, lobinho. Qual é o nome dela?"
"Smoke on The Water. Acho que essa música é bem Marauder ou... Oralder..." — respondeu Remus, abrindo um pouco o seu casaco listrado e revelando a sua camiseta.
Sirius assentiu e falou:
"Desculpa realmente por isso. Foi muito corrido o treino hoje e eu me esqueci, mas se se sentir melhor, podemos trocar as nossas camisas..."
Remus observou Black parecendo realmente constrangido por ter quebrado a sua promessa de se vestir com a camiseta igual aos seus amigos. Havia dois Marauders (ou Oralders) no Salão Principal e Sirius e James.
Lupin deu de ombros.
"Tudo bem. Acontece..."
Sirius se sentou no chão, próximo a Remus, observando-o verificar os discos, dedilhando as capas.
"Fico feliz que tenha vindo hoje..." — declarou Sirius, tomando um gole de ponche.
Remus mexeu em seus óculos com o nó de seu indicador dobrado.
"Então, acho que, hoje, vai haver dança, música e aquelas brincadeiras dos veteranos, certo? Acho que posso lidar com isso..."
Sirius contraiu as sobrancelhas, advertindo-o enquanto erguia a sua taça no ar:
"Alguém já entornou whisky de fogo nos ponches. Mas o suco de abóbora está puro... Sei que você não está acostumado a beber..."
"Vou ficar longe dos ponches então... Deve ser por isso que o pessoal já está dançando como se não houvesse amanhã..."
Remus observou a massa de alunos pulando e se contorcendo na pista.
"Você podia arrasar ali!" — declarou Sirius, observando também os seus colegas.
De fato, Remus poderia arrasar na pista porque a sua avó trouxa lecionara dança durante muito tempo em uma escola e ensinara Hope a dançar, e ela, por sua vez, depois, ensinara o filho. Remus, com nove anos, dançara com a sua mãe incrivelmente bem em uma festa bruxa quando estiveram em Viena.
"Você pode arrasar também na pista, Sirius... "— comentou Remus porque ele ensinara Black e Potter a dançarem e era por isso que James rodopiava Mia Estivalet com tanta graça e habilidade pelo Salão.
"Não como você, mas a gente podia tipo... dançar juntos?"
Remus moveu o seu rosto, mexendo em seus óculos. Ele entreabriu a sua boca para dizer algo, mas Black se antecipou em falar:
"...Quero dizer..." — pigarreou Sirius— "Não, juntos, tipo eu e você porque isso, talvez, parecesse estranho, mas juntos, tipo com o Pettigrew e o Potter e... com todo mundo..."
Um silêncio se fez e Remus baixou o seu rosto um pouco triste.
"Por que seria estranho dançarmos só nós dois? Eu dancei com você e com o James no dormitório quando ensinei vocês a dançar..."
Sirius se manteve em silêncio com os cotovelos apoiados em seus joelhos, fitando Remus por mais tempo do que percebia.
Próximos aos dois, Rebbecca Liljeberg, apanhadora do time de Quadribol da Corvinal, e o monitor em que Remus derramara suco, ajoelhavam-se, procurando um vinil da banda bruxa Avalon.
"Sei lá, Remus... Os outros alunos podem maldar a nossa amizade..." — respondeu Black, tomando um gole do seu ponche e tendo um rubor subindo por seu rosto, que Lupin atribuiu ao álcool.
Claro. E Sirius não queria ser tomado daquela forma errada que era a forma correta de Remus ser.
"Claro..." — assentiu Remus, com alguma melancolia passando por seu olhar cabisbaixo.
Nesse momento, Mia Estivalet alcançou os dois grifinórios próximos à vitrola, puxando James e Aileen Marrett pelo braço. A menina já parecia um pouco alterada pelo ponche ou pela excitação em dançar com Potter. Com o seu sotaque francês, ela disparou:
"Ei, Black, não vai dançar com a sua namorada?! É a festa de despedida dos intercambistas! Não é pra ficar conversando com os alunos mais novos!"
James interveio, girando os olhos nas órbitas.
"Remus não é nosso calouro! Ele estuda no mesmo ano meu e do Sirius. Eu já te apresentei a ele, Mia..."
A menina, movendo com desinteresse o seu rosto em direção a Lupin, repuxou o seu cabelo loiro para trás da orelha, dizendo:
"Desculpa, esqueci quem é você..." — e, virando a cabeça em direção a Potter, indagou ao rapaz, erguendo desagradavelmente o seu lábio superior — "Qual é o nome dele mesmo?"
James falou um pouco mais alto com a sua namorada.
"É Remus! Remus John Lupin! E ele é meu amigo. Já te disse mil vezes!"
Remus respirou fundo, observando os olhos castanhos da jovem diante de si, a sua expressão um pouco surpresa quando Potter falou rispidamente com ela e o semblante superior quando a menina voltou a encará-lo.
Fosse por estar ferido pelas palavras de Sirius; fosse por Deep Purple ter um quê de foda-se em sua melodia ou fosse porque Remus era Remus, ele respondeu para a intercambista, inclinando a sua cabeça para trás:
"Não precisa se desculpar. Eu também não sei quem você é..."
Mia pareceu um pouco surpresa, assim como Sirius, James e Aileen Marrett.
