OS MAROTOS: O LIVRO DAS SOMBRAS
CAPÍTULO 10
DESEQUILÍBRIO
Where are you? And I'm so sorry
I cannot sleep
I cannot dream tonight
I need somebody and always
This sick strange darkness
Comes creeping on so haunting every time
And as I stared, I counted
Webs from all the spiders
Catching things and eating their insides
Like indecision to call you
And hear your voice of treason
Will you come home and stop this pain tonight
Stop this pain tonight
Don't waste your time on me you're already
The voice inside my head
(I miss you, I miss you)
Don't waste your time on me you're already
The voice inside my head
(I miss you, I miss you)
(I Miss You – Blink-182)
Remus deixou a passagem secreta do Salgueiro Lutador no início daquela manhã de segunda-feira, olhando para os lados, a fim de se certificar de que ninguém o espreitava ou o seguia. Já fazia uma semana que o rapaz de cabelos castanhos havia se ausentado de Hogwarts devido ao seu ciclo lunar e, agora, no primeiro dia da lua minguante, o rapaz retornava para a Escola.
O grifinório apertou os olhos, fazendo uma careta de dor ao cruzar com passos apressados o pátio do Castelo em que as luzes da madrugada ainda estavam acesas. Um elfo doméstico solitário varria com o seu feitiço as folhas e flores caídas do freixo.
O sol nascera há pouco e Lupin precisava que Madame Pomfrey desse urgentemente uma boa olhada em seus ferimentos, que estavam bastante profundos. Havia um arranhão em seu peito que, particularmente, ardia terrivelmente sob os tecidos de sua roupa e precisava de medicações. Além do mais, um corte vertical transpassava os seus lábios e ele era bem notório. Perigosamente, notório.
Chegando à ala hospitalar, Remus se deparou com Madame Pomfrey já de pé, abrindo as janelas da enfermaria e, ao seu lado, estava Higia Bhasin, a estagiária que trabalhava em Hogwarts durante alguns dias da semana, complementando a sua formação escolar.
No ano seguinte, a jovem, caso recebesse uma boa avaliação da enfermeira de Hogwarts e passasse nos exames, possivelmente, passaria a atuar diretamente no St. Mungus.
"Senhor Lupin, bom dia..." — cumprimentou-o Madame Pomfrey, detendo o seu olhar verde azulado no ferimento de Remus.
"Bom dia, Madame Pomfrey. Bom dia, senhorita Bhasin..."
A jovem de corpo roliço e rosto sorridente cumprimentou Remus, adiantando-se em preparar um leito e buscar uma bacia com água quente.
"Como foi o seu ciclo?"
"Nada bem..." — respondeu Remus, semicerrando os olhos com dor — "Perdi muito sangue e tentei fazer alguns curativos, mas eu acho que preciso de alguma poção pra estancar o sangue e... pra dor."
Madame Pomfrey, estendendo a mão para abaixar a gola das vestes de Remus, espreitou uma marca roxa ao redor do pescoço do rapaz de cabelos castanhos e acrescentou, gritando para a sua estagiária:
"Certo! Higia, traga a poção para hematomas que está na segunda prateleira à esquerda."
Meia hora depois, Remus se viu sendo cuidado pelas duas enfermeiras que limparam o sangue do seu corpo e aplicaram um unguento de prata líquida e pó de ditamno sobre os seus machucados. Havia algumas dentadas profundas também no braço do grifinório e Remus se sentiu aliviado quando a poção para dor começou a fazer efeito.
"É melhor eu ir para o dormitório, antes do horário da aula..." — disse Remus, levantando-se do leito ao ouvir a algazarra dos alunos nos corredores seguindo para o Salão Principal.
"De forma alguma, senhor Lupin!" — interveio Madame Pomfrey, usando a sua varinha para secar o sangue que respingara nos lençóis — "O senhor tomou uma poção forte para dor e três doses de Poção para Repor Sangue. Seu corpo ainda está fraco e o senhor pode se sentir tonto e sonolento. Fique descansando aqui durante a manhã. Havendo melhora, de noite, já estará liberado..."
Remus protestou.
"Eu não posso perder mais matéria, Madame Pomfrey! Se eu faltar a mais uma aula, vai ser impossível recuperar o conteúdo até o dia dos exames..."
"O senhor vai poder estudar com os seus amigos quando estiver recuperado. Vou enviar um atestado para Minerva. Descanse..."
Remus assentiu diante do olhar firme de Madame Pomfrey. Higia, com o seu rosto oliva e sorridente, retirando a bacia com toalhas ensopadas, falou:
"Vou buscar o seu café da manhã, jovem Lupin."
Após o desjejum nutritivo de Hogwarts, Remus sentiu as medicações que tomara começarem a surtir efeito e, enquanto o rapaz ainda ouvia a algazarra dos alunos se movendo pelo corredor e o pio de algumas corujas voando próximo às janelas da ala hospitalar, ele adormeceu. Adormeceu, sentindo o seu corpo pesado enquanto fitava a brisa da manhã sacudir as cortinas e os seus guizos.
Remus se viu, então, sonhando com a Casa dos Gritos e os seus móveis arranhados e gastos. O rapaz se observou nos primeiros minutos de lua cheia, com a sua forma ainda humana, mas com a sua consciência já adulterada pelo Lobo.
Com as unhas crescidas e os caninos protuberantes, ele arranhava incessantemente a parede, perfurando o papel e lascando a madeira. Depois, o garoto, andando de quatro com uma pesada coleira em seu pescoço, pulou sobre a carne crua em um pires que fora deixada no chão. E como um animal com fome, ele devorou o alimento, limpando o sangue do queixo com o dorso da mão.
"Lobo!" — chamou-o Remus ou a consciência que pertencia ao garoto.
A figura que devorava a carne crua se voltou e aquelas duas instâncias se encararam.
Um era um garoto trajando o uniforme de Hogwarts e o outro era um garoto com características animalescas. Com os olhos amarelos e selvagens faiscando.
Inclinando a cabeça, o Lobo espreitou a luz prateada e azulada da lua cheia que atravessava as frestas das janelas vedadas e o animal permitiu que o uivo preso em seu peito se fizesse audível, preenchendo cada canto da casa e de si mesmo. E aquela consciência que era o garoto de uniforme desapareceu.
Depois, Remus se viu caminhando pela margem de um grande rio em uma tarde demasiadamente quente, típica do estado brasileiro que ele visitara com os seus pais quando tinha dez anos.
"Há um garoto igual ao Remus, vivendo próximo ao rio Amazonas no Brasil. Um bruxo licantropo." — fora a pista que os Lupins obtiveram no México — "A avó dele, uma licantropa também, busca nas ervas ancestrais da floresta criar uma poção de cura."
O calor era úmido e tinha um cheiro acre, abafado, misturado ao aroma de árvores e terra molhada. Ao seu lado, havia um menino de sua idade com a pele vermelha e os cabelos lisos e escuros.
"Eu vou correr por toda a floresta quando a lua tiver alta no céu! Não quer vir comigo, Remus?" — disse o menino com um sotaque carregado pelo português.
Remus espreitou o rosto do único garoto que ele conhecera igual a si durante aquela viagem que os Lupins fizeram ao redor do mundo, procurando por curas milagrosas para a licantropia. O nome do menino era Rafael. Rafael Lobo.
"Meus pais acham perigoso correr solto pela floresta. Alugamos uma casa que tem um porão reforçado e eu vou permanecer lá durante toda a semana..." — justificou-se Lupin.
O menino franziu as suas sobrancelhas espessas.
"O seu Lobo deve detestar ficar trancado por tanto tempo... A minha avó, La Loba, disse que não resistir ao Lobo é um primeiro passo para a cura..."
