OS MAROTOS: O LIVRO DAS SOMBRAS
CAPÍTULO 8
ESCURIDÃO
… Down darkened woods with silent trees
Your love is strong and you're so sweet (you're so sweet)
You make me hard, you make me weak
What are you scared of, baby?
It's more than just a dream
I need some time
We make a beautiful team, beautiful
I wait for you until the dawn
My mind is ripped, my heart is torn
Your love is strong and you're so sweet
Your love is bitter and taken neat
(Love is Strong – Rolling Stones)
Quando Sirius e James conseguiram se desvencilhar de alguns dos seus colegas e alcançaram finalmente o dormitório da Grifinória, eles não encontraram Remus no quarto.
A mochila de viagem do rapaz de cabelos castanhos com as coisas que ele costumava levar para a Casa dos Gritos havia desaparecido do local onde ele havia deixado. Pettigrew, que estava deitado em sua cama, ergueu a cabeça com o cabelo um pouco despenteado.
"O que aconteceu?"
"Cadê o Remus?" _ indagou James com algum nervosismo.
Pettigrew deu de ombros.
"Eu não sei. Ele entrou aqui que nem um balaço, pegou as coisas dele e se mandou..."
Sirius, parecendo se lembrar subitamente de algo, correu para verificar a cômoda ao lado da cama de cortinado de Remus. Abrindo a gaveta do móvel, o rapaz de cabelos compridos pareceu perplexo ao encontrá-la vazia e levou as mãos à cabeça com preocupação.
"Os chocolates! Ele levou todos os chocolates! Potter, ele não vai mais voltar!"
James parecia também chocado com a notícia, mas sua expressão se suavizou ao conferir o malão de Lupin sob a cama e os livros empilhados em sua escrivaninha.
"Ele vai voltar. Mas, de repente, seria interessante espalharmos alguns pedaços de chocolate no caminho pra tentar atrair ele de volta..."
Pettigrew se ergueu sobre a cama com curiosidade.
"Peraí, o que tá rolando?"
Sirius passava a mão pelo rosto enquanto erguia a cabeça para o teto, parecendo confuso ao dizer:
"Você acredita se dissermos que nem nós conseguimos explicar direito o que houve...?"
Pettigrew se levantou da cama e puxou uma cadeira da sua escrivaninha com uma genuína curiosidade, virando-a para os amigos e se sentando nela.
"Tentem..."
Sirius e James trocaram um olhar tácito, decidindo se deviam deixar o amigo a par da situação ou não. No fim, optaram por narrar os acontecimentos, visto que ele, mais cedo ou mais tarde, acabaria sabendo de tudo por meio dos outros alunos que estavam presentes no Lago.
Enquanto escutava que Sirius e James, por um acordo estabelecido, decidiram se beijar para experimentarem aquela proximidade com alguém do mesmo sexo, Pettigrew tinha a sua boca ovalada e os olhos arregalados. Depois, ele levou a mão à testa quando escutou que Sirius também beijara Remus. No fim, quando a história chegou na parte em que James e Remus se beijaram, o grifinório de cabelos claros ostentava uma expressão de irritante deboche.
"Vocês são dois putos, isso sim! Não sei como não caí da cadeira, ouvindo tanta sacanagem! Não sei se fico mais surpreso por vocês dois, do nada, resolverem experimentar um pau ou por terem decidido se arranjar entre vocês mesmo e ainda chamarem o coitado do Remus pra participar..." _ riu-se Pettigrew, movendo o dedo indicador que apontava acusadoramente para Sirius e para James.
James franziu o cenho.
"Peraí, foi só um beijo, Pettigrew... Que pau o quê!"
O rapaz de cabelos claros parecia bastante abalado, apesar do seu sorrido, e ele afastou a sua cadeira quando Sirius se aproximou um pouco mais para verificar se a gaveta da escrivaninha de Remus estava trancada.
"Vocês não vão querer agarrar todos os homens da Escola agora e me beijar também, né...?" _ advertiu-os Pettigrew, com uma cara desconfiada.
"Mas nem que me pagassem..." _ rosnou Sirius, folheando os livros de Astronomia que Remus pegara emprestado do Professor Pollock e se encontravam dispostos sobre a escrivaninha.
Pettigrew abriu a sua boca para retorquir algo, mas se calou. Depois, contraiu as sobrancelhas com irritação.
"Peraí, por que não?! Eu sou tão feio assim...?"
James estalou a boca com impaciência, mudando o rumo da conversa:
"O mais importante agora é sabermos pra onde o Remus foi..."
Pettigrew entortou a boca para o lado, dizendo:
"Porra, não é óbvio...? Pra Casa dos Gritos ou pra enfermaria... Isso se ele não cavou um buraco no chão e se enterrou feito um coelho... Mas o que mais me surpreende nessa história toda, foi saber o quão safado o Remus é! De lobão, virou uma cadelinha, hein..."
"EI!" _ advertiu-o Sirius, deixando o livro que inspecionava sobre a mesa e falando com uma voz dura _ "NÃO FALA ASSIM DELE!"
Pettigrew hesitou quando viu o olhar aborrecido de Sirius e a expressão de censura de James.
"Er... Não tô falando por mal, mas vocês não nasceram ontem... Desde o primeiro ano, ouvimos boatos sobre o Remus. Se lembram da história do vestiário em que aqueles sonserinos ficaram tirando sarro dele...? A gente meio que desconfiava que o Lupin gostava de garotos..."
James se sentou em sua cama, suspirando.
"E o que isso tem a ver...?"
"Que, agora, ele tá exposto pra Escola toda graças a vocês dois, campeões... Se antes os outros alunos comentavam por suspeitarem, agora, vão comentar porque têm certeza..."
Sirius sacudiu o rosto, aproximando-se do parapeito da janela. A noite caía e o céu, após ser coberto pelo Cinturão de Vênus, tinha as primeiras estrelas da noite despontando.
"A gente também se expôs..."
Pettigrew, no entanto, estalou a boca com renovado e infinito deboche.
"Geral vai achar que vocês fizeram isso só por curtição ou pra zoar com o Remus. Todo mundo sabe que vocês dois gostam de garotas e que não dão a mínima pra pau..."
James revirou os olhos nas órbitas, apoiando-se em seus cotovelos ao se deitar um pouco.
"Será que você pode parar de repetir a palavra pau, Pettigrew?"
O grifinório de cabelos claros deu de ombros.
"Tá vendo! Se fosse o Remus, ele não pediria isso..."
Sirius, que parecia um pouco pensativo, falou:
"Lógico que a gente não tava zoando o Remus! Mas... foi estranho. Ele começou a agir esquisito com o Carlson e depois, ficou saidinho quando eu e o Potter nos beijamos pra testar como era... E... eu não sei o que me deu quando agarrei ele... Ele ficou me provocando e eu perdi a cabeça..."
Black se recordava que, no instante em que tomara o rosto de Lupin em suas mãos e mergulhara os lábios em sua boca, parecia que isso era algo vital. Urgente.
Parecia que uma eletricidade animal o tragava.
Pettigrew cruzou os braços com um ar divertido enquanto arqueava as sobrancelhas.
"Cara, tu é um dos alunos mais populares dessa Escola, Black! Com tanta mulher querendo uma chance contigo, tu vai e beija aquele magrelo cdf do Remus... Bom gosto mandou uma coruja, hein..."
Sirius se calou porque se verbalizasse o quanto achava Remus atraente, deporia contra si mesmo. Ele ainda guardava em seus lábios a lembrança daquela boca junto à sua e o perfume do xampu que emanava dos fios castanhos do cabelo do rapaz.
Pettigrew fez um gesto de cabeça, apontando para James.
"E o que te deu, Potter? Por que você beijou afinal o Remus?"
James endireitou os óculos sobre o nariz com as juntas dos dedos e, sem encarar os amigos, respondeu:
"Porque ele me disse que queria isso..."
Sirius moveu o seu rosto, sentindo um mal-estar em seu estômago. Hesitando, ele indagou:
"Foi isso que ele sussurrou pra você? Que queria te beijar?"
James moveu o seu olhar, tacitamente, indicando Pettigrew e pontuando que havia coisas que ele não queria compartilhar naquele momento, diante do outro rapaz. Sirius pareceu entender quando o amigo respondeu de modo evasivo:
"É... Foi mais ou menos isso..."
Pettigrew bateu as mãos espalmadas nas coxas, falando:
"E desde quando tu trabalha pro Remus e faz o que ele quer, Potter?"
James desarrumou a sua franja, parecendo querer desconversar.
"É, eu não sei também o que me deu..."
Black e Potter mergulharam num silêncio entrecortado pela algazarra nos corredores dos alunos que se encaminhavam para o Salão Principal. O jantar seria servido em breve.
Pettigrew respirou fundo e se inclinou, apoiando-se sobre os seus joelhos. Depois, ele murmurou como se pensasse alto:
"Dividimos o dormitório com um lobisomem... Remus sempre deixou claro que ser um licantropo era um bagulho louco..."
Sirius, que abraçava um dos seus joelhos, sentado no parapeito da janela, indagou:
"Aonde você quer chegar, dizendo isso, Pettigrew?"
O rapaz deu de ombros, tamborilando, em seguida, os dedos na própria perna.
"Se fosse bom ser um lobisomem, Remus não teria que esconder isso... A gente já viu o Remus muito puto nas vésperas da lua cheia e ele já voltou da Casa dos Gritos todo arrebentado. A gente já viu ele respondendo às provocações de alguns alunos, parecendo que ia arrancar os olhos deles e já viu ele se queixando de várias coisas. Ele fica inconstante pra cacete com essa parada... Deve ser por isso que ele agiu estranho..."
Sirius e James se entreolharam, concordando que Pettigrew tinha um ponto. Black se recordou do magnetismo que Remus parecia exercer.
"Mas ele nunca agiu assim com ninguém até onde eu sei... Flertando e pedindo beijos..." _ assegurou James.
Pettigrew apoiou o pé sobre o joelho e o sacudiu, falando com uma expressão acusadora:
"Ah, não? Porque, no primeiro ano, vocês dois e o Lupin eram bem safadinhos e se enroscavam às vezes... Vocês não brincavam de beijar na boca? Nunca entendi por que tinham que ensinar isso pra ele, apesar de vocês colocarem a mão na frente... Por que vocês faziam isso afinal?"
Sirius meneou a sua cabeça e desceu do parapeito da janela, movendo os olhos com algum desconforto. Ele declarou, então, com um tom que encerrava a conversa:
"Aquilo era coisa de criança, Pettigrew e não vem ao caso..."