"Como não sabe?" — indagou a jovem, apontando para o seu uniforme azul de Beauxbatons — "Eu acabei de fazer um discurso lá na frente..."
"Tem razão!" — disse Remus, se levantando e ajustando os óculos sobre o nariz — "Então, isso deve significar que eu não me importo com quem você seja ou, então, que você não é alguém de quem valha a pena se lembrar..."
Enquanto se afastava, deixando os seus amigos e as garotas para trás com a boca um pouco aberta, Lupin não pode ver os rostos de Rebbecca Liljeberg e do rapaz em que ele derramara suco na quarta-feira, levando as mãos à boca ao abafarem uma risada e Mia irritando-se com James Potter:
"Vai deixar o seu amigo falar assim comigo?"
"O meu amigo tem nome e você foi desagradável com ele!" — redarguiu James, olhando por cima do ombro para chamar Lupin.
Sirius se mantinha sentado com os braços apoiados nos seus joelhos, observando Remus se distanciar enquanto mal percebia Aileen Marrett puxando-o pela mão para que dançasse com ela.
Remus se afastou, pisando um pouco duro e esbarrou em Raven Fraser e Winona Rivers, que dançavam juntas, um pouco fora do ritmo, em um canto da pista.
Quando as duas colegas da Grifinória envolveram o rapaz de cabelos castanhos, pedindo que ele dançasse com elas, Remus aceitou o convite, fosse porque não queria voltar para perto de Sirius e de James naquela hora; fosse porque era uma festa e ele sabia dançar bem.
Talvez, fosse ainda porque se ele deveria dançar com meninas, pelo menos gostaria de dançar com as meninas legais da Escola e não com uma aluna esnobe de Beauxbatons que James gostava de beijar.
Sendo rodopiado por Raven Fraser em quem Remus batia quase na cintura e girando a pequenina Winona, o trio se movimentou pelo Salão por alguns minutos.
E Lupin, por algum tempo, queria não se importar em ter sido desagradável com a namorada de um de seus melhores amigos. Queria mandar todos se foderem, sem precisar fazer o uso de palavras. Queria amar menos Sirius Black, que lhe dissera que era estranho os dois dançarem juntos e, talvez, o rapaz de cabelos compridos conseguisse fazê-lo desistir totalmente dele naquela noite, pois aquela merda dita machucara Remus pra cacete e era o impulso perfeito para o fazer cair na real com o baque surdo de alguém que despenca de uma vassoura a metros acima do chão.
Sirius dançava com Aileen Marrett e sempre haveria uma garota com quem ele quisesse passar o tempo junto, sendo não estranho.
Remus aceitou o copo de ponche verde que Winona lhe ofereceu, após a jovem se distanciar um pouco do trio e retornar com as bebidas.
O rapaz de cabelos castanhos não precisou beber o líquido para sentir o aroma de whisky de fogo invadir as suas narinas, mas, como não queria se importar, Lupin não se importou. A bebida possuía gosto de maçã verde, pera, melão e álcool.
Voltando a beber mais um gole, o rapaz sentiu que algumas serpentinas caíam em seu cabelo e se deixou ser abraçado pelas colegas quando a música da banda bruxa Avalon pareceu o invadir um pouco mais.
Minutos depois, quando 'Time of the Season', da banda britânica Zombies, começou a tocar, trazendo a voz de Colin Blunstone entoando aquele delicioso 'Ah' entre as baladas como alguém que toma uma bebida gelada em um dia escaldante de verão, Remus se aproximou da mesa de ponches.
Agora, ele queria experimentar o drinque de cada Casa. Acessando a opção amarela da Lufa-Lufa, o rapaz encheu uma concha com o ponche e o entornou em sua taça. Bebericando o líquido, Remus sentiu o sabor de abacaxi, laranja, carambola e álcool. Remus viu Sirius, a alguma distância, dançando com Aileen Marratt e tendo o seu pescoço envolvido pela lufana. E James, bom, James havia sumido de cena e Mia Estivalet também.
Quando se voltou para retornar para o lado de Raven Fraser e Winona Rivers, Remus esbarrou em um rapaz, derramando a taça de ponche vermelho que o jovem levava nele e em si mesmo. Em seus ouvidos, Remus ouvia a canção:
"...To take you in the sun to promised lands/ To show you every one..."
"Mil desculpas!" — adiantou-se Remus, estendendo os seus dedos.
O rapaz diante de si ergueu o olhar azul-porcelana, após verificar a sua blusa com uma enorme mancha vermelha e se deteve ao perceber Lupin na sua frente.
"Bom, acho que isso está virando um hábito nosso..."
Remus mexeu nos seus óculos com nervosismo ao constatar que se tratava do mesmo veterano corvinense em quem derramara suco durante o café da manhã na quarta-feira.
"Eu juro solenemente que não é de propósito..." — adiantou-se dessa vez Remus, retirando a varinha de dentro do bolso do seu casaco e o passando sobre a mancha na roupa do monitor.
"Evanesco!"
Rapidamente, o tom vermelho nas vestes do rapaz desapareceu, assim como na camisa branca de Remus em que o O de Oralder se movia saltitante.
