OS MAROTOS: O LIVRO DAS SOMBRAS

CAPÍTULO 6

MENTIRAS

'Run, whirlwind run
Further and further away
Into the sun
In, 20 minutes
Everyone will remember you when you're gone
And your heart, is a stone
Buried underneath your pretty clothes

Everything you say is fire
All the claims you lay you liar
Everything you say is higher
See it in the grey you crier'

(Girls Like You – Naked and Famous)

Remus despertou, sentindo o sol pálido da manhã invadir o dormitório, derramando os seus raios de laranja destilada sobre a mobília.

Vindo da orla da Floresta Proibida, o canto dos galos criados por Hagrid anunciava o sol alto no céu.

Remus observou, então, as costas de Sirius com algumas sardas de sol sobre os ombros. O cabelo do grifinório caía solto sobre o travesseiro como uma cortina escura e a sua respiração ressoava pesada e profunda.

Do outro lado do rapaz de cabelos castanhos, se encontrava James também adormecido. O grifinório estava sem os seus óculos e contraía um pouco as sobrancelhas durante o sono como se experimentasse um remédio amargo ou um sonho desagradável.

Envoltos pelas cobertas, Black e Potter não se moveram quando Remus se sentou sobre o colchão, levando a mão ao rosto.

Por que ele estava na cama de James? E por que os três amigos haviam dormido juntos?

As lembranças confusas da festa de despedida dos intercambistas no dia anterior se tornaram parcialmente nítidas e Lupin se recordou da quantidade de ponche que ingerira e da sensação de dançar entre os alunos como se não houvesse amanhã. Só que havia um amanhã e ele se dava, tipo, agora.

"Parabéns, Remus John Lupin, por pensar só em dar um pulinho na festa dos intercambistas e terminar se expondo no meio do Salão, passando vexame feito um animador de festa do mundo trouxa..." — pensou Lupin, sacudindo o seu rosto.

Depois, o grifinório levou a mãos aos olhos quando se recordou de Sirius o carregando para fora do Salão Principal e ele se cobriu com o cobertor como se pudesse se esconder de si próprio — "Que merda!"

Após alguns minutos, Remus observou, novamente, Black e Potter dormindo ao seu lado e ele retirou a franja dos olhos de Sirius. Em seguida, apertou o ponto na testa de James em que suas sobrancelhas se contraíam, suavizando a expressão do rapaz.

"Vocês, dormindo, parecem só garotos de quinze e dezesseis e não os dois demônios de Hogwarts que mexem com a cabeça das pessoas... Obrigado por cuidarem de mim de qualquer modo..."

Remus, saindo de debaixo das cobertas, se ergueu, então, para ir ao banheiro, tomando o cuidado de não ter que passar por cima dos dois amigos. Engatinhando no espaço que lhe cabia, ele deixou a cama alta, tropeçando em uma bota de Sirius largada no chão e caindo sobre o carpete com um forte estrondo.

"AI!"

James, automaticamente, se moveu em seu espaço e, rapidamente, conjurou os óculos da cômoda, colocando-os sobre a vista.

"Remus...?"

Sirius também se moveu em seu lado, erguendo o rosto sonolento e apertando a vista.

"Desculpa... Eu vou ao banheiro. Tropecei e caí. Podem voltar a dormir..." — explicou-se o rapaz de cabelos castanhos, antecipando-se até a sua escrivaninha para buscar os seus óculos e seguir para a toalete.

Lupin tentou recobrar as lembranças da festa passada, mas se se esforçasse muito, sentia uma pontada em sua cabeça e era tomado por imagens confusas.

Lembrava-se de que dançara com Raven Fraser e Winona Rivers. Lembrava-se que dançara com Alejandra González e que precisara rejeitar as investidas da intercambista de Ilvermorny. Depois, ele se aborrecera com Sirius e Pettigrew e tudo se tornou um borrão de serpentinas, fios com luzes coloridas, silhuetas, melodia e o gosto forte de frutas com whisky.

Olhando-se no espelho, Remus viu a blusa do seu pijama desabotoada até o tórax e o rapaz se apressou em abotoá-la, escondendo os seus arranhões profundos e hematomas de sua última transformação.

Depois, ele escovou os dentes e retornou para o quarto, esperando que, sendo um domingo, Black e Potter tivessem voltado a dormir. No entanto, os dois garotos estavam sentados na cama de James, esfregando os seus rostos amassados.

"Bom dia!" — disse Remus, fechando a porta do banheiro atrás de si e vendo as cortinas do quarto serem abertas com os feitiços que residiam no Castelo. O ambiente se iluminou completamente e Sirius levantou a mão espalmada sobre a vista, protegendo-a da claridade.

"Bom dia, lobinho..."

"Dia, Remus..." — murmurou James, massageando as suas têmporas.

O rapaz de cabelos castanhos se sentou na beirada da cama e indagou, envolvendo os seus joelhos com os braços.

"Por que dormimos na mesma cama?"

"Você tava tão bêbado que se jogou na minha cama. Eu e o Black fizemos uma barreira pra que você não beijasse o chão no meio da madrugada..."

Sirius, com os olhos semicerrados, tinha as pálpebras inchadas e parecia não ter dormido as suas horas necessárias de sono.

"Vocês também exageraram com os ponches...?" — indagou Remus, vendo James destampar o frasco de alguma poção na cabeceira da cama e beber o conteúdo.

"Um pouco... Mas nada como você, Remus..."

O rapaz de cabelos castanhos arregalou os olhos, antes de ajustar os óculos na vista com as juntas dos dedos. Respirando fundo, ele indagou:

"O que eu fiz...?"

"Você subiu na mesa da Sonserina, Remus. Dançou até o chão e rolou nele com o Pirraça." — respondeu James, tomando outro gole da poção amarela, gargarejando logo em seguida e engolindo.

"... Depois, você se pendurou no lustre e tirou a roupa. Os sonserinos colocaram dinheiro na sua cueca. A gente reuniu tudo ali pra você gastar na Dedosdemel com chocolates." — comentou Sirius, após um bocejo.

O rapaz de cabelos castanhos contraiu as sobrancelhas e se assustou, principalmente pelo fato de que se houvesse alguma verdade ou mentira naquilo, ele não conseguiria identificar, visto que a sua memória se tornara um borrão.

"O quanto disso é verdade?"

"A parte de dançar até o chão..." — tranquilizou-o James— "Você dança bem. Então, foda-se, não foi tão ruim..."

"Certo. Obrigado por me trazerem pra cá, mesmo que eu não me lembre de nada..."

James apontou para Sirius com a cabeça.

"Agradece ao Black por ele ter te trazido carregado do Salão Principal até aqui. E ao fato de ele ter te ajudado a tomar banho..."

Remus moveu o seu rosto rapidamente em direção ao grifinório de cabelos compridos.

"Você me deu banho?!"

Sirius passou o braço por sobre a vista, dizendo:

"Não, você não me deixou e eu saí! Você fez um escândalo quando eu tentei tirar a sua camisa..."

Remus tinha um rubor suave subindo por suas faces e orelhas e ele abotoou mais um botão de seu pijama. Depois, murmurou um pouco constrangido:

"Desculpa atrapalhar a festa de vocês."

James entortou a boca para o lado e se ergueu sobre o colchão, bagunçando a sua própria franja. Depois, ele rumou para o banheiro.

"Aquela festa não foi grande coisa. Eu não queria mesmo ficar nela nem por mais um segundo..."

Remus ajustou os óculos sobre o nariz, quando viu James ocupar o banheiro. O rapaz de cabelos castanhos moveu o seu rosto em direção a Sirius.

"O que houve?"

"Ele brigou com a Mia Estivalet. Vai terminar com ela hoje. Você sabe como o Potter tem dificuldade com essa coisa..."

Remus assentiu. De fato, James Potter tinha a fama concomitante de ser um garanhão popular e, ao mesmo tempo, de não ser o melhor namorado do mundo. Com um dos seus relacionamentos mais marcantes, que fora com Rebbecca Liljeberg da Corvinal, ele agira como um completo babaca. Mas, em sua defesa, organizar a bagunça e terminar decentemente um relacionamento, ainda que não fosse um namoro propriamente dito, era um grande avanço para James.

"Me sinto um pouco culpado. Fui grosso com a namorada dele. Se eu deixasse passar..." — murmurou Remus.

Sirius sacudiu o rosto, tirando um cigarro do maço de dentro da gaveta da cômoda e o acendendo com um isqueiro.

"A culpa não foi sua. Esse namoro não tinha futuro mesmo. James quer terminar com ela..."

Remus prendeu a respiração, vendo a fumaça do cigarro se espalhar pelo ambiente. Rapidamente, ele se adiantou até a sua varinha, escancarando todas as janelas. O rapaz de cabelos castanhos já havia advertido Black e Potter para que não fumassem no quarto compartilhado, mas como os dois amigos haviam cuidado dele na noite passada, Lupin relevava, cedendo um pouco.

Quando retornou para a cama, Remus observou o olhar vago de Sirius e reparou que os olhos cinzentos do rapaz possuíam aquela gota de melancolia.

"Você tá bem?"

Black aquiesceu, batendo a guimba de cigarro em um cinzeiro de vidro sobre a cômoda.

"Claro... Por que não estaria?"

Remus deu de ombros, erguendo o seu olhar cor de âmbar.

"Você parece chateado..."

Sirius tragou o cigarro e soltou a fumaça pelo canto da sua boca, dizendo:

"Acho que vou ter que terminar com a Aileen também..."

Remus ergueu as suas sobrancelhas, pensando que os namoros dos seus amigos que duravam meses anteriormente, agora mal alcançavam uma semana.

"Você deve estar bem triste com isso..."

