OS MAROTOS: O LIVRO DAS SOMBRAS

CAPÍTULO 5

GAROTOS

'Oh, here you are, face to face in this trashy bar
Another glass and I'm going places
Makes me laugh, about the irony of everything
I like the way you're thinking

I don't really care about music on the dancefloor
I don't really mind all smokers in the bathroom
I don't care at all, baby, you got my attention
So you were saying?

Oh, I don't, see the logic of things
It's quite a lonely world that we're living in
But baby, you are, something special, I'm sure
Everything makes total sense

When you're next to me (…)'

(Next to Me – Lvly)

Sirius Black possuía aquele sentimento por seus dois melhores amigos. Aquela admiração contínua e norteadora que despertava um certo poder e fascínio nele desde o seu primeiro dia em Hogwarts.

A sua amizade com James Potter ocupava um lugar quase sanguíneo, símile, inflamável e gêmeo. Porque, apesar de ser mais jovem, James Potter parecia ter as coisas ao seu redor estranhamente sob controle, ainda que, muitas vezes, a sua rebeldia fosse impetuosa e problemática. O mundo interno de James parecia enigmático e observador enquanto o de Sirius era caótico e rude.

Havia também, tacitamente, aquele acordo estabelecido de que Sirius tentava desesperadamente ser diferente dos Blacks e James se esforçava tenazmente para ser fiel aos Potters e, em meio a esses esforços, eles se encontravam, permanecendo juntos, mesmo nos momentos em que Sirius era um pouco Black e James não era tanto um Potter.

Com Remus, as coisas eram mais complicadas.

...

Porque o mundo de Remus era silencioso e o rapaz de cabelos castanhos parecia habitar um planeta próprio. Diligente, responsável e prudente, ele se desenvolvia ao lado dos seus amigos com aquela criatura das trevas se remexendo dentro de si e o tornando um pouco mais incompreensível e inacessível a cada ano.

Black apreciava, principalmente, os momentos em que ele permanecia horas conversando com Remus e sentia que os seus bloqueios e mesmo os detalhes que julgava mais insignificantes na sua existência eram acolhidos por Lupin.

Remus viera daquela família amorosa que era os Lupins e transitava pelo mundo envolto naquele afeto, parecendo muito feliz ao se encerrar em si mesmo. Como se não dependesse do mundo fora de si próprio, mas o visitasse, ocasionalmente, por generosidade.

Remus e James pareciam se dar bem de um modo peculiar e isso fazia Sirius se sentir, amiúde, distante e enciumado.

Muito enciumado...

Em meio aos seus dezesseis anos, o grifinório se perguntava se o seu afeto pelos amigos tomara alguma curva mal direcionada, percorrendo caminhos indevidos e despertando sensações descabidas.

Black não se lembrava do momento exato em que começou a achar atraente o modo como Lupin e Potter ajustavam os óculos sobre o nariz, parecendo garotos muito jovens que se tornavam, subitamente, adultos muito confiantes. Talvez, tenha reparado nesse hábito dos dois desde o primeiro ano, pois ele se lembrava de desejar poder usar óculos também durante um período para poder ter algo de Remus e James em si. Depois, esse sentimento bobo passou, mas Sirius se descobriu admirando gestos dos amigos de outra forma.

Quando eram menores e brincavam de beijar com a mão na frente, Sirius se sentiu desconfortável por se animar demasiadamente em uma das investidas de Remus e, parecendo muito aborrecido, cessou a prática, deixando-a guardada num passado distante com o rótulo de 'coisas bobas que crianças fazem'.

Só que Sirius estava com dezesseis anos e muitas coisas ainda o perturbavam. Por exemplo, o modo como ele fitava a nuca pálida de Remus durante as aulas ao se sentar atrás dele e o modo como, mesmo escapando por aquela camiseta idiota escrita Oralders, o pescoço de Lupin serpenteado por veias muito finas e azuladas era atraente.

Black sentia vontade de mergulhar o rosto naquele ponto. Afundar.

Aspirar aquele cheiro de sabonete e xampu que parecia exalar da corrente sanguínea de Remus. Afagar o cabelo e a franja do rapaz de cabelos castanhos e poder tocá-lo como James o tocava, sem mesuras e com uma permissividade que ele não julgava receber.

Com James, por outro lado, Sirius tinha aqueles devaneios quando os dois ficavam com garotas e, entre beijos e afagos com belas meninas, muitas vezes, seus olhares se encontravam e os dois se encaravam sem nada dizerem um ao outro.

Quando Black viu, certa vez, James deslizar os dedos sob a saia de Mia Estivalet, simplesmente, não conseguiu parar de olhar. Ainda que estivesse beijando Aileen Marrett, Black espreitou longamente as mãos firmes de seu amigo e James lhe sorriu quando percebeu que era observado.

Black gostava de garotas e, decididamente, aqueles corpos com linha sinuosas, perfumes delicados, cabelos e lábios macios o atraiam desde que se lembrava da sua existência. Contudo, as formas retas, os sorrisos enigmáticos e aquela proximidade de garotos também exerciam um estranho fascínio sobre ele.

Sirius tentava, então, com força se voltar para as garotas porque, sem ter coragem de dividir aquela parte sua com James e com Remus, a curiosidade se tornava, estranhamente, maior.

Foi aquele ímpeto que fez Sirius Black, por um momento fugaz no qual se censurara, pensar em convidar Remus para dançar na festa de despedida dos intercambistas. Em seguida, ele percebera que cometera um erro, tentando se corrigir, mas aquilo parecera ter aborrecido Lupin que o afastara.

Ultimamente, Remus e ele se encontravam naquela dinâmica estranha em que se aproximavam e se repeliam o tempo todo. E isso era estressante pra caralho!

Depois, Sirius viu Remus sussurrando algo no ouvido de Michael Carlson, Capitão do time de Quadribol da Corvinal, e, quando ele o resgatara para perto dos amigos, o rapaz se jogou nos braços de James, vociferando que Black o fazia se sentir um lixo.

Por que as coisas sempre davam errado com Remus?

Após esse incidente, Sirius observou Remus indo dançar com Alejandra González e o rapaz de cabelos compridos sentiu algo estrangulado em seu peito. Aquilo também era um erro?

Black não conseguia se esquecer do que Carter e Tyrone haviam falado sobre Remus no banheiro dos meninos e ver Lupin interessado em uma garota, dançando com ela na pista e parecendo se divertir tornava o seu universo mais simples.