"Obrigado..." — sorriu-lhe o rapaz, baixando, brevemente o seu olhar vívido e o erguendo novamente. Estendendo a mão, então, disse...— "Sou Michael Carlson..."
Zombies puxava o trecho acompanhado do backing vocal: "… Has he taken (Has he taken?)/ Any time (Any time?)/ (To show) To show you what you need to live?"
Lupin aceitou o aperto de mão e se apresentou:
"Remus Lupin..."
Carlson sorriu de um modo contido, antes de dizer:
"Eu sei quem você é."
Remus, bebendo um longo gole de ponche, indagou:
"Sabe...?"
"Como não saberia, após você colocar Mia Estivalet no seu devido lugar ainda pouco?"
Remus se antecipou, empurrando os óculos para a vista com as juntas dos dedos.
"Nossa! A intercambista que foi selecionada pela Corvinal! Ela é sua amiga?"
"Não. E se quer saber, ela é sempre arrogante. Acho que um pouco do que você fez não é de todo ruim pra ela guardar como lembrança de Hogwarts..."
Remus sorriu e entornou dois demorados goles do seu ponche. Michael Carlson observou o rapaz e contraiu as sobrancelhas.
"...Você é do quarto ano? Os ponches estão com whisky de fogo. Melhor ir com calma..."
Lupin limpou o canto da boca com o dorso da mão e falou:
"Achei que os monitores verificariam esse tipo de coisa na festa..."
Carlson sorriu, vendo Remus quase esvaziar o seu copo.
"Estou te alertando!" — os olhos de Michael Carlson se detiveram na palavra escrita na camisa de Remus enquanto ele inclinava um pouco a cabeça para tentar ler a palavra infame — "E o que significa Oralder?"
… Tell it to me slowly, tell you what/ I really want to know…
Remus esvaziou o seu copo porque Time of the Season seria uma música muito boa de se dançar junto se Sirius não fosse um idiota que o achasse estranho. E porque Aileen Marrett puxava o rosto de Black para um beijo.
"Pesquisei num dicionário e pode ter algo a ver com alguém que apresenta uma oratória em público, mas acho que pode acabar sendo alguém que é bom com sexo oral mesmo..."
O corvinense arqueou as sobrancelhas e pestanejou os olhos muito azuis, dizendo:
"Perdão...?"
Lupin, voltando a ter a sua atenção direcionada para o rapaz bonito diante de si ao não querer encarar mais Black beijando a namorada lufana, percebeu que havia dito algo que não deveria. Remus se sentia incrivelmente leve ao não racionalizar tanto as suas palavras. E isso era, tipo, bom?
"Não que eu esteja me gabando. Na verdade, eu nunca fiz... Sexo oral, eu quero dizer. Afinal, eu só tenho quinze anos. Mas oratória, eu já fiz e nela, até que sou ok. Então, eu sou um oralder, mas o da oratória. Não o do boquete..."
Carlson observou o rapaz diante de si e mordeu os lábios novamente, prendendo um riso ao dizer:
"O suco de abóbora e a água de gilly estão sem álcool. Melhor tomar alguma coisa sem whisky, quarto ano..."
Remus se desculpou novamente por algo que não percebera dizer e sua atenção se detivera mais demoradamente no rapaz diante de si.
Ele era muito bonito e os seus olhos azuis contrastavam com os seus cabelos escuros. Lupin o conhecia de algum lugar, fora os encontrões em que derramara suco nele. Com uma lembrança, ele estalou os seus dedos ao recordar de um grupo de garotas corvinenses gritando o nome do rapaz, antes de uma partida de Quadribol. Talvez, um grupinho de meninas que olhava o monitor do sexto ano, parecendo enfeitiçado, tenha ajudado Remus a se lembrar também.
"Você é Capitão do time de Quadribol da Corvinal!"
Carlson sorriu e disse no instante em que Lupin observou James surgir na entrada do Salão Principal, cruzar o recinto e falar algo no ouvido de Black.
"Sim..."
Remus se aproximou, então,
e falou muito próximo ao ouvido de Carlson, que, por sua vez, inclinou-se um pouco para poder escutar o grifinório enquanto sentia aqueles dedos pálidos na curva de seu braço.
"Nossa, você deve ser o cara, sendo monitor e Capitão do time corvinense ao mesmo tempo! Vocês, atletas do Quadribol, são todos bonitos pra cacete! É uma pena que garotos não possam dançar juntos, senão eu dançava com você. Mas o que vão pensar de você, não é mesmo? As pessoas vão maldar porque você tem que dançar com aquelas garotas ali e eu também, mesmo querendo dançar só com meninos feito você!"
Remus, estando mais alto do que percebia, passou ao fim das suas palavras, displicentemente, a língua pelo canino ligeiramente torto, com aquela voz do lobo murmurando no seu ouvido que sentia vontade de matar às vezes, por ser uma criatura das trevas.
E de trepar também por ser irracional e habitar o corpo de um adolescente tomado por desejo, hormônios e curiosidade. Com a cabeça bagunçada, Lupin bagunçava algumas cabeças ao redor.
Carlson, por um segundo, pareceu tão aturdido, que não reparou que Remus escapuliu e se servia, agora, de um copo de ponche vermelho, composto de morango, cereja, maçã e whisky.