Para surpresa de Lupin, Sirius sacudiu a cabeça.

"Não de verdade. Aileen foi aprovada pelo programa de intercâmbio para a Escola de Magia Uagadou, na África, e vai se mudar para lá no início do outro ano letivo. Ela vai ficar fora por um ano. Não tinha futuro também o nosso namoro..."

O rapaz de cabelos castanhos respirou fundo, se ajeitando na beirada da cama. O olhar de Sirius cruzou com o de Remus e Black o olhou com profundidade, antes de indagá-lo:

"Um pouco antes de você ficar completamente bêbado, lobinho, você havia me dito que eu havia te magoado e que eu te deixei se sentindo um lixo. O que foi que eu disse de tão ruim?"

Remus pestanejou, abaixando o seu rosto e a dor das palavras atingiram o seu coração novamente em cheio. Com uma expressão mal-humorada, o rapaz de cabelos castanhos engoliu em seco, recompondo-se. Sendo sincero consigo mesmo, era uma perda de tempo continuar aborrecido com as palavras de Black.

Sirius Black e James Potter gostavam de garotas e o mundo deles se estruturava dessa forma com a lógica de buscarem as meninas com os seus olhares e não refletirem muito sobre as outras lógicas.

Para Black, dois meninos dançando juntos era demasiadamente estranho, assim como a irritação de Remus o seria, visto que o rapaz de cabelos castanhos nunca dialogara sobre a sua sexualidade com os amigos.

Lupin pigarreou, cruzando os braços.

"Eu não me lembro, Sirius. Talvez, eu já estivesse bêbado nessa altura..."

Sirius espreitou o rosto do rapaz de cabelos castanhos, murmurando:

"Sabe que você pode falar qualquer coisa comigo, não sabe?"

"Sei..." — assentiu Remus, laconicamente, desviando o seu olhar cor de âmbar.

Não. Ele não podia falar tudo para Sirius.

Black se manteve um tempo quieto com o cigarro entre os dedos, apoiando-o próximo aos lábios.

"Você se lembra do que conversamos ontem no banheiro?"

Remus se recordava da água corrente e de Sirius, sentado ao seu lado no beiral da banheira. Recordava-se de James molhando o rosto na pia. Mas essa imagem desprendia somente ruídos e não dispunha de palavras. O rapaz lembrava-se também que estava um pouco excitado na ocasião, com o lobo sussurrando em seu ouvido coisas que arrepiavam a sua espinha. Sobre o que falaram?

"Não, não me lembro. Sobre o que conversamos?"

Sirius fitou o grifinório diante de si, lembrando-se da língua de Remus massageando de modo obsceno o próprio canino. Lembrou-se das palavras vulgares do seu amigo quando um arrepio percorreu as suas costas e um calor se espalhou pelo seu rosto até o peito. Meneando a cabeça, Sirius disse:

"Ah, nada demais. Esquece..."

Nesse instante, James voltava do banheiro e tinha os seus cabelos penteados. Acomodando-se novamente sobre a sua cama, ele falou:

"Que horas você foi dormir, Black? Quando eu caí no sono, você tava ainda no parapeito da janela fumando..."

"Tarde. Eu demorei pra conseguir pegar no sono. Não sei o que aconteceu comigo..." — murmurou Sirius, esfregando os olhos e sabendo exatamente o que acontecera com ele. As sensações da noite passada foram demasiadamente surpreendentes.

James fitou demoradamente o amigo e, logo após, seu sorriso enviesado e provocativo se desenhou em seus lábios. Potter indagou, então, movendo os olhos brevemente em direção a Lupin.

"Contou o que vimos ontem para o Remus?"

Sirius pigarreou, engasgando-se um pouco com a fumaça do cigarro e Lupin olhou os amigos com curiosidade, aproximando-se mais.

"Que caras são essas? O que vocês viram?"

James se deteve, antes de acender um cigarro também por um curto espaço de tempo que pareceu uma eternidade. Remus fungou e, incomodado, abanou a fumaça diante de si.

"Você conhece o Nicholas Huang e o Detlef Hausen?"

Remus assentiu diante da pergunta retórica, visto que, no dia anterior, fora à festa dedicada aos intercambistas de Ilvermorny e Durmstrang e, obviamente, conhecia os dois.

"...Eles tavam se pegando com vontade no meio do corredor..."— anunciou James, sem meandros.

O rapaz de cabelos castanhos se manteve alguns segundos com os seus olhos arregalados por trás das lentes dos óculos. Remus sabia que Nicholas era gay porque o rapaz não se esforçava para esconder quem era. Nas breves conversas que tiveram na biblioteca, ele se mostrara muito gentil e agia como se compreendesse, tacitamente, a sexualidade de Remus também.

Já Detlef era uma incógnita e Lupin o via como alguém que dava trabalho. O grifinório o via muito próximo de Nicholas Huang, mas o estudante de Durmstrang tivera um romance tórrido com uma aluna da Grifinória. Era uma surpresa saber que, no fim das contas, Ilvermorny e Durmstrang tiveram um bom momento juntos, antes de retornarem para os seus respectivos países.

"Ah, é...?"— murmurou Remus de um modo sonso— "E...?"

James deu de ombros enquanto Sirius se mantinha muito quieto, esquecendo-se do cigarro entre os seus dedos que era consumido pelo fogo.

"E nada! Só achei curioso. Nunca tinha visto dois garotos se pegando..."

Remus pestanejou e ajeitou os óculos com o dedo anelar sobre o nariz.

"Muitos merlins e sacerdotisas eram homossexuais, James. Isso não é novidade no mundo bruxo. O estranhamento disso, goste os puristas ou não, foi importado justamente do mundo trouxa."

A fala de Remus era didática, mas havia um tom um pouco passional nas últimas palavras. Sirius e James nunca haviam visto o amigo se posicionar nem contra e nem a favor da homossexualidade. Era verdade o que ele dizia e os dois grifinórios sabiam que o mundo bruxo sofria uma tentativa de retrocesso, sendo que, no passado, a homossexualidade era algo plenamente vivido.

James se antecipou em se explicar.

"Eu sei. E não me tome como um purista filho da mãe, Remus. Aliás, você sabe que não sou nenhum puritano amargo em relação ao sexo. Os Potter são bem liberais. Só fiquei surpreso..."

Remus fitou o rosto do amigo, ruborizando um pouco. E James o encarava diretamente. A próxima pergunta que James faria pairava no ar e quase podia ser ouvida, sentida, identificada, mesmo com a ausência de palavras. Potter ia perguntar se Lupin já havia ficado com algum garoto ou se tinha vontade de fazê-lo.

No entanto, Sirius, que se contorcia internamente com as sensações e descobertas da noite passada, parecia inquieto e o cigarro em seus dedos quase chamuscava as suas digitais. A conversa sobre garotos também chamuscava a sua pele, tornando-a muito sensível, revelando partes suas sobre a qual não conseguia verbalizar. Sirius não tinha nada contra garotos ficando com garotos, mas falar sobre isso próximo a Potter e a Lupin o deixava muito sem jeito.

"Remus beijou Alejandra González na festa de ontem..."— vomitou Black, sem um encadeamento lógico.

Lupin, sendo afastado do ambiente seguro que James lhe tentava apresentar, baixou o seu rosto, engolindo em seco. James olhou para Sirius com alguma irritação. Parabéns pelo excelente timing, Black, e pela ausência de noção!

Potter e Lupin não compreendiam que aquela barricada que era a possibilidade de Remus gostar de garotas represava também os anseios do próprio Black.

Remus crispou os lábios de um modo irônico.

"Você me viu beijando a Alejandra?"

"Não, mas você ficou trancado numa sala vazia com a intercambista de Ilvermorny. O que ficaram fazendo?"

O rapaz de cabelos castanhos se fechara novamente e respondeu com azedume:

"Privacidade, Black! Não quero falar sobre isso com você..."

Sirius amassou a guimba de cigarro no cinzeiro, antes de expelir um fio de fumaça pelo canto da boca com alguma chateação.

"Certo!"

James, no entanto, olhando de um amigo para outro, permaneceu no seu processo enigmático interno que era ainda mais misterioso do que quando ele se comunicava com o mundo externo. Respirando fundo, então, Potter falou:

"Fiquei curioso em ficar com um outro garoto..."

Remus e Sirius moveram as suas cabeças com tanta rapidez que, possivelmente, sentiriam dor nos seus pescoços depois. O ar alaranjado do dormitório se tornou denso e o ambiente parecia prender a respiração. Potter se adiantou, movendo as mãos diante de si.

"Não me entendam mal. Eu gosto muito de garotas. Muito mesmo. Mas eu fiquei curioso quando vi o Huang e o Hausen se pegando..."

Sirius teve a sua pálpebra tremendo brevemente e um sorriso um pouco alucinado se desenhou em seus lábios.

James Potter era impressionante mesmo! Black remoía aquelas questões dentro de si, sem conseguir verbalizá-las ou lidar com elas e, num átimo, um dos seus melhores amigos expressava os seus anseios com a naturalidade de um respirar ou piscar de olhos. Às vezes, Sirius tinha a sensação de que James era indispensável para o entendimento do seu mundo e da comunicação desse aos outros. Achava também que o grifinório era, muitas vezes, a ponte dele com Remus, principalmente naquele período em que os dois, vez ou outra, trocavam farpas com ou sem intenção. James diluía tensões.

"Que?" — indagou Remus, com os seus lábios úmidos entreabertos.

James sorriu para o amigo diante de si, bagunçando a sua franja espessa.

"Não me olha como se eu não fosse desse mundo, Remus..."

O rapaz de cabelos castanhos meneou a sua cabeça, pestanejando.