Depois, Sirius caminhou até a porta do dormitório.
"Aonde tu vai, Black?" _ questionou o grifinório de cabelos claros.
"Procurar o Remus!"
Pettigrew interveio:
"Não acha que se ele quisesse ver a tua cara, ele taria por aqui dando sopa? Vai acabar deixando o Remus mais desgraçado das ideias do que ele já é, Black..."
Sirius se voltou, dizendo:
"Mas eu preciso ver se ele tá bem! Não dou a mínima se ele não quiser falar comigo, mas tenho que, pelo menos, tentar conversar com ele!" _ e, se direcionando a James, Sirius perguntou _ "Você vem?"
O rapaz de cabelos rebeldes já se colocara de pé e se aproximava de Black.
"Claro!"
Os dois grifinórios abriram a porta do quarto, mas se surpreenderam quando viram Pettigrew suspirar e se levantar também, arrastando a cadeira em que ele estava sentado para debaixo da escrivaninha.
"Eu também vou! A gente não pode nem dar um cochilo que o mundo parece que vira de ponta cabeça. Quero ver esse lance do Remus sendo a nova sensação da Escola..."
(cut)
Remus só percebeu que pegara a sua mochila de viagem no dormitório, forrando-a com todos os seus chocolates quando ele já se encontrava deixando a Sala Comunal da Grifinória e rumava para a enfermaria. Como um fugitivo, o rapaz se deixava levar por um instinto escapista, ao invés de racionalizar as suas ações.
Olhando ao seu redor, ele se deparava vez ou outra com algum aluno que não parecia inteirado do que acontecera no Lago e não lhe dedicava um segundo olhar.
No entanto, mesmo assim, sendo o mais rápido que podia, Remus preferiu utilizar a passagem secreta do fim do corredor dos porões. Fazendo cócegas na pera do quadro de frutas, uma maçaneta verde se revelou na pintura e o rapaz escapuliu para dentro do extenso corredor que levava à cozinha.
Remus atravessou a porta do espaço dedicado ao preparo de refeições, feito um ladrão, se abaixando atrás de uma das quatro grandes bancadas de madeira escura.
Os elfos domésticos do Castelo, com os seus feitiços, transportavam bandejas com assados, guisados e caldos fumegantes para o jantar que seria servido no Salão Principal.
Uma elfa doméstica falante e mais velha passou perto do rapaz de cabelos castanhos e ele levou a mão à boca, tapando a sua própria respiração para não ser percebido.
Depois, engatinhando, Remus alcançou a despensa e encheu um pouco mais a sua mochila com torradas, um pão de azeitona, três pedaços de bolo de caldeirão, uma garrafa de suco de abóbora, frutas secas, três maçãs e alguns pedaços de carne crua embrulhados em um guardanapo.
Em seguida, como um corsário, o grifinório fugiu, derrubando por acidente uma caneca de níquel de um aparador em sua corrida e atraindo a atenção dos elfos domésticos, que olharam a porta que levava ao Salão Principal se fechando com um estrondo enquanto perguntavam, confusos:
"Quem está aí?"
Remus, erguendo o capuz do seu uniforme e sentindo o peso da bolsa em suas costas, seguiu até a ala hospitalar.
Madame Pomfrey estava de pé em meio ao local, checando um prontuário e, nas camas enfileiradas, encontrava-se somente um aluno que, com as mãos, a cabeça e o rosto enfaixados, lia, absorto, a seção de esportes do Profeta Diário.
Madame Pomfrey ergueu o seu olhar verde azulado para Remus que, fechando a porta atrás de si, caminhava em sua direção. Medindo-o, a atenção da enfermeira se deteve na mochila de viagem do rapaz.
"Senhor Lupin, já está partindo...?" _ indagou ela, apoiando o prontuário contra o peito e informando ao paciente com ataduras _ "Trago o seu jantar em meia hora, senhor Cameron. Até lá, a poção já deve ter surtido efeito..."
O estudante sobre a cama assentiu com os olhos fixos no jornal em que o time da liga britânica de Quadribol sobrevoava um estádio sueco lotado.
"Madame Pomfrey, será que eu posso conversar com a senhora por alguns minutos?" _ perguntou Remus, não tendo ciência do quão lívido o seu rosto se encontrava.
A enfermeira, ajustando a sua touca, assentiu e seguiu para um escritório afastado, fazendo um gesto para que Lupin a acompanhasse. Chegando à ampla sala, ela indicou uma chair long para o rapaz se sentar e tomou o seu lugar na sua cadeira de espaldar alto.
Havia, no escritório, um aparador com várias poções organizadas e uma estante com diferentes arquivos empilhados. Um relógio mágico se movia na parede e, nele, se encontrava o retrato de quem Remus deduzia que fosse o paciente enfaixado que permanecia na ala hospitalar.
Seu nome era Elton Cameron e um ponteiro o movia lentamente de uma medicação para acidentes com poções explosivas até o horário do jantar. O escritório tinha cheiro de incenso de lótus e era bastante agradável.
"O que houve, jovem Lupin?" _ indagou Madame Pomfrey com uma expressão preocupada, tomando as mãos trêmulas e geladas de Remus entre as suas.
Remus apertou os olhos por alguns segundos, criando coragem para falar. Depois, ele disse, baixando o seu olhar amarelo e escuro:
"O lobo começou a ficar descontrolado, Madame Pomfrey! Eu fiz uma coisa terrível há pouco... Eu... Quer dizer, ele! Ele beijou o meu amigo! Ele beijou o James! Eu nem sei o que passou pela cabeça dele, mas quando dei por mim, tava no gramado diante dos outros alunos, beijando o James..."
Madame Pomfrey estreitou os seus olhos, aproximando mais o rosto do grifinório. Após fitá-lo com preocupação, ela se antecipou, encostando o dorso da mão na fronte do rapaz. Depois, enquanto ele falava, ela lhe inspecionou as pálpebras, usando a luz da sua varinha para examinar a heterocromia dos seus olhos.
"A sua íris esquerda está mais escura do que da última vez que o senhor esteve aqui... Sentiu mais alguma coisa além do que já está habituado?"
"Só uma dor de cabeça violenta. Tava terrível até ainda há pouco a ponto de me sentir enjoado, mas, agora, parece que está melhorando... Madame Pomfrey, como eu vou olhar para os meus amigos e para o restante da Escola agora? O lobo destruiu todas as possibilidades de eu continuar estudando em Hogwarts..."
Madame Pomfrey se deteve e suspirou antes de falar.
"Ora, não diga bobagens, senhor Lupin! Hope, Lyall, Dumbledore e os professores investiram muita energia para que o senhor pudesse frequentar Hogwarts. Não vai ser um beijo no seu amigo que vai afastá-lo daqui..."
Remus pestanejou, olhando para o assoalho encarpetado sob os seus pés. Madame Pomfrey prosseguiu:
"... A sua condição é delicada e o senhor sabe que a licantropia ainda é pesquisada na comunidade bruxa e muitos sintomas se mantém peculiares e desconhecidos. Mas sabemos que, de tempos em tempos, o lobo, quando se encontra contrariado, é capaz de invadir a consciência do licantropo. O senhor tem dialogado com o lobo?"
Remus crispou os lábios com impaciência.
"Tenho, mas ele é completamente irritante e quer me obrigar a fazer o que eu não quero! Ele não me suporta e eu não suporto ele! Essa é a verdade... Eu tento acalmar ele, mas quanto mais me esforço, mais ele se aborrece..."
A enfermeira pestanejou os seus olhos verde azulados e, girando a sua varinha, conjurou um dos arquivos do móvel, trazendo uma pasta até a sua mão e se pondo a folhear os pergaminhos.
No fichário de Remus, havia laudas e mais laudas escritas e algumas fotos suas, após os ciclos lunares mais severos. Numa das fotografias, constava imagens do abdômen do garoto com arranhões profundos e, em outro registro, havia uma imagem do seu rosto com três cortes em uma das faces e uma expressão miserável.
"O senhor completou quinze anos em março. Sabemos que já faz quase sete anos que o senhor foi atacado por Fenrir Greyback. O lobo está ficando mais forte e é comum alguma tensão entre a criatura das trevas e o hospedeiro, principalmente com o senhor passando pela puberdade... São muitos hormônios agindo e muitos fatores..."
Remus passou a mão pelo rosto, dizendo:
"Mas até então, o lobo me causava mais danos físicos e, apesar de todos eles serem uma droga, eu sabia lidar com eles, mas agora... Eu não posso lidar com isso..." _ constatou Remus, movendo a sua mão sem saber muito bem o que fazer com ela, mas evidenciando alguma dramaticidade_ "O lobo não pode ficar me impelindo a atacar as pessoas..."
Madame Pomfrey se apoiou em sua escrivaninha, acrescentando com a pena do seu tinteiro mais uma informação no arquivo de Lupin.
"E o que o lobo diz especificamente para o senhor fazer quando o impele?"
Remus suspirou, olhando para o relógio na parede, cujo ponteiro se aproximava um pouco mais do horário de Elton Cameron degustar os guisados e assados que os elfos domésticos haviam preparado para o jantar.
"O lobo, às vezes, desenha na minha mente algumas imagens de violência. Ele sente vontade de machucar as pessoas ao redor..."
Madame Pomfrey hesitou por um instante, erguendo o olhar do pergaminho para fitar o grifinório.
"Esse é um desejo recorrente?"
"Não. É mais comum com a proximidade da lua cheia..."
"E é controlável?"
"Muito controlável. Eu não vou sair por aí ameaçando os meus colegas. Nunca! Não quero machucar ninguém, Madame Pomfrey. Isso parece aborrecer o lobo, mas, nos meus estados de ausência, até onde eu sei, ele não tentou ferir ninguém..."
"Como são esses estados de ausência, senhor Lupin? Onde a sua mente paira enquanto o lobo assume?"
Remus engoliu em seco.
"É como se eu ficasse num lugar muito confortável e me sentisse bem. Parece aquele estado relaxante pouco antes do sono. E, às vezes, eu fico um pouco... um pouco..."
"Excitado?" _ indagou a enfermeira, sem demonstrar constrangimento com aquela informação.
Remus assentiu, cravando o seu olhar no assoalho. Madame Pomfrey suspirou, voltando-se para o aluno, após escrever algo no fichário.