O grifinório escapulira como se não houvesse dito nada enquanto Carlson ainda sentia pontas de dedos inflamarem sua pele. Remus, após bebericar um gole de ponche, moveu o rosto, acompanhando a música, parecendo alheio ao modo que arranhava a atmosfera ao seu redor.
O corvinense se aproximou de Remus novamente e ia lhe perguntar algo, mas foi interrompido por Sirius e James, que se materializaram ao lado do rapaz de cabelos castanhos.
Potter passou a mão pela franja de Lupin, perguntando ao sorrir:
"Quantos desse já bebeu, Remmy?"
"Eu não tô contando, James!" — respondeu Lupin com um rubor vermelho sobre o seu rosto.
James tirou o copo da mão de Remus e o advertiu:
"Vai com calma! Você não tá acostumado..."
Carlson observou os dois rapazes e, com um aceno de cabeça, cumprimentou-os:
"Black, Potter..."
Sirius se mantinha com o olhar fixo no monitor corvinense e de um modo meio seco, respondeu ao cumprimento.
"... Eu tava avisando ao Lupin sobre os ponches..."
Black se deteve diante da menção ao nome do amigo e agradeceu ainda de um modo ríspido:
"Certo. Obrigado. A gente assume daqui..."
O rapaz corvinense viu Remus negociar a volta do copo de ponche para a sua mão e abraçar James, parecendo alcoolizado e sentimental.
"Vocês são amigos dele?"
"Melhores amigos!" — respondeu Sirius, cruzando os braços com aspereza — "Por quê?"
Carlson deu de ombros, dizendo:
"Por nada... É que não costumo ver vocês muito juntos..."
Sirius alterou um pouco a sua voz, franzindo as sobrancelhas:
"É claro que andamos juntos! A gente é amigo desde o primeiro ano!"
James ergueu a sua vista brevemente. Um rapaz de cabelos loiros e olhos azuis, que dançava com algumas meninas, aproximou-se de Carlson, falando algo para ele em seu ouvido e convidando-o para a pista de dança. Antes de se afastar, o corvinense disse, esticando a vista novamente até Remus:
"Bom, o amigo de vocês tem uma personalidade bem interessante..."
Potter resmungou um pouco acima da música e soou seco também, puxando a cabeça de Remus para o seu ombro.
"A gente sabe disso, Carlson! Ele é nosso amigo, esqueceu?"
O monitor olhou mais uma vez para o rapaz de cabelos castanhos e sorriu, antes de se juntar ao menino de cabelos loiros e ao grupo de garotas no meio do salão.
Remus colocou, então, as mãos pálidas nos ombros de James e disse, após fungar um pouco:
"Desculpa ter sido grosso com a sua namorada, Jimmy! Mas eu não me arrependo. Estou feliz que ela esteja voltando para o país dela porque ela sempre me trata meio que mal, ainda que te trate bem e vocês usem as mãos um no outro ou sei lá mais o quê! Mas ainda quero ser seu amigo se não se importar!"
James sorriu o seu sorriso enviesado e foi abraçado por Remus, que apoiou a cabeça em seu ombro novamente.
"Er... ok, eu acho. Eu e a Mia meio que discutimos e ela não é bem a minha namorada, Remmy. Eu já te disse. Não gostei também do modo que ela falou com você!"
"Ainda somos amigos então?" — indagou Remus, pestanejando por trás das lentes dos seus óculos — "Mesmo com namoradas ou seja lá qual nome você dê para os seus relacionamentos, Jimmy?"
"Sempre, Remus! E não precisa me chamar de Jimmy. Você só me chama assim quando sabe que fez algo de errado e você não tava errado! A Mia que tava!"
O menino de cabelos castanhos entornou mais um gole de ponche, parecendo muito aliviado e abraçou James com muita força. Na segunda vez, Sirius retirou o copo de sua mão.
"Chega! Achei que você não gostasse de álcool. Você tá alterado, Remus... Vou pegar água pra você..."
"Não precisa!" — Lupin elevou a sua voz — "Não preciso de nada que venha de você!"
Black fitou o rosto do amigo, um pouco surpreso e indagou:
"Por que tá bravo comigo agora?"
"Porque você é igual à Mia Estivalet e me faz sentir um lixo o tempo todo!" — falou Remus, elevando a sua voz e atraindo a atenção de alguns colegas que se encontravam próximos.
Sirius abriu a sua boca e demorou para encontrar as palavras. No fim, não as encontrou. Procurou respostas no olhar de James, cujo ombro era tomado pelo rosto de Remus e o menino de cabelos rebeldes, silencioso, limitou-se a ajustar os óculos com o dedo indicador.
Engolindo em seco, Sirius insistiu, falando num tom normal:
"E o que foi que eu disse que te magoou?"
Remus respirou fundo e esfregou o rosto, deixando-o muito vermelho. Olhou ao redor e não respondeu à pergunta de Black.
Em parte, porque não era muito bom em se abrir para Sirius e dizer o que estava sentindo em relação a ele porque essas experiências nunca terminavam bem. Em parte, porque Pettigrew deixava a multidão se aproximando dos rapazes, trazendo pela mão Alejandra González, a intercambista de Ilvermorny.