"Eu só tô surpreso. Eu te vejo enroscado em garotas desde que você tinha onze anos, Potter."

"Posso querer me enroscar em um menino pra ver como é, não é?"

Remus arqueou as sobrancelhas e Sirius o viu engatinhar para o centro da cama, colocando-se entre os dois amigos. Black ainda estava um pouco aturdido, mas não pode deixar de sentir próximo a si o calor e o perfume que emanavam de Lupin.

"Você falou que tinha curiosidade em beijar um garoto e, agora, já tá falando em se enroscar em um, James..."

"Uma coisa leva a outra..." — murmurou Potter com o seu riso esperto, apoiando-se em seu cotovelo — "Não sou do tipo que se segura!"

James tomou um gole da poção de gargarejo que ele tinha ao lado da sua cama e se manteve um tempo com a cabeça inclinada, antes de engoli-la. Quando ele voltou a falar, seu hálito possuía um cheiro muito agradável de menta e camomila.

"Quer me beijar, Remus?"

O rapaz de cabelos castanhos deu um tapa de leve no braço do outro rapaz, fazendo-o rir enquanto afastava o seu rosto e colocava a mão sobre a boca. Sirius fitou os dois rapazes com desconforto.

"Não brinca com isso, Potter..." — murmurou Sirius com uma expressão muito séria.

"Remus e eu gostamos de nos provocar... Isso é normal entre a gente..." — falou James, piscando o seu olho para o amigo de cabelos castanhos.

Mas Remus tinha um rubor em suas bochechas e Sirius se recordou do que ele falara no banheiro na noite passada.

"Não vou servir de teste pra você, James Potter! Tira a sua vassoura da chuva..."

"Ah, qual é, Remus! Vai me deixar beijar alguém de outra Casa? E se for um sonserino esnobe...?"

"Problema o seu, Potter..."

"Remus..."

James deslizava os dedos pela coxa de Lupin, fazendo movimentos circulares sobre a perna do rapaz. Não era a primeira vez que os dois brincavam daquela forma e Remus permitia que as coisas rolassem, aborrecendo um pouco Sirius e testando os seus limites, sem que percebesse.

"Não fico com qualquer pessoa!"

"Au, essa doeu! Eu mando bem pra cacete, se quer saber, seu licantropo com coração de gelo! Não sabe o que tá perdendo!"

"Seu narcisista!" — murmurou Remus, ainda sem afastar a mão espalmada de James de sua coxa.

Black nunca conseguia identificar o quão de verdade ou mentira havia nas brincadeiras estabelecidas entre os dois amigos. Uma parte sua se enciumava, sentindo-se excluída.

O que o rapaz de cabelos compridos não compreendia era que para Remus era fácil flertar daquele modo lúdico com James Potter porque, apesar de ele o achar atraente, não estava apaixonado pelo amigo. As brincadeiras lhe permitiam ser sonso, não evidenciando a sua sexualidade e não a escondendo ao mesmo tempo. Mas com Sirius a coisa mudava de figura porque Lupin levava tudo o que Black dizia muito a sério e, como gostava dele, às vezes, sentia nervosismo até mesmo em olhá-lo.

Remus estava com os braços cruzados, recusando as investidas de James e se deixando levar pelo riso às vezes. Como Sirius estava muito quieto, Lupin o cutucou de leve com o pé.

"Ei!"

"O que?"

Remus engoliu em seco, fitando os botões de sua camisa, antes de hesitar e perguntar:

"O que achou do que o James falou sobre garotos?"

Sirius se deteve e concentrava a sua atenção também no nó de sua calça de moletom, hesitando antes de responder.

"Na casa dos Blacks, homossexualidade é complicado..."

Remus meneou a sua cabeça. Finalmente, o rapaz de cabelos castanhos conseguia travar aquela conversa com os seus dois melhores amigos e isso era tudo o que Sirius tinha pra dizer? Na casa da família purista e tradicional dele, homossexualidade era complicado. Sério, Sirius? Estranho seria se Orion Black dissesse que era sensacional e permitido na sua Casa mui antiga, acrescentando essa informação à tapeçaria dos Blacks. Lupin murmurou com a sua cabeça baixa:

"Você não é a sua família..."

"Com todo o respeito, Sirius, mas foda-se os Blacks."— falou James— "Sério, eles olham pra todos nós como se fôssemos lixo. Da última vez que a gente os viu no King's Cross, seu pai fez questão de esbarrar no meu ombro. Não me interessa o que eles pensam. Me interessa o que você pensa..."

Sirius se manteve um tempo quieto e, pigarreando, falou:

"O que quer que eu diga, Potter? Todos na alta sociedade chamam garotos que gostam de garotos de mulherzinhas, bichas, maricas... Não que não haja adeptos no meio, mas todos fazem escondido. Ouvi uma conversa do tio Alphard com a minha mãe, certa vez, e ela disse que gostava de mulheres. Mas ela se casou com o meu pai e teve dois filhos e mantém esse lado dela sob controle."

Remus mexeu em seus óculos, dizendo:

"Mas o que você acha?"

Sirius repuxou os cabelos escuros para trás, parecendo ter as orelhas e pescoço muito vermelhos.

"Se eu não consigo ser um bom namorado para as garotas, Remus, por que me enrolaria mais me envolvendo com outro rapaz...?"

James deu de ombros.

"Talvez, você conseguisse se comunicar melhor com um outro garoto que estivesse passando pelas mesmas coisas que você..."

Sirius fitou os seus dois amigos e se recordou da noite passada em que desejara o corpo deles incendiando próximo ao seu. Condenando-se, Sirius sacudiu o rosto, brigando com aquela voz interna dentro de si. Era obsceno aquele impulso e ele mentiu, tentando manter sob controle os seus anseios:

"Não tenho vontade de beijar outro garoto..."

Remus desviou o seu olhar, como se houvesse visto um cenário triste e árido diante de si. E seus olhos arderam porque aquelas palavras concretizavam a certeza que ele tinha dentro de si de que Sirius Black era inacessível e não o correspondia. James se manteve muito quieto e Lupin foi arrancado de seus pensamentos, quando sentiu os dedos de Potter colocando uma mecha de seu cabelo atrás da orelha.

"Nem se ele fosse um garoto bonito como o Remus?"

Lupin ergueu o seu olhar cor de âmbar e Sirius sentiu aquele cachorro negro, enjaulado e irritado dentro do seu peito se jogar contra as grades. Os olhos cinzentos de Black sustentaram os de Remus. Mentir era ferir um pouco a si mesmo, mas o amor assustava Sirius nessa época e ele fazia o seu pior, tomando-o como o seu melhor.

"Não tenho vontade de beijar o Remus..."

Um silêncio pesado se fez e Lupin baixou o seu olhar amarelo, como se uma tonelada o houvesse puxado para baixo. Ele não ia conseguir segurar as lágrimas e o rapaz se sentiu mais ferido do que gostaria de sentir. Cacete, parte sua acreditava que Black já houvesse sido um pouquinho superado, mas, agora, era óbvio que não.

Remus experimentou a sensação do seu peito apertar e as suas faces formigarem. Em seu coração, havia também uma besta. Havia um lobo que se enfastiava com o mundo e, vez ou outra, impelia o menino a não ser condescendente com ninguém e nem com porra nenhuma. Não era a primeira vez que Sirius repelia Remus e ele era um idiota por esperar alguma compreensão de alguém que o via somente como um amigo franzino e desinteressante. Quantas garotas Sirius teria que beijar para Remus cair na real?

Semicerrando os seus olhos com alguma mágoa, Remus replicou, cruzando os braços e cuspindo as palavras:

"Ótimo! Porque eu não beijaria alguém como você nem se fosse o último ser vivo da face da terra, Sirius Black..."

Rapidamente, o rapaz de cabelos castanhos pulou da cama, tentando ocultar a dramaticidade das suas palavras e escondendo os seus olhos, antes que eles se evidenciassem úmidos e vermelhos. Sirius, que prendia a respiração como se alguém o houvesse estuporado, manteve-se muito quieto, olhando o amigo diante de si.

Remus usava aquele pijama branco de linho que parecia engolir o seu corpo alongado e o cós da calça escorregava um pouco, revelando a cintura da sua cueca. A sua pele era tão alva quanto o tecido e ele tinha um arranhão na clavícula que se estendia para fora da roupa. Os seus cabelos eram macios e perfumados e tinham aquele tom de castanho que era bonito sob a luz do sol. A boca do grifinório era de um vermelho profundo e seus lábios sempre pareciam úmidos. Sirius não tinha vontade de beijar só a boca de Remus, mas, se pudesse, beijaria o seu corpo todo. Mas Remus não o permitiria, nem que ele fosse a última criatura viva no universo.

"Ótimo..." — resmungou Sirius, assumindo a rejeição de Remus, mas não enxergando o modo como ele colocava uma barreira entre os dois.

Como foi dito anteriormente, o amor era muito difícil para Black identificar, enxergar, sentir ou entender nessa época. Residia nos pensamentos do grifinório como um feitiço demasiadamente complexo; um animal fantástico e em extinção; uma fórmula de poção com os ingredientes mais raros e escassos do planeta; um artefato mágico escondido em qualquer lugar do mundo. O amor não era para si.

Remus respirou fundo e seguiria para o banheiro, sem dar muitas explicações se Pettigrew não irrompesse pela porta do dormitório, com os olhos inchados e os sapatos pendurados pelos cadarços ao redor do pescoço.

James fitou o amigo e cumprimentou-o.

"Isso são horas, Peter? Não me diga que tava festejando até agora?"

O rapaz de cabelos claros tirou os sapatos pendurados do seu pescoço e os atirou num canto, dizendo:

"Quem me dera! Eu fiquei de papo com alguns colegas e caí no sono no sofá da Sala Comunal. Ninguém me acordou! Só o Longbottom agora de manhã..."