"... Bem, já conversamos sobre esse tópico, senhor Lupin... Carregar uma criatura das trevas dentro de si não é uma tarefa fácil, principalmente porque essa sombra que o senhor tem aí dentro estabelece demandas. E, se essas demandas não são atendidas, é comum o lobisomem se voltar contra o hospedeiro. Achei que dialogando com o lobo, o senhor pudesse acalmar essa voz, mas receio que não foi o suficiente. O senhor está com quinze anos e essa é uma idade em que um corpo saudável já pode vir a desejar ter experiências sexuais. Isso, para um adolescente não licantropo, já pode ser por si só um período bem conturbado, mas com o lobo, tudo é potencializado. Felizmente, o senhor ainda não chegou ao ciclo sexual de um lobisomem que pode ser muito mais intenso, mas, talvez, a falta de prática e experiências nesse setor esteja impacientando o lobo. Lobisomens têm uma subvida dentro do hospedeiro e, fora do ciclo lunar, se alimentam das sensações dele..."
Remus, engolindo em seco, pestanejou.
"Então, eu deveria obedecer ao que o lobo quer e fazer sexo só pra ele me deixar em paz?"
Madame Pomfrey descansou a pena em seu tinteiro, entrelaçando os dedos sobre os seus joelhos.
"Veja bem, Lupin. É pueril delimitar uma divisão tão categórica entre o lobisomem e o hospedeiro. Aceitar isso faz parte da compreensão mútua entre essas duas partes. Não se trata do que o lobo quer somente, mas também do que o senhor quer... O lobisomem, psicologicamente, coleta esses desejos e a natureza animal dele não processa os motivos pelos quais o senhor não vivencia as próprias vontades. Isso o angustia na mesma medida em que deve angustiar o senhor..."
Remus, experimentando um estrangulamento em sua garganta, fungou, sentindo os seus olhos arderem.
"Eu já aceitei que ninguém nunca vai me querer, Madame Pomfrey! Eu contei isso para a senhora no ano passado... Eu gosto de garotos e o mundo bruxo não aceita isso tão bem como aceitava em épocas passadas. A Escola toda comenta sobre mim e, hoje, eu devo ter afastado os meus amigos, os meus amigos de quem tanto gosto, por ser diferente deles..."
Madame Pomfrey meneou o seu rosto, sentando ao lado do aluno na chair long e lhe envolvendo os ombros com o braço. Passou-lhe também um lenço.
"Remus John Lupin, você só tem quinze anos e é descabido dizer que ninguém o quer. O mundo bruxo tem sofrido muitos retrocessos, mas o governo do Ministro Johnson tem derrubado muitos muros que os puristas instauraram no decorrer dos anos. E é ilusão da sua parte acreditar que é o único rapaz que gosta de outros rapazes na Escola. Além do mais, eu acho que os seus amigos, que descobriram no primeiro ano sobre a sua licantropia e fizeram todo o possível para continuarem ao seu lado, não iam simplesmente virar as costas pelo fato do senhor ser homossexual..."
Remus enxugou os olhos, chorando como o menino de quinze anos assustado e longe de casa que era.
"... Talvez, jovem Lupin, seja o momento de o senhor não reprimir tanto essa parte sua. O lobo não julga. Ele sabe que o senhor se atrai por garotos e ele vai atrás disso porque é o que o instinto dele o manda fazer. O senhor já pensou em namorar de repente algum menino? Viver as coisas da sua idade e que deseja viver?"
Remus fungou novamente, pondo-se a falar com a voz embargada:
"Mas a senhora já viu o meu corpo, os meus arranhões?! Eu não sei se um outro garoto não ia sentir nojo de mim..."
Madame Pomfrey sacudiu o rosto.
"Ora, se um namorado não puder lidar com isso é porque ele não vale a pena de qualquer jeito. Esses tipos não prestam e não são desses que estou falando. Tenho certeza de que isso não será um problema para o felizardo que gostar de você de verdade, meu jovem..."
Remus sorriu, retirando os óculos e tendo os cílios encharcados.
"Na verdade, eu já gosto de um menino, mas ele não gosta de mim e já aceitei que seremos só amigos."
"E o senhor nunca disse para ele como se sente?"
Remus sacudiu o rosto vermelho.
"Não... Eu ia ficar arrasado se as coisas entre nós ficassem estranhas e a nossa amizade fosse estragada por isso... Eu gosto muito dele..."
Madame Pomfrey, suspirando, olhou para o teto e perguntou:
"E esse rapaz é o senhor James Potter?"
Remus sacudiu o rosto mais uma vez, murmurando:
"Não. É o Sirius Black... Eu gosto tanto dele que, às vezes, meu coração chega a doer. Mas tem outros momentos em que esse mesmo coração se aquece porque ele é uma das melhores pessoas no mundo todo... É certo que ele me aborrece às vezes, mas ele é uma pessoa incrível e eu não consigo deixar de gostar dele!"
Madame Pomfrey, sorrindo, perguntou:
"Então, por que o lobo o moveu até James Potter?"
Remus deu de ombros, recolocando os óculos na vista e erguendo-os brevemente para enxugar as pálpebras.
"Porque a gente é muito próximo também. A gente sempre foi amigo e o James, por farra, de vez em quando, finge que dá em cima de mim. Claro que ele gosta de garotas e faz isso só por brincadeira, mas eu não aceito nada só de brincadeira. Eu não sinto por ele a mesma coisa que sinto pelo Sirius, mas gosto da ideia de provocar e de ser provocado por ele. Não consigo entender o que me impele..."
Madame Pomfrey moveu o seu rosto, parecendo pensativa.
"Nem sempre o gostar e os desejos são tão lógicos, senhor Lupin. Mas acho que vai compreender isso melhor quando for mais velho..."
Remus permaneceu pensativo por alguns segundos e voltou a falar:
"Eu só não entendo por que o James deixou que eu o beijasse na frente de todo mundo... O que aconteceu com ele?"
Madame Pomfrey, apoiando as mãos em seu avental, levantou-se e caminhou até a sua estante de livros, retirando com um feitiço um exemplar de uma prateleira que quase tocava o teto. O livro pousou em sua mão, sendo já folheado até parar em uma página marcada. Ela o entregou, então, ao grifinório:
"Esse pesquisador norte-americano, cuja esposa é uma licantropa, relatou que, várias vezes, durante o ciclo dela, a loba ficava mais agressiva por ele partir em viagem para as pesquisas de campo. No entanto, ao retornar, ele se sentia imerso em um estado de desejo extremo e que as relações sexuais eram muito intensas entre o casal. Ele analisou as próprias reações dele e constatou agressividade, desnorteamento, impulsos incontroláveis e uma definição curiosa como uma latente vontade de se fazer o que não seria praticado em outros momentos."
Remus leu brevemente as palavras destacadas do pesquisador e, virando a página, os seus olhos se arregalaram ao se depararem com uma foto do bruxo com diversos arranhões no rosto e um sorriso nervoso e satisfeito ao mesmo tempo, ao lado de uma entediada esposa que enrolava a ponta do cabelo descolorido nos dedos.
Na descrição da imagem, ele declarava: "Aceitei que ela me penetrasse com diversos instrumentos, incluindo a sua própria varinha, sendo que eu não aceitaria isso em nenhuma circunstância. No entanto, no momento, a proposta pareceu fascinante... Simplesmente, fascinante!"
Madame Pomfrey se antecipou em tomar o livro das mãos de Remus, pigarreando com nervosismo:
"Uhum, acho que essa parte o senhor pode ler quando atingir a maioridade bruxa. Mas quero que o senhor tenha consciência disso..."
"De que eu posso um dia querer enfiar a minha varinha nos outros?"
Madame Pomfrey pigarreou com mais força.
"Não, senhor Lupin! Que alguns bruxos podem se propor a fazerem coisas que não fariam normalmente ou que não admitiriam querer fazer. A razão disso é que o lobo dialoga com a parte sombria do outro indivíduo. Entende-se como sombra aqui não o conceito maniqueísta do que é ruim, mas as coisas reprimidas e recalcadas que alimentamos sem perceber..."
Remus pestanejou, tentando se lembrar mentalmente do nome do livro que Madame Pomfrey realojava na prateleira de cima da sua estante para a posterioridade. Depois, dando de ombros, ele comentou:
"Esse parece um poder de veela..."
Madame Pomfrey, no entanto, sacudiu a cabeça.
"As veelas criam fascínio em homens e mulheres que se atraem pelo gênero feminino. Em casos raríssimos e pouco estudados, alguns garotos, filhos de veela, podem ter esse poder como o Joshua Pride, da Corvinal. Mas o lobo é uma criatura das trevas. O reagente dele é a escuridão e não o encantamento."
Remus permaneceu pensativo e falou:
"O que eu devo fazer então?"
"A princípio, devemos apenas observar o seu estado e sugiro que não discuta com o lobo, senhor Lupin. Ele deve ter agido dessa forma por se encontrar em um estado de privação psicológica. É melhor que descanse..."
Remus se levantou da chair long, dizendo:
"Bom, é por isso que vou para a Casa dos Gritos agora. Vim aqui só para conversar com a senhora e porque estava esperando que o Salão Principal se esvaziasse. Não gostaria de olhar para a cara de ninguém... Quer dizer, ninguém fora a senhora..."
Madame Pomfrey observou a mochila de viagem de Remus, dizendo:
"Não acho que seja uma boa ideia o senhor seguir hoje para o Salgueiro Lutador com sintomas tão confusos, senhor Lupin. É melhor passar a noite aqui e ficar na ala hospitalar até o dia do seu ciclo... Eu informarei à diretora da sua Casa..."
Remus crispou os lábios com algum nervosismo.
"Mas eu não posso continuar no Castelo. Eu não tô pronto ainda pra falar com o Sirius e com o James... Eu saí, literalmente, correndo dos gramados e vim pra cá... Eles vão acabar vindo até aqui me procurar se ainda quiserem algo comigo e eu..."
Nesse instante, Remus interrompeu a sua fala quando as badaladas do relógio de parede anunciaram o horário do jantar de Elton Cameron e as vozes de Sirius, James e Pettigrew puderam ser ouvidas nitidamente, vindo da enfermaria. Aparentemente, os Marotos interrogavam o paciente enfaixado sobre o paradeiro de Remus, feito três investigadores Aurores.
Remus olhou ao redor, se perguntado se ele caberia dentro do baú no canto do escritório enquanto tomava a mão de Madame Pomfrey, dizendo:
"Por favor, não diz que estou aqui... Eu ainda não tô pronto pra falar com eles..."