O garoto de cabelos claros empapuçados de gel ostentava um sorriso largo com os seus dentes um pouco grandes à mostra e a garota ao seu lado parecia tímida.
Alejandra era uma jovem adorável com a pele bronzeada e os cabelos muito negros e compridos repuxados para o lado. Havia um rubor discreto em suas faces que contrastava com o uniforme azul escuro da Escola de Magia norte-americana.
"Pessoal, esta é a Alejandra!" — apresentou-a Pettigrew, parecendo muito solene e tocando as costas da jovem— "Ela pediu que eu apresentasse vocês."
Remus revirou os olhos nas órbitas porque a garota dispensava apresentações. Até parecia que todos não conheciam os intercambistas que celebravam a sua festa de despedida no Castelo.
E para Lupin, era óbvio que Alejandra estava a fim de Sirius ou de James, assim como todas as meninas que os rodeavam estavam e não podia dar aos Marotos dez minutos sequer de uma conversa que não fosse interrompida.
Pettigrew encarou Remus de um modo que o jovem sob o efeito do álcool não conseguiu decodificar. Será que era o momento de Remus sair de cena?
Sirius e James cumprimentaram a intercambista de um modo um tanto vago e quando Pettigrew apoiou a mão livre no ombro de Remus, o olhar insistente do grifinório começou a fazer um estranho sentido.
"Alejandra, este é o Remus que você quer conhecer. Ele é um pouco tímido, mas já viajou pelo mundo todo e já esteve, inclusive, nos Estados Unidos e México. Remus, a Alejandra quer dançar com você..."
O menino de cabelos castanhos se boquiabriu, vendo a garota diante de si sorrir com alguma tensão.
Atrás dela, Pettigrew fazia gestos efusivos com os polegares para cima em direção a Remus. Sirius e James se detiveram com expressões enigmáticas, após trocarem um olhar ainda mais enigmático. E Lupin se percebeu pairando diante do rosto bonito de Alejandra González, que, pela primeira vez, falou:
"Prazer, Remus Lupin. Você quer dançar comigo?"
O grifinório de cabelos castanhos olhou para os amigos e parecia haver uma tensão em torno da sua resposta. Pettigrew parecia que ia sacudi-lo para que não recusasse e, percebendo um pouco de si mesmo na expectativa da intercambista, ele respondeu:
"Você quer dançar comigo? Tem certeza disso?"
Um sorriso contornado por um tom com cor e perfume de cereja se desenhou diante de Remus.
"Quero! Quero dançar com você! Vamos?"
Remus, após mais alguns segundos, assentiu e se deixou ser puxado para a pista de dança em que se transformara o Salão Principal de Hogwarts. A menina entrelaçou os seus dedos compridos nos dele e, rapidamente, os dois se misturaram aos alunos que se contorciam ao som de Rebel Rebel de David Bowie.
Lupin olhou mais uma vez em direção aos seus amigos e fosse por ter bebido muitos ponches ou por Alejandra González se revelar uma boa parceira de dança, movendo os seus pés no chão num ritmo muito agradável, o rapaz de cabelos castanhos começou a mexer os seus próprios pés e rodopiou a intercambista, sendo rodopiado logo em seguida.
"You've got your mother in a whirl/ Cause she's not sure if you're a boy or a girl"
Com a sua visão periférica, Remus sabia que Pettigrew parecia muito satisfeito consigo mesmo por ter apresentado uma linda garota ao seu amigo. Sabia que Sirius e James poderiam estar efusivos por uma menina, finalmente, haver demonstrado algum interesse em Remus e o próprio rapaz de cabelos castanhos se encontrava surpreso.
Movendo o corpo, Alejandra sorriu diante da destreza de Lupin, estalando os seus dedos para o alto e a dupla chegou mesmo a atrair a atenção de alguns estudantes que pareciam bater palmas, acompanhando os passos de dança. Alejandra parecia uma garota feliz ao celebrar em uma festa e Remus também parecia, genuinamente, feliz.
"Eu vi você dançando com a Raven e com a Winnie. Você é ótimo!"
"Obrigado! Você também dança muito bem!" — elogiou-a Remus, puxando-a para perto e depois a afastando. Os dois jovens jogavam os seus braços para cima e, agora, não atraíam mais a atenção de alguns alunos, mas de um grupo considerável.
"Rebel, rebel, how could they know?/ Hot tramp, I love you so…"
Sirius estava com um olhar cabisbaixo a alguma distância e, em algum momento, resolvera beber o ponche do copo que Remus abandonara.
James se mantinha silencioso e observava os passos sincronizados de Lupin e de Alejandra com a concentração de um jogador de Quadribol que analisa uma partida dos seus adversários. Pettigrew falava com os seus amigos, puxando-os pela gola da camisa para que o ouvissem:
"Aquele putão do Remus ganhou Ilvermorny!"
Quando a música finalizou, o casal tinha as mãos dadas e com uma reverência sem jeito agradeceram a atenção dos colegas.
Remus percebeu que Michael Carlson e seus amigos da Corvinal também os rodeavam. O monitor tinha a sua atenção presa ao rosto de Lupin e se manteve o fitando um pouco de longe, mesmo quando a plateia se dissolveu e o salão foi tomado por uma balada lenta.