Remus ser gay era um boato e aquilo que Sirius sentia se tornaria algo sem importância que passaria com o tempo. Talvez, só um apego demasiado por seus amigos porque o círculo de pessoas a quem, realmente, ele amava era muito reduzido.

Por outro lado, Remus e Alejandra dançando juntos tornavam também o mundo de Sirius mais complicado. Porque Sirius sentia o tórax muito pequeno para o seu coração enquanto Remus rodopiava no Salão a intercambista de Ilvermorny.

Black se deixou ser guiado por Aileen Marrett para dançar e, sem prestar muita atenção, moveu-se ao lado da namorada, procurando a silhueta de Remus entre as pessoas. Ele observou os lábios úmidos do garoto se abrir em um sorriso e acompanhou-o com o olhar quando ele foi com Alejandra para algum outro lugar.

Os dois jovens seguiam de mãos dadas para os corredores e pareciam um casal tão bonitinho, que Aillen, com uma voz incentivadora e um pouco descabida, falou: "Uhhh, o Lupin! Quem diria!"

Sirius permaneceu dançando ao lado da lufana, um pouco ausente de si mesmo, e não negou o pedido de Aileen Marrett para que fossem se agarrar em uma sala vazia porque era isso que ele devia estar fazendo, ao invés de se incomodar tanto onde Remus e Alejandra estavam.

Mas o rapaz de cabelos compridos sentiu o seu estômago afundar no chão quando se deparou com Remus e Alejandra González abraçados em uma sala vazia. Os rostos dos dois estavam muito próximos. Remus, com a mão em uma das faces da intercambista, repuxava o seu cabelo escuro para trás num gesto cuidadoso.

Alejandra, tendo o corpo pálido e com o perfume de banho de Remus muito perto de si, parecia tentar se encaixar nele de alguma forma. O pescoço de veias azuladas pulsava aquela vida preciosa, tendo uma garota com o rosto repousado nele.

Depois que Remus e a intercambista de Ilvermorny partiram, Sirius demorou para se achar dentro de si mesmo. Mesmo quando Aileen Marrett o empurrou sobre uma carteira e subiu em cima dele, beijando-o com avidez e entrega. Mesmo quando a garota se moveu um pouco sobre o seu quadril e forçou o rapaz a colocar a mão em sua cintura, em seu peito, sob a sua blusa.

"O que foi?" — indagou a lufana, percebendo o olhar distante de Sirius e a falta de empolgação física com as suas investidas.

Sirius passou a mão pela testa, repuxando a franja mal cortada para trás.

"Não foi nada. Acho só que não tô no clima..."

"Por que não?"

"Não sei..." — respondeu Sirius, convidando a jovem a sair de cima de si.

Um silêncio se fez em que Aileen abotoava novamente a sua blusa com uma expressão chateada e perguntou, olhando o grifinório de soslaio:

"Ontem, tava tudo bem... Isso foi porque você viu aquele seu amigo aqui ainda há pouco com a namorada?"

Namorada. A palavra pegou Sirius de surpresa. Alejandra González não era namorada de Remus porque eles se falaram pela primeira vez naquela festa e a jovem estava voltando para os Estados Unidos nos próximos dias. Mas a palavra girava pela cabeça de Black, deixando-o num estado de alerta estranho. Havia alguma ansiedade em seu peito.

"Claro que não..." — retorquiu Sirius — "Por que isso seria um problema?"

Aileen deu de ombros.

"Sei lá, você parece que sempre tá pensando no seu amigo! Ainda pouco mesmo, correu para o lado do Lupin quando viu que ele tava bêbado e falando com o monitor Carlson. Bastou o Potter ir te falar o que tava rolando pra você me largar e ir ficar com o Lupin..."

Sirius contraiu as sobrancelhas.

"Ele é meu amigo e não tá acostumado a beber ou a vir para festas, Aileen! Remus é o representante de turma e os monitores podem registrar os nomes dos alunos que extrapolarem os limites na festa. Isso o deixaria muito triste. Eu me preocupo com ele!"

"Mas acho que o seu amigo tá bem grandinho para precisar de uma babá ao lado dele, Sirius! E ele tá se divertindo com a Alejandra e não precisa que se preocupem com ele... Estamos só nós dois aqui. Relaxa..."

Sirius fechou os olhos e sentiu os dedos de Aileen massageando as suas têmporas. Deixou-se ser beijado pela lufana mais uma vez, antes de distanciar o seu rosto e retirar com delicadeza as mãos da jovem de sua cabeça. De alguma forma, o que a namorada lhe pontuara parecia a verbalização de sua voz interior.

"Quer saber, Aileen...? Acho que eu bebi um pouco demais também. Vamos voltar para a festa!"

Aileen pareceu um pouco aborrecida e movendo o seu rosto, disse:

"Ok, vamos voltar para e festa. Mas você vai ficar do meu lado ou vai ficar com os seus amigos?"

Sirius respirou fundo, falando:

"Talvez, seja bom você passar um tempo também com os seus amigos, Aileen. Temos nos visto todos os dias, o tempo todo..."

A jovem se deteve, abrindo a sua boca com alguma indignação, antes de a fechar novamente. Pestanejando, após respirar fundo, ela retrucou:

"John O'Sullivan me convidou pra dançar ainda há pouco. Talvez, eu aceite da próxima vez, já que você parece não se importar em ficar do meu lado..."

Black retorquiu, esfregando os olhos:

"Certo, Aileen, faz o que você achar melhor..."

Sirius abandonou a sala de aula vazia e a lufana, vazia, sentindo-se mal. Não era o primeiro namoro seu que, passados os primeiros dias de empolgação, seguia por um declínio de endorfina e animação até evaporar da forma mais drástica possível.

Talvez, aquilo fizesse parte das baixas expectativas de Sirius de se divertir e ficar tranquilo, sem envolvimentos muito profundos porque, tipo, Black não era muito bom em se envolver e era apontado, com razão, como frio pelas garotas.

Como se construía laços profundos? Como se riscava dois corpos, criando aquela faísca de amor até os dois incandescerem e inflamarem juntos?

Ao retornar para o Salão Principal, Sirius, procurando pelos seus amigos, deparou-se com o rosto sério de James e com o rosto empolgado de Pettigrew que falava:

"O que rolou entre o Remus e a intercambista afinal?"

Black se introduziu na conversa com uma voz azeda e projetiva:

"Devia se preocupar menos com a vida do Remus e se ocupar mais com a sua própria vida, Pettigrew..."