Madame Pomfrey, que tinha os dedos de Remus pressionando o seu pulso, entortou a boca para o lado, suspirando. Em seguida, dando tapinhas de leve na mão do grifinório, ela assentiu, deixando a sua sala e rumando para a enfermaria. Após fechar a porta atrás de si, ela foi ao encontro dos três alunos.
"Madame Pomfrey, o Remus tá por aqui?" _ indagou Sirius imediatamente ao vê-la.
A enfermeira se deteve, passeando o olhar claro pelos semblantes dos garotos, antes de responder:
"Não! Ele não está aqui..."
Pettigrew entreabriu a sua boca, revelando os dentes grandes enquanto apontava o seu dedo para o paciente enfaixado.
"Mas aquele maluco ali com a cara queimada disse que viu um garoto com a descrição do Remus e chamado Lupin falando com a senhora ainda há pouco..."
A enfermeira se deteve, tentando não fingir surpresa com a colocação do aluno.
"Ele esteve aqui mais cedo, mas já foi embora..."
Em sua cama, Elton Cameron, por trás das ataduras, entreabria a sua boca com surpresa ao constatar que Madame Pomfrey era uma mentirosa. Mas o garoto preferiu se silenciar.
"Pra onde ele foi?" _ indagou James.
"Ora, para onde mais ele iria? Visitar a mãe doente, claro..." _ respondeu a enfermeira com prontidão.
Os grifinórios olharam por sobre os ombros para observarem Elton Cameron, que, com o rosto enfaixado e observando a sucessão de mentiras em que a mãe do rapaz chamado Lupin surgia, permanecia muito quieto, engolindo em seco.
Sirius, James e Pettigrew entendiam que aquela menção à mãe de Remus indicava que ele fora para a Casa dos Gritos.
Sirius, sacudindo o rosto, perguntou:
"Ele falou algo sobre o que aconteceu mais cedo?"
Madame Pomfrey, de um modo um tanto sonso, ajeitou a touca sobre a sua cabeça.
"Algumas coisas, mas creio que poderão conversar melhor sobre isso quando ele voltar... Ele estava muito preocupado com a mãe dele se é que vocês me entendem..."
Sirius suspirou, dizendo:
"Eu sei que o Remus é uma pessoa reservada, mas mesmo pra ele, foi estranho sair correndo depois de nós nos beijarmos e de ele e o Potter também se beijarem..."
Madame Pomfrey, que se voltava para checar o prontuário do seu paciente, se deteve com os seus olhos claros parecendo se expandir em proporção e profundidade. Quando ela voltou a falar, fingiu tossir como se cuspisse a própria vida pela boca para disfarçar o ruído de um frasco se quebrando em seu escritório. Antes que ela fizesse a pergunta derradeira, o paciente Elton Cameron se adiantou de sua cama:
"Beijo?! Vocês dois beijaram aquele garoto que veio aqui mais cedo?"
Pettigrew, cruzando os seus braços com um ar divertido, se voltou para Elton Cameron, dizendo:
"Na boca, parceiro! E de língua! Dá pra acreditar nisso, cara?"
Cameron assobiou, comentando:
"Como Hogwarts tá moderna... 1975 e contando, hein..."
Madame Pomfrey pigarreou, dizendo:
"Bom, acho melhor os senhores irem embora agora porque eu preciso servir o jantar do senhor Cameron. Daqui a uma semana e alguns dias, o senhor Lupin estará de volta e vocês podem fazer todas as perguntas que quiserem diretamente pra ele..."
Os Marotos hesitaram por um instante e, após se entreolharem, acataram a ordem da enfermeira, deixando a ala hospitalar.
Madame Pomfrey, acompanhando-os até a porta e, vendo os garotos sumirem no corredor, voltou para o seu escritório, deparando-se com um Remus perplexo que esbarrara em um frasco de poção para furúnculos, espatifando-o no chão. Elton Cameron, por um senso puramente fofoqueiro, esticava o seu olhar para dentro da sala também.
Remus estava com o rosto ainda mais lívido do que quando chegara e parecia nem mesmo reparar que quebrara um dos medicamentos da enfermaria. Seus lábios tremiam levemente e o seu coração batia acelerado. Porque ele e Sirius Black haviam se beijado também!
(cut)
No mundo trouxa, alguns fenômenos marcantes se sucederam entre os anos de 1974 e 1975, trazendo um forte impacto para a comunidade: Nixon renunciou à presidência dos Estados Unidos devido aos escândalos de Watergate e Gerald R. Ford assumiu; a reunião da OPEP se realizou em Viena com o intuito de resolver a crise do petróleo; Bill Gates e Paul Allen fundaram a Microsoft e, em abril, foi lançado o primeiro satélite da Índia, Aryabhata.
No mundo bruxo, alguns acontecimentos importantes também se davam. As autoridades olhavam com preocupação a força que Você-Sabe-Quem adquiria no Reino Unido e os outros países da Europa realizavam, amiúde, reuniões e conferências para tentarem impedir o crescimento do número de seguidores de Você-Sabe-Quem, assim como para investigarem figuras suspeitas de confabularem com o Lorde das Trevas. Um burburinho sobre uma possível guerra já se fazia audível.
Todavia, a despeito disso, em 1975, na microssociedade chamada Hogwarts habitada por crianças e adolescentes, só se falava do beijo que três garotos da Grifinória trocaram entre si, por trás de um feitiço de névoa que se dissolvera, pondo-os em completa evidência.
"Sirius Black e James Potter se beijaram?! Sem chances! Aqueles lá são dois garanhões que vivem atrás das garotas! Devem ter feito isso só por brincadeira!" _ cochichou um rapaz sonserino no banheiro, conversando com um colega lufano, que se aliviava no mictório.
"Sirius Black beijou Remus Lupin?! Quem é o Lupin mesmo? Ah, sim... Aquele representante do quarto ano que anda com o grupo do Black e do Potter... Tem certeza de que não foi o tal de Lupin que atacou o Black?" _ fofocaram uma menina e um rapaz veterano, degustando o guisado que era servido no jantar do Salão Principal.
"James Potter e Remus Lupin se beijaram?! Bom, eu sempre suspeitei que o Lupin gostava de homem, mas o Potter deve ter feito isso só pra tirar um sarro da cara dele..." _ comentaram dois jogadores reservas do time de Quadribol da Corvinal enquanto um aborrecido Michael Carlson lhes entregava o novo cronograma de treinos.
"O Lupin é gay! Isso eu já sabia..." _ cochichavam alguns alunos, saindo da biblioteca _ "Ele nunca me enganou..."
"Se ver os três juntos, é melhor separar porque é briga! O Lupin deve ter é agarrado os dois! Que tarado!" _ riram-se duas alunas do sexto ano, cruzando o Quadro da Mulher Gorda.
"Isso é da conta de quem mesmo...?" _ deu de ombros a pequena Winona Rivers, que foi deixada a par dos acontecimentos enquanto brincava com o seu gato felpudo na Sala Comunal da Grifinória, cortando com azedume a fofoca que chegava até os seus ouvidos e recebendo um olhar de estranheza de seus colegas.
Diante dessas circunstâncias, não foi surpresa quando Sirius, James e Pettigrew entraram no Salão Principal e um silêncio se fez em torno dos garotos enquanto muitas caras se voltavam na direção deles.
Ser um grifinório envolvia coragem e audácia e isso implicava em se cruzar um Salão cheio, revestido por uma dignidade, que, aos quinze e dezesseis anos, ainda não estava bem consolidada e oscilava como a chama de uma vela sendo assoprada por um trasgo.
De modo que, ainda que Pettigrew contraísse os lábios com aquela expressão de "Estou me controlando para não rir de nervoso" quando ouviu algo sobre "morde-fronhas" e Sirius girasse os olhos nas órbitas, pensando que Remus fora o mais esperto por se esconder até a poeira baixar, evidenciando um lado inteligente e corvinense pra cacete, James não procurou um lugar para se enterrar, ainda que, naquela ocasião, o espaço sob a mesa da Grifinória parecesse tentador.
Sirius e James estavam ok com o fato de terem beijado outro rapaz, mas a questão de todos terem visto três meninos se beijando como se aquela intimidade fosse um troca-troca, com a finalização dramática de Remus correndo, suscitava mais dúvidas do que um simulado do N.O.M.s.
"Tigrões!" _ riu-se um grupo de garotos quando Black se sentou em sua cadeira, servindo-se de sopa quente.
"A gente morre e não vê tudo o que tem pra ver..." _ comentou Pettigrew, mordendo um pedaço do seu pão de azeitona.
Em silêncio, os três garotos se puseram, então, a comer e, dando de ombros, ignoraram os burburinhos, sentindo-se um pouco mais revigorados com a comida. No entanto, alguns minutos depois, um grupo de veteranas se aproximou dos rapazes, cumprimentando-os:
"Hey, Potter! Hey, Black!"
Em nenhum momento, as jovens olharam para Petetigrew, apesar de ele ser o único que as respondeu de volta.
"Queremos perguntar algo pra vocês..."
Sirius largou ruidosamente os seus talheres sobre a louça, erguendo o seu olhar mais selvagem e mais desagradável para a quintanista. Black, quando estava chateado, podia ser bem ameaçador. James, por sua vez, suspirou, parecendo arrogante ao fazer um gesto para que a colega prosseguisse.
A jovem hesitou por alguns segundos, mas, no fim, indagou:
"É verdade o que estão dizendo sobre vocês dois e aquele garoto que anda, de vez em quando, com o grupo de vocês...?"
Sirius voltou a movimentar os seus talheres, cortando um pedaço de rosbife com a sua faca por trezentos e noventa e nove anos enquanto as jovens mordiam os lábios em expectativa. No fim, Black levou o pedaço de carne à boca, mastigou-o devagar e o engoliu como se o tempo não existisse.
"É verdade..."
"Ele atacou vocês?" _ se antecipou uma outra garota, tocando o ombro de James.
O rapaz de cabelos rebeldes retirou os dedos da veterana de seu braço, redarguindo:
"Ninguém atacou ninguém! Aliás, se quer saber, isso não é da sua conta e não estou com vontade de falar sobre isso com vocês..."
A garota, de um modo um pouco atrevido, envolveu o pescoço de James com os seus braços e se sentou sobre o colo dele.
"Por favor, falem com a gente! A gente sabe que vocês gostam de garotas e tudo não passou de um mal-entendido..."