Remus, criança, engoliu em seco, fitando a imensa floresta diante de si. Os pássaros sobrevoavam algumas copas altas de árvores, entoando cantos estrangeiros e belos. O cheiro de resina era intenso. Remus sentia o suor escorrer por sua testa e por suas costas, apesar de estar usando roupas de verão.
"... Pelo menos, podemos entrar no rio, antes de escurecer, Remus...?"
"Eu não sei nadar..." — disse Lupin, observando o majestoso rio Amazonas com as suas águas doces e infinitas se abrindo diante de si.
Rafael Lobo sorriu, dando a sua mão para Remus. No seu braço, havia pinturas de tinta e símbolos, que a avó do menino dizia fazer parte do seu processo de iniciação para ingressar na Escola de Magia brasileira Castelobruxo no ano seguinte.
"Tudo bem. Eu prendo você..."
Remus moveu o seu rosto afogueado pelo sol.
"Prende?"
"Te seguro...?" — arriscou Rafael Lobo, experimentando a outra palavra e fazendo um gesto com os seus braços — "Desculpa, eu ainda me confundo com a língua do seu país. Vamos?"
Remus, com dez anos, assentiu e os dois meninos, com risadas pueris, entraram na água, molhando os seus pés, as suas pernas, as suas roupas e atirando jatos um contra o outro.
Aquele sonho trazia a lembrança do último lugar que os Lupins estiveram, antes de voltaram para o Reino Unido, em 1970: Brasil.
Remus, na enfermaria de Hogwarts, acordou ouvindo os gritos da algazarra dos alunos nos jardins da Escola e esfregou os olhos, vendo que o sol já estava se pondo. Ao seu lado, Higia Bhasin escrevia algo em um prontuário e analisava o seu pulso.
"Olá, Remus. Você dormiu bastante."
"Que horas são?"
"Faltam dez para as seis. Sua pressão já se estabilizou."
Madame Pomfrey surgiu em seguida e, após examinar o paciente, lhe servir o jantar e administrar-lhe novas medicações, dispensou-o para que ele retornasse para o dormitório.
Quando Remus, no entanto, já se encontrava vestindo as suas próprias roupas e estava com a mochila de viagem nas costas, a enfermeira de Hogwarts, tocando no ombro do rapaz, advertiu-o:
"Continue passando a prata líquida e o ditanmo nos ferimentos."
"Certo. Muito obrigado, Madame Pomfrey. Obrigado, senhorita Bhasin."
Higia, que movia a sua varinha, organizando a cama deixada por Remus, sorriu-lhe e se despediu dele. Madame Pomfrey, no entanto, se deteve, mordendo os lábios.
"Há algo mais que tenho que lhe dizer, senhor Lupin. O senhor Black esteve aqui há alguns dias. Ele sofreu um acidente no treino de Quadribol e..."
Remus moveu o seu pescoço bruscamente, sobressaltado.
"Acidente?! Sirius tá bem?"
Madame Pomfrey moveu as suas mãos, tranquilizando o grifinório.
"Sim. Ele está bem. Não foi nada de grave e ele nem precisou permanecer aqui. Mas Black perguntou pelo senhor. Ele sabe que o senhor se manteve aqui até o sábado de noite, evitando encontrar com ele e com os seus outros amigos."
Remus se sentiu em parte aliviado por saber que Sirius não sofrera nenhum ferimento grave, mas a informação de que o rapaz descobrira que ele se mantinha covardemente escondido na enfermaria o aturdia.
"Como ele descobriu?"
"Elton Cameron comentou com ele..."
Remus ergueu a sua sobrancelha, lembrando-se do seu vizinho de leito com a cara enfaixada e com a língua solta.
"Mas que fofoqueiro!"
Madame Pomfrey moveu os olhos em concordância e acrescentou:
"Só queria que soubesse disso quando forem conversar. O senhor Black parece gostar muito do senhor. Boa sorte..."
Remus deixou a ala hospitalar, sentindo um rubor subir por suas faces.
Sirius gostava muito dele. Como amigo, ele precisava se lembrar porque, afinal, Sirius não tinha vontade de beijá-lo. Sim, como amigos, os dois eram imbatíveis. No entanto, como algo mais, Lupin colecionava tocos.
Mas o Lobo o fizera beijar Sirius.
Como o grifinório de cabelos compridos lidava com esse fato? Ele estava irritado? Aborrecido? Indiferente? Fingiria que Remus escorregou com a boca nele, a fim de preservar a amizade e se auto enganar? Fingiria que nada aconteceu?
Remus saberia em breve o que aqueles acontecimentos caóticos causaram porque não havia mais para onde ele fugir.
O grifinório seguiu pelo caminho longo que o levaria à Sala Comunal da Grifinória. Ao subir um lance de escadas, o rapaz viu um grupo de alunos que se dirigia para o Salão Principal passar por ele, cochichando e olhando para trás. Mais adiante, o grupo desatou em um riso compulsivo, dentre o qual o grifinório pode entreouvir palavras desagradáveis.
Lupin se lembrou, com algum constrangimento, do beijo que trocara com os seus amigos no Lago e o qual os colegas haviam visto. Aparentemente, uma semana não havia sido o suficiente para os falatórios serem dissolvidos e as pessoas esquecerem. Abaixando o rosto, o rapaz se deparou com uma situação semelhante um pouco mais adiante.
Depois, um grupo de meninas cessou a sua conversa, cravando os olhares nas costas do garoto enquanto ele se afastava. Remus entreouviu elas dizendo: "Ele agarrou o Black e o Potter..."
Remus se aborrecia com o Lobo, que, após ter armado toda aquela confusão, dormia em uma instância distante e silenciosa dentro de si, longe de toda aquela animosidade. Foi quando, hesitando por um instante ao ver Carter e Tyrone, que Remus percebeu como a situação estava fora de controle.
Tyrone assobiou, colocando-se de um lado no alto da escada e Carter, de outro. Para subir os degraus, Remus teria que passar pelos dois sonserinos que o aborreciam desde sempre e, naturalmente, não engendrariam uma evolução espiritual em segundos.
"Ora, ora, se não é o tarado do Lupin. Voltou pra nossa Escola, é, sua bicha? Espero que não agarre mais garotos de agora em diante..." — provocou-o Tyrone.
Remus, respirando fundo, se pôs a subir as escadas, ignorando as provocações dos colegas.
"Você não é tão valente longe do Black e do Potter. Vai ficar calado?" — insistiu Tyrone.
Quando passou pelos dois garotos, os dois fizeram o ruído de beijos sendo jogados e Carter puxou a mochila de Remus.
"Ei! A gente tá falando com você, Lupin! Cá entre nós: grifinório, sangue-ruim e mariquinhas é dose!"
Remus se desvencilhou com raiva e redarguiu:
"E o que vocês têm a ver com isso? Tá a fim de mim, por acaso?"
Carter arqueou as sobrancelhas, dando uma risada sonora.
"Fala direito com a gente, sangue de bosta! Quer que eu enfie a mão na tua cara?"
Remus fitou os dois garotos com chateação e deu as costas, avançando pelo corredor.
"Não tem vergonha de beijar a boca de dois garotos?! Que nojo, Lupin!" — vociferou Carter, fazendo uma careta com a língua pra fora ao simular vômito.
Sentindo a raiva percorrer o seu corpo e as suas pernas tremerem, Remus redarguiu, voltando-se para Carter e para Tyrone.
"Deviam experimentar beijar um homem. É ótimo!" — respondeu o rapaz de cabelos castanhos de modo reativo.
"Que depravado, Lupin! Aonde você vai com tanta pressa? Vai encontrar o seu homem? Quem que você vai pegar dessa vez, seu mulherzinha?" — provocou-o Tyrone.
"O teu pai, seu idiota!"
"O QUE?!"