O menino de cabelos claros ia perguntar a Remus porque ele estava com uma expressão tão irritada e triste ao mesmo tempo e, talvez, fizesse mais uma piadinha desagradável sobre Alejandra González. No entanto, antevendo o pior e temendo fungar ou derramar algumas lágrimas, Lupin correu para o banheiro, batendo a porta atrás de si com um forte estrondo.

James respirou fundo e mirou Black com alguma irritação, chutando as cobertas para longe. Depois, ele expulsou o amigo de sua cama e os feitiços de arrumação do quarto esticaram os lençóis, os vincos das colchas de cama e afofaram os travesseiros, deixando-os muito alinhados. Quando Pettigrew se jogou em sua cama e pareceu, distraidamente, tentar cair no sono de novo, James murmurou, aproximando-se de Sirius:

"Vamos tomar caminhos diferentes nessa aventura então, Black. Até quando mesmo Nicholas Huang e Detlef Hausen ficam em Hogwarts?"

(cut)

Durante a aula de Astronomia, Remus consultava os mapas e o seu atlas, resolvendo as questões propostas pelo Professor Pollock dentro de uma atividade em dupla. Vez ou outra, o rapaz de cabelos castanhos também se movia até o grande telescópio voltado para a sacada da Torre de Astronomia, anotando as configurações dos astros em seu pergaminho. Lupin fazia parceria com Pettigrew e dava direcionamento ao seu amigo, sabendo o quão ele detestava Astronomia.

"Me passa as informações sobre Calisto e Elara, Peter." — pediu Remus, movendo o rosto para indicar o atlas ao amigo.

"Quem?" — indagou Pettigrew, coçando os seus cabelos claros com a pena e despenteando-os um pouco.

"Os satélites de Júpiter!"

"Ah... Achei que eram nomes de sacerdotisas bruxas..."

Remus estalou os seus dedos, após escrever as informações de Himalia e Lisiteia no pergaminho.

"Foco, Pettigrew! Estamos na aula de Astronomia!"

"E você sabe como odeio as aulas do Pollock, Remus!" — sussurrou Peter, olhando em direção ao professor e revirando os olhos.

O Professor Pollock era um dos professores mais jovens de Hogwarts, tendo, talvez, não alcançado nem os trinta anos ainda, mas ele se apresentava sempre muito rígido e exigente com a sua disciplina, irritando um pouco os alunos mais relapsos e desinteressados.

Como em todas as matérias, Remus se esforçava bastante, adquirindo o respeito dos professores e dos colegas. Após o grifinório redigir as respostas com bastante atenção, ele concluiu a atividade meia hora antes do fim da aula, assinando o seu nome ao lado de Pettigrew no pergaminho de questões.

Olhando ao redor, Remus viu Lily Evans sentada ao lado de Julian Parker, um pouco mais ao fundo, escrevendo com um olhar concentrado. Raven Fraser e Winona Rivers, do lado oposto, pareciam também haver concluído a sua tarefa e conversavam baixinho com as cabeças muito próximas.

Severus Snape estava na fila do telescópio e falava com Emily Davies, que, por sua vez, mirava o céu noturno, movendo o seu rabo de cavalo alto de fios escuros ao debater sobre alguma questão com o colega.

Carter e Tyrone, que haviam implicado com Remus numa das últimas aulas de Transfiguração, pareciam nervosos, folheando com impaciência os seus atlas e observando a disposição das estrelas da sacada da Torre de Astronomia, debruçando-se sobre ela.

Esperando o horário da aula se encerrar e suspirando, Pettigrew afundou o rosto na mochila, pondo-se a cochilar sobre a sua carteira e Remus ouviu atrás de si, as vozes de Black e Potter conversando animadamente sobre a próxima partida de Quadribol. Aparentemente, os dois grifinórios haviam finalizado também o dever proposto.

"Senhor Potter e senhor Black, parem de conversar! Só porque os senhores terminaram a tarefa, não quer dizer que podem atrapalhar os seus colegas. Silêncio, por favor!"— alertou-os o professor de Astronomia com a voz rouca, por detrás da mesa de carvalho.

Os dois garotos se calaram no mesmo instante em que as suas risadas feneciam e eles baixavam, simultaneamente, as suas cabeças para desviarem da mira de Pollock. Remus, ouvindo atrás de si, o barulho de pergaminho sendo rasgado e o ruído de penas escrevendo sobre o papel áspero, sorriu.

Com certeza, eles iam trocar bilhetes entre si. Nem mesmo o silêncio era capaz de silenciá-los. Remus ouviu também os risos cochichados dos dois amigos, abafados por suas mãos diante da boca. Remus virou-se, então, para trás quando sentiu uma mão em seu ombro e James lhe passou um bilhete.

JAMES: No que pensando, Remus? muito calado aí na frente!

SIRIUS: Você com uma cara desanimada! Está sentindo algo? O seu ciclo é daqui a uns dias, né?

Remus, após quase um minuto, rabiscou a resposta no pedaço de pergaminho e passou-o para trás.

Já fazia quatro dias desde o incidente em que Sirius dissera que não sentia vontade de beijar Remus e o rapaz de cabelos castanhos replicara, reativamente, que tampouco ele nutria tal desejo.

Após um pranto escondido e a rota de fuga rotineira da biblioteca, Lupin aceitava melhor aquela porrada vindo da direção de Black porque não era a primeira vez que o amigo o machucava, sem perceber que o fazia.

Lupin entendia, agora, com uma renovada clareza que Black gostava de garotas e não nutria interesse algum por garotos. Não nutria interesse nenhum por ele, além da amizade, que era muito boa quando aquelas emoções não entravam na linha de frente, pondo-os em rota de colisão.

Então, Remus reforçava o seu muro, pondo-se a gostar de Sirius daquele modo distante e sem esperar nada em troca. Desejando que o amigo pudesse ser feliz com as suas escolhas e esperando os seus próprios sentimentos passarem e os dois poderem ficar, tipo, tranquilos. Tudo bem que os sentimentos de Remus estavam durando um pouco mais do que deveriam porque quase quatro anos não eram quase quatro meses. Mas Lupin tinha agora diante de si aquelas palavras que pulverizavam qualquer ilusão e o obrigavam a seguir em frente: "Não tenho vontade de beijar o Remus..."

REMUS: Não estou pensando em nada. E é a única cara que tenho. Não, não estou passando mal.

Sirius e James cochicharam algo e rabiscaram mais uma vez o pergaminho, passando-o para a frente.

JAMES: Sabia que achamos livros interessantes na biblioteca para a arte de se tornar Animagus?

SIRIUS: Apesar de você não querer que aproveitemos a lua cheia com você, continuaremos tentando! Desculpe, mas dessa vez, você não vai se divertir sozinho, lobinho...

Remus leu com pressa o pedaço de pergaminho e soltou um suspiro. Black e Potter continuavam com aquela ideia fixa de se tornarem Animagus para permanecerem ao lado dele nas noites de lua cheia em que ele se transformava em um lobisomem. Remus tentara alertá-los várias vezes para não fazerem isso, porém maravilhoso seria se ele conseguisse exercer alguma autoridade sobre os amigos.

REMUS: Façam como quiserem, seus inconsequentes! O que quer dizer com 'diversão', Sirius? Só não quero ser o responsável pela morte de vocês!

Remus passou novamente o bilhete para trás e demorou em obter retorno.

Ao seu redor, mais alunos haviam terminado a tarefa de Astronomia com exceção de alguns colegas que pareciam, de fato, empacados nas questões. Carter e Tyrone, literalmente, choramingavam com um impassível Professor Pollock, pedindo que ele lhes desse alguma pista sobre a nebulosa de Hélix.

Quando Remus recebeu um novo bilhete, a conversa já havia mudado de rumo.

JAMES: Você sabia que eu levei um puta fora do Nicholas Huang e do Detlef Hausen?

Lupin arregalou os olhos e se voltou para trás em sua cadeira, fitando Potter e Black. James assentia com a boca contraída, como se dissesse: 'É isso mesmo que você acabou de ler!'

E Sirius encarou diretamente o rosto de Remus.

REMUS: Caralho, Potter! O que aconteceu?

Aparentemente, surpresa corroborava para que o repertório de palavrões de Remus se sobressaíssem até mesmo por escrito, assim como em caso de ingestão de álcool e de manifestação de raiva.

JAMES: Não lido muito bem com rejeição. Mas Huang e Hausen disseram que tavam namorando e iam manter um relacionamento à distância. Não posso lutar contra isso... No fim, Huang me disse depois em privado que nunca se sabe o dia de amanhã e que eu podia ter chegado uma semana antes. Então, acho que não foi bem um fora né?

Remus se moveu novamente em sua cadeira, sacudindo as mãos e murmurando, sem palavras, ao confiar na leitura labial dos amigos:

"Me Explica Direito!"

James respirou fundo e após alguns minutos, cutucou o ombro de Remus, passando-lhe outro bilhete.

JAMES: Eu te disse que queria experimentar beijar um garoto. Então, é isso...

Sob a linha escrita por Potter, havia uma frase de Black:

SIRIUS: Por que você não convida o Pettigrew? Acho que se fosse você, ele ia meio que molhar as cuecas...

JAMES: Não sinto atração pelo Peter. Precisa ser um garoto que eu tenha vontade de beijar...

Remus se moveu de um modo inquieto em sua cadeira e se voltou, novamente, com a boca entreaberta. Os olhos de Sirius e James se detiveram no rosto do amigo. O olhar de Black estava fixo na linha delicada dos lábios do grifinório.

REMUS: Merlin, você vai levar essa ideia adiante mesmo?