Pettigrew mirou a veterana dos pés à cabeça quando James a forçou a se levantar do seu colo, dizendo com rispidez:
"Será que você pode me deixar jantar em paz?"
Algumas meninas da Escola, quando se tratava de Sirius e de James, podiam ser bem atiradas. A jovem que se levantara do colo de James Potter fez um beicinho, dizendo:
"Mas todos estão comentando..."
Sirius, após tomar um gole da sua cerveja amanteigada, observou o seu redor, estreitando o olhar. Erguendo a faca e, apontando para os alunos que os fitavam, ele vociferou um pouco alto:
"Alguém quer vir comentar o que aconteceu então comigo? Aliás, vocês têm um problema comigo? Porque se tiverem, eu também vou ter um problema grave com vocês..."
Alguns estudantes, um tanto desconcertados, viraram as suas cabeças, fugindo do olhar implacável de Sirius Black, e, quando o rapaz de cabelos compridos começou a brincar com a sua faca de carne, batendo com a coronha e a ponta na mesa, ele se dirigiu, por fim, às garotas com aspereza:
"Saiam!"
As meninas, parecendo aturdidas, afastaram-se com passos apressados, mas uma delas murmurou empolgada:
"Ai, adoro quando ele age assim..."
James, se servindo de creme de cogumelos, ajeitou os óculos sobre a vista e disse, após espreitar brevemente o amigo:
"Você parece um bandido às vezes, Black..."
Sirius estava apoiado em seu assento, brincando ainda com a faca quando perguntou:
"E você tem um problema comigo, Potter?"
O rapaz de cabelos rebeldes deu de ombros, falando:
"Um pouco tarde demais pra ter, né? Até a sua boca eu já beijei, então, acho que não..."
Um rubor pareceu subir pelas faces de Black enquanto ele largava a faca em seu prato e tomava mais um gole da sua cerveja amanteigada. Pettigrew, que se servia de salsichas, hesitou por um segundo.
"Potter, você podia estar beijando aquela garota linda que se sentou no seu colo, mas, ao invés disso, beijou a boca desse desgraçado do Black... Eu tenho um problema muito sério com você..."
James sacudiu o rosto e ia retorquir algo, mas se deteve quando a figura de alguém se fez presente ao lado de Sirius.
Ela não era muito alta, mas havia algo de intimidador em seus gestos e olhar. Bellatrix Black tinha os cabelos escuros caídos por suas costas e trajava roupas masculinas da alta sociedade bruxa, que eram compostas por calças pretas, camisa de botão com mangas compridas e suspensórios.
"Preciso falar com você..." _ dirigiu-se ela a Sirius, fitando o olhar em algum ponto do Salão Principal, antes de espreitar os rostos de Potter e de Pettigrew.
James captava a energia transtornada e desequilibrada de Bellatrix Black, permeada por incestos e casamentos arranjados em prol de um sangue puro que adoecia por conta da endogamia excessiva. Para James, bastava se aproximar da energia de Bellatrix Black para ele constatar que deveria ser um inferno viver dentro dela.
Black, diante da voz autoritária da jovem, se deteve, erguendo a cabeça para mirar a prima. A sua confiança pareceu hesitar por um instante. Desde o primeiro ano, ele e Bellatrix mal se falavam e as escolhas do Chapéu Seletor aumentaram o distanciamento entre os dois. Além do mais, Bellatrix estava completamente imersa nos ideais puristas dos Blacks enquanto Sirius se mantinha à margem como o filho que trazia desgostos, frustração e aborrecimentos para aquele clã de filhos da puta.
Voltando-se para o seu cálice com uma expressão hostil, ele retorquiu com rispidez:
"Está falando..."
Era notório como o semblante de Sirius se tornava sombrio quando ele interagia com alguém da própria família. Bellatrix se manteve impassível, com a mandíbula contraída quando retrucou:
"Não me venha com gracinhas! Já me basta a vergonha de ter que me aproximar dessa mesa cheia de sangues de bosta e bruxos traidores do próprio sangue..."
Sirius bateu a mão espalmada sobre a mesa com irritação, atraindo a atenção de alguns colegas ao derrubar o seu cálice sobre a toalha.
"Cala a boca! Não vou deixar que você fique aí de pé, insultando pessoas de bem..."
James se manteve encarando Bellatrix, com uma frieza aguda. Sinceramente, ele não gostava de nenhum Black que ele tivera o desprazer de conhecer até então. Sirius era a exceção e, endireitando os óculos sobre a vista, com um gesto declaradamente beligerante, Potter colocou a própria varinha sobre a mesa.
Bellatrix fitou o grifinório com um ar afrontado e, ostentando dureza em sua voz, declarou como se ele não existisse:
"Você já é cem por cento um deles, Sirius..."
"Eu sempre fui um deles! E não tenho o que esconder dos meus amigos..."
"Comovente o seu talento pra ser do lado podre, primo. Na nossa família, sempre nasceram pessoas de bem que sabem o que é o certo..." _ declarou Bellatrix.
"Mas você nasceu errado!" _ pensou James. Não era a primeira vez que ele ouvia aquele sermão purista direcionado a Sirius, sendo proferido por aquela parenta que ruminava um temperamento colérico e tóxico.
"Mas você nasceu errado!" _ declarou Bellatrix, estreitando os seus olhos escuros.
Pettigrew, com a boca escancarada, observava a cena absorto.
"...No entanto, eu não quero discutir assuntos da nossa família na frente deles. Anda, se não quiser que eu envie uma coruja agora mesmo para o seu pai e pra Walburga!" _ vociferou Bellatrix, dando as costas para o primo e rumando para a saída do Salão Principal.
Sirius hesitou por um instante, sob o olhar de James e de Pettigrew, mas no fim, ele se levantou, empurrando o seu prato com chateação e seguindo a sonserina.
Os dois jovens se detiveram próximos a uma armadura do corredor, falando entre si com uma boa distância.
Bellatrix pestanejou os seus olhos escuros, após erguer uma sobrancelha.
"Eu não sei qual é o problema com você, mas se quer beijar um homem, pelo menos faz isso com um puro-sangue! Já basta as garotas sem linhagem com quem anda! Os Potters são apoiadores do atual governo e defensores de trouxas e aquele tal de Lupin é mestiço!"
Sirius mediu a prima dos pés à cabeça, retorquindo:
"Eu não te devo satisfação sobre as minhas escolhas..."
Bellatrix sacudiu o seu rosto bonito, estalando a boca.
"Sinceramente, não existe benefício nenhum em gostar de homens... Vocês são estúpidos, fracos e limitados. Você não puxou à Walburga. Eu preciso desenhar para que entenda que, na família dos Blacks, algumas coisas não acontecem? Mantenha isso que você chama de pau dentro das calças. E se quiser enrabar um outro idiota por gosto ou por diversão, eu tô pouco me lixando! Mas trate de fazer isso com um puro-sangue..."
Sirius, instintivamente, sacou a sua varinha, respondendo com irritação:
"Sua hipócrita, eu sei que você também..."
"Ótimo! É, eu sou!" _ vociferou Bellatrix com impaciência, cortando Sirius_ "Mas há formas de se fazer isso escondido! E se continuar andando com o Potter e aquele outro, seus pais vão saber de mais essa sua traição do sangue! Eu não vou te poupar! Aliás, entre a família Black e você, eu escolho sem hesitar os Blacks e vai ser um prazer te ver se foder..."
"Sua cretina!" _ mordeu-se Sirius _ "Eu sei porque e pra quem você quer posar de boa moça!"
"Dane-se, seu mulherzinha! Se fizer uma cena daquelas de novo como a que vi no Lago, eu mando uma coruja para Londres imediatamente e você vai ter que pegar o primeiro trem que partir de Hogsmeade. Não ouse ir contra mim e me envergonhar na frente da Escola, entendeu?" _ e cuspindo no chão com asco, ela acrescentou_ "Escória de sangues de merda..."
Os olhos de Sirius faiscavam de um modo irascível quando Bellatrix, com um riso abafado, colocando as mãos nos bolsos da sua calça, deu-lhe as costas. Sentindo a raiva regurgitar em seu estômago, Black explodiu, falando baixo com uma constatação revestida de certeza.
"Eu te odeio! Odeio!"
Bellatrix se voltou sobre os seus sapatos envernizados e, com um sorriso enviesado, inclinou o seu rosto, fingindo uma provocativa amorosidade ao dizer:
"Eu também odeio você, priminho querido! Com todas as minhas forças..."
Numa família normal, poderia surgir uma genuína declaração de amor entre primos que foram criados como irmãos ou entre aqueles que desenvolveram um outro tipo de sentimento entre si. No entanto, na aridez da família Black, o ódio era apresentado e reconhecido muito cedo. E ele era cantado a plenos pulmões como uma canção ensaiada um pouco melhor a cada geração.
Sirius remanchou um tempo no corredor, fechando os olhos e sentindo aquele mal-estar que o alcançava sempre que interagia com um Black. Respirando fundo, o rapaz se sentiu, subitamente, sem apetite, sem energia e drenado como se estivesse adoecendo ou sendo mordido por um dementador em surto, que não queria apenas sugar a sua alma, mas ingerir também os seus ossos e vísceras.
Black ia voltar para se despedir de Potter e de Pettigrew e seguiria para a Torre da Grifinória porque o ar se tornara ácido e poluído. Ser um estranho no ninho da família Black lhe trouxera aborrecimentos graves ano após ano, por mais que na Escola, Sirius estivesse trilhando os seus próprios passos. Vez ou outra, no entanto, aquela mão pesada, aquele julgo amargo e sanguíneo o alcançava e o feria. Na maioria das vezes, quando ele não estava esperando por aquilo.
Era inevitável, após aquelas interações, Sirius adentrar um estado autodepreciativo e mórbido, fazendo-o chafurdar em uma ansiedade estranha que tremia as suas mãos enquanto ele se recordava que, mais cedo ou mais tarde, o verão chegava.
Normalmente, Potter dissolvia aqueles momentos de tensão com as conjecturas de que Sirius fora adotado ou trocado na maternidade do St. Mungus por um medibruxo ainda confuso, após ele se esbaldar nas celebrações e bebedeira do Dia das Bruxas. Mas Sirius não podia fingir que Orion e Walburga não eram os seus pais sempre. Ele nascera na Mui Antiga Casa daqueles que se proclamavam Toujours Pur e os Blacks não tinham generosidade suficiente para criarem uma criança que não fosse sua.