Remus só percebeu que verbalizara as palavras nas quais pensara quando viu Tyrone desembainhando a sua varinha e Carter levar a mão à boca. Era o momento do grifinório sair correndo. Era a hora de ele não cavar uma briga com aqueles dois brutamontes. Remus era só um cdf franzino. Ele ia calar a boca.
"VOU ME PEGAR COM O TEU PAI QUE GOSTA DE TOMAR! QUER VIR ASSISTIR, SEU BABACA?!" — disparou Remus, experimentando a raiva dar vida própria à sua boca como se ela fosse o ventríloquo e ele um boneco. Um boneco suicida.
Até Carter sacudiu a mão, vendo o rosto de Tyrone se tornar pálido, roxo e agora permanecer vermelho feito um rabanete.
"EU VOU QUEBRAR A SUA CARA, SEU SANGUE DE BOSTA!"
Remus se abaixou quando Tyrone atirou um feitiço em sua direção, ricocheteando no quadro de um bruxo que, dentro da sua moldura, desmaiou. O grifinório de cabelos castanhos se antecipou, pegando a sua varinha e murmurando rapidamente:
"Braquio Amolecium!"
O feitiço deixou com um raio azul a ponta da varinha de Remus e acertou Tyrone em cheio, fazendo-o dar dois passos para trás. A varinha do sonserino caiu no chão, quicando sobre os degraus da escada. Os braços do sonserino penderam moles como se não possuíssem ossos, músculos e fossem feitos de pano. Tyrone arregalou os olhos, observando os seus membros inertes.
Carter, que assistia à cena com a boca aberta, antecipou-se em se desviar de um feitiço que Remus jogara também em sua direção e, sacando a sua varinha, ele vociferou, mirando o grifinório:
"Collare Corpus!"
Remus sentiu o feitiço o atravessar e puxá-lo para trás até que o seu corpo se prendesse na parede e ele não pudesse se descolar. Com uma expressão aborrecida, o rapaz experimentou o seu braço sem alcance e a varinha com pouca mobilidade em sua mão. Ele parecia um inseto preso em uma teia.
"Muito corajoso da sua parte sacanear o Tyrone, Lupin! Você tá merecendo é umas boas porradas nessa sua cara pra tomar jeito..."
Remus se alarmou ao ver o sonserino abrir e fechar a mão como se a preparasse para um forte impacto. Movendo a sua varinha apontada para o chão com algum nervosismo, Remus, sem muita mobilidade, moveu o seu braço e se recordou de um feitiço criado pelos Marotos nos primeiros anos, o qual não demandava muita mobilidade para ser executado.
Esperando Carter se aproximar mais, Remus moveu a varinha, murmurando:
"Flagellum!"
Imediatamente, a varinha voou da mão do outro rapaz e um corte nítido se formou em seu pulso por sobre a camisa. O raio que saíra da varinha de Remus ricocheteara no chão e desarmara o sonserino.
Carter, observando, aturdido, o seu redor franziu o cenho quando se descobriu desarmado pelo garoto diante de si que se mantinha preso.
"Ora, seu...!"
O sonserino, com raiva, segurou o colarinho da roupa de Lupin e ergueu a sua mão no ar. Remus fechou os olhos e prendeu a respiração, antevendo a dor que sentiria pelo golpe daquele punho.
Contudo, um feitiço conjurado por alguém paralisou o braço de Carter.
Remus, que antevia ainda o soco que levaria, abriu os olhos após longos segundos para se deparar com Alice Fawley, monitora da Grifinória erguendo a sua varinha no ar e detendo Carter.
Ao seu lado, estavam o monitor Frank Longbottom, o veterano Kabir Dayal e Michael Carlson, monitor da Corvinal.
O quarteto mais velho e mais experiente pareceu intimidar os sonserinos, que os olhavam com algum nervosismo. Alice deu dois passos adiante e Tyrone deu dois passos para trás.
"Vocês tão ameaçando o Lupin?! Vocês tão ameaçando o Lupin?!"
A repetição da indagação de Alice deixava a situação mais tensa e os sonserinos engoliram em seco. A monitora grifinória do sexto ano era conhecida como uma das mais rigorosas e assustadoras. Ela era baixa e roliça. Havia um modo de ela olhar que impunha um tácito respeito e ela liderava os alunos do sexto ano.
Carter, tremendo o queixo, falou:
"A gente só tava conversando..."
Frank Longbottom, atrás da namorada, Alice, parecia se divertir com o ar intimidador da jovem e cruzava os braços, mordendo os lábios. Dayal trocou um olhar divertido com Carlson, que se antecipou em ir em direção a Remus. Apontando a varinha para o rapaz e, murmurando Finite, ele descolou Remus da parede.
O grifinório pestanejou ao sentir o seu corpo se mover livremente e viu os olhos azuis-porcelana de Carlson lhe sorrirem, assim como a sua boca.
"Você tá bem, Lupin?"
O rapaz de cabelos castanhos ajeitou os óculos sobre o nariz com o seu tique característico.
"Estou. Obrigado por isso..."
Alice ainda tinha Carter e Tyrone sob a sua mira quando disse:
"Não quero saber de intimidações. Vocês infernizam um bocado o Lupin... Agora, chega, senão vão ter que se ver comigo! Vou reportar os dois para o Professor Slughorn, ouviram bem...?"
Como se agissem de um modo sincronizado, Carter e Tyrone moveram os seus rostos e pareciam muito obedientes e temerosos perante a monitora Fawley.
"Agora, sumam daqui!" — declarou Alice, coçando o seu cabelo curto e loiro com a varinha.
Como se houvessem aberto a porteira para um rebanho sair, os dois sonserinos dispararam pelos degraus da escada. Tyrone, sacudindo os braços moles ao seu lado como se eles fossem feito de pano, chutou a sua varinha no chão para que ela o acompanhasse já que não conseguia pegá-la. Dayal finalmente se sentiu livre para gargalhar e dizer:
"Alice é bem assustadora como monitora e aqueles dois quartanistas vão correr até amanhã! Ainda bem que somos amigos..."
Frank envolveu o pescoço da namorada, dando um beijo estalado em seu rosto.
"Ela é ou não é a garota mais incrível do mundo? Achei que ia dar uma corrida neles enquanto desciam a escada..."
Alice Fawley sorriu, revirando os olhos nas suas órbitas. Sua expressão assumiu um ar mais brincalhão.
"Eu não sou tão má assim. Eu só queria dar um susto naqueles dois para pararem com as intimidações. Já vi eles enchendo o saco dos alunos do primeiro e do segundo ano também..."
Alice, guardando, então, a varinha dentro das suas vestes, se aproximou de Remus com um sorriso em seu rosto redondo.
"Tá tudo bem com você, Lupin?"
O rapaz de cabelos castanhos fitou os veteranos favoritos de sua Casa e o monitor do sexto ano da Corvinal e assentiu. Endireitando o aro dos óculos com as juntas dos dedos, ele agradeceu a todos.
Frank Longbottom, Capitão do time de Quadribol da Grifinória, fez um barulho estalado com a sua boca e declarou:
"Não liga para esses idiotas, Lupin! Se precisar de ajuda, estamos por aqui, ok?"
Remus se perguntou, intimamente, se o rapaz tinha ciência do tipo de ameaças que ele sofria e que essas se intensificaram depois do episódio do beijo no Lago.
Lupin olhou para os rostos sorridentes dos veteranos e seu olhar se demorou em Michael Carlson, que o fitava com uma expressão atenta.
"Não sabia que vocês eram amigos..." — comentou Remus.
Frank olhou para a cara de Carlson com um ar divertido.
"Amigos? A gente se odeia, cara! Principalmente, nas partidas de Quadribol! Mas fora isso, a gente se dá bem. De vez em quando, a gente toma uma cerveja amanteigada juntos com o Dayal ali, se xinga bastante e combina de se tolerar nas aulas como a gente faz desde o primeiro ano..."