"Olha só quem fala, Black! E olha ali o Remus bebendo e a Alejandra agora com os amigos dela! Acho que não aconteceu nada..."

Sirius trocou um olhar com James, antes de dizer:

"Eu vi os dois em uma sala vazia..."

Pettigrew moveu o seu rosto com tanta rapidez, que, certamente, ele adquiriu um torcicolo.

"Eles tavam se pegando...?!"

A pergunta regurgitou alguma melancolia em Black, antes de ele aquiescer e ver Pettigrew, com uma expressão surpresa, caminhar até onde Remus estava, sem hesitação e ostentando a empolgação que Black não conseguia sentir.

Pettigrew acabou irritando Remus ao falar dos boatos da Escola sobre a sua sexualidade e o rapaz de cabelos castanhos seguira para a pista, a fim de dançar sozinho com uma garrafa de ponche no meio do Salão Principal.

Com a música alta, Remus ora pulava, ora movia a sua cabeça, acompanhando a melodia de olhos fechados. O grifinório bebia ponche do gargalo da garrafa e limpava a boca com o dorso da mão. Algumas gotas da bebida vermelha respingavam em seu casaco listrado.

"Ele vai dar trabalho..." — anteviu Pettigrew, antes de se afastar com um sorriso enviesado.

E, de fato, talvez, Remus desse trabalho porque ele não era um rapaz festeiro e inclinado a espetáculos como aquele que ele dava no Salão em que pulava sozinho em meio a um bando de desconhecidos.

E Sirius e James podiam até achar alguma graça da situação se não percebessem que o amigo estava, de fato, aborrecido e com vontade de deferir coices feito um hipogrifo humilhado. Lupin alcoolizado era um feitiço explosivo à solta. Um lobisomem de quinze anos se debatendo contra as paredes carnais de um fedelho.

James cruzou os braços e comentou, ajustando os óculos sobre o nariz.

"Mesmo bêbado, ele dança bem. Não sei se tem algo que o Remus não saiba fazer direito..."

"Beber! Ele não sabe beber e de representante de turma responsável, virou um líder de eventos eufórico."

Remus, agora, movimentava-se de volta em torno de Raven Fraser e de Winona Rivers e dançava com as colegas do quarto ano, movendo os braços para cima enquanto incentivava alguns veteranos a se levantarem e irem também para a pista.

James esvaziou a sua taça de ponche, depositando-a sobre a bancada coberta por uma toalha de linho e respirou fundo, antes de acender um cigarro, levando-o à boca:

"Essa festa pra mim já deu! Você vai ficar?"

Sirius sacudiu o rosto, fitando Remus levar o gargalo da garrafa à boca mais uma vez enquanto um grupo de sonserinos ria dele.

"Não... Eu discuti com a Aileen. Não tô com saco pra ficar por aqui..."

James soprou um anel de fumaça, dizendo:

"Seus namoros evaporam tão rápido quanto os meus, Black..."

Sirius não respondeu. Ao invés disso, ele se manteve muito quieto e aceitou o cigarro que Potter compartilhava com ele, levando-o aos lábios.

Depois, repuxando a franja escura para trás, Sirius determinou quando viu Remus atirar a sua garrafinha de cerveja amanteigada vazia em direção aos sonserinos e retornar para a mesa de ponches.

"Vamos pegar o Remus e cair o fora daqui!"

Os dois grifinórios caminharam em direção ao amigo e lhe tocaram o ombro. Os olhos cor de âmbar de Remus estavam desfocados e dele, emanava agora um forte cheiro de whisky. O seu rosto estava afogueado e alguns fios da franja grudavam em sua testa úmida.

"Vamos embora!" — determinou James de um modo seco ao segurar o pulso do grifinório.

Remus se deteve, olhando para os dois rapazes e esfregou o seu rosto, dizendo com a voz enrolada:

"Eu vou ficar!"

Sirius retirou o cigarro da boca e o entregou a James, que, por sua vez, deu uma última tragada, antes de jogá-lo no chão e pisar sobre a guimba.

"Vai caralho nenhum! Você já bebeu o suficiente..." — redarguiu Sirius com os seus olhos selvagens— "Vamos embora já!"

Remus contraiu as suas sobrancelhas, então, com uma expressão furiosa. Aproximando-se de Sirius, ele colocou o dedo em seu peito, falando pausadamente e com a voz permeada pelo álcool.

"Você Não Manda Em Mim!"

Sirius revirou os olhos nas órbitas e, com muita facilidade, ergueu Remus sobre o ombro, dizendo:

"Foda-se! Hoje, eu mando, garoto! Você vem com a gente!"

Sirius, com passos largos, deixou, então, o Salão Principal, carregando o rapaz de cabelos castanhos sobre o ombro. Com firmeza, Black segurava as panturrilhas do amigo e recebia os golpes fracos dos punhos fechados de Remus nas costas.

James seguiu Black de perto com alguma pressa, vendo os alunos abrirem caminho ao rirem dos grifinórios que carregavam o representante de turma do quarto ano bêbado, parecendo dois sequestradores levando embora o seu refém de um milhão de galeões.

Pettigrew, próximo a alguns colegas do quarto ano, ergueu os braços teatralmente, parecendo indagar por que os amigos batiam em retirada e não fez menção de segui-los.

Remus murmurava palavras desconexas e agredia Black com uma mão frouxa e cambaleante, que fazia mais parecer que ele estava abanando Sirius.

"Me agora põe no chão. Me põe. Porra... Agora no chão..."

James sacudiu a cabeça ao lado de Black, dizendo ao sufocar uma risada e dar um tapinha nas costas do amigo:

"Bela retirada, Black! Sossega aí, Lupin! Você tá bêbado feito um duende da Birmânia..."

Quando Sirius, carregando ainda Remus, e James atravessaram o corredor que levava à escada, viram num canto mal iluminado alguns casais se pegando e isso, de forma alguma, surpreendia os dois grifinórios, pois eles eram desses também que se agarravam com as namoradas em lugares com pouca luz.

Mas quando eles alcançaram os degraus da escada, foram realmente pegos de surpresa.

Num canto não muito escuro do andar superior, Nicholas Huang, o outro intercambista da Escola norte-americana de Magia de Ilvermorny, se pegava com Detlef Hausen, intercambista de Durmstrang.

Os dois jovens se beijavam avidamente e Detlef, um rapazinho alemão de cabelos loiros muito alinhados para trás com cara de bobo, possuía uma mão muito esperta que deslizava por dentro da calça de Huang.