Sirius cruzou o Salão Principal e, regurgitando a raiva a ponto de sentir a sua garganta doer um pouco e o seu estômago queimar, ele contornou a mesa da Sonserina, a fim de alcançar a mesa da Grifinória. Contudo, aquele estava longe de ser um dia calmo e pacato.
Black se deteve quando Severus Snape cruzou o seu caminho. O rapaz magricela, aparentemente, terminara o jantar e voltava para as masmorras. O sonserino ergueu o seu olhar escuro e áspero, crispando os lábios no meio do Grande Salão. Havia um tom muito contrariado e condenador em sua expressão azeda. Quando Sirius tentou passar por ele, teve o seu caminho fechado.
Em silêncio, Snape culpava Black e espumava de raiva. Ele o culpava por algo que não havia sido sentido por si próprio, mas sim, por alguém que estimava de um modo bem peculiar. E, apesar de Sirius não haver compreendido os sentimentos do outro garoto, compreendeu o rancor que ardia com violência naqueles olhos inquisidores que o abalavam, fazendo-o sentir-se pior. Sirius carregava naquele instante a escuridão dos Blacks e os ódios podiam ser contagiosos e colaterais.
Melhor teria sido se, naquela noite, um dos dois garotos tivesse permanecido em seu dormitório, remoendo os seus próprios demônios e melancolia. Sirius fechou o punho, ordenando:
"O que tá olhando, seu idiota?! Sai da frente!"
Snape sustentou o olhar do grifinório com declarado ressentimento, apesar de se manter em silêncio, não dando passagem para ele. Alguns lufanos que estavam perto olharam na direção dos dois garotos com expressões curiosas.
"ESTOU FALANDO COM VOCÊ, IMBECIL!"_ explodiu Sirius, não suportando o silêncio de Snape e empurrando-o com força.
Severus, após dar alguns passos para trás, avançou e empurrou Sirius de volta, dando vazão ao seu ódio e permitindo que ele se tornasse quase palpável por meio das palavras. O sonserino era um garoto franzino e um pouco mais baixo do que Black, mas, ainda assim, com a sua força, Sirius, ao ser agredido, se desequilibrou e foi amparado por um corvinense que passava.
"Você é deplorável, Sirius Black! Você e o delinquente do Potter são intragáveis e merecem morrer! Todas as vezes que vocês jogam Quadribol, eu rezo pra que caiam de suas vassouras e quebrem o pescoço! Tomara que o Lupin perceba o quão patético vocês dois são e nunca mais volte a olhar pra cara de vocês dois! Vocês agarraram o próprio amigo de vocês pra constrangê-lo na frente da Escola, não foi? O que diabos tavam pensando?"
Por um momento, Sirius deixou que aquelas palavras proferidas se revolvessem em seu cérebro e esmagassem a tênue linha de controle que ainda estava desenhada. Quem aquele infeliz do Ranhoso achava que era? Como ele ousava falar de Lupin e de Potter, envolvendo-os em sua boca imunda? Aliás, qual era o interesse dele em Remus?
Uma onda de raiva se apoderou de Sirius e ele não reprimiu mais seus instintos primitivos. Seu punho fechado alcançou o nariz de Snape com tanta força que o barulho de ossos se partindo pode ser ouvido a uma boa altura. O garoto foi atirado sobre a mesa da Sonserina, escorregando sobre ela, fazendo com que os alunos gritassem e a travessa com couve-de-bruxelas fosse emborcada no chão.
Tonto, Snape se reergueu, apalpando o nariz ensanguentado que manchava a camisa de seu uniforme. Checando o próprio sangue em sua mão, ele se levantou, sendo amparado por alguns colegas e endireitando o cabelo com uma dignidade fora de hora. Depois, Severus tentou levar a mão à varinha, mas foi desarmado por um irascível Sirius que avançava de novo sobre ele, puxando-o pelo colarinho.
Os alunos das outras mesas, gritando, se levantaram e correram para perto. A mesa dos professores se encontrava praticamente vazia, mas alguns monitores dispararam pelo corredor, indo buscar por ajuda. Aproximando o rosto do de Snape, Sirius falou, pontuando bem as palavras:
"Se quer briga, eu vou aceitar a sua provocação, Ranhoso! Mas se falar dos meus amigos de novo, eu te mato, ouviu bem?"
Um dos monitores da Sonserina interveio, com a varinha em punho, segurando o braço de Sirius e desvencilhando-o do colarinho de Snape. Potter, ao lado de Pettigrew, conseguiu passar pela aglomeração de estudantes que se formava ao redor do incidente e alcançou o amigo, puxando Sirius pelos ombros.
"Eu não tenho medo de você, seu bastardo arrogante! Eu ainda te faço se arrepender de ter vindo pra Hogwarts! Uma hora dessas você vai ser chutado feito um cachorro enjeitado daqui!" _ redarguiu Snape com o nariz coberto de sangue, sendo puxado para trás pelo monitor da Sonserina.
"CAI DENTRO, RANHOSO!" _ provocou-o de volta, Sirius, olhando o rapaz por cima do ombro de James_ "VOCÊ ACHA QUE TEM PODER PRA ME EXPULSAR DE HOGWARTS?!"
"BLACK, JÁ CHEGA!" _ advertiu-o Potter, com a mão pousada no peito de Sirius, no instante em que a Professora McGonagall irrompia pelo Salão, ao lado de Filch e da monitora Alice Fawley.
Com uma expressão severa, a diretora da Grifinória estreitou os olhos, fitando o nariz ensanguentado de Snape e, em seguida, Sirius, com a sua ferocidade selvagem habitual, sendo contido por James Potter e Peter Pettigrew. Após um silêncio pesado e duro, McGonagall declarou:
"Como explica esse comportamento lamentável, senhor Black? Violência física não é tolerada nessa Escola sob nenhuma circunstância! Venha comigo imediatamente! Vai sofrer Detenção por uma semana! Onde pensa que está para agredir desse modo animalesco um colega? Cinquenta pontos a menos para a Grifinória. Agora, peça desculpas ao senhor Snape!"
Sirius, com a mandíbula contraída, fechou os olhos, respirando fundo enquanto tentava recuperar alguma calma em si mesmo. Depois, replicou:
"Ele me provocou, Professora McGonagall! Isso não conta?!"
"Não, se o senhor for responder dessa forma. Seja lá o que ele tenha dito, você perde a razão quando opta por ser reativo, senhor Black. Agora, vamos, peça desculpas ao seu colega!"
Após quatrocentos e oitenta e seis anos em que os alunos ao redor tinham as suas respirações presas e até o fantasma do Barão Sangrento pairava absorto, observando a cena, Sirius falou, erguendo o seu olhar selvagem:
"Não."
Uma onda de murmúrios excitados percorreu o Salão e McGonagall arregalou os seus olhos com a petulância do grifinório, tendo, em seguida, o seu semblante tomado por uma pontada de decepção. Ao seu lado, Filch tinha a boca escancarada como se alguém o houvesse estuporado.
"Está bem então. Setenta pontos a menos para a Grifinória e uma Detenção de um mês para o senhor Black. Agora, alguém leve o senhor Snape para a enfermaria!"
O monitor da Sonserina, pousando a mão no ombro de Severus, fez um sinal para que o rapaz o acompanhasse até a ala hospitalar. Lily Evans não se encontrava no recinto e James Potter não viu, dessa vez, a colega de cabelos ruivos de sua Casa, envolver o pescoço de Snape e olhar para qualquer um que o provocasse com aquela censura silenciosa e virulenta.
"Me acompanhe, senhor Black!" _ sentenciou a Professora McGonagall com um timbre austero.
Pettigrew, passando as mãos por seus cabelos claros, lamentou-se, dizendo baixinho para James:
"O Black tá muito fodido..."
Enquanto Sirius deixava o Salão Principal, James capturou o olhar do amigo. E, em silêncio, os dois se fitaram tacitamente por segundos que se estendiam.
Então, o efeito James Potter sobre Sirius Black se fez e o rapaz de cabelos compridos sentiu as tensões dentro de si se desfazerem, como se um laço que o estrangulasse fosse desfeito. Como se ele se percebesse novamente nos terrenos seguros de Hogwarts e não costurado em uma tapeçaria sanguínea; em uma árvore familiar; em um sobrenome escuro que obliterava um pouco quem ele era, tornando-o quem queriam que fosse.
(cut)
"De todas as coisas que lamento, a pior é a sua covardia, seu grifinório de merda! Você vai morrer sem saber o que é a porra de um boquete!" _ vociferara o Lobo no ouvido de Remus.
Remus havia tomado banho e trocado o seu uniforme escolar pelo pijama da enfermaria. Pensativo, ele se mantinha com o cortinado de sua cama fechado, remoendo os seus pensamentos e mordiscando o seu dedo indicador, no qual se abria uma ferida.
Tentando falar um pouco com o Lobo, ele constatava que a criatura das trevas estava putaça por ele ter se escondido na enfermaria e, agora, era ela que não queria saber dele.
Calma lá, lobo!
Havia uma diferença gigante entre jogar charme para um aluno desconhecido, flertando e parecendo confiante e pegar os próprios amigos, tascando um beijo na boca de cada um diante de todos. Pensar em boquetes, logo após um primeiro beijo também fazia do Lobo um puto.
E, consequentemente, Remus virava um puto também.
O primeiro beijo de Remus fora com Sirius Black! Pior do que isso era ele não se lembrar de nada. Tudo se tornava um incômodo borrão e o lobisomem em Lupin roubara aquela experiência dele, feito um ladrão sorrateiro e ganancioso.
Porra, lobo! Porra...
Eram bastante confusos também os sentimentos que Remus experimentara ao ver Sirius e James se beijando, tomados por aquela curiosidade de garotos héteros explorando outras cercanias só por diversão e para dizerem, depois, que não era bem isso. Que não curtiam garotos. Que era um absurdo alguém gostar mais daquilo do que dos beijos delicados das meninas com quem ficavam...
Mas Sirius se questionava se era bissexual... Seria possível ele gostar também de garotos ou ele só estava perplexo demais por haver flagrado Nicholas Huang e Detlef Hausen se pegando? Aquilo podia ser só uma curiosidade passageira. Possivelmente, Black era super hétero porque Remus já perdera a conta do número de garotas com quem ele namorara em Hogwarts. Então, garotos podiam ser só uma exploração adolescente sem um significado maior para o grifinório de cabelos compridos, não?