Carlson, com os braços cruzados, deu uma risada e falou:
"Menos, Longbottom! A partida da Corvinal contra a Grifinória tá na porta e eu vou derrubar você e o Dayal das vassouras. Melhor tomarmos a nossa cerveja até amanhã porque, depois, não vou querer olhar pra cara de nenhum dos dois, seus leões bravateiros..."
"Vai sonhando, dost! Essa vitória já é dos leões. Prendam os seus corvos!"— declarou Dayal.
Alice girou os olhos em suas órbitas.
"Não aguento mais ouvir sobre essa maldita partida e quero o meu namorado de volta depois que isso passar, senhor Dayal e senhor Carlson! Agora, vamos! Vamos acompanhar o Lupin até a Sala Comunal..."
A grifinória colocou a mão no ombro de Remus e se voltou para trás quando viu Michael Carlson os acompanhando com o olhar ainda fixo em Remus.
"Você não ia para o Salão Principal encontrar com a Evans, a Parker e a Liljeberg?"
Carlson se deteve, estendendo ainda o seu olhar até Remus e tendo manchas vermelhas em sua face.
"Ah, é... Bom, boa noite... Até mais, Lupin..."
Dayal franziu o cenho, comentando quando viu o Capitão corvinense se voltar para trás, antes de descer a escada e quase pisar em falso em um degrau.
"É impressão minha ou o Carlson tá no mundo da lua ultimamente...?"
"Muito sol na cabeça e muito balaço nas ideias dão nisso... Muito estudo também, no caso dos corvinos!" — constatou Longbottom.
Remus fitou os veteranos caminhando ao seu lado enquanto eles rumaram para a Sala Comunal da Grifinória. Apesar de alguns colegas ainda encararem Lupin e cochicharem ao seu respeito, ninguém mais ousou mexer com ele diretamente, assim como Carter e Tyrone o fizeram. Sendo escoltado por Longbottom, Fawley e Dayal, o rapaz disse:
"Obrigado por me acompanharem..."
Dayal deu de ombros, trocando um olhar tácito com Frank e com Alice.
"Não precisa agradecer, Lupin. Somos todos alunos de Gryffindor e somos irmãos. E, como a Alice disse, se precisar de ajuda, pode sempre contar com os veteranos, ok?"
Fawley, que tinha os dedos entrelaçados nos de Longbottom, disse:
"Hogwarts é legal e é um lugar imenso, mas como todo lugar no mundo, tem pessoas muito pequenas. Não liga pra essa gente, tá bem?"
Sentindo-se mais agradecido do que podia expressar, Remus percebia que os seus veteranos tinham conhecimento sobre os bullyings sofridos por ele e que, felizmente, eles faziam parte das grandes pessoas de um lugar grande.
O grupo atravessou o Quadro da Mulher Gorda e os sextanistas se despediram de Remus no pé da escada do dormitório.
Remus viu Raven Fraser e Winona Rivers sentadas em uma mesa no canto da Sala Comunal da Grifinória estudando e ele acenou de volta quando as duas meninas o cumprimentaram. Winona se voltou um pouco, acompanhando Dayal com o olhar quando ele se sentou diante da lareira com os amigos.
Remus, respirando fundo, então, subiu os degraus que levavam ao dormitório e respirou fundo mais uma vez, antes de abrir a porta.
No quarto, o rapaz não encontrou nem Sirius sentado no parapeito da janela e nem James em sua escrivaninha, conforme esperava. Ao invés disso, o grifinório se deparou com um solitário Pettigrew folheando uma revista de Quadribol com algum tédio.
Pettigrew ergueu o seu rosto, fitando Remus.
"Caramba, Lupin! Tu ainda mora aqui?"
O rapaz de cabelos castanhos se aproximou, retirando a mochila de suas costas e a depositando em um canto.
"Que exagero, Pettigrew! Fiquei fora só alguns dias..."
"Não te vejo desde a última vez que a gente tava no gramado, Lobão, e tu pegou geral... Depois, tu veio pra cá, catou tudo o que podia carregar e fugiu!"
Remus franziu o cenho, retirando o seu casaco e se sentando na cadeira de sua escrivaninha.
"Os boatos correm..."
"Correm mesmo. Tá todo mundo comentando que tu pegou o Black e o Potter e largou a Escola..."
Remus passou a mão pela testa com alguma apreensão.
"Eu preciso conversar com o Sirius e com o James porque aquele não era eu. Quer dizer, era, mas não era porque eu tava sob o efeito do Lobo... Aliás, cadê o Black e o Potter?"
Pettigrew deu de ombros, dizendo:
"O Black foi posto em Detenção por quebrar o nariz do Snape e por se recusar a pedir desculpas pra ele. McGonagall tá puta com ele! O Potter tem ido ajudar o Black toda noite e os dois têm voltado cada vez mais tarde. Acho que eles tão aprontando algo na Escola que não querem contar pra mim..."
Remus endireitou os óculos sobre o nariz, meneando a cabeça.
"E você sabe onde os dois tão agora?"
Pettigrew deu de ombros novamente, falando:
"Isso, eu não sei. Dá uma checada no mapa e vê se eles tão numa parte enfeitiçada do pergaminho..."
Remus se antecipou até a escrivaninha de James em que o artefato bruxo que os Marotos estavam preparando era sempre guardado. Da gaveta, o rapaz retirou um pergaminho dobrado.
Abrindo o papel, Remus se deparou com o Mapa do Maroto. Uma parte estava desenhada e ilustrava alguns alunos e professores transitando pela Escola. Outra parte (a maior parte) não concluída, no entanto, permanecia em branco e os nomes das pessoas desapareciam nele como se fossem tragadas por um limbo.
"No Salão Principal e na área leste, eles não tão. Devem estar em alguma sala de aula..."— constatou Lupin, após procurar pelos nomes dos dois grifinórios no mapa e não encontrá-los.
Remus permaneceu, então, conversando com Pettigrew, inteirando-se sobre os acontecimentos e as aulas da última semana.
Os dormitórios de Hogwarts eram imensos e possuíam teto alto. O rapaz de cabelos castanhos se movia de um lado para o outro, acomodando os itens que trouxera na sua mochila nos respectivos lugares e o seu malão se mantinha aberto no meio do quarto. A noite estava fresca e Remus permanecia atento à porta, ansiando pelo momento que veria Sirius e James voltarem.
As horas avançaram, no entanto, e Black e Potter não deram as caras. Quando Pettigrew começou a bocejar, Remus partiu para o banheiro, demorando-se sob o chuveiro e permanecendo atento ao movimento da porta.
Consultando o relógio sobre a sua escrivaninha, após aplicar prata líquida e ditanmo em seus ferimentos, o rapaz de cabelo castanho constatou que passavam das onze. Possivelmente, a Detenção de Sirius já teria sido encerrada.
Voltando a checar o Mapa do Maroto, Lupin enxergou alguns corredores desertos e o Salão Principal em que só os fantasmas de Pirraça e do Frei Gordo vagavam. Os desenhos das salas de aula, enfermaria e torres que se mantinham inacabados, assim como os terrenos do gramado eram simplesmente um pedaço de papel amarelado e indefinido.
Onde aqueles dois estavam?
Remus se sentou em sua cama, segurando ainda o relógio de mesa e disposto a esperar por seus amigos. O rapaz aproveitou o momento sozinho para ler também a carta enviada pelos pais e deixada sobre a sua escrivaninha.
Depois, o rapaz se deitou quando o relógio anunciou dez para a meia-noite e ele fechou os olhos, sentindo-os pesados e o seu corpo muito cansado devido às poções que ele tomara.
O grifinório de cabelos castanhos voltou a ter sonhos confusos e inquietantes naquela noite.