Demorando para perceber que foi flagrado, o rapaz sino-americano, num momento de empolgação, pulou sobre o outro garoto com as pernas em torno da cintura de Detlef, parecendo pesar no máximo quinhentos gramas. Depois, mergulhou a sua boca nos lábios do outro rapaz com mais intensidade, como se fosse engoli-lo ou aspirá-lo.

Os dois intercambistas eram um emaranhado de uniformes azul-escuro e vermelho e o ruído dos tecidos e dos estalos dos beijos eram tudo o que preenchia o ambiente.

James se deteve com os seus olhos arregalados e Sirius quase se esquecera que carregava Remus em seu ombro porque, no instante em que viu os dois intercambistas se pegando naquela confraternização particular de Ilvermorny e Durmstrang, uma sensação estranha subiu por seu estômago, instalando-se em sua garganta. Um arrepio percorreu a sua espinha e o seu rosto pareceu, subitamente, muito quente. Por pouco, ele não derrubou Lupin.

"Por que a gente parou? Onde a gente tá?" — indagou o fio de voz de Remus, lembrando aos dois grifinórios que estavam onde não deviam estar, observando o que não deviam observar e, consequentemente, separando os dois intercambistas como se um feitiço os tivesse partido ao meio.

Remus tinha a cabeça abaixada nas costas de Sirius com todo o seu sangue correndo para as têmporas e o enjoando, sem conseguir ver nada além do chão.

Huang e Detlef, por outro lado, se detiveram com as bocas frouxas, mas as mãos firmes em lugares impróprios.

Deu-se, então, trezentos e setenta e nove minutos de constrangimento em que Detlef Hausen, parecendo querer cavar um buraco no chão para habitá-lo, fechou finalmente o zíper da sua calça com a falsa cara de bobo e Nicholas Huang, com uma visível ereção, puxou a capa do uniforme para diante da sua virilha.

"Desculpa, a gente não sabia que vocês tavam aí..." — falou, finalmente, Nicholas com o seu sotaque norte-americano, cheio de formas contratas que contraíam, além da linguagem, o ar ao seu redor. Sorrindo com as maçãs altas do seu rosto bonito, o intercambista pestanejava com alguma ingenuidade.

Sirius moveu os olhos, que estavam estranhamente úmidos, e abriu a sua boca para falar algo, mas a sua voz saiu como a de um cachorro abismado que rosna e não sai som. James sacudiu a cabeça, mexendo em seus óculos, e ia dizer algo, mas foi interrompido pela voz de Detlef Hausen com o seu pesado sotaque alemão:

"Er... a gente não sabia que alguém ia nos ver..."

Se pegando no corredor a céu aberto?

"Se pegando no corredor a céu aberto?" — indagou James, acreditando piamente, agora, que Detlef só se fazia de bobo e que o nome disso era sonsidade.

O estudante de Durmstrang colocava a camisa para dentro da sua calça e Black e Potter perceberam que, muito provavelmente, ela não se demoraria ali por muito tempo.

"Na verdade, a gente queria ir para a sala de Estudo de Runas Antigas, mas não chegamos lá a tempo..." — confessou Nicholas, tornando mais evidente a urgência e sensualidade do casal ao puxar Detlef para perto e envolver o seu corpo com os braços.

"Desculpem, a gente não queria interromper..." — falou Sirius, desviando o olhar quase como se o arrastasse.

Nicholas ainda sorria e abaixou o rosto, tentando verificar quem Black carregava.

"Esse aí no seu ombro é o Remus Lupin?"

Sirius assentiu, vendo Remus se mover e o ajeitando um pouco, tomando o cuidado de não encostar em seu quadril.

"...Nossa, vi ele dançando na pista! Ele é legal! Uma vez, ele me ajudou com uma catalogação para a aula de História da Magia na biblioteca. Levem ele com cuidado..."

"Certo!" — adiantou-se James pelo corredor, voltando-se para trás e fazendo um gesto para que Sirius o acompanhasse — "Bem, Huang e Hausen, aproveitem a festa!"

Sirius, no entanto, se mantinha imóvel diante de Nicholas e de Detlef, carregando Remus e, por um momento, Potter achou que o amigo passaria a viver ali para sempre, pois o seu olhar estava estranho e a sua boca, um pouco entreaberta como se tivesse sido enfeitiçado.

"Black!" — chamou-lhe James, despertando o amigo do transe.

Sirius sacudiu a cabeça e se juntou a James, caminhando ao seu lado e os dois grifinórios tomaram o cuidado de não juntarem as suas cabeças até dobrarem o corredor, a fim de não parecerem dois fofoqueiros fofocando.

Remus, que experimentava a pressão sanguínea nas suas têmporas, murmurou, sentindo o álcool revirar o seu estômago.

"Acho que vou vomitar..."

"Aguenta firme, garoto! Você bebeu a porra do mundo de whisky e dançou com todo mundo sem vomitar. Não vai vomitar em cima de mim que quero te ajudar, né..."

James trouxe o assunto à tona então:

"Huang e Hausen... Nossa, por isso as garotas não conseguiam nada com eles..."

"Hausen namorou uma menina da Grifinória durante um tempo. Pode ser que... sei lá... ele goste das duas coisas...?"

Potter se manteve pensativo e um sorriso enviesado se desenhou em seu rosto, antes de ele imergir naquele seu estado enigmático.

Quando os dois grifinórios encontraram o fantasma de Nick-Quase-Sem-Cabeça inspecionando o corredor e ele perguntou aos garotos se haviam visto algum casal aprontando no caminho, os dois amigos mentiram e não disseram que viram um Nick bem vivo pulando sobre Detlef Hausen como se o rapaz fosse uma vassoura em movimento.

O Nick morto assentiu com o seu rosto semitransparente e vagou na direção contrária de um modo etéreo e iludido.

Ao alcançarem, finalmente, o portal da Grifinória e atravessaram o Quadro da Mulher Gorda, os dois rapazes viram Lily Evans e Julian Parker conversando com dois garotos do sexto ano na entrada da Sala Comunal.

James se voltou, olhando por sobre o seu ombro durante um tempo, antes que a passagem se fechasse.

Chegando ao dormitório grifinório, bastou que Sirius colocasse Remus sobre o chão para o rapaz, parecendo agora imerso num estado mais sonolento e atrapalhado do que eufórico, corresse para o banheiro e se debruçasse sobre a privada, vomitando dez mil litros cúbicos de ponche tubulação abaixo.

Sirius e James se detiveram por um tempo na porta com os braços cruzados e Sirius foi até o seu malão procurar por uma poção para aquelas situações.