Aquele era um tópico nebuloso. Só não era mais nebuloso do que os sentimentos conflitantes de Remus, que, por um lado, detestara ver os seus dois melhores trocando aquela intimidade. E por outro, sentira uma febre genuína em seu corpo como se fosse incendiar dentro das suas vestes.
Remus, sacudindo o rosto, tomou um pequeno espelho que trouxera na sua mochila de viagem e tinha ao lado da sua cama, sobre a cômoda. Fitando o seu rosto pálido e jovem na superfície do objeto, ele murmurou:
"No que estava pensando? É muito fácil pra você fugir e deixar a bagunça toda pra eu arrumar. Duvido que os dois queiram ser meus amigos agora!"
O rapaz de cabelos castanhos ergueu uma sobrancelha quando ouviu uma voz, vindo da cama ao lado:
"Cara, você tá falando comigo? Eu não fui a lugar algum! Estou aqui ainda..."
Afastando o cortinado de sua cama, Remus se deparou com o rosto enfaixado de Elton Cameron no leito ao lado.
"Eu pareço estar falando com você? Vai saber se eu estiver falando com você..."
Cameron ergueu as mãos no ar, parecendo insultado.
"Cara, você tem cara de bonzinho, mas é um grosso! Isso é modo de tratar o seu vizinho hospitalar...?"
Remus suspirou, falando:
"Achei que ia receber alta. Por que ainda tá aqui?"
O paciente apontou o dedo enfaixado para o seu rosto enfaixado.
"As queimaduras da poção que eu tentei preparar ainda não cicatrizaram e Madame Pomfrey disse pra eu passar a noite aqui."
Cameron lia agora a seção de cartas dos leitores do Profeta Diário e parecia entediado.
"Que poção você tentou fazer afinal?"_ indagou Remus, se perguntando intimamente se não era melhor encerrar o assunto e fingir que ia dormir.
"Na verdade, eu gosto de fazer experiências com poções. Daqui a pouco, vão começar as minhas provas do N.O.M.s e eu quero ser farmabruxo. Só não esperava que a mistura de estrume de dragão com a Poção Embelezadora podia fazer um estrago desses. A minha cara tá toda queimada e parece a de um trasgo..."
Remus contraiu os lábios com ironia, dizendo:
"Eu consigo imaginar..."
Cameron hesitou por um breve intervalo, antes de perguntar:
"Ei, Lupin, só por curiosidade, você beijou mesmo aquela gente toda mais cedo no Lago?"
Bingo! Era melhor o grifinório ter fingido que estava dormindo. Remus fez menção de fechar o cortinado de sua cama, mas o paciente o deteve.
"Espera... Nada contra... O Black e o Potter fazem o tipo bonitões e não te censuro por querer morder a fronha com eles e aquele outro tal de Pettigrew..."
Remus abriu a sua boca e a fechou. Depois, contraindo as sobrancelhas, respondeu com maus modos:
"Não aconteceu nada disso entre a gente! E eu não beijei o Pettigrew!"
Ocorria a Lupin naquele momento que descontrolado como o Lobo estava, talvez, sobrasse até para Pettigrew se o grifinório não tivesse ido tirar um cochilo mais cedo, no dormitório da Grifinória. Era um alívio que ele não estivesse no Lago.
"Certo!" _ falou Cameron, erguendo as mãos diante de si num gesto de paz_ "Mas se precisar de hidratante para lábios ressecados, um tônico estimulante, uma poção relaxadora de músculos ou lubrificantes, eu posso tentar preparar algo. Faço um preço camarada pra você, vizinho! Na verdade, estou precisando de cobaias para meus experimentos... Então, é isso..."
Lupin fechou o cortinado de sua cama sem responder, mas ouviu Cameron murmurar baixinho:
"Pode me pagar também com um desses chocolates com os quais você se empanturrou, Lupin. Eu já acabei de ler o jornal. Se quiser, troco ele por um bombom explosivo..."
Remus revirou os olhos nas suas órbitas e retirou da gaveta da sua cômoda dois bombons, passando-os feito um traficante para um animado Cameron e tomando o Profeta Diário em suas mãos. Seria bom, no fim das contas, poder se concentrar em outra coisa.
"Obrigado, Remus Lupin! Você é gente boa! Vamos nos falando, parceiro..."
Lupin, sacudindo o rosto, desdobrou o jornal e se pôs a lê-lo em silêncio.
Havia uma reportagem falando da investigação comandada por Jordana Johnson e pelos Aurores sobre o atentado de puristas num conjunto empresarial trouxa. Com as suas madeixas louras e uma faixa colorida sobre a cabeça, a Chefe de Execução das Leis da Magia, ao lado de um Auror de cabelos ruivos e revoltos, concedia uma entrevista ao Profeta Diário, pontuando a não tolerância do Ministério com atos segregacionistas e violentos.
Em outra fotografia, o Ministro Johnson, deixando a sede do Ministério em Londres com os seus cabelos negros e repuxados para trás com gel, era rodeado por vários jornalistas enquanto declarava:
"Os responsáveis pelo atentado trouxa são investigados como uma facção que, até agora, chamamos de encapuzados. A maioria dos criminosos esconde o rosto, exceto quando conduzem atos assassinos. Ainda estamos investigando os envolvidos, mas o Ministério da Magia Britânico não vai tolerar esses ataques e os culpados irão ser julgados e, caso sejam condenados, sem dúvida, irão para Azkaban... Não descartamos a possibilidade de que os encapuzados estejam agindo sob o comando de Você-Sabe-Quem!"
Remus ainda lia a reportagem do Profeta Diário, quando ouviu passos de pessoas chegando à enfermaria e a voz de Madame Pomfrey se juntando aos visitantes. Entreabrindo um pouco o cortinado de sua cama e temendo que Sirius, James e Pettigrew tivessem voltado, o rapaz de cabelos castanhos se deparou com um dos monitores da Sonserina e Severus Snape com o nariz e o queixo ensanguentados.
O monitor sonserino partiu, após alguns minutos, deixando Snape sob os cuidados de Madame Pomfrey, que, por sua vez, se adiantou até o aparador de onde pegou o frasco de alguma poção ao mesmo tempo que indicava uma cadeira para que o sonserino se sentasse. Quando ela perguntou o que acontecera de fato, Severus sussurrou próximo à enfermeira o motivo que deixara o seu rosto naquele estado, fazendo com que a bruxa levasse a mão à boca com surpresa.
Cameron, na cama ao lado de Remus, ainda mastigando um dos bombons explosivos e tendo tentado entreouvir a conversa entre paciente e enfermeira, dirigiu-se a Severus quando Madame Pomfrey se retirou:
"Cara, você tá horrível! O que fizeram com você, Snape? Não me diz que você tentou fazer uma poção para Repor Sangue e colocou sanguinária ao invés de beterraba!"
Snape se deteve alguns segundos, olhando Elton Cameron, com uma cara azeda, antes de rosnar com a sua fala pausada, fitando o paciente dos pés à cabeça. Para surpresa de Lupin, o sonserino parecia conhecê-lo.
"É você, Cameron? Não me diga que já perdeu a sua cara irritante com os seus experimentos patéticos! Nem todo mundo é como você! É lamentável o modo como lida com uma ciência séria como Poções, fazendo experimentos vulgares e descabidos... É a terceira vez que termina assim..."
Cameron ergueu as mãos no ar, como se estivesse se rendendo.
"Nem todo mundo é um gênio nato de Poções feito você, Snape! Eu me viro como posso e tento ser criativo. Mas o que aconteceu afinal com você?"
Snape se silenciou com a sua expressão irritada. Nesse instante, Madame Pomfrey voltou do seu escritório e se sentou diante do sonserino, inspecionando o seu nariz com a varinha. Depois, destampando o frasco de uma poção, ela falou:
"Vou limpar o ferimento e administrar para o senhor uma medicação para recuperar ossos fraturados. Vou pedir também que durma aqui para mantê-lo em observação. Sirius Black o acertou de jeito e o senhor deve estar sentindo muita dor. O que estava passando pela cabeça daquele rapaz?"
Remus, ouvindo o nome de Sirius, abriu um pouco mais o seu cortinado e se deparou com Snape com as suas vestes amarrotadas e ensanguentadas. Elton Cameron havia se levantado e, parecendo uma múmia, permanecia enfaixado, observando o procedimento que era aplicado no trato do sonserino. Severus ergueu o seu rosto, fitando o colega do quarto ano, que viu surgir de trás do cortinado.
"Remus Lupin... O que faz aqui?"
O rapaz de cabelos castanhos se ergueu do seu leito hospitalar e, aproximando-se também do sonserino, se explicou:
"Eu não tava me sentindo muito bem mais cedo e resolvi vir pra cá. Mas me diz o que aconteceu com você..."
Severus hesitou, crispando os lábios como se experimentasse um remédio amargo.
"Aquele delinquente da Grifinória, Sirius Black..."
Cameron assobiou, sacudindo as mãos:
"Eita, o Black te bateu?! Cara, hoje eu tô perdendo todos os lances dessa Escola, trancado aqui dentro..."
Madame Pomfrey e Severus lançaram um olhar ríspido para Cameron. Remus indagou, logo após Madame Pomfrey passar a sua varinha pelo rosto do rapaz, drenando o sangue que já secava na pele.
"Por que vocês dois discutiram?"
Snape engoliu em seco, antes de beber de um pequeno cálice com uma poção avermelhada que lhe foi administrada. Depois, com um rubor em sua face, ele remanchou um pouco, antes de dizer:
"Eu não faço ideia! Ele só agiu feito um descontrolado e partiu pra cima de mim..."
Remus franziu de forma quase imperceptível o cenho. Desde sempre, Black e Snape não se toleravam e, no decorrer dos anos, a relação entre os dois só se inflamara mais e mais. Provocações, farpas, feitiços trocados e palavras duras eram rotineiras, mas não era comum eles caírem no braço. E Sirius costumava extravasar a sua violência somente quando se sentia acuado ou alguém ofendia os seus amigos.
Lupin tinha a mão no queixo, refletindo ainda quando Madame Pomfrey pediu ao sonserino que fosse ao banheiro da ala hospitalar tomar um banho e trocar as suas roupas pelo pijama da enfermaria. Severus ainda tinha um rubor em suas bochechas, quando passou por Remus.
A porta do banheiro se fechou e Cameron sacudiu o braço de Remus com uma força incômoda.
"Ouviu isso, Lupin?! O Black deu uma surra no Snape! Controle o seu homem!"
Remus desvencilhou o seu braço, estalando a boca e voltando para a sua cama.