JAMES: Vou.

Lupin não se surpreendia com a determinação de Potter. James era do signo de Áries e fazia as coisas impulsivamente, mergulhando de cabeça em precipícios e, no fim, mesmo estando com os membros fraturados, as costelas quebradas e a cabeça rachada, ele erguia as mãos para os seus apoiadores mais preocupados num gesto de 'Passo bem' enquanto batia nas palmas erguidas deles.

Havia outros momentos, no entanto, em que James era responsável e se embrenhava em seus pensamentos, parecendo exalar uma intrigante e dual sabedoria.

O rapaz de cabelos castanhos engoliu em seco e passou um novo pergaminho dobrado para trás. Se James não fosse um dos seus melhores amigos; se não fosse um dos melhores amigos de Sirius; se ele não estivesse tentando viver aquela experiência somente como uma curiosidade fugaz e se Remus não estivesse guardando o seu primeiro beijo para um momento significativo, ele beijaria Potter.

Eram muitos 'se's' e com um derradeiro 'se', Remus intuía que se ele pulasse do precipício, não sobreviveria.

REMUS: Bom, boa sorte com outro garoto.

Lupin sentiu James e Sirius, atrás de si, unirem as cabeças para lerem o que ele havia escrito. Um silêncio se fez na sala de aula e após alguns segundos, Remus viu que James produzira um feitiço de fogo com a varinha, queimando os bilhetes que trocaram.

Em seguida, o rapaz rasgou outro pedaço de pergaminho e, enquanto ele escrevia algo, Black cochichou em protesto. James se deteve quase um minuto, antes de passar o bilhete para a frente e quando o grifinório de cabelos castanhos desdobrou o pergaminho, evidenciou-se a causa da hesitação.

JAMES: Você não nos falou o que pensa de ficar com garotos.

Remus titubeou. O que ele deveria dizer? O grifinório não queria se colocar em uma situação difícil, mas dobrar o bilhete e deixá-lo de lado, não respondendo-o, já era uma resposta demasiadamente clara. Não era que o rapaz de cabelos castanhos não confiasse em seus amigos para confidenciar aquela parte sua, mas Remus possuía a tendência de se resguardar ao máximo, a fim de evitar perguntas que levassem, principalmente, aos seus sentimentos mais secretos por Sirius.

REMUS: Sei lá...

A resposta breve, arrancou um som de protesto de James. Lupin se surpreendeu quando o bilhete voltou para si com a caligrafia de Black.

SIRIUS: Você não sabe...?

Remus moveu os seus olhos, lendo as palavras do amigo e posicionou o seu rosto de lado, murmurando baixinho com a mão diante da boca, após dar de ombros:

"Não penso muito nessas coisas!"

Black e Potter se entreolharam, conforme eles se debruçavam mais sobre a carteira dupla.

"Mentiroso!" — retrucou Sirius.

Lupin endireitou os óculos sobre o nariz com as juntas dos dedos, murmurando:

"Não sou mentiroso..."

James estava, agora, praticamente deitado sobre a sua mesa e falou, colocando também as mãos em torno da sua boca para que só os seus amigos o ouvissem:

"É mentiroso sim! E, apesar de eu não querer ser muito direto com você pra não te assustar, agora tenho que te perguntar, Remus. Você fica de pau duro com menina, menino ou os dois?"

Remus arregalou os seus olhos e sentiu a mão de Sirius em seu ombro, conforme o rapaz de cabelos compridos se aproximava mais. Erguendo as írises amarelas para o rosto bonito de Black diante de si, Remus o espreitou com algum atordoamento.

"Você beijou a Alejandra González, não foi? Se esteve com ela, deve saber o que sentiu. E se foi para uma sala vazia com a intercambista de Ilvermorny, devia estar a fim dela... Não é?"

A mão de Sirius parecia queimar a pele de Remus, mesmo por sobre as suas roupas, e o rapaz de cabelos castanhos adorava a pressão suave que Black colocava em seu ombro com os dedos compridos. Os olhos cinzentos de Sirius tão próximos aos seus o tragavam...

Remus entreabriu a sua boca pequena de lábios vermelhos e murmurou com o olhar ainda atraído para o rosto de Sirius:

"Eu..."

Ao seu redor, Lupin estava desconectado das outras pessoas, mas em algum canto de si, ouvia o pranto feio de Carter, pedindo ao Professor Pollock mais tempo para concluir a tarefa. O efeito de Black sobre ele era tão forte ainda?

Em sua defesa, não é que Remus tivesse problema em dizer que recusou o beijo de Alejandra González, mas isso evidenciava mais do que ele conseguia lidar. Não ter nenhuma menina que se interessasse por ele era um fato da vida, mas recusar uma garota linda com quem se trancara numa sala vazia, antes de ela voltar para o país dela, talvez, significasse algo. Era um berrador bruxo?

"Eu..."

Remus percorreu com os seus olhos o rosto diante de si. A franja mal cortada de Sirius. O perfume cítrico de colônia que emanava de seu pescoço. A sua expressão selvagem que não se desmontava, mesmo quando ele estava sereno. Caralho, Black, que fascínio era esse? Por que ele era tão atraente, mesmo quando só existia?

"Eu não beijei a Alejandra González..."

"QUE?!" — murmuraram Sirius e James em uníssono.

"Eu ainda não beijei..."

"CARALHO, REMUS!"

Sirius tinha os olhos arregalados e mesmo esse gesto corriqueiro não deixava o desgraçado menos atraente. James, literalmente, batera com a mão espalmada no tampo da mesa com demasiada força, acrescentando um vitorioso: "EU SABIA, PORRA! PORRA."

Nesse instante, o Professor Pollock e alguns alunos que consultavam o atlas giraram as suas cabeças, fitando o trio.

Pettigrew, até então adormecido ao lado de Remus, ergueu a sua cabeça e os seus olhos estavam profundamente vermelhos.

"Senhor Black, senhor Potter, que linguajar é esse na minha aula? Senhor Lupin, o senhor também..."

Os três rapazes ergueram as suas cabeças diante da advertência do professor de Astronomia, com os ombros encolhidos e tentando se recompor. Havia manchas vermelhas nas bochechas de Remus e Pettigrew o deu um cutucão, completamente por fora do assunto, perguntando:

"O que que rolou?"

Por sorte dos três grifinórios, neste exato instante, o sinal tocou e, rapidamente, ouviu-se o barulho do arrastar de carteiras e de pergaminhos e livros sendo guardados dentro das mochilas. A aula de Astronomia era uma aula noturna e a maioria dos alunos ansiava poder retornar logo para a sua Casa, a fim de descansar.

"Certo, quarto ano! Trago os trabalhos corrigidos na próxima aula! Não se esqueçam da tarefa de casa da página 208 do livro. Bom descanso para todos!" — anunciou o Professor Pollock, usando a sua varinha para guardar os seus utensílios e esquadros no armário enquanto os pergaminhos dos alunos, através de magia, eram recolhidos e empilhados sobre a mesa.

Remus se demorou um tempo na sua carteira e bateu de leve no próprio rosto, sacudindo a cabeça. Parabéns, Lupin! Ficou embasbacado e sonhador só de olhar para Sirius Black, logo após haver decidido esquecê-lo. No fim das contas, acabou falando mais do que deveria. Socorro!

O rapaz de cabelos castanhos sentiu o seu movimento ser interrompido pela mão de Sirius, que segurava o seu pulso, impedindo que ele continuasse.

"Você tá parecendo o elfo doméstico dos Blacks, que se bate quando desobedece a Orion e a Walburga. Para com isso, lobinho!"

Remus, então, parou e viu a expressão desconfiada de Pettigrew sobre si. Lupin, recompondo-se, trocou um olhar tácito com James e Sirius enquanto guardava o material escolar em sua mochila, movendo discretamente o dedo indicador diante dos lábios, sinalizando para que eles não mencionassem o assunto sobre o qual falaram na frente de Pettigrew.

O escândalo de Peter seria dez vezes pior, ao saber que Lupin recusara as investidas apaixonadas da intercambista de Ilvermorny.

Sem tocarem no assunto, os três amigos guardavam os seus livros e tinteiros. James girou um pouco a sua cabeça quando viu Lily Evans trocar uma palavra com Severus Snape, próximo à sacada da Torre. Remus também se deteve, olhando em direção ao lugar que Emily Davies e o sonserino haviam ocupado anteriormente, fazendo a tarefa de Astronomia.

Havia um livro de Feitiços abandonado sobre a carteira e o rapaz de cabelos castanhos se antecipou em apanhá-lo, lendo na lombada, escrita com uma caligrafia bonita, a palavra Prince.

"Snape, é seu?" — indagou Remus, erguendo o exemplar no ar— "Cuidado pra não esquecer..."

Os rostos de Severus e de Lily se moveram em direção ao representante de turma do quarto ano e o sonserino de cabelos muito negros e lisos se manteve um tempo parado, fitando Remus e o seu livro na mão do rapaz. Um sorriso tímido se desenhou em seu rosto, antes de morrer quando ele se deparou com as expressões austeras de James e de Sirius, que o olhavam diretamente.

Lily sorriu e apertou carinhosamente o ombro de Snape, antes de se afastar, contornando o corpo parado de Potter, que pestanejou um pouco quando a menina passou por ele. Foi Remus que se aproximou do sonserino, com o livro ainda erguido no ar. Entregou-o com o seu sorriso gentil.

"Eu esqueci já alguns livros nas aulas... Melhor guardá-lo."

Snape agradeceu de modo tímido ao representante de turma grifinório e manteve o seu olhar acompanhando o rapaz de cabelos castanhos, mesmo quando ele lhe deu as costas e voltou para a sua carteira.