O grifinório retornou com um frasco transparente com um líquido lavanda dentro. Quando Remus parou de vomitar, Sirius aproximou o recipiente da boca do garoto de cabelos castanhos, dizendo laconicamente:

"Bebe..."

Remus, que tirara os seus óculos, moveu os olhos desfocados e indagou:

"O que é isso?"

"É uma poção pra ressaca..."

O menino de cabelos castanhos limpava os lábios com o dorso da mão.

"Quais são os componentes dela? Qual é a fórmula? Porque, tipo, não posso beber qualquer poção por conta da minha licantropia e..."

"São ingredientes naturais. Até o meu irmão que é uma criança poderia beber isso. Vai se sentir melhor e vai poder dormir bem..."

Remus se deteve, colocando novamente os seus óculos. Depois, olhou o líquido contra a luz, sacudindo-o, e, quando destampou o frasco, permaneceu um significativo momento, cheirando-o.

"Remus..." — chamou-lhe Black — "Bebe logo a porra da poção..."

James, que lavava o rosto na pia e apertava com os dedos as têmporas, sentindo os primeiros efeitos do álcool no seu corpo, comentou:

"Quando você bebeu ponche com whisky como se não houvesse amanhã, não pensou na sua licantropia, Lupin..."

Remus bebeu, então, a porra da poção. E cinco minutos depois, sentia o seu corpo sem toda aquela náusea, apesar de ainda experimentar os seus membros pesados e lânguidos. Quanto aos pensamentos... Bom, esses estavam um bocado confusos ainda e pareciam orbitar desconexos em uma esfera diferente, feito a poeira em uma nesga de sol.

Sirius se aproximou por trás do rapaz de cabelos castanhos e envolveu a sua fronte úmida com a mão, antes de dizer:

"É melhor você tomar um banho e se deitar... Dormir vai te fazer bem..."

Black ergueu Remus até a banheira enquanto James molhava a sua nuca na água fria da torneira da pia.

"Quer que eu te ajude...?"

"Você não tá na sua melhor forma também, Potter. Deixa comigo..." — redarguiu Sirius, retirando o seu relógio e o deixando no aparador, antes de abrir a torneira da banheira com um feitiço.

Remus, com os seus olhos vagos e cor de âmbar, permaneceu muito quieto, despindo o casaco listrado e manchado de ponche. O grifinório fitou a água que saía da torneira e murmurou, abaixando a cabeça.

"Eu gosto muito de vocês dois. Me desculpem por isso..."

Sirius ergueu o seu olhar cinzento da água, cuja temperatura era medida por seus dedos.

"Eu também gosto muito de você, Remus... Só não bebe mais assim porque você não tá acostumado. Um pouco de whisky ainda vai lá, mas não assim... Você não é igual a mim..."

James pegou a sua toalha e seguiu para o outro banheiro, indagando a Sirius:

"Tudo bem mesmo aí?"

"Tudo certo ... Eu tô sóbrio..."

"Tá. Então, eu vou tomar um banho também e já volto..."

Remus ainda tinha o olhar vago quando James trouxe o seu pijama, deixando-o dobrado sobre o aparador. Depois, o grifinório bateu a porta atrás de si e Sirius estendeu a sua mão para colocar uma mecha de cabelo de Lupin atrás da orelha.

"Você ainda parece um pufoso... E é muito fofo..."

Remus ergueu o seu olhar e Sirius ainda tinha as pontas dos dedos tocando a orelha do rapaz de cabelos castanhos.

Subitamente, Black percebeu que não teria coragem de acariciar o amigo daquela forma e lhe dizer aquelas palavras se ele estivesse sóbrio. Então, ele removeu a sua mão um pouco constrangido.

Remus, observando um ponto distante nos azulejos, disse:

"Eu não sou fofo como você pensa, Black. Se soubesse das coisas que passam pela minha cabeça e do que sou capaz de fazer, ficaria assustado..."

O grifinório de cabelos compridos se deteve, fitando o rapaz diante de si de cima a baixo por um instante. Seu olhar se alojou na linha do pescoço e na pele pálida exposta até a clavícula. Nos lábios entreabertos do amigo.

Remus, pestanejando, prosseguiu:

"...Eu não sou um pufoso fofo. Sou a porra de um lobisomem. Eu poderia te matar. Sabe como o sexo é para os licantropos, Black...?" — indagou Lupin, passando a língua pelo canino desafiadoramente e a estendendo até o contorno da boca num gesto extremamente lascivo e vulgar— "Lobisomens matam e fodem até não aguentarem mais, sabia...? E acho que deve ser gostoso pra cacete..."

Sirius sentiu as suas faces muito quentes e um arrepio subir por sua espinha ao observar Remus com os seus olhos amarelos erguidos.

Vendo o álcool ainda faiscar naquelas pupilas e escutando a voz alterada de Remus, Black sacudiu o rosto, disposto a encerrar o assunto. O que diabos Remus estava fazendo?

E o que diabos era aquilo que Sirius estava sentindo?!

Era assim que o álcool reagia com a licantropia de Remus? Deixava-o dizendo aquelas coisas que o jovem representante de turma não diria nunca se estivesse sóbrio?

E era assim que Remus alterado reagia com aquelas inclinações confusas de Sirius? Se Lupin não estivesse bêbado e fosse uma menina, Sirius o agarraria com vontade porque o modo que ele massageou o canino com a língua era um tesão do caralho.

Mas Sirius não queria que Remus fosse uma menina. Queria que ele fosse ele mesmo. Ele era muito atraente, sendo um menino. E ele era um dos seus melhores amigos...

Black apertou os olhos. O que ele estava pensando? Aquilo não fazia sentido algum...

Sirius se forçou a dizer com uma voz carinhosa, afastando os pensamentos para longe:

"Não, lobinho, eu não sabia. E se você quiser falar comigo sobre isso quando tiver sóbrio, tudo bem. Mas não quero tirar vantagem da bebida para saber dos seus segredos. Preferia que me contasse isso nas nossas conversas sob o freixo..."

Remus, no entanto, esticou a sua mão pálida, tocando o peito de Black.

"Sirius, você se lembra de quando a gente era criança e brincava de beijo com o James?" — indagou Lupin com os olhos úmidos e vermelhos.

Black se deteve, antes de trazer a toalha de Remus para perto da banheira.

"Lembro... O que que tem?"

"Eu quero beijar vocês dois ainda, mas vocês me achariam estranho..." — respondeu Lupin, enxugando os seus olhos.

