OS MAROTOS: O LIVRO DAS SOMBRAS

CAPÍTULO 11

TONTURA

Stars shining bright above you,
Night breezes seem to whisper, "I love you";
Birds singin' in the sycamore tree;
Dream a little dream of me...

Stars fading, but I linger on, dear,
Still craving your kiss
I'm longing to linger til dawn, dear,
Just saying this:

Sweet dreams til sun beams find you,
Sweet dreams that leave our worries behind you;
But in your dreams, whatever they be,
Dream a little dream of me

(Dream a Little Dream of Me – Cass Elliot)

Havia aquela ocasião em que Remus e Pettigrew organizaram uma festa surpresa para James no dormitório quando ele completou quinze anos no mês anterior. E Potter e Black voltaram só no dia seguinte porque estavam festejando com os veteranos, fazendo Lupin e Pettigrew se sentirem como dois palhaços.

Houvera também o aniversário de dezesseis anos de Sirius em que a namorada de Black, no dia, batera na porta do dormitório dos Marotos às cinco da manhã de um domingo, acordando a todos. O rapaz de cabelos castanhos se irritara terrivelmente nessa circunstância e ameaçara azarar a jovem. Tudo bem que até Black ficara do lado dos amigos e se mostrara aborrecido com a falta de noção da namorada que, horas depois, viria a se tornar ex.

Remus estava exagerando por seu ciúme? Era provável, mas ele se sentia em seu limite.

O rapaz de cabelos castanhos sentia falta de quando podia ser amigo de Black e de Potter sem tantas pessoas e coisas entre eles. E no meio dessas coisas, entrava o seu próprio Lobo que era um fardo também naquele mar de mal-entendidos.

A semana seguiu para Remus com casos de bullying sutis ou não, silenciosos ou evidentes.

Certa manhã, quando ele chegara na sala de aula de Transfiguração, deparou-se com cuecas sobre a sua carteira. Carter e Tyrone, surpreendentemente, havendo chegado mais cedo, estavam de braços cruzados no fundo da sala com sorrisos enviesados em seus rostos.

Winona Rivers, que olhou com desgosto as roupas íntimas deixadas na mesa de Lupin, conjurou um feitiço que transformou, rapidamente, as cuecas em cinzas.

"Os babacas que fizeram isso devem se achar muito engraçados!" — reclamou Raven Fraser, fitando Carter e Tyrone com azedume.

Em outra ocasião, Remus encontrou uma cueca dentro de sua mochila com um desenho obsceno no tecido e supôs que alguém havia colocado a roupa masculina em sua bolsa durante o momento que a deixara num canto na aula de Herbologia.

Os cochichos ainda circundavam Remus e ele constatou que o seu desejo por garotos, definitivamente, não era mais uma dúvida para muitos na Escola.

E, em alguns momentos, deixando-se ficar confortável com aquela criatura das trevas que vivia em seu peito, Lupin encontrava alguma paz, alguma força, se imaginando como um lobisomem pulando entre as mesas do Salão Principal e mostrando a todos aquela sua parte realmente assustadora.

Erguendo o seu olhar cor de âmbar de um Profeta Diário que fora esquecido sobre a mesa da Grifinória, Remus vislumbrou a retaliação que nunca se permitiria vivenciar quando um grupo de alunos passou, jogando-o beijos de um modo provocativo.

O Lobo correria entre as mesas, escorregando as suas unhas afiadas no chão ensanguentado e devorando não carne crua, mas carne fresca sob o céu enfeitiçado de Hogwarts de um dia de primavera com sol e borboletas voando... Tyrone, com as vísceras à mostra, tentaria se arrastar até a saída, mas o Lobo o puxaria para baixo da mesa, destroçando-o, comendo-o vivo...

"Que visão..." — declarou Lupin, massageando o seu canino com a língua e se deixando levar por breves segundos.

Depois, pestanejando, Remus se surpreendeu com a nitidez de seus devaneios e se voltou para a sua realidade, dedicando a sua atenção à gazeta que folheava. Contudo, havia um sorriso em seu rosto enquanto estabelecia uma comunicação mais suave consigo mesmo ao dizer baixinho: "Fica quietinho, Lobo..."