Sirius estava com os braços cruzados com uma expressão carrancuda, fitando o colega sonserino. E James apoiava o cotovelo no ombro de Black. O olhar de Severus esmaeceu diante dos grifinórios.

Black estreitou os seus olhos de tempestades cinzentas e, diante da réplica azeda da expressão de Snape, James endireitou os óculos sobre a vista, utilizando, tacitamente, o seu dedo médio em um não tão discreto cotoco. O dedo se prolongou, silencioso e fragoroso, e Snape contraiu os lábios com irritação, dando as costas para os garotos com a sua capa esvoaçante.

Remus, como representante de turma, tinha como função ajudar o professor a realinhar as carteiras e auxiliá-lo com o armazenamento do material didático usado. O rapaz de cabelos castanhos moveu a sua varinha, organizando as mesas.

"Vou na frente, pessoal! Tô morrendo de sono. Vejo vocês no dormitório..." — anunciou Pettigrew, esfregando os olhos e com o rosto amassado pelo cochilo que dera em sala de aula.

Black e Potter se aproximaram, então, de Remus, sentindo-se livres para voltarem a tocar no assunto que fora interrompido. James cochichou, próximo ao amigo:

"Altas revelações hein, Remus!"

O rapaz de cabelos castanhos sacudiu o rosto, tentando se expressar de um modo mais comedido.

"Não é nada demais! Eu não tava interessado na González... Só isso..."

Sirius se aproximou do rapaz, falando baixo:

"Por acaso, você tá gostando de alguém, Remus?"

Lupin mexeu nos óculos, mentindo com cada célula do seu corpo bruxo-trouxa-licantropo. Não podia se deixar levar pelo encantamento por Sirius novamente e dizer a plenos pulmões: 'Ora, de você, seu desgraçado!'

"Não..."

Sirius fitou demoradamente o amigo, repuxando o seu cabelo para trás e ia lhe perguntar outra coisa, mas se deteve quando viu Aileen Marrett, a sua namorada, o chamando na porta da sala de aula.

Black contraiu, involuntariamente, os lábios com algum desconforto. Sua relação com a jovem lufana se deteriorava um pouco a cada momento e Black, sem tato, esperava que a frieza dos últimos dias os direcionasse para um claro término, mas a ruptura ainda não havia sido estabelecida e o relacionamento se arrastava feito um arpéu com vermes.

"Melhor ir lá, Black..." — murmurou James, erguendo a sua vista— "Achei que já havia conversado com ela..."

Black respirou fundo.

"Estou esperando o melhor momento pra dizer o que tenho que dizer..."

Remus olhou para trás e viu Marrett com uma expressão impaciente, fitando o trio. Seu olhar se demorou por alguma razão em Remus, antes de ela respirar fundo como se quisesse aspirar todo o ar do mundo.

"Prolongar não é pior?" — indagou James, ajudando Remus a guardar alguns mapas no gaveteiro da sala de aula.

Sirius se manteve em silêncio e Remus, fitando a jovem parada na porta, opinou com sinceridade, após mexer em seus óculos.

"Eu detestaria que me cozinhassem assim!"

Black moveu o rosto, fitando Lupin com alguma mágoa:

"Ótimo, Remus! Fala logo que eu sou um péssimo namorado e não sei lidar muito bem com relacionamentos! Deve ser por isso que nem que eu fosse a última criatura viva na face da terra, você me beijaria!" — esbravejou Sirius, com chateação, empurrando uma cadeira e rumando para a porta para falar com Aileen Marrett.

Remus recuou diante da explosão do amigo.

"O que deu nele?" — indagou o grifinório de cabelos castanhos, espreitando Sirius com confusão — "Eu falei algo que não devia...?"

"Eu não faço ideia, mas... Ei!" — gritou James quando sentiu a sua mochila escorregar do ombro e os seus livros caírem espalhados sobre o assoalho.

Remus se antecipou em juntar as coisas de James e olhando ao redor, o rapaz de cabelos castanhos se deparou com Severus Snape guardando a varinha nas vestes com um olhar provocativo. A mochila de Potter estava com a alça partida, possivelmente, pelo feitiço Diffindo.

"Ora, seu..." — irritou-se James, sendo seguro por Remus, sob o olhar severo do Professor Pollock.

Snape, no entanto, já dera as costas para os grifinórios e atravessava a porta da sala de aula da Torre de Astronomia, fazendo questão de esbarrar no ombro de Sirius, que ergueu o seu punho, fazendo menção de bater no sonserino. Aileen Marrett o deteve, segurando o seu pulso.

Remus suspirou. A animosidade entre Potter, Black e Snape, que se iniciara no primeiro dia de Hogwarts, somente piorara com os anos. E os confrontos entre os três se tornavam cada vez mais ácidos.

"Reparo!" — murmurou Remus, movendo a sua varinha e consertando a alça e o fundo da mochila de James.

Potter, no entanto, ainda tinha os punhos cerrados e fitava na direção em que Snape seguira, murmurando:

"Vai ter volta..."

Sirius, por sua vez, parado ainda junto à porta, alternava o seu olhar da direção em que os amigos se encontravam para Aileen Marrett diante de si.

No fim, ele acenou para Remus e James, despedindo-se dos grifinórios e se adiantando em ir embora de mãos dadas com a lufana. Lupin refletiu que não fazia mais sentido se doer por ver Black de mãos dadas com a namorada. Porque Black não gostava de garotos e não tinha vontade de beijá-lo. Então, era, tipo, um motivo bem forte para o garoto de cabelos castanhos ir procurar a sua turma e encerrar aquilo. Afinal, com Remus é que Sirius não sairia de mãos dadas da aula.

Finalizada a arrumação da sala da Torre de Astronomia, Lupin e Potter rumaram, então, para a Casa da Grifinória. James ainda tinha uma expressão contrariada pelo desentendimento com Snape. Remus, que carregava uma pilha de livros que pegou emprestado das estantes do Professor Pollock, falou:

"Você não consegue deixar pra lá as provocações do Snape, Potter? Se parasse de responder a ele, ele pararia de te atacar e vice-versa..."

"Não, Remus! Não consigo! Pra alguém como eu, é sempre olho por olho!"

"E vale a pena prolongar algo assim?"

"Não gosto de perder..." — respondeu James, acendendo um cigarro diante do olhar de censura de Lupin e se detendo próximo a uma das grandes janelas do corredor, da qual se podia ver os gramados iluminados pelas luzes da Escola e pela lua crescente no céu.

"Ah, não me diz que você vai fazer isso em pleno corredor! Você vai acabar sendo pego, Potter..." — protestou Remus.

James olhou ao redor com uma expressão divertida, dando de ombros:

"Filch não tá por aqui. Ei, Remus, voltando ao que realmente interessa... Você deve ser o único garoto de quinze anos em Hogwarts que é tão puro, sabia?"

"É melhor ser puro do que ser um doente e pervertido feito você e o Black! Por que andam comigo se sou tão anormal?"

"Oi, essa doeu!" — riu-se James, estendendo os seus dedos em que repousava o cigarro — "E eu não disse que você é anormal! Andamos com você porque é nosso amigo e porque não existe nada de anormal em você... Quer dizer, tem o fato de você ser um Maroto e isso faz de você um delinquente na pele de um nerd ou um lobo na pele de cordeiro, mas isso faz parte do seu charme sonso e deve ser bom ser assim no fim das contas..."

"Nossa, muito obrigado então, James!" — respondeu Remus com alguma ironia, equilibrando os seus livros no parapeito da janela e vendo Potter, numa pose displicente, apoiar os cotovelos de costas para as vidraças, observando os alunos que rumavam de volta para as suas respectivas Casas.

Os olhos do rapaz de cabelos rebeldes se semicerraram ao se deterem em Severus Snape, que avançava pelo corredor, arrastando os seus sapatos e com o rosto cabisbaixo. Ele deixava o banheiro e James soprou a fumaça pelo canto de seus lábios em silêncio. Sob o braço do sonserino, havia o livro de Feitiços entregue por Remus.

Então, Potter, com o seu sorriso enviesado, agiu, disposto a se tornar quite com Snape. Falando alto e atraindo a atenção de alguns alunos, James disse, apontando o sonserino com a cabeça:

"Ele sim é anormal, Remus! Não você! Olha só como ele é esquisito!"

Remus acompanhou o olhar do grifinório e endireitou os óculos sobre o nariz, dizendo:

"Para com isso, James! Não vai fazer uma cena!"

"EI, RANHOSO, VOCÊ JÁ SE PEGOU COM ALGUÉM?" — gritou James com declarada maldade enquanto algumas meninas moviam o rosto para olhar para o grifinório e depois, para Snape.

"Não faz isso, James!" — ralhou Lupin, movimentando as suas mãos com impaciência.

"RANHOSO!" — prosseguiu James, vendo Severus erguer brevemente o olhar e crispar os lábios com desagrado no instante em que ele retirava a varinha de dentro das suas vezes— "CLARO QUE NÃO, NÉ, SEU ESQUISITO! DIFFINDO!"

O feitiço conjurado por James Potter rasgou o fundo da mochila de Snape, espalhando o seu material escolar pelo corredor. Os seus pergaminhos, livros, tinteiro, penas e alguns frascos de poção caíram sobre o piso de pedra ruidosamente.

Severus olhou James de um modo irascível e, com um gesto reativo, desembainhou a sua varinha também. Remus se antecipou, colocando os braços diante de si, pedindo calma aos colegas. Alice Fawley, monitora da Grifinória do sexto ano e namorada de Frank Longbottom, que fazia a ronda pelos corredores, surgiu, indagando:

"O que tá havendo aqui?"

Severus, com maus modos, indicou James e apontou para as suas coisas espalhadas no chão.