A voz de Mick Jagger cantando Angie angelicalmente se ergueu e Alejandra, sorrindo ainda, colocou a mão sobre o ombro de Remus. E Remus colocou a mão na cintura da jovem porque era, tipo, assim que se dançava músicas românticas. E porque a intercambista o olhava com profundidade e ela estava sendo legal com ele.
Por que diabos Alejandra González o escolhera para dançar, podendo convidar os meninos bonitos e populares da Escola? Por que ela não tentara chegar em Black ou Potter?
Quando os Rolling Stones alcançaram em sua canção aquele ponto em que falavam da doçura de beijos, Alejandra ficou muito quieta e o seu corpo não parecia mais concentrado nos giros lentos pelo salão. Aproximando-se de Remus, ela murmurou:
"Está um pouco quente aqui. Podemos conversar a sós?"
Remus ajustou os óculos sobre o nariz com as juntas dos dedos e pareceu um pouco confuso por um instante. Olhando ao redor, ele via olhos cinzentos, olhos cor de avelã e olhos azuis-porcelana sobre si ainda.
Mas Sirius, em um determinado momento, tivera o seu pescoço envolvido novamente por Aileen Marrett e era arrastado para a pista. James, então, assumia o posto de bebedor de ponche.
Black tinha Aileen com a cabeça encostada em seu peito e ele fazia um carinho desajeitado no cabelo castanho e cacheado da lufana enquanto dançavam juntos. Remus sentiu, então, aquela urgência novamente de se afastar.
"Podemos... Er... Prefere conversar no gramado ou em outro lugar?" — indagou Lupin, aproximando o seu rosto da jovem.
"Er... numa sala vazia. Se não se importar..." — respondeu Alejandra, corando um pouco.
Remus assentiu e quando a aluna de Ilvermorny cruzou o salão, puxando-o em direção ao corredor, algumas cabeças se viraram.
Alguém falava baixinho: "Uhhh, o Lupin! Quem diria!" e o rapaz de cabelos castanhos constatava que se tratava de Aileen Marrett, que não sabia o seu nome, mas, pelo visto, ao ver Mia Estivalet ser chutada por James, tratara de aprender rapidinho o nome do amigo nerd do seu namorado. Sirius o observava e Remus sentiu o seu olhar, mesmo quando sumiram no corredor.
Alejandra segurava ainda a mão de Remus enquanto caminhavam em direção a uma sala vazia. No corredor, um grupo de meninas que parecia haver tomado ponches demais, dizia:
"Por que escolher entre o Black e o Potter? Eu preferia ter os dois ao mesmo tempo..."
Remus se voltou para trás, vendo uma jovem levar a mão à boca, abafando a sua risada nervosa, após verbalizar o seu desejo, encorajada, talvez, pelo whisky de fogo. As amigas ao seu redor elevavam gritinhos excitados e Lupin só se percebera atento a Alejandra novamente quando a menina abriu a porta de uma sala vazia e surpreendeu um casal do sétimo ano se pegando ferozmente contra a parede.
"Ops... Er... Desculpa..."
A jovem fechou a porta atrás de si e trocou um olhar divertido com Remus. Na sua outra tentativa, ela tomou o cuidado de bater na porta e como ninguém respondeu, ela entrou, puxando com delicadeza Remus pela mão ainda.
A menina respirou fundo e na sala iluminada, Lupin percebeu que entre os fios de cabelo da intercambista seguros por uma presilha, havia uma mecha cor de rosa. A jovem entreabriu os seus lábios grossos e os mordeu, tentando encontrar as palavras. Depois, arriscou-se no momento síncrono em que Lupin resolvera falar também.
"O que você queria me dizer...?"
"Eu queria te dizer que..."
Alejandra sorriu com nervosismo e levou as mãos unidas diante do rosto. Tomando coragem, ela começou:
"Eu reparo em você há um tempo... E eu sempre quis poder conversar mais com você, mas você sempre parece muito fechado e eu não sabia como puxar assunto, como me aproximar... Por isso que quando vi você dançando com a Raven e com a Winnie, pedi para o seu amigo nos apresentar. Não queria voltar para Ilvermorny, sem falar com você..."
Em sua defesa, Remus não estava acostumado com garotas chegando nele. E, sendo bem honesto, não estava acostumado a reparar nelas, além daquela admiração genuína pelas habilidades delas, pela inteligência e pela gentileza. Não é que ele não achasse Alejandra bonita ou que não a notasse. Ela era uma garota linda e, porra, claro que a notava! Remus só não se sentia atraído por ela e não acreditava como aquela tempestade de uma intercambista graciosa de Ilvermorny se declarando para ele se formara, sem que ele percebesse.
"... Acho que eu gosto de você, Remus Lupin..."
Remus pestanejou, vendo o seu reflexo no olhar escuro diante de si e, por um segundo, se manteve confuso, pois não sabia dar um fora em alguém, visto que nunca achou que houvesse necessidade de sabê-lo.
Alejandra deu um passo para a frente, aproximando-se mais.
"... Eu gosto do seu jeito. Sei que você é um ótimo aluno e é representante da turma do quarto ano. Gosto como você parece ser calmo e tranquilo. E entendo a sua timidez porque, apesar de não parecer, sou bem reservada também..."