Vendo-se andando em um labirinto, que era, ao mesmo tempo, o Mapa do Maroto e também o caminho que levava à Casa dos Gritos, ele se desencontrou de Sirius e de James, que o estavam procurando. O grifinório podia observar James cruzar o seu campo de visão e tentava chamá-lo, mas o rapaz sumia em um corredor.
Em seguida, Remus se deparou com Sirius rumando para a sala de Poções, porém quando Lupin tentou alcançá-lo, a porta se fechou em seu rosto e ele se pôs a arranhar o portal, então, procurando pela maçaneta.
Sem conseguir encontrar os amigos, Remus tateou as paredes de pedra e quando deu por si, estava na parte inacabada do Mapa do Maroto. Ao seu redor, havia só uma imensidão branca amarelada e quando ele fitou os seus dedos, percebeu que estava sumindo. Desaparecendo.
E o nome Remus John Lupin que pairava em sua cabeça se tornava invisível, após a tinta nanquim com o qual ele era escrito começar a escorrer até o chão...
"Qual é o nome dele mesmo?" — a voz de algum veterano perguntara e, quando o rapaz se voltou, finalmente, as figuras de Black e de Potter na parte ilustrada do mapa puderam ser vistas. Os dois grifinórios moveram as suas cabeças como se não o reconhecessem.
"Ele não é ninguém!"
Lupin acordou com um sobressalto, sentindo a sua testa úmida e um grito estrangulado em sua garganta. A luz matinal já adentrava o dormitório e o canto dos primeiros pássaros já podiam ser ouvidos, vindo do gramado, junto dos galos criados por Hagrid.
O rapaz de cabelos castanhos voltou a apoiar a cabeça em seu travesseiro, apertando os olhos e se antecipou em parar o alarme do relógio que ainda tinha ao seu lado quando ele disparou, anunciando o horário de acordar.
Remus havia dormido com os óculos na vista e eles escorregaram para o lado durante o sono. O rapaz, após verificar se as lentes e a armação estavam intactas, colocou-os no rosto e afastou um pouco o cortinado de sua cama, verificando o ambiente.
Deitado em sua cama, estava Sirius coberto com o seu lençol e com um dos braços por cima do rosto. Na outra cama, encontrava-se James, dormindo em posição fetal e enrolado em seu cobertor.
Que horas eles haviam retornado?
De qualquer forma, Remus se sentia feliz por poder encontrá-los, ainda que o seu coração desse uma fisgada, pensando se os dois garotos permaneceriam de boa com ele. Porque Remus nutria aquele medo de que os solavancos sofridos pela amizade naquele quarto ano, uma hora parecessem duros demais e exigentes demais.
Lupin, diante do espelho do banheiro, deu o nó na gravata de seu uniforme, encarando no seu reflexo os olhos de cores iguais e com o tom amarelado pálido, sem o brilho característico do ciclo lupino. O arranhão em sua boca permaneceria, inevitavelmente, por alguns dias ainda e partia os seus lábios transversalmente, como se uma lâmina os tivesse cortado.
Quando o rapaz deixou o banheiro, ele constatou, com alguma surpresa, que James já acordara e que ele, próximo à janela espreitando os gramados, permanecia pensativo enquanto fumava um cigarro.
Foi um instante longo em que Potter e Lupin se encararam e o grifinório de cabelos castanhos se mantinha firme em seu lugar, abrindo e fechando a mão, encostando os dedos no tecido da sua calça, sem saber como reagir àquele encontro que ansiava e ao qual temia.
"Ei, Remus! Que bom que voltou!" — antecipou-se James, indo em direção ao amigo e abraçando-o enquanto tomava o cuidado de manter o cigarro afastado.
Remus se deixou ser envolvido pelo outro grifinório e sentiu os dedos dele acariciando os seus cabelos. Sorrindo ainda, Potter segurou o rosto do amigo, perguntando-o:
"Chegou hoje?"
"Cheguei ontem de noite. Fiquei esperando por vocês, mas já era bem tarde e vocês não voltavam..."
O sorriso se James se sustentou, mas o rapaz se manteve em silêncio. Quando Pettigrew saiu do outro banheiro com metade do seu uniforme vestido, Potter lhe indagou:
"Por que não me contou que Remus havia voltado quando a gente se falou ainda há pouco, Pettigrew?"
Peter, penteando os cabelos com os dedos diante do espelho de corpo inteiro do quarto, respondeu:
"Achei que vocês já haviam se falado ontem de noite. Que horas vocês voltaram da Detenção do Black?"
James baixou o seu olhar cor de avelã, pigarreando.
"Tarde. A gente ficou jogando conversa fora depois que o Filch liberou o Black. Mas claro que se a gente soubesse que o Remus tava aqui, a gente teria vindo direto pra cá..."— respondeu Potter, bagunçando a franja de Lupin.
Remus espreitou o rosto do amigo, ajustando os óculos sobre o nariz e percebeu, ainda bastante próximo, que ele estava usando o perfume de Sirius.
"Eu procurei por vocês no Mapa do Maroto, mas não encontrei. Vocês ficaram conversando em alguma sala vazia depois da Detenção...?"
James não respondeu à pergunta de Lupin e, claramente, mudou de assunto:
"Melhor acordar o Black. Ele vai ficar feliz em te ver, Remus, e já tá quase na hora do café..."
Remus engoliu em seco, pensando se não seria demais para Sirius acordar e se deparar com o seu rosto, após uma semana de ausência e o mal-entendido do Lago pairando ainda entre os amigos como um Pássaro-Trovão sacudindo impiedosamente as suas asas. Seria certo Lupin despertá-lo, como o fazia quase todas as vezes que o grifinório de cabelos compridos dormia demais?
Lupin ponderava ainda quando, para a sua surpresa, James se antecipou até a cama de Sirius e o sacudiu. Não do modo bárbaro, bruto e impaciente com o qual ele fazia quando se propunha a acordar Sirius, mas com um cuidado atípico. Os dedos de James se fecharam sobre o ombro nu do rapaz de cabelos compridos e o grifinório se curvou para sussurrar algo no ouvido do outro. Sussurrar algo que Remus não conseguiu distinguir. Os dedos de James deslizaram, então, pelas costas do amigo por sobre o tecido da regata escura.
Remus franziu o cenho, tomado por uma intuição tão profunda que anteviu a sua tristeza. Mas foi um momento muito pontual e rápido. Só um arrepio. Um estranhamento. Uma sensação. O rapaz olhou ao seu redor e Pettigrew se mantinha alheio, calçando os seus sapatos. A intuição se dissolveu. Sirius e James eram melhores amigos e eles cuidavam bem um do outro. Não havia nada de especial naquele gesto.
Sob o comando de James, Sirius acordou, então, erguendo o seu rosto bonito de príncipe de Hogwarts adormecido. Ele estava com as pálpebras inchadas, possivelmente devido à noite mal dormida. E ele se demorou um tempo, fitando Remus, não muito alto e franzino, naquele dormitório suntuoso. Lupin arriscou sorrir, mas o rapaz de cabelos compridos não lhe sorriu de volta.
Na contagem humana, alguns minutos transcorreram em que Sirius se ergueu em sua cama e usou a poção que se encontrava na sua cômoda para o gargarejo bucal matinal, que garantia um hálito refrescante e límpido. Mas para a contagem de alguém que espera algo, para Remus, aquele ato pareceu tomar trezentos e sessenta e cinco dias.
Depois, Sirius esfregou os seus olhos, após espreitar brevemente o amigo de cabelos castanhos e Remus, para não ficar parado diante do outro rapaz no dormitório, esperando uma palavra de Black, pôs-se a arrumar a sua mochila porque estava constrangido. Seu coração batia acelerado e ele estava nervoso. Esse era o momento em que Black ia lhe perguntar quem ele pensava que era para haver o beijado? Quem ele acreditava ser para ter voltado como se não houvesse criado uma confusão daquelas ao seu redor? Estaria Sirius passando por provocações dos colegas? Ele estava com raiva de Remus?