O rapaz se concentrou, então, por alguns minutos nas notícias. No entanto, Remus ergueu a sua cabeça novamente quando ouviu uma balbúrdia no Salão e a sua atenção foi atraída pelo time grifinório de Quadribol que passava entre as mesas, rumando para fora do Castelo.

Remus observou James e Sirius seguirem para os gramados, trajando os seus uniformes de Quadribol junto ao time.

A Professora McGonagall precisara fazer uma viagem com o Professor Slughorn para Bristol, a fim de resolverem, juntos, algum assunto ligado ao Ministério e os alunos do quarto ano não teriam aula de tarde naquele dia.

Aparentemente, Longbottom conseguira dispensa junto aos outros professores para o restante dos jogadores também treinarem no estádio, aproveitando qualquer brecha que surgia no horário de aulas, a fim de arrastar o time inteiro da Grifinória para o treino, principalmente porque todas as noites estavam comprometidas agora com a Detenção de Sirius.

Um içar de burburinhos e suspiros se fez no Salão Principal das meninas fãs de Black e de Potter, assim como de outros alunos que os achavam impressionantes.

"Seus fodidos!" — pensou Remus com algum azedume, ajustando os óculos sobre a vista com um ar falsamente inocente.

Lupin não se referia ao time de Quadribol, claro, e nem a Sirius e James, mas sim aos alunos que ovacionavam os colegas de sua Casa e, ao mesmo tempo, teciam comentários ácidos e desrespeitosos ao seu respeito, sem se importarem o quão aquilo era intimidador.

Remus acompanhou Black e Potter com o olhar.

A amizade do grifinório de cabelos castanhos com Sirius e James se mantinha naquele hiato que ele já ouvira falar em namoros e casamentos, mas não estava muito familiarizado quando se tratava de amizades. Remus também não estava familiarizado com namoros ainda que houvesse beijado a boca justamente dos seus dois melhores amigos, mas isso não vinha ao caso.

Atualmente, Lupin, Black e Potter, naturalmente, se cumprimentavam quando acordavam ou se esbarravam porque tinham educação, mas um distanciamento tácito foi realmente estabelecido. Com algum constrangimento, os três jovens se sentavam afastados durante as refeições e com alguma mágoa, durante as aulas.

De noite, quando Remus se encontrava no dormitório, percebia que Black e Potter retornavam cada vez mais tarde da Detenção e, na maioria das vezes, Remus adormecia antes que eles voltassem. Talvez, os dois estivessem realmente o evitando agora ou se encontrassem já no estágio de não se importarem.

Contudo, naquela mesma manhã, quando deixava o corujal, após remeter uma carta para os seus pais, Lupin esbarrara com Potter, que, por sua vez, enviaria uma carta para os seus avós que viviam em Oxford.

Remus cumprimentou o amigo e, quando descia a escada, Potter lhe chamou:

"Ei, Remus..."

Lupin se voltou e não pode deixar de reparar naquele momento que o amigo lhe parecia um pouco diferente. Seus cabelos estavam mais despenteados e havia uma expressão insegura em seu olhar, o que era bem raro para James Potter.

Subitamente, ele parecia ter, de fato, quinze anos. Era só um garoto mais alto do que Lupin, mas com o físico ainda de um estudante. Não de um homem. James era um rapaz que ainda viria a ser e não alguém que estava finalizado em seu processo. Remus conseguiu enxergar isso nitidamente e se indagou se, devido ao distanciamento, o enxergava melhor.

"O que foi?"

Os dois grifinórios se encararam em silêncio. James, do alto da escada e Remus, quatro degraus abaixo. Potter abriu a boca, mas, depois, respirando fundo, sacudiu o rosto e foi embora:

"Nada. Esquece..."

Em outro momento, Remus se deparara com Sirius o fitando durante a aula de Trato de Criaturas Mágicas com o olhar perdido e a boca um pouco entreaberta. Lupin