A menina deu mais um passo para um Remus estático.
Remus estava com os pés fixos no chão, mas quando anteviu que Alejandra ia aproximar o seu rosto dele um pouco mais, ele deteve a colega, tocando com delicadeza nos seus ombros.
"Alejandra, espera..."
A menina se reteve. O seu rosto estava muito vermelho e Remus, com empatia, percebia que a intercambista reunira em si muita coragem para dizer aquelas palavras na sua festa de despedida de Hogwarts.
Passando a mão por seu rosto, a fim de emergir daquele estado de embriaguez porque precisava estar sóbrio, Lupin procurou encontrar as palavras certas.
"... Eu fico lisonjeado. Acho que a gente não se conhece muito bem, mas você é uma menina linda. Você parece ser legal e dança muito bem! Qualquer outro garoto ficaria feliz com o que você disse e taria agora pensando numa forma de ser transferido para Ilvermorny, mas eu... eu não posso..."
Alejandra pestanejou os seus olhos escuros e pareceu, genuinamente, desapontada.
"Ah, você está com alguém? O seu amigo Peter Pettigrew havia me dito que você não está namorando ninguém..."
Remus engoliu em seco, pensando que a última coisa que queria era magoar alguém que estava sendo legal com ele. Precisava escolher as palavras. Não queria deixar ninguém se sentindo um lixo.
"Eu não tô namorando. Mas eu gosto de outra pessoa..."
Alejandra baixou o seu olhar, parecendo, agora, profundamente desapontada.
"Ah, certo..."
Um silêncio desconfortável se fez em que algumas vozes no corredor podiam ser ouvidas.
"...Mas você está tendo algo com essa pessoa de quem gosta?"
Remus pigarreou, cruzando os braços:
"Não. Essa pessoa não me corresponde. Mas seria desonesto eu não dizer isso pra você..."
Alejandra assentiu e, movendo os pés, aproximou-se novamente de Remus:
"Eu posso, então, só te dar um beijo antes de voltar para o meu país? Posso guardar só essa boa lembrança?"
Remus pestanejou, baixando o seu rosto. Agora ele estava num impasse. Ou teria que ser brutalmente honesto ou teria que ceder o seu primeiro beijo a alguém que ele não tinha vontade de beijar. Com um ímpeto de consciência se elevando sobre as notas do álcool, Remus escolheu a primeira opção.
"Alejandra, eu sou gay!" — falou o grifinório com a coragem que não conseguia verbalizar para os seus pais e amigos — "Eu gosto de garotos."
A intercambista se reteve por quase um minuto com a boca entreaberta. Depois, ela tentou falar algo, mas pareceu meditar se deveria esperar para se expressar melhor. Repuxando, finalmente, os cabelos para trás da orelha e erguendo as sobrancelhas, ela disse:
"Bom, acho que esse é um motivo legítimo..."
"Desculpa, eu..."
"Não, por favor, não peça desculpas. Eu não imaginava. Mas acho que agora eu sei... Nossa, eu gostava tanto de você... Como eu pude não saber?"
"Eu nunca falei pra ninguém na Escola! Então, se você puder manter segredo, eu agradeço. Só queria que você soubesse que é uma garota muito interessante e que não temos um problema aqui. Só que nós dois gostamos de garotos e eu não quero te enganar..."
Alejandra precisou mais de alguns segundos para se recompor.
"Certo... Obrigada por ser sincero comigo..."
Remus, um pouco sem jeito, assentiu.
"Então, estamos... er... bem?"
A intercambista sorriu com o seu rosto bronzeado e pestanejou os seus olhos escuros.
"Sim. Acho que sim. Podemos voltar para a festa então...? Estou um pouco envergonhada..."
Alejandra parecia, de fato, acanhada e muito muito surpresa.
"Não tem por que sentir vergonha. Eu gostei de dançar com você de verdade..."
Os dois jovens caminhavam em direção à porta, mas a menina se deteve um segundo:
"Será que eu poderia te dar um abraço então? Como amiga...? É porque eu gostava de você esse tempo todo e, tipo, você é muito legal de verdade. Posso me despedir de você?"
Remus observou a menina com o coração partido diante de si.
Com um gesto generoso, Remus abriu os seus braços como um amigo para a intercambista se colocar entre eles e assim ela o fez. Aninhou-se com a cabeça no ombro de Lupin e o menino lhe deu um beijo estalado na cabeça.
"Vai passar, tá bom? Se eu gostasse de meninas, estaria vendo um meio de fazer imediatamente um intercâmbio em Ilvermorny porque você é uma graça..."
Alejandra sorriu e Remus deixou que a jovem mantivesse o rosto escondido em seu peito porque percebia que ela chorava. Lupin sabia o que era ter o coração quebrado e tentava sair do coração da jovem de mansinho. Sem bater a porta, sem destruir algo ou esbarrar em nada.
Lupin, então, abraçou a jovem mais apertado quando ela fungou contra o seu peito e ergueu o rosto quando a porta da sala de aula vazia foi escancarada.
Com surpresa, Remus se deparou com Sirius de mãos dadas com Aileen Marrett, adentrando o recinto.
O casal invasor se deteve, assim como o casal que ocupava a sala de aula.