Black se levantou finalmente do seu leito, então, e se deteve diante de Remus, que, sentindo-se intimidado, baixou o seu olhar cor de âmbar. Parecendo um cachorro que encara a presa, Sirius cruzou os braços e fitou o rapaz perante si ininterruptamente. Remus, por sua vez, fitou o amigo, parecendo um lobo acuado.
"Voltou, hein. Depois de sair fugindo feito um covarde e ficar escondido embaixo das saias de Madame Pomfrey. Depois de ficar entocado na Casa dos Gritos e voltar após o dia planejado. Assim, é fácil. Chegar com a cara mais sonsa do mundo, sorrindo, e sem se importar com nada e nem com ninguém..."
Pettigrew, que vestia a capa do seu uniforme, voltou-se para trás, verificando a raiva acumulada entre as sobrancelhas contraídas de Sirius. James, que assistia à cena, interviu:
"Pega leve, Black..."
Remus pestanejou, sentindo o sangue subir para as suas faces ao mesmo tempo em que o olhar de Black se detinha sobre o ferimento em seus lábios.
Um silêncio pesado se fez e este foi entrecortado novamente por Sirius, que havia se preparado para aquele reencontro, prometendo a si mesmo que manteria a calma e não expressaria a sua raiva por Remus estar afastado há quase doze dias. O rapaz de cabelos castanhos se mantivera a princípio escondido na enfermaria e ao retornar da Casa dos Gritos, possivelmente, voltara para a ala hospitalar. Havia marcas do ciclo lunar nele e, talvez, a última lua cheia tivesse sido terrível, mas ser afastado daquela forma por Lupin era terrível para Black também. Era doloroso e assustador ser repelido tantas vezes.
"Vai ficar calado, Remus?"
Lupin mirou, brevemente, os rostos de James e de Pettigrew, antes de murmurar:
"Desculpa, Sirius... Eu precisava ficar um tempo sozinho. E... eu pedi à Madame Pomfrey que não contasse a vocês que eu tava na enfermaria. Eu voltei ontem de manhã, mas ela insistiu para que eu permanecesse um tempo a mais na ala hospitalar..."
Sirius mantinha uma aspereza em seus olhos.
"Você tava escondido na enfermaria quando fomos procurar por você naquele dia. Você ouviu as nossas vozes e ficou quieto, vendo nós três perguntando por você, vendo nós três sermos mandados embora por Madame Pomfrey...?"
Remus fungou, assentindo. O seu rosto ardia como se houvesse brasas sobre ele.
"Eu ouvi vocês. Mas eu não tava bem. Não podia falar com vocês naquele momento. Desculpa..."
"Mas falou com o Snape que nem seu amigo é. Ou é? Soube que ele foi pra enfermaria e vocês ficaram batendo papo enquanto nós, que somos os seus amigos, achávamos que você tava na Casa dos Gritos. Sinceramente, Remus, que escroto!"
O rapaz deu passagem para Sirius quando ele avançou para a porta de um dos banheiros, parecendo muito aborrecido. Pettigrew tinha os olhos arregalados e a boca ovalada. James interviu de novo:
"Black!"
O rapaz de cabelos escuros se voltou. A franja mal cortada lhe cobria o olhar selvagem.
"Ah, qual é, Potter? Até com aquele desconhecido chamado Elton Cameron, ele ficou batendo papo na ala hospitalar e com nós, supostos amigos, ele veio falar só hoje... Sinceramente, Remus, eu não te entendo..."
Remus assentiu, apertando os olhos. As coisas não eram tão simples porque não se tratava de um relacionamento de amizade dele com os três grifinórios. Havia sempre o Lobo como filtro. Era um relacionamento de um licantropo com três bruxos que não sabiam o que era se perder de si mesmo. Remus voltou a falar com a voz embargada:
"Eu não fiquei de papo com o Cameron! Ele só ficou ao lado da minha cama na enfermaria, puxando assunto e eu só falei com o Snape porque eu soube que você, Sirius, havia batido nele! Mas me desculpa... Olha, eu sei que você, Black, e você, Potter, devem estar furiosos e sem jeito comigo por causa daqueles beijos no Lago, mas, por mais inacreditável que possa parecer, não era eu! Era essa parte Lobo que tenho dentro de mim agindo. Madame Pomfrey tentou me explicar e eu ainda tô tentando processar o que houve... Na verdade, nem sei se entendi direito as intenções do Lobo, mas me desculpem..."
Remus tinha os olhos vermelhos e engoliu em seco, fitando os dois amigos.
"Então, você não queria beijar o James, mas o beijou de qualquer forma, sem saber o porquê..." — redarguiu Sirius, erguendo o seu olhar para fitar Potter, antes de observar novamente o rosto de Remus.
"Hum... Assim como aconteceu com você... Eu não sabia onde tava com a cabeça..." — explicou-se Remus, não conseguindo fitar Black nos olhos.
Sirius repuxou os cabelos escuros para trás.
"Você não me beijou. Eu te beijei, Remus! E depois disso, você correu para os braços do Potter..."
O rapaz de cabelos castanhos sentiu o ar preso em seus pulmões porque, naquele instante, ele se esquecia de como respirar. Sirius tinha um olhar impassível e algum rubor parecia subir por suas bochechas e pescoço. Pettigrew se sentara em sua cama como se acompanhasse um ato de teatro e James voltara a fumar o seu cigarro, expelindo a fumaça para o ar.
"Você me beijou...?" — indagou Lupin, não acreditando em suas próprias palavras.
"Beijei!" — rosnou Sirius.
Um novo silêncio se fez e Remus abriu a sua boca para falar e ela demorou para emitir um som.
"Por quê?"
Black, dando de ombros, respondeu, fungando também:
"Sei lá! Senti vontade na hora. Não sei o que me deu. Você tava debochando de mim e do James e disse que ia se jogar pra cima do Michael Carlson, como já tinha se jogado. Fez parecer que nós dois éramos idiotas por não beijarmos você e eu acabei te beijando. Foi estranho... Mas o seu novo amiguinho, Severus Snape, disse que eu te agarrei pra te humilhar diante da Escola. Já que vocês são tão amigos agora, talvez prefira acreditar nele..."
Instintivamente, Remus tateou os lábios cortados e indagou novamente, incapaz de processar bem as palavras de Black.
"Você me beijou...?"
Sirius se moveu pelo quarto, parecendo ansioso.
"Beijei! Não se lembra?"
Remus sabia que os dois haviam se beijado devido à conversa que ouvira do grifinório com Madame Pomfrey, mas nem em um milhão de anos suspeitaria que Sirius havia tomado a iniciativa. Se esforçando para encontrar as palavras, Remus murmurou:
"Eu não consigo me lembrar... Eu não me lembro da maioria das coisas que aconteceram naquele dia... Eu só despertei quando tava com o James. Eu fiquei muito assustado e corri... Me desculpem..."
Sirius respirou fundo e parou de se mover pelo quarto, voltando a se sentar em sua cama. Suas sobrancelhas estavam muito contraídas e ele parecia profundamente chateado.
"Ok. Você não se lembra. Não lembra de que eu fui pra cima de você?"
Remus sacudiu o rosto com os olhos inseguros.
Sirius soltou um engasgo irônico e redarguiu, acendendo um cigarro.
"Ótimo! Que bom que não teve importância alguma pra você... Não foi nada de especial mesmo..."