Sirius se voltou para o rapaz e o olhou por quase um minuto, antes de responder, sacudindo o rosto:

"Você tá bêbado, Remus, e não tá falando coisa com coisa. Você beijou Alejandra González hoje, não se lembra?"

Remus fitou longamente o teto, antes de fungar e voltar o seu olhar para a água quente que enchia a banheira. Durante alguns segundos, Sirius achou que deveria dizer algo, mas o rapaz de cabelos compridos ainda estava confuso e se limitou, após um tempo, a tentar despir a camisa Oralders de Lupin.

O grifinório de cabelos castanhos, no entanto, deu um pulo, puxando a sua camiseta para baixo.

"NÃO! Pode deixar que eu faço isso!"

Sirius se reteve um pouco surpreso e observou um rubor subir pelas faces do rapaz de cabelos castanhos. Não julgou que houvesse problema Remus tirar a camisa pelo fato de os dois serem garotos.

"Er... certo... Prefere que eu te deixe sozinho? Consegue tomar banho sem a minha ajuda...?"

Remus, com os arranhões visíveis em seus braços, assentiu e murmurou com um fiozinho de voz:

"Consigo... Eu não quero que você me veja nu e saia correndo..."

Sirius retornou, então, para o dormitório e se sentou no parapeito da janela, acendendo um cigarro e meditando sobre os acontecimentos daquela noite.

Era difícil para o rapaz de cabelos compridos alinhar os seus pensamentos em alguma ordem que fizesse sentido. O estrangulamento que Black sentira em seu peito quando vira Remus abraçar Alejandra ainda podia ser experimentado, travando o seu corpo quando as lembranças voltavam. A visão de Nicholas Huang e Detlef Hausen se pegando no corredor vazio causava algum sentimento estranho em Black, uma empolgação que não sabia explicar em si mesmo.

Por último, as palavras de Remus dizendo que queria o beijar e beijar também James o atirava em um mar revolto e confuso. Remus, movendo a sua língua de forma obscena e desabafando sobre a licantropia e o sexo.

Licantropos fodiam até não aguentarem mais e isso, naturalmente, era algo que não vinha escrito nos livros de Defesa contra as Artes das Trevas. Definitivamente, Lupin estava bêbado, principalmente por ele haver beijado a intercambista de Ilvermorny há menos de uma hora atrás, com os lábios da boca pequena, vermelha, úmida... As mãos delicadas do rapaz tocaram o rosto da menina de um modo dócil que Sirius nunca conseguiria replicar. Mas desejava experimentar...

Black se sentiu subitamente muito cansado, então, como se houvesse corrido uma maratona. Como se fugisse de algo e para algo que não conseguia decifrar.

Como se algo dentro de si fosse triste e não pudesse ser expelido para fora, a fim de ser transmutado e se tornar alegre. Sirius era um cachorro negro e grande enjaulado dentro de si e perambulando de uma extremidade a outra na gaiola de ferro que eram os seus padrões na época.

Nos gramados da Escola, Filch corria em direção a um grupo de sonserinos que pulara dentro do Lago Negro e um monitor usava a sua varinha para tentar impedir outros alunos de imitarem os veteranos. Nesse ínterim, James deixou o banheiro com os cabelos rebeldes assentados pela água e as gotas escorrendo por seus ombros fortes. Despindo-se, ele desatou o nó da toalha em sua cintura e a atirou, displicentemente, sobre a cama. Seu corpo alongado e definido se revelou.

Black desviou o seu olhar de um modo um tanto arrastado, dizendo:

"Você sempre faz isso?"

James deu de ombros, vestindo a sua cueca boxer.

"Faz o que? Tomar banho...?"

"Não, porra..."

"Usar cueca...?"

"Não! Trocar de roupa na frente de todo mundo, cacete..."

James enxugou os cabelos, antes de vestir a blusa do seu pijama.

"E desde quando você é todo mundo, Black? Eu não tenho nada que você não tenha..."

Sirius sacudiu a cabeça, soprando a fumaça para o alto.

"A gente viu o Nicholas Huang e o Detlef Hausen se pegando ainda há pouco..." — falou Black, sem concluir muito bem a sua explanação e se arrependendo de trazer esse assunto à tona, diante do amigo seminu.

James colocou a calça do seu pijama e, em seguida, os óculos.

"E daí? Você quer pular em cima de mim também como se eu fosse um centauro disposto a te carregar, que nem o Huang fez com o Hausen?"

Sirius contraiu as sobrancelhas, dizendo ao se levantar e rumar também para o banheiro que desocupara:

"Vai sonhando!"

"Vai você, Black!"

Sirius olhou por sobre o seu ombro para o rosto impassível do amigo, antes de bater a porta do banheiro atrás de si. Sirius se recostou, então, na entrada, apoiando a sua nuca no portal de madeira. O que diabos estava acontecendo com ele?

No banho, Sirius deixou a água escorrer por seu corpo e pelos seus cabelos escuros. Com os olhos fechados, o rapaz sentia o cansaço percorrer cada fibra de sua pele e se demorou sob o chuveiro, experimentando os seus músculos relaxarem e as sensações imprecisas daquela noite se dissolverem um pouco.

Sirius vestiu, no banheiro ainda, a sua calça de moletom e a regata escura, antes de escovar os dentes e voltar para o quarto. Quando retornou, deparou-se com Remus trajando o seu pijama branco e deitado na cama de James.

O rapaz de cabelos rebeldes, sentado ao lado do amigo e com as costas apoiadas no travesseiro, displicentemente, limpava as lentes dos óculos, verificando-o contra a luz.

"Por que o Remus tá na sua cama?" — indagou Sirius, arqueando as sobrancelhas.

James respirou fundo.

"Ele saiu do banho e se jogou aqui. Não o impedi. Acho até melhor porque ele demorou pra pegar no sono e tava se mexendo muito. Ia acabar caindo da cama dele..."

Sirius abriu a sua boca e falou, após alguns segundos:

"Vocês vão dormir juntos?!"

"Nós vamos dormir juntos, Black! A gente faz uma barreira pro Remus não cair da cama no meio da noite... A cama é grande e dá pra nós três..."

Sirius se reteve e passou a mão por seus cabelos molhados. A ideia não lhe desagradava em absoluto, mas o atirava em uma estranha ansiedade e o rapaz se moveu um pouco pelo quarto, parecendo o cão enjaulado dentro de si mesmo.