"Esse delinquente da sua Casa!"

Alguns alunos observavam os colegas, reunindo-se ao redor deles. Alice arqueou as sobrancelhas e fitou o grifinório do quarto ano, revirando os olhos nas órbitas.

"Potter, foi você quem fez isso?"

"Foi, Fawley! Mas em minha defesa, o Ranhoso fez primeiro!"

Alice passou a mão pelo seu cabelo curto e loiro, dizendo com impaciência:

"É sempre esse toma lá dá cá entre vocês dois! Isso já tá virando uma ladainha. Dez pontos a menos para a Grifinória por essa palhaçada!"

James moveu as suas mãos num gesto de protesto:

"Monitora, você vai punir a sua própria Casa?!"

"Vou porque eu tenho poder pra isso quando um grifinório faz mal a outro aluno! E vinte pontos a menos por estar fumando, Potter!"

"Alice!"

"Apaga a droga desse cigarro!"

"Somos alunos de Gryffindor, Alice! Somos irmãos!"

"Apaga A Droga Desse Cigarro!"

James, respirando fundo, apagou a droga do cigarro na sola de seu sapato.

"Agora, voltem todos para as suas Casas! Andem!" — falou a monitora com firmeza, dispersando os alunos que observavam a cena.

Lily Evans, que, anteriormente, estava no corredor, conversando com um rapaz do sexto ano, ao presenciar a cena, aproximou-se para ajudar Severus a juntar as suas coisas do chão. Remus, apoiando com mais firmeza os livros no parapeito da janela, retrucou com azedume:

"Tá feliz agora, James?"

James espreitou, então, a aluna de cabelos ruivos da sua turma se ajoelhar ao lado de Severus, movendo a varinha para reunir os pedaços de vidro do tinteiro do sonserino do chão e trazer a tinta nanquim de volta para o recipiente consertado. Ele viu Remus se distanciar e, perante um aturdido Snape, o grifinório murmurar o feitiço Reparo para consertar o fundo da mochila rasgado.

Não, James Potter não estava feliz, mas tampouco conseguia deixar as afrontas rotineiras de Snape passarem sem uma réplica. Desde o primeiro ano era assim. Um dos dois garotos fazia algo e o outro respondia de um modo muito pior. Reativos, eles não se suportavam e não reservavam um para o outro o menor senso de empatia ou tolerância.

No quarto ano, James Potter e Severus Snape se odiavam com todas as suas forças.

Próximo ao pé de James, havia um frasco de poção que rolara para perto e o grifinório apoiou o sapato, movendo o recipiente para frente e para trás, fitando de um modo impassível Snape. Foi Evans, que, respirando fundo, aproximou-se de James.

Sem esboçar nenhuma expressão em seu rosto sardento, a jovem retrucou de um modo áspero enquanto não se dava ao trabalho nem sequer de olhar para James:

"Tira o pé!"

James fitou o olhar verde de Lily se deter em algum ponto distante do gramado fora do Castelo e, enquanto ele removia o seu pé, rapidamente, a menina conjurou um feitiço, atraindo o recipiente de vidro para as suas mãos.

Potter ia dizer algo, mas Lily Evans já dera as costas e retornava para o lado de Severus, guardando ela mesma o frasco no bolso menor da mochila do rapaz e apertando o seu ombro com um gesto muito delicado.

Depois, a grifinória envolveu o pescoço de Snape e seguiu com ele pelo corredor, puxando a sua cabeça para mais perto de si.

Severus deu uma última olhada para Remus, que permanecia no corredor, observando-o e ajustando os óculos de lentes grossas sobre o nariz. E Lily lançou um olhar muito breve em direção a James, atirando, subitamente, o rapaz de cabelos rebeldes em um profundo desconforto.

James se sentiu como se pudesse se ver de fora. Como se pudesse se ver muito triste, muito rejeitado, muito pequeno em um passado distante em que esperava ansiosamente por algo.

O rapaz de cabelos rebeldes enxergou a si mesmo com onze anos, magoando terrivelmente alguém que amava muito, de pé nos degraus do Banco Gringotes. Naquele dia, a raiva, o arrependimento, a tristeza e a solidão se entrelaçavam, envolvendo James Potter como uma coisa só e o menino refletira, na ocasião, se era possível morrer de tanto sentir.

Um estrangulamento alcançou o coração de James por meio do olhar de censura de Lily Evans e o rapaz cruzou e descruzou os seus braços, parecendo alguém que fora visto fazendo algo muito errado.

Como um ladrão que é surpreendido roubando ou um assassino que é visto espreitando a vítima. Como alguém que é pego nu ou uma criança que é flagrada, dizendo algo que nunca deve ser dito, sob nenhuma circunstância. James Potter tinha recém completos quinze anos. Uma década e meia. Viera de uma família de bruxos respeitáveis e ele sempre fora bem cuidado por seus pais e avós.

Mas essa era a sua casca, a sua Capa da Invisibilidade, porque o deslocamento e a infelicidade nem sempre são coisas vistas a olho nu.

(cut)

Sirius ainda ensaiava mentalmente as palavras que diria para Aileen Marrett quando foi chutado feito um balaço pela lufana numa sala vazia de Aritmância, sem que previsse que aquele seria um golpe de misericórdia.

"Acho que isso não está funcionando, Black! Somos jovens e não devemos ficar presos um ao outro. Todas as vezes que ficamos juntos, você parece estar com a cabeça mais nos seus amigos do que em mim. Ótimo, então! Vai lá ficar com eles!"

Aileen jogou para trás o seu cabelo cacheado volumoso e Sirius, por um momento, achou fascinante aquela força feminina que, quando bem alinhada, começava ciclos e os terminava com uma habilidade invejável. Levando o cigarro à boca, Sirius assentiu.

"Ok? E desculpa?"

"Foda-se, Black! Não quero as suas desculpas!" — resmungou Aileen, tomando o cigarro da boca do grifinório e o levando à boca — "Você é tipo a rainha do jogo de xadrez bruxo? Porque se for, eu também sou..."

Sirius, com os cotovelos apoiados em seus joelhos, sentado no tablado da sala de aula, contraiu as sobrancelhas.

"Que?"

"É... Você se move em todas as direções? Sabe... Come todas as peças, se articulando por todo o tabuleiro?"

"Do que tá falando, Aileen?"

"Você gosta de meninas e meninos?"

Sirius abriu a sua boca e a fechou. Depois de alguns segundos, ele conseguiu falar:

"O que diabos isso tem a ver com xadrez?"

Aileen girou os olhos nas órbitas, expelindo a fumaça por seu nariz sardento.

"Black!"

"Eu não sou bissexual, Aileen! E eu não sabia que você também era!"

A lufana virou rapidamente o seu rosto, entortando a boca.

"Também?"

"Que você é! Eu me confundi!"

Aileen respirou fundo.

"Eu beijei uma prima quando tinha doze anos e fiquei com duas garotas aqui na Escola. Uma delas é da sua Casa inclusive! Mas não é algo que eu conto pra qualquer um!"

"Nem pra porra do seu namorado?"

"Nem pra porra do meu ex-namorado que vive querendo ficar com os amigos ao invés de aprofundar isso aqui!" — disse a garota, gesticulando o seu dedo indicador na direção dos dois.

"Isso não é ser bissexual!"

"Não sei. O modo como você ficou chateado quando viu o Lupin se pegando com a González e o modo como olhava o Potter beijando a Mia Estivalet..."

"Você tá falando besteira!"

"Bom, eu até que tentei, mas não pude competir com os seus amigos. Além do mais, todas as vezes que ficamos juntos, acabava sendo muito físico e não sei se você tá realmente interessado em mim. Você, agora, pode explorar outros horizontes e descobrir sozinho esse seu lado, Black!" — retorquiu a lufana, se levantando e batendo a poeira da sua saia.

Sirius cruzou os braços e os descruzou. Depois, tragando o seu cigarro, ele chamou a menina, que atravessava a soleira da porta da sala de aula.

"Aileen!"

A jovem se deteve, girando o seu rosto emoldurado pelos cabelos castanhos.

"Como você começou a ter certeza de que gostava de garotos e garotas?"

Aileen inclinou um pouco a cabeça, como se a resposta fosse óbvia diante da pergunta de Sirius Black.

"Me interessando por garotos e garotas, Black!"

Sirius moveu a sua mão com impaciência.

"Eu juro que morria sem saber essa! Alguma outra pista...?"

Aileen olhou para o, agora, ex-namorado dos pés à cabeça.

"Você vai descobrir. Mas, na dúvida, experimenta... Você não tem nada a perder! Está solto feito um elfo doméstico liberto agora, Black! Boa sorte!"

No dia seguinte, durante o café da manhã, quando Sirius narrou aos amigos que levara um fora de Aileen Marrett, tomando o cuidado de omitir boa parte da conversa, Pettigrew assoviou, sacudindo a cabeça:

"Tu não vai ficar largado por muito tempo, Black! O que não falta nessa Escola é mulher a fim de ti!"

De fato, após a refeição, enquanto Remus cochichava para os seus amigos sobre alguns dos sintomas da licantropia que pareciam um pouco diferentes nos últimos meses, apontando para um dos seus olhos que estava mais escuro enquanto o outro tinha uma coloração profundamente amarela, duas meninas vieram falar com Black e Potter na mesa da Grifinória.

Remus, na ocasião, se despedira, dizendo que precisava voltar ao dormitório para tomar uma poção para dor de cabeça, antes de seguir para a primeira aula daquele dia enquanto os dois amigos tentavam se desvencilhar das garotas. E, de fato, durante as aulas da manhã, Lupin, sentado diante de Sirius, parecia um pouco desatento.