Lupin sentiu o seu coração apertar dentro do peito. Ele não verbalizaria isso, mas aquele beijo do qual não se lembrava havia sido o seu primeiro e, durante várias vezes, ele sonhara, sem esperanças reais, que ele poderia ser dado por Sirius. Mas o Lobo lhe roubara essa sensação e, agora, Sirius dissera que o beijo não era nada demais. O que fazia sentido, visto que Black declarara, anteriormente, que não se sentia atraído por Lupin. Remus não ia chorar na frente dos amigos...
Sem saber onde colocar as mãos, o rapaz de cabelos castanhos voltava a tatear a calça do seu uniforme, procurado consolar a si mesmo.
"É, se eu não me lembro, não existiu..." — declarou Remus, engolindo com dificuldade o seu choro— "Podemos fingir que ele não aconteceu..."
Sirius parecia muito bravo quando expeliu a fumaça pelo canto dos lábios. Seu olhar estava cravado no rosto de Lupin e parecia feroz.
"Mas do James você se lembra..."
Remus cruzou os braços, sentindo o açoite daquela conversa no dormitório sobre si.
"Lembro de parte, mas quando eu caí em mim, eu parei..."
"E você não se lembra de que queria pular sobre aquele monitor corvinense, depois de ter dado em cima dele...?"
"Não..."
Pettigrew, que se mantinha em silêncio até então, interveio:
"Você falou umas coisas bem safadas para o Carlson. Eu já havia visto vocês conversando na festa dos intercambistas, mas não sabia que vocês eram íntimos..."
Remus fechou os olhos, dizendo com irritação:
"Pettigrew, dá um tempo! Eu mal o conheço! Eu só falei com o Carlson umas três vezes! Quatro, contando com ontem!"
James, que se encostara no parapeito da janela com os braços cruzados, indagou com o cenho franzido:
"Vocês se falaram ontem?"
Remus assentiu de um modo um tanto vago.
"É. O Carter e o Tyrone me azararam ontem quando eu tava vindo pra cá. E ele, o Dayal, o Longbottom e a Fawley me ajudaram..."
Sirius ergueu o rosto com as sobrancelhas ainda contraídas.
"Achei que você não gostava dos veteranos..."
Remus endireitou os óculos sobre a vista.
"Não suporto muito daqueles com quem vocês andam. Mas sempre disse que gostava da Fawley, do Longbottom e do Dayal..."
"E do Carlson agora..."
"Esquece o Carlson, tá bem?! Vocês não sabem o que é ser um licantropo! Eu não teria feito o que eu fiz se fosse eu mesmo. Desculpem por qualquer transtorno que eu tenha criado..."
Pettigrew, que abriu a sua boca, revelando os seus incisivos grandes, falou:
"Mas se você saiu atacando vários garotos quando o seu Lobo tava descontrolado, isso quer dizer que você gosta de garotas e garotos, não é, Remus?"
O rapaz de cabelos castanhos cruzou e descruzou os seus braços, movendo o seu rosto com nervosismo. Diante do silêncio, Pettigrew insistiu:
"... Você beijou a González na festa dos intercambistas, não beijou?"
Remus fungou, passando a mão por seu pescoço. Com o rosto vermelho, ele sacudiu a cabeça.
"Não. Eu não beijei a González..."
Um palavrão deixou a boca de Pettigrew, que moveu a cabeça com algum entendimento. Sirius, que, enquanto fumava, tamborilava com impaciência os dedos no seu colchão, falou:
"Naquele dia que você se escondeu, a Escola toda caiu em cima de mim e do Potter, sabia?"
Remus assentiu, enxugando com o dorso da mão uma lágrima rebelde que começava a cair por seu rosto.
"Eu imagino. Não deve ter sido fácil lidarem com isso enquanto eu me mantinha escondido na ala hospitalar. Me desculpem por deixar a Escola pensando que vocês têm algo a ver com isso... Me desculpem!"
Sirius, que parecia aguentar mais do que conseguia, vociferou um pouco transtornado:
"PARA DE PEDIR DESCULPAS!"
Remus deu um passo para trás, sobressaltando-se com o grito do amigo e James se aproximou, se colocando entre os dois grifinórios quando Sirius se ergueu, apontando o dedo para o rapaz de cabelos castanhos.
"... Eu não tô nem aí se você gosta de garotos! Pra mim, não é um problema! Mas podia ser pelo menos honesto! Pode começar a ser honesto agora e não responsabilizar a sua enfermidade por qualquer coisa que faz ou fez! Tem alunos falando que eu e o Potter te agarramos e outros dizem que você agarrou a gente. E, apesar de eu não estar nem aí pro que essa gente pensa, sabe o que é pior, Remus? É que você saiu correndo e se escondeu! Até onde entendi, essa foi uma escolha sua e não do Lobo! Sabia que eu já tava achando que você não ia voltar mais? Sabia que eu acreditei que você ia deixar Hogwarts? Quase quatro anos de amizade e essa é a forma que você age!"
Lupin respirou fundo, lembrando-se que a opção de deixar a Escola havia passado por sua cabeça. Depois, ele experimentou alguma indignação pelas palavras de Sirius enquanto sentia os seus olhos arderem.
"Pra você, é fácil falar, Black! Eu nunca fui um aluno popular nessa Escola e desde sempre muito dos meus colegas me chamam de sangue-ruim. Agora, outra parte minha que eu não posso esconder tá clara como a luz do dia! Tá, eu sou gay se querem saber! Sempre soube que era! Acho que muitos na Escola suspeitavam! Mas nem meus pais sabem ainda e não tava confortável pra contar isso pra qualquer um. Sabia que muitos colegas viriam me perguntar se gosto de garotos e não queria lidar com isso. Mas se te irrita tanto, Black, que os veteranos e as garotas com quem sai pensem que você tem algo a ver comigo, posso fazer uma palestra pra todos, dizendo que eu agarrei vocês ou que induzi vocês a fazerem isso se preferirem!"
Sirius se aproximou de Remus, dizendo:
"Acha que é com isso que eu tô preocupado?"
"Não, Black, eu acho que você não se preocupa com nada! Você beijou o Potter por curtição e, obviamente, a Escola sabe que vocês fizeram isso só por curiosidade. Você não tá nem aí porque isso não diz respeito a você. Mas, pra mim, beijar outro garoto não é curtição. É sério."
Nesse momento, Sirius e James trocaram um olhar tácito e Remus franziu novamente o cenho, não deixando de perceber aquele gesto. Sirius respirou fundo, antes de dizer:
"Ótimo! Então, ficar de papo com o Carlson no Salão Principal, nas festas e no Lago deve significar muito pra você!"
Remus moveu a mão diante de si com impaciência.
"Por que você ainda tá falando dele?"
Pettigrew, que ainda estava sentado em sua cama observando a cena, adicionou um pouco de óleo ao braseiro.
"Aquele monitor corvinense tá a fim de você, Lupin! Eu soube pela Parker. Ele andou perguntando pro pessoal da Grifinória quando você voltaria pra Hogwarts..."
Sirius girou a sua cabeça, fitando Pettigrew e encarou Remus, dizendo:
"Já tem outro pra beijar e dizer que não se lembra depois..."
Remus, que ainda digeria as informações sobre o rapaz corvinense do sexto ano sondar os colegas grifinórios ao seu respeito, subitamente, sentiu-se irritado, cansado e exasperado com as acusações de Black. Tudo ao mesmo tempo.
"Se eu disse que não me lembro do que aconteceu é porque não me lembro, Sirius! E você e o Potter se enroscam com meninas desde o primeiro ano. Qual é o problema de eu beijar um garoto?"
Sirius arqueou as sobrancelhas, alterando um pouco a sua voz:
"Por quê? Você tá mesmo a fim dele?"
"Não, eu não tô! Mas se eu tivesse, o que você tem a ver com isso? Você nunca me perguntou o que eu achava de todas aquelas garotas antipáticas com as quais você namora e olham pra mim como se eu não existisse, como se fossem superiores, como se eu não fosse nada..."