Quando ele pensou em protestar, não conseguiu pensar numa justificativa que pudesse verbalizar a confusão que sentia. Pegando, então, o seu travesseiro, Sirius se deitou ao lado de Remus, que respirava baixinho, dormindo. Do seu corpo, emanava aquele cheiro maravilhoso de sabonete, xampu e pasta de dente de hortelã.

James respirou fundo, então, deixando os seus óculos na cabeceira da cama e puxou o seu cobertor até a altura da cintura enquanto as luzes eram apagadas com um feitiço. Sirius esticou os seus dedos na penumbra e acariciou a franja úmida do rosto de Lupin. E, esticando a sua mão um pouco mais, empurrou a cabeça de James que protestou:

"Porra, se fizer isso de novo, te coloco pra fora da minha cama aos pontapés, seu cuzão!"

Sirius deu uma risada e após quase um minuto de silêncio em que ele respirou fundo na penumbra, disse finalmente:

"Meus relacionamentos estão acabando muito rápido mesmo, Potter..."

James, observando as sombras projetadas no teto, colocou as mãos sob a cabeça.

"Você gostava da Aileen?"

Sirius deu de ombros.

"No início, tava bem interessado nela, mas depois, sei lá... As coisas foram, naturalmente, esfriando..."

James pigarreou um pouco, antes de dizer com algum constrangimento:

"Eu preciso terminar com a Mia direito. Amanhã, vou procurá-la e conversar com ela..."

Um renovado silêncio se fez em que, dessa vez, foi Sirius que pigarreou, recolhendo a sua mão para não encostar em nenhum dos seus dois amigos novamente.

"Você já havia visto dois garotos se pegando em Hogwarts, Potter?"

Black viu James mover o rosto em sua direção e sentiu as retinas pesadas do rapaz o fitando no escuro.

"Ah, Black... Você não é um bruxo purista de merda provinciano, não é? Todo mundo sabe que existe homossexualidade em Hogwarts. Em qualquer escola, eu acho que tem..."

Sirius pestanejou, dizendo:

"É, eu imaginava... Mas nunca havia visto..."

Sirius se manteve no escuro, observando os seus dois melhores amigos.

Ele observava na penumbra os contornos das maçãs dos rostos dos dois rapazes e seus cabelos úmidos caídos em suas frontes. O perfume de banho emanava de suas peles frescas e Black sabia intimamente que há alguns anos, nunca aceitaria dividir a cama com ninguém.

Nunca aceitaria que outras pessoas se aproximassem tanto dele como já o deixara em um instante singular da sua vida. Engessado dentro de si mesmo, ele precisara, desesperadamente, que Potter e Lupin queimassem ou inundassem as suas barreiras e travas, escoando destroços de suas barricadas. Talvez, as suas ex-namoradas estivessem certas quando apontavam a frieza crônica de Black como um problema.

Nos gramados de Hogwarts, alguém parecia ter usado feitiços amplificadores para a música da vitrola e o som invadia as frestas da janela, mergulhando o dormitório numa canção suave. Certamente, não demoraria muito para os professores e diretores das Casas interferirem porque isso feria as regras da festa.

"Devo usar algum feitiço para abafar o som?" — indagou Sirius, fazendo menção de se levantar para pegar a varinha sobre a sua escrivaninha.

James redarguiu, dando de ombros.

"Não... Até que tô curtindo. Remus tá certo. A música trouxa é melhor do que a maioria das músicas bruxas..."

O som de Derek and the Dominos tinha Eric Clapton repetindo no refrão o nome daquela menina chamada Layla, que o deixava de joelhos e por quem pedia por conforto.

Sirius disse:

"Remus deu o primeiro beijo dele hoje e nem mesmo pode curtir o momento. Ficou bêbado e caiu no sono..."

James respirou fundo, virando-se para o lado.

"Mas ele beijou mesmo a intercambista de Ilvermorny ou você só tá chutando...?"

Sirius fitou o teto, identificando muito bem dessa vez em si mesmo o sentimento de ciúme.

"Ele ficou trancado com ela numa sala vazia em meio a uma festa, fazendo o quê? Jogando xadrez?" — respondeu o rapaz de cabelos compridos com alguma amargura— "É bem a cara do Remus ser esquivo e fazer as coisas sem nunca termos certeza... Mas, ainda há pouco, no banheiro, ele falou algo..."

James indagou, esticando a mão para fazer carinho no cabelo de Remus e prolongando o afago até a franja mal cortada de Black.

Sirius hesitou, sentindo com alguma surpresa, os dedos firmes do amigo, mas não o impediu de tocá-lo. Pensando bem, sempre havia toques entre os três como uma manifestação de ternura, sempre com delicadeza tateando um silencioso 'posso?', antes de se ampliar sobre a carne e o coração. Eles eram tão carentes assim?

"...Remus disse que queria beijar nós dois..." — declarou Sirius.

O afago de Potter cessou por alguns segundos e mesmo no escuro, Sirius viu o rapaz de cabelos rebeldes o espreitar.

"... Mas ele tava bêbado, claro! Não é verdade!" — adiantou-se Sirius em dizer.

James falou, apoiando-se em seu cotovelo.

"Os boatos do Lupin curtir garotos podem ser verdade, Black. Nunca falamos disso porque não temos certeza e porque o Remus nunca quis nos contar nada..."

Sirius também se apoiou em seu cotovelo e disse:

"Não, James... A gente brincava daquela forma esquisita de beijo porque o Remus queria encontrar uma namoradinha e saber o que deveria fazer... Estávamos só ensinando pra ele..."

James pestanejou, ajeitando ruidosamente as cobertas sobre si. O farfalhar de tecidos rodeava o seu corpo.

"Ele nunca falou com todas as letras que queria ficar com uma menina, Black... Nós inferimos ou quisemos acreditar nisso e ele foi deixando a gente pensar assim, eu sei lá..." — e o rapaz acrescentou, dando de ombros — "Para mim, não era esquisito brincar de beijo..."

Sirius ia responder a James, mas prendeu a respiração quando sentiu Remus se mexer ao seu lado, murmurando um dos códigos dos Marotos no instante em que a banda de rock britânica que elevava a sua voz nos gramados do Castelo, dizia: 'Like a fool, I fell in love with you/ You turned my whole world upside down'.

"Marotos não podem mentir uns para os outros..." — balbuciou Remus, adormecido, uma das regras que aceitou obedecer ao se tornar um rebelde no seu primeiro ano em Hogwarts.

James sorriu e a música trouxa com os riffs de guitarra parecia acompanhar aquela instância de Black em que ele sentia um arrepio na sua espinha e se sentia confortável por estar ao lado de seus amigos e desconfortável por querer se aproximar ainda mais deles.