"... Snape é antipático, mas nem chega a ser muito chato. Existem figuras piores nessa Escola. Além do mais, mais três socos como aquele que o Black deu no Snape e ele se desmonta todo. Hoje, na Escola, aconteceu de tudo. Eu pareço um rapaz ambicioso, mas, na verdade, sou um menino ingênuo e prezo por alguma ordem ao meu redor. Não gosto de anarquia em Hogwarts. Por isso, eu digo, Lupin, controle o seu homem..."
Remus fechou novamente o seu cortinado com o ruído de ganchos deslizando pela arara e só voltou a abri-lo quando ouviu o barulho da porta do banheiro batendo e Snape se direcionando para a cama que Madame Pomfrey lhe reservou. Elton Cameron, entediado, brincava com a varinha em sua cama, criando um anel de fumaça que se dissolvia no ar.
Lupin, levantando-se, então, aproximou-se de Severus, perguntando-lhe:
"Está se sentindo melhor, Snape?"
O rapaz magricela, pálido e de cabelos muito lisos e escorridos parecia surpreso em ter o representante de turma do quarto ano diante de si. Manchas vermelhas surgiam em seu rosto e ele, ao falar, demonstrava algum nervosismo.
"Estou. E você?"
Remus ajustou os óculos sobre o nariz.
"Acho que sim..."
Snape crispou os lábios e, parecendo remoer algo que lhe caía mal, indagou Lupin sem meandros:
"Por que você anda com o Potter e com o Black? Não faz sentido! Eles não são iguais a você..."
Remus baixou o seu olhar cor de âmbar. De fato, Sirius e James eram populares, bonitos e atletas de Quadribol descolados e ricos. E, quando Remus pensava sobre a sua própria aparência, se via como alguém mediano. Quando pensava em si mesmo nos esportes, ele se achava magrelo e sedentário. Descolado? Definitivamente, não... Mas, acima de tudo, a conta bancária dos Lupins era uma piada.
Talvez, Remus fosse audacioso mesmo por fantasiar com romance e pegação adolescente com os seus dois melhores amigos, sendo alguém tão comum e sem graça. Mas ele se deixava levar por sua imaginação porque sonhar não pagava imposto (o que era importante, levando-se em conta o saldo bancário dos Lupins) e porque era atraído por eles. Contudo, acima de tudo, Remus tinha aquele vínculo de amizade com os dois garotos que voltaram para resgatá-lo de puristas na estação de Hogsmeade no seu primeiro dia em Hogwarts. Havia quase quatro anos de afeição não correspondida, mas, apesar de as coisas estarem um pouco diferentes agora, eram quase quatro anos também de amizade recíproca.
"Eles são os meus amigos..."
Snape sacudiu o rosto como se censurasse Remus.
"Lupin, não foi certo o que eles fizeram mais cedo com você perto do Lago! A Escola toda tá comentando agora... Eles agarraram você, não foi?"
Remus sentiu uma pontada em seu estômago e o chocolate que comera mais cedo parecia não ter lhe caído muito bem e se remexia agora no seu corpo. Ajustando os óculos sobre o nariz, Remus indagou, visivelmente abatido:
"Estão comentando... o que exatamente?"
Snape evitava olhar o outro garoto. Tinha um medo terrível de evidenciar os seus sentimentos mais secretos.
"Não importa, Lupin. São besteiras ditas pela escória de Hogwarts..."
"Estão dizendo que eu gosto de garotos?"
Snape engoliu em seco, antes de assentir com a cabeça. Remus soltou um suspiro de irritação e permaneceu muito quieto, fitando um ponto fixo no assoalho.
"Você gosta...?"_ indagou, então, Snape.
Remus reergueu o seu olhar com alguma tensão e, imediatamente, Severus se arrependeu do que perguntara. Rapidamente, ele procurou consertar a sua fala, explicando-se:
"...Desculpa... Não é da minha conta! Só queria dizer que não há problema nenhum com isso porque, caso você goste, eu também acho que gosto..."
Uma expressão de ligeiro atordoamento atravessou o rosto de Remus. Snape o olhava com inquietação e ansiedade.
"...Desculpa, Lupin..."
"Tá tudo bem..."
Um incômodo silêncio se instaurou no ambiente, tal qual a poeira que se acumula sobre móveis lustrosos e em vão, é soprada. Remus julgou ouvir Elton Cameron em sua cama, pigarreando e depois, tossindo.
Remus se forçou a sorrir enquanto retomava o diálogo com Snape, falando um pouco baixo.
"Então, desde quando você sabe que é...?"
Severus evitava olhar o rapaz de cabelos castanhos. Havia um rubor mais intenso em suas faces.
"Acho que, na verdade, sempre soube. Mas eu não gosto só de garotos. Gosto de garotas também. Era bem comum os druidas antigos fluírem nas duas direções. No fim, acho que o melhor é se envolver com quem se sente bem e pronto..."
Remus fitou o rapaz diante de si, um pouco surpreso com aquela revelação. Não era comum Lupin falar sobre aquele tipo de assunto com ninguém, fora Madame Pomfrey.
"E quando você teve certeza de que gostava também de garotos? Quero dizer... Você se apaixonou por algum?"
Snape sentiu a tensão daquela conversa subindo como aranhas por suas costas e braços. Remus olhou o sonserino timidamente, sem obter uma resposta. Depois, ajustando os óculos, ele falou:
"...Tá tudo bem. Não precisa responder. Não é mesmo da minha conta... Estou feliz por podermos conversar aqui, fora dos horários de aula..."
Severus, entortando a boca, declarou ao cruzar os braços.
"Poderíamos conversar melhor se aqueles dois delinquentes não andassem grudados em você nas aulas, feito dois carrapatos..."
"Sei que você não se dá bem com o Potter e com o Black, mas se deixassem essas picuinhas de lado, talvez vocês pudessem ter um melhor convívio..."
Snape contraiu as sobrancelhas com indignação.
"Nem pensar! Não vou baixar nunca a guarda para aqueles dois patifes. Isso que o Black fez vai ter volta..." _ respondeu Snape, apontando para o seu nariz com um curativo em cima_ "Grifinórios escrotos! Grifinória de merda!"
Remus crispou os lábios com algum incômodo, falando:
"Ei, Snape, não fala assim da Grifinória e do Sirius e James! Não gosto disso. Além do mais, você andava nos primeiros anos bastante com a Evans da Grifinória. Não tenho visto vocês muito juntos ultimamente..."
Snape, ao ouvir o nome de Lily, deu de ombros, fincando o olhar nas cobertas que ajeitava ao seu redor.
"Lily é a minha melhor amiga. Mas as coisas têm sido um pouco diferentes agora..."
Remus se recordou de Raven Fraser lhe dizendo a mesma coisa durante o jantar de despedida dos intercambistas. Lily Evans, nos primeiros anos, se mostrava como uma excelente aluna nas matérias e andava bastante em companhia de suas amigas de dormitório e de Snape. Contudo, recentemente, ela era vista quase que exclusivamente com Julian Parker e os veteranos. Intimamente, o rapaz de cabelos castanhos se perguntava se as amizades passavam por algum tipo de teste de sobrevivência no quarto ano.
"Você não costuma andar com o pessoal da sua Casa?"_ indagou Lupin para o sonserino.
Snape olhou Remus com uma expressão convicta.
"Não faço questão deles também."
Remus mirou profundamente o rapaz diante de si. Severus não costumava ser hostilizado somente por Black e por Potter, mas por alguns alunos de outras Casas também. Mesmo os sonserinos não pareciam vê-lo com bons olhos. E, como consequência, Snape não escondia a sua indisposição com os colegas de Hogwarts.
Neste momento, Madame Pomfrey retornou do seu escritório, dirigindo-se a Lupin e Snape.
"É melhor os senhores descansarem. Lupin, você tomou uma poção calmante e é melhor se deitar. Snape precisa também repousar para a medicação para os ossos fazer efeito... Vamos lá..."
Sorrindo para um tímido Snape, Remus se despediu e se encaminhou para o seu leito. No entanto, antes de se deitar, Elton Cameron sacudiu o braço de Lupin mais uma vez com força. O rapaz de cabelos castanhos se desvencilhou com uma expressão aborrecida:
"Se me sacudir de novo, eu vou te estuporar! Qual é o seu problema?!"
Elton Cameron parecia uma múmia com somente os olhos e a boca não enfaixados. Pensando bem, ele parecia bem assustador.
"Eu consegui só ouvir parte da conversa daqui. Mas não quis parecer um fofoqueiro. Snape também é gay?"
Remus ajustou os óculos sobre o nariz, dizendo:
"Você É Um Fofoqueiro..."
Cameron moveu a boca no que parecia ser um sorriso.
"Não me leva a mal, parceiro! Eu sou da Corvinal e gosto de me manter informado sobretudo. Como disse, não tenho nada contra a pegação entre caras, apesar de não ser a minha praia. Você, sendo da Grifinória, deve conhecer o Peter Olsen da mesma Casa. Ele é um cara legal. Gay até dizer chega, mas burro feito um trasgo com Poções. Você o conhece?"
"De vista..."
"Posso dar uma de cupido e apresentar você pra ele, já que tá pegando geral. O Snape ali te devorou com os olhos..."
Remus franziu o cenho. Que figura era Elton Cameron e, definitivamente, Snape não o secara. Como Cameron poderia ver isso do seu leito se Remus não podia ver isso de perto?
"Não estou pegando geral e não preciso de um cupido. Vou me deitar. Boa noite..."
Cameron insistiu:
"Ok. Mas ainda somos amigos, não é Lupin?"
"Não somos amigos..."
"Ah, vizinho..."
Remus fechou o cortinado do seu leito porque Elton Cameron não parecia sequer próximo de parar. Sentindo a poção calmante começar a fazer efeito, o rapaz de cabelos castanhos se deitou com a cabeça apoiada sobre as mãos. Sua mente ainda estava povoada por ideias e questionamentos e, pouco antes de pegar no sono, ouviu a voz raivosa do Lobo dentro de sua cabeça rosnar uma última vez:
"Assim, você nunca vai saber o que é a porra de um boquete! Nem como são todas as coisas que você imagina e quer fazer por trás dessa cara de aluno notável e sonso, seu Oralder de merda! De todos os bruxos, você é o que mais odeio, Remus Lupin! Mas uma hora, você vai entender que eu sempre venço... E que a nossa alcateia e o rebanho são o que realmente importa. Preciso te fazer entender."