Durante a lição de Feitiços, o Professor Flitwick precisou fazer duas vezes a mesma pergunta para Remus, antes que o rapaz sacudisse a cabeça e se pusesse a responder às questões.

Black, tampouco, mostrava-se disposto ou prestando tanta atenção nas aulas quanto gostaria, pois, recordava-se ainda da última conversa que tivera com Aileen Marrett, que, talvez, tenha sido o diálogo mais profundo que o casal estabelecera desde que começou a se pegar.

Experimentar...

Será que a atitude impulsiva de James Potter fazia algum sentido? Era possível se mover pela própria vida como se estivesse numa aula de voo ou contornando um profundo precipício? Era possível se mover para fora de prisões invisíveis de um mundo escuro e claustrofóbico que Black detestava? Simplesmente, detestava.

Black, definitivamente, não se atraía por todos os garotos, mas até aí, não tinha desejo também por todas as garotas ao seu redor. Ele não era nenhum idiota e sabia como dois homens podiam ficar juntos e a ideia talvez lhe deixasse bastante pensativo. Se fosse enumerar um tipo de rapaz que chamasse a sua atenção, Sirius diria que gostava de um estilo de garoto que talvez se sentisse bem abraçando. Mas também gostaria de alguém que o surpreendesse. Que o confundisse. Definitivamente, ele detestava receber ordens e, assim como as garotas com as quais namorara, ele nunca poderia se envolver com um rapaz cujas questões babacas de sangue tivessem alguma relevância.

Black demorava para se abrir e, talvez, precisasse de um menino que tivesse mais paciência do que as meninas pareciam ter muitas vezes. Precisava de alguém com quem pudesse rir. Precisava de alguém que entendesse as coisas sem trato que ele tinha dentro de si e ele mesmo estudava ainda a melhor forma de lidar com elas. Precisava ser amado devagar, aos poucos, porque o amor o assustava, apesar de ele se sentir muito carente quando via os seus amigos recebendo aquela enxurrada de afeto que os pais distribuíam para eles feito torrentes enquanto ele sufocava na aspereza e deserto da Mui antiga casa dos Blacks.

Ou, então, talvez fosse melhor Sirius deixar as coisas pairando na superfície da sua pele, resvalando em toques e carícias que o excitavam e o deixava tranquilo, fugindo um pouco de si mesmo. Talvez, tudo pudesse pairar somente como destroços de um rio boiando ao seu redor. Talvez deixar as coisas do jeito que estavam não fosse tão ruim.

Sirius, na aula teórica de Poções, refletia sobre essas questões com a cabeça apoiada em sua carteira, quando o rapaz viu Lily Evans e Julian Parker chegarem atrasadas. Slughorn fitou as alunas, acompanhando-as com o olhar e arqueando as sobrancelhas com alguma censura. Ao lado das garotas, estava Michael Carlson, monitor do sexto ano e Capitão do time de Quadribol da Corvinal. Black já havia visto os três juntos algumas vezes e sabia que eles eram amigos.

Quando Lily e Parker entraram, Carlson, com as mãos nos bolsos, demorou-se um tempo na porta, olhando para dentro da sala de aula. E, acompanhando o olhar do corvinense, Sirius alcançou um distraído Remus que copiava a matéria, parecendo um pufoso sendo espreitado por um corvo faminto.

Black se empertigou e contraiu as sobrancelhas, fitando o veterano que permanecia plantado na porta feito uma mandrágora que esperava ser arrancada pela raiz.

"Ah, olá, senhor Carlson! Trouxe o livro que pedi a Filius?" — cumprimentou-o o Professor Slughorn, se detendo em sua explicação diante do quadro negro.

"Sim, Professor Slughorn. O Professor Flitwick fez algumas marcações e pediu para o senhor verificar se era o que precisava para a aula..." — explicou-se Carlson, retirando um livro grosso de sua mochila.

Sirius não pode deixar de reparar no olhar interessado de algumas meninas da sua sala, fitando com admiração o veterano e cochichando baixinho. E não pode também deixar de perceber os olhos azuis e vívidos de Carlson na direção de Remus quando o grifinório ergueu o rosto dos seus pergaminhos para olhar também na direção da porta.

"Certo, meu jovem. Muito obrigado, sim...?" — agradeceu Slughorn, tomando o livro nas mãos e se distanciando de volta para a lousa.

E como Carlson se manteve alguns segundos parado, olhando na direção de Remus, o professor de Poções se deteve novamente:

"Mais alguma coisa, meu jovem?"

Sirius, se voltando para a frente, viu Lupin com o seu rosto virado em direção à entrada da sala de aula. Nas faces pálidas do grifinório, desenhava-se um sorriso levemente enviesado e as suas sobrancelhas estavam erguidas de um modo debochado. A sua coluna sempre curvada pelos livros que carregava se apresentava ereta e a linha de seu pescoço, alongada.

Os lábios de Remus, os quais Sirius não conseguia parar de observar, se entreabriam como se um riso contido escapulisse de si e, ao mesmo tempo que Black se percebia um pouco inebriado por aquela visão que não estava acostumado a ter do seu melhor amigo, Carlson também parecia embasbacado. Subitamente, Remus não era o mesmo. E, ao mesmo tempo, ele era mais ele do que havia sido até aquele instante. Havia um poder provocativo no rapaz. Quase como se ele soubesse que era olhado e se divertisse com isso.

Então, a magia se desfez e Remus voltou a ter a sua coluna curvada e o seu semblante tímido por trás de óculos com lentes grossas. Fechando os olhos por um tempo, o rapaz de cabelos castanhos mergulhou em si e quando os abriu, tinha uma íris com o tom amarelado e a outra, mais escura novamente. A sua boca se fechara, voltando a exibir os lábios de um adolescente e não de alguém que os tinha úmidos e disponíveis diante de si para o uso que quisesse.

Sirius esfregou os olhos e percebeu que Carlson estava tão ou mais embasbacado do que ele. Aquilo foi real?

"Senhor Carlson?" — indagou Slughorn, voltando a se aproximar do aluno corvinense e franzindo o cenho com alguma curiosidade.

Carlson havia voltado também a si, parecendo que tinha despencado da sua vassoura a muitos metros do chão. O rapaz sacudiu o rosto, desculpando-se, antes de lançar um olhar rápido novamente na direção de Remus.

"Perdão, Professor. Com licença..."

Fosse impressão de Black ou não, o grifinório julgou ouvir um riso abafado vindo da direção em que Evans e Parker haviam se sentado. Após repuxar os cabelos escuros para trás, o olhar do rapaz se demorou novamente em Remus, que, agora esfregava também os seus olhos, após retirar os óculos e pressionar levemente as têmporas.

Sirius engoliu em seco.

O que diabos acontecera? Remus, por acaso, havia lhe dado poção do amor? Mas como seria possível ele ter administrado poção do amor também para Michael Carlson? Não, não era possível! Mas como o grifinório podia haver atirado os dois naquele estado de torpor com um simples olhar? O que era aquele poder em Remus?

Black fitou o amigo diante de si, que havia colocado os seus óculos novamente e copiava a matéria do quadro-negro diligentemente. Um arrepio profundo se estendeu pela medula do rapaz de cabelos compridos.

Por um momento, Sirius se sentiu tão atraído por Remus que ele sentiu vontade de beijá-lo com desespero. Sentiu vontade de forçar a sua língua na boca do rapaz de cabelos castanhos e, talvez, estender os seus beijos até aquele pescoço de veias azuladas, alcançando o arranhão da clavícula e, talvez, descendo a língua até onde o seu pijama desabotoara quando dormiram juntos. Sirius se imaginou descendo a língua mais abaixo até aqueles mamilos rosados, mordiscando-os e proporcionando prazer a Remus.

Porque Remus Lupin, um dos seus melhores amigos, o representante de turma do quarto ano, era demasiadamente certinho e Black alimentava um desejo oculto de desarrumar toda aquela estranha ordem que constituía o rapaz de cabelos castanhos. Desejava atirá-lo ao caos e bagunçar cada canto daquela lógica e alinhamento. Se Sirius pudesse, ele deixaria Remus Lupin em uma posição de desordem que ele mesmo julgaria inconcebível e depravada. E isso era parte também do seu desejo.

Ai, droga...

Sirius baixou a cabeça, olhando para a sua virilha e bateu de leve a própria cabeça na carteira, parecendo um elfo doméstico se punindo debilmente. Depois, o rapaz ergueu a mão no ar, pedindo ao Professor Slughorn para ir ao banheiro. Um pouco de água gelada em seu rosto o ajudaria a retornar para o eixo e era uma dádiva o uniforme de Hogwarts dispor de uma capa. Talvez, os próprios fundadores de Hogwarts tenham sido empáticos com os alunos adolescentes que frequentariam a sua Escola e entre as aulas de feitiços e magia, passavam por aquele inferno que era a puberdade.

James e Pettigrew, que estavam sentados juntos, viraram as suas cabeças em direção a Black no instante em que ele se retirava, mas o rapaz de cabelos compridos evitou os olhares dos dois amigos.

Quando Sirius deixou a sala de aula, ele se deparou com Michael Carlson no fim do corredor com o rosto vermelho e parecendo um tanto aturdido ainda. O rapaz tinha a mochila sobre os ombros e ele olhava distraído os gramados do Castelo, através das vidraças. Os dois rapazes se fitaram por um breve segundo e se cumprimentaram com uma frieza que lembrava o inverno escocês.

Sirius, crispando os lábios, bateu a porta do banheiro atrás de si com um estrondo. E, jogando água gelada em seu rosto, ele teve certeza de que precisava logo verificar se a sua atração por garotos era real. Porque, caralho, ele estava jogando água gelada no seu rosto mais vezes do que gostaria nos últimos dias.