Então, como se o seu pensamento houvesse tocado Lupin, o menino de cabelos castanhos se moveu dormindo, colocando-se em posição fetal.

Seus quadris encostaram em James e seus braços se estenderam até Sirius, envolvendo-o por completo.

Sirius segurou o pulso de Remus, sem saber se deveria impedi-lo de buscá-lo em seus sonhos, mas, no fim, cedeu.

O grifinório sentiu os dedos do amigo deslizarem por seus ombros com uma carícia muito delicada.

Nesse instante, a lembrança de Lupin movendo a língua daquele jeito obsceno no banheiro atingiu os sentidos de Black com força.

Foder até não aguentar mais...

...Deve ser gostoso pra cacete.

E com demasiada força ainda, Sirius experimentou uma pontada em seu baixo ventre, acompanhada da inconfundível vontade de acariciar o rapaz ao seu lado, tocando-o em lugares que a amizade não permitia.

Aquela ânsia despontou em si com uma certeza desnorteante. E, talvez, ele abraçasse Remus de volta se o garoto não tivesse se soltado dele, esticando-se na cama.

O rapaz de cabelos castanhos se ajeitou em seu sono, balbuciando algo novamente e se moveu, tocando a perna de James com a sua. Depois, ele adormeceu de barriga para cima.

Black engoliu em seco, permanecendo muito quieto. Ele sentia o corpo menor do amigo e uma sensação estranha o atravessou quando viu que a blusa do rapaz revelava a barriga nua sobre a calça de cós baixo.

James, por sua vez, havia se sentado na cama com as pernas dobradas e apoiando os cotovelos sobre os joelhos. No escuro, Potter procurara o olhar de Sirius com aquele jeito que possuía de alguém que vê o mundo desmoronando e mantém alguma calma.

E, na penumbra, ele estava atraente também com a boca entreaberta e sem os óculos. James, que trocava de roupa na frente dos amigos.

Foi quando um pensamento desconexo, tenebroso e inebriante de ficar nu sob as cobertas com os seus dois melhores amigos invadiu Sirius, que o rapaz percebeu o seu membro endurecer na sua virilha.

No escuro, se eles se tocassem, não saberiam quem era quem e, ao mesmo tempo, saberiam porque mapeavam os toques uns dos outros desde que se conheceram. Nervoso, Sirius se ergueu do colchão, colocando-se de pé e rumando para o banheiro.

"Black, tá tudo bem...?" — chamou-lhe James— "Tá sentindo algo?"

Tipo, uma ereção?

"Eu tô enjoado por causa da bebida. Vou tomar uma poção também..."

Sirius fechou a porta do banheiro atrás de si, antecipando-se até a pia e abrindo a torneira. Molhando a nuca com a água fria, ele tentou se acalmar, respirando fundo e erguendo a cabeça para fitar o seu olhar cinzento no reflexo do espelho. Seu rosto estava vermelho e a franja mal cortada descortinava o seu olhar selvagem.

O que estava acontecendo com ele? Não é que Sirius reparasse em garotos. Não de verdade. Quer dizer... Havia aquele olhar de curiosidade, às vezes, quando o grifinório via uma pessoa demasiadamente bonita e o sexo dessa pessoa não lhe inspirava um real distanciamento, independente de qual fosse.

Havia noites em que ele acordava excitado durante a madrugada e, tipo, ele já pensara em garotos enquanto se proporcionava aquele prazer solitário, mas ele aceitava esses momentos como um flerte com aquilo que lhe era proibido. Nunca, efetivamente, Sirius beijara meninos ou ficara com eles.

Talvez, todas as pessoas nutrissem aquela variedade imaginativa quando estavam sendo íntimas de si mesmas, não é mesmo? Não significava que o seu desejo fosse real.

No primeiro ano, Black costumava tomar banho com James no mesmo chuveiro nas ocasiões em que Pettigrew ocupava o outro banheiro do dormitório.

Sirius evitava espreitar o corpo do seu amigo, nessas ocasiões, desviando o olhar por respeito ao pensar que não era certo. Assim, como desviava o seu olhar no vestiário de Quadribol em que os jogadores do time se despiam. Não era a primeira vez que Sirius tinha uma ereção por causa de Lupin e de Potter e, nessas situações, ele achara que era um estado passageiro porque ele era, de fato, muito carente. Sirius se censurava.

Não era certo ele tirar vantagem de duas das pessoas que mais amava no mundo. Mas aquela vez, em especial, parecia diferente. Havia uma urgência irracional.

Black gostava, afinal, de garotas e garotos por se atrair por algumas garotas e alguns garotos da Escola?

Sirius fechou a torneira da pia e se sentou no chão do banheiro, tamborilando os dedos nos ladrilhos. Depois, passou a mão molhada por seus cabelos escuros, pela tez febril e se recordou de Orion Black, seu pai, dizendo que sentimentos eram coisas de mulherzinha. Emoções eram dramas desnecessários. E que a sexualidade entre homens era inadmissível na família Black, assim como o sangue impuro e a simpatia com o partido democrático bruxo, coordenado pelo Ministro Johnson.

Pular de uma Casa como a Sonserina para uma Casa como a Grifinória também era inadmissível, mas irritar os Blacks era sempre a prerrogativa da qual Sirius, como filho, dispunha.

No entanto, sentir desejo por garotos, mais do que afrontar a família, parecia arrancar de Sirius uma camada da própria pele, deixando que o vento da noite refrescasse as áreas em carne viva de si mesmo.

"Você tem olhos lindos de verdade, Sirius Black, mas parecem tristes quando fica pensativo..." — murmurara Aileen Marrett no dia anterior, colocando o cabelo do grifinório atrás da orelha ao observar o namorado espreitar Remus sentado sob o freixo da Escola, escrevendo algo em seus pergaminhos.

Nos gramados, a música da festa fora silenciada e Sirius, no banheiro, sentiu o silêncio se alastrar para dentro de si, como se fosse um mar revolto avançando pela areia da praia. Como se o rapaz de cabelos compridos fosse constituído por silêncio, posicionando-se naquela linha fina que era querer ser muito diferente dos Blacks e conseguir muitas vezes, mas expor também a verdade velada de ser um pouco como os Blacks.

Desejar os próprios amigos daquela forma caótica e não-amigável... Remus e James...

"Eu não presto mesmo." — murmurou Sirius para si mesmo na penumbra de si mesmo.