Sirius se deteve e trocou um novo olhar com James, que incomodou Remus um pouco mais. Os dois grifinórios pareciam estabelecer uma conversa paralela à briga que o excluía totalmente. Remus prosseguiu, dizendo:
"... Eu já te pedi desculpas, mas acho que isso não é o suficiente, Sirius. Então, não sei mais o que posso oferecer. Desculpa ter beijado vocês dois. O que posso dizer é que vou tomar mais cuidado com o meu ciclo lupino e isso não vai se repetir... Sei lá, ainda que tenha que me amarrar na Casa dos Gritos ou tomar alguma poção que me dope nos dias próximos à lua cheia, não vou mais pra cima de vocês..."
Remus deu as costas para os amigos e reuniu os livros em sua mochila, trajando, em seguida, a capa do seu uniforme. Enquanto ele se vestia, dirigiu-se a James, dizendo:
"Você não disse o que pensa de tudo isso, Potter. Acha também que sou um filho da mãe egoísta que gosta de criar confusão e sair correndo, sem me importar?"
James endireitou os óculos com as juntas dos dedos.
"Não acho que foi isso que o Black disse. Mas acho que você podia ter se comunicado com a gente. O Sirius achava que você voltaria pra Londres e tava pensando em escrever para os seus pais, perguntando por você quando você não voltou ontem de manhã... E, sinceramente, essa ideia tava começando a me assombrar também..."
Remus se deteve, observando Black, que evitava o seu olhar.
"Desculpem por deixar vocês dois, durante esses quase doze dias, criando os piores cenários na mente de vocês. Apesar de achar que nada que eu disser vai adiantar. Eu falei no primeiro ano quando pensei em mudar de dormitório que a licantropia era imprevisível, assustadora e incompreensível pra quem tá de fora. Talvez, seja por isso que o quarto ano tá sendo uma droga e a gente viva discutindo por qualquer coisa..."
Sirius moveu a sua cabeça, dizendo:
"Ok. Vai fugir agora, pedindo pra trocar de dormitório?"
Remus apoiou a mochila nas costas, dizendo com os olhos ainda vermelhos:
"Não, mas acho que, de repente, é bom darmos um tempo. Tô de boa com você, Pettigrew, mas acho que aconteceram coisas entre nós três aqui e os ânimos tão quentes. Achei que quando a gente conversasse, as coisas pudessem ser esclarecidas, mas acho que só deixei tudo pior... E eu não culpo vocês por não me entenderem porque acho que neste ano, tenho percebido o quão diferente somos..."
James franziu o cenho, dizendo:
"Espera aí, diferente como?"
Remus deu de ombros.
"Ah, sei lá... As coisas não são mais a mesmas. Qual foi a última vez que a gente ficou juntos num passeio a Hogsmeade e conseguiu fazer uma refeição sem tanta gente ao nosso redor, ficando em cima de vocês dois o tempo todo? Qual foi a última vez que estudamos juntos, jogamos xadrez ou vocês me chamaram pra passear pelo Castelo à noite? A gente nem comemora mais as vitórias do time de Quadribol juntos! No recesso de Natal, vocês não me escreveram e vocês tão sempre correndo atrás de garotas e sinto que tudo o que gosto ou pelo que me interesso é cada vez mais entediante pra vocês! A gente tá preso numa amizade do primeiro ano. Só que estamos no quarto e as coisas têm ficado diferentes... Sinceramente, nem sei se eu sou mais importante pra vocês..."
Remus falou mais do que intencionava dizer e agora, tinha o olhar surpreso de James e Sirius sobre si. Pettigrew desviara o rosto, pigarreando e parecendo concordar em parte com o rapaz de cabelos castanhos.
"É assim que tem se sentido?! Porque o que eu sinto é você cada vez mais esquivo, Remus! Às vezes, sinto que se eu não for atrás de você, você só tem olhos para a biblioteca e pro seu mundo..." — redarguiu James.
"Eu não te escrevi no Natal porque os Blacks não me deixaram mandar cartas quando eu tava em Paris, Remus!" — explicou-se Sirius.
"E eu não te escrevi porque tava com catapora de trasgo!" — declarou James.
Remus sacudiu o rosto. Havia algumas recordações bem incômodas de quando Black e Potter combinaram com ele de encontrá-lo diante da Dedosdemel em um passeio a Hogsmeade e os dois grifinórios chegaram muito atrasados e cercados por garotas que não iam muito com a cara de Remus. No fim, se Lupin pode trocar três palavras com os dois amigos foi muito.
Havia também a lembrança de uma comemoração da vitória em uma partida de Quadribol da Grifinória contra a Sonserina em que Remus trouxera duas canecas de cerveja amanteigada da cozinha de Hogwarts para Sirius e James como cortesia, mas não os encontrou mais até tarde da noite. Black e Potter foram para uma festa na torre norte e Remus brindou com Raven Fraser e Winona Rivers, que perceberam o seu constrangimento em ser deixado para trás.
Aquilo machucava fundo e, apesar de as vezes em que Sirius e James eram bons amigos contrabalançarem aquela equação, Remus sentia que os momentos que passavam juntos estavam se tornando mais escassos a cada dia. De modo que, ele não entendia como a sua ausência podia ser um problema para os amigos e nem a sua estadia prolongada na enfermaria.
Afinal, o que importava para aquelas duas celebridades de Hogwarts se ele passava doze dias ou cinquenta afastado? Na sua contagem, eles já haviam passado muito mais tempo distantes.
"Mas não foi só isso!" — justificou-se Remus— "Vocês dois são populares e não precisam mudar para ficarem comigo. Só que a gente tá brigando muito e é melhor a gente deixar a poeira baixar. Eu gosto muito de vocês e não quero que a nossa amizade acabe por conta de tudo isso... Mas, por enquanto, vamos ver como as coisas ficam..."
James, com as sobrancelhas contraídas também agora, falou:
"Espera aí, você tá deliberadamente se afastando da gente?"
"Não, eu tô só dando um tempo..."
Sirius moveu a cabeça com chateação.
"Você que tem se afastado cada vez mais da gente ultimamente, Remus! Pelo visto, nem pra ser o seu amigo sou bom agora. Certo, então. Faz o que você quiser..."
James insistiu:
"Se você não fosse importante pra gente, Remus, a gente não iria atrás de você na enfermaria e não sentiríamos a sua falta. A gente tava preocupado de verdade e pensando em escrever para os seus pais!"
Lupin assentiu.
"Obrigado por isso! De verdade! Mas a gente mal tá conseguindo se comunicar agora e eu pareço uma pessoa escrota demais na percepção de vocês por ser um licantropo e nem sempre saber lidar com esse lixo que eu sou. Desculpem por criar problemas, mas vamos parar de brigar aqui para as coisas não ficarem pior."
James assentiu um pouco sem jeito e engolindo em seco. Havia um certo temor flutuando em suas pupilas. Por um momento, ele pareceu querer dizer algo, mas selou os seus lábios, limitando-se a dizer:
"Ok..."
E Sirius se retirou, sem responder, batendo a porta do banheiro atrás de si com uma evidente chateação. Um quadro da parede tombou até o chão com o impacto.
O rapaz de cabelos castanhos deixou o dormitório, sentindo-se ainda vulnerável e com os olhos ardendo. Aparentemente, aquela turbulência sofrida pela amizade no quarto ano ainda era uma ferida viva e, com as suas emoções sendo remexidas, Remus revelou mais dos seus sentimentos do que gostaria. E, apesar de ser doloroso, era isso. Ele não podia voltar atrás. James e Sirius desenvolveram um habitat, um ecossistema em que ele se sentia cada vez mais desnecessário e excluído. Ele não estava ok com isso.
Mas Black e Potter sempre se sairiam perfeitamente bem sem ele. Black e Potter ficariam ok.