Alejandra e Remus se afastaram e, por um momento, Sirius parecia uma criança conduzida por Aileen, com a sua mão frouxa sendo segura pela menina e a boca entreaberta fitando Remus.
"Nossa, desculpa! Achamos que a sala estava vazia..." — desculpou-se Aileen, fitando os dois colegas diante de si.
"Já estávamos de saída..." — adiantou-se Alejandra, enxugando os olhos.
Sirius e Remus se olharam em silêncio.
"Er... Vamos então embora, Remus?"
"Er... ok?"
Black se voltou para ver Lupin e González deixando o recinto lado a lado. Segundos atrás, estavam abraçados e agora, a menina segurava ainda a mão de Remus.
Remus, por sua vez, viu Aileen fechar a porta atrás dele e ele fechou os olhos, tentando não pensar em Sirius e na namorada fazendo coisas que não os deixariam dormir de noite. Remus não queria pensar sobre. E constatou, observando os olhos úmidos de Alejandra, que não havia um modo de se partir um coração, sem despedaçá-lo ainda que fosse um pouco.
A intercambista se despediu de Remus, apertando a mão dele e se juntando aos seus colegas lufanos. E Remus... Bem, Remus foi para a mesa de ponches novamente. Ele bebeu um copo da bebida azul de mirtilo, uvas roxas, ameixas e álcool e sentiu o líquido queimar a sua garganta, fechando a degustação de ponches com a Casa da Corvinal. Grande Rowena!
Por algum tempo, o rapaz permaneceu parado, observando um pouco tonto, os corpos se moverem na pista de dança e após um longo tempo que não soube precisar, viu James e Pettigrew se materializarem ao seu lado. E viu também... Sirius?
"Aeeee, Remus! Você beijou a intercambista bonita de Ilvermorny no fim das contas! Seu lobo putão!" — bateu-lhe no ombro Pettigrew.
Remus afastou a taça com ponche dos seus lábios e murmurou:
"O que?"
"O Black contou que viu você se agarrando com a Alejandra González numa sala vazia! Você só se finge de morto, mas é bem rápido e esperto pra fazer as coisas..."
O olhar âmbar do rapaz de cabelos castanhos cruzou com as írises selvagens de Sirius que o fitava diretamente, com uma expressão aborrecida.
"Dá um tempo pra ele, Pettigrew!" — interveio James.
"Como dar um tempo, Potter? Foi o primeiro beijo dele! E, tipo, algumas pessoas da Escola achavam que o Remus era... era...!"
James fechou os olhos, sentindo o peso das palavras de Pettigrew. Remus moveu o seu rosto com uma expressão aborrecida.
"Que eu era o que?!"
Um silêncio desconfortável se fez e Pettigrew, percebendo que havia falado demais, baixou os seus olhos pequenos e úmidos.
"Ah, vai, Remus! Não tem importância agora..."
"Que eu era gay? É isso?"
Sirius estava muito quieto e a postura dele irritava profundamente Remus, fazendo-o se lembrar de que Black dissera há pouco que era estranho os dois dançarem juntos.
Pettigrew moveu o seu nariz pontudo, parecendo um rato farejando o ambiente.
"É, Remus! E você ainda ficou de papo com aquele monitor da Corvinal agora há pouco! Tem boatos de que o Michael Carlson é gay, apesar da mulherada ser louca por ele, e dizem que ele deu uns pegas num cara há pouco tempo! Devia estar feliz por eu te salvar dos boatos!"
Remus assentiu não como alguém que concorda, mas como alguém que se segura para não estrangular o amigo.
"Certo. Obrigado então, Pettigrew, por me salvar! E obrigado, Black, por contar sobre algo tão pessoal meu como se fosse a sua própria vida!"
Lupin se voltou em seus calcanhares e derramou no chão o restante do líquido de uma garrafinha de cerveja amanteigada abandonada sobre a mesa, enchendo-a de ponche.
"Eu não contei o seu segredo, Remus! Eu só comentei que vi você e a González abraçados... Eu não queria..." — tentou se explicar Sirius.
"Esquece que eu existo, Black!" — Remus cortou o amigo, levando a garrafinha de ponche à boca e avançando para a pista.
"Remus, espera!" — falou James, fixando o seu olhar no gargalo da garrafa e na boca de Lupin que era limpa com o dorso da mão — "Aonde vai?"
"Festejar! É uma festa, não é? Ao meu primeiro beijo então! Não sou mais uma preocupação pra vocês, certo?" — declarou o rapaz de cabelos castanhos, erguendo a sua garrafinha no ar e seguindo para a pista para dançar sozinho.
E Remus dançou, sentindo a sua cabeça rodar e o mundo ao redor rodar. E a dor dentro de si chacoalhar até que se arrebentasse em mil pedacinhos como as serpentinas e os papeis coloridos que caíam sobre ele.
Entorpecendo os seus sentidos com álcool, o grifinório ouviu aquela voz lupina em seus ouvidos, em seu coração, no som da música:
"Se você deixasse, eu acabava com todos eles. Rapidamente. Brutalmente. Consegue imaginar como seria passar uma lua cheia em Hogwarts em vez de na Casa dos Gritos, garoto?" — sussurrava o lobo sensualmente nos tímpanos de Remus — "Eu sim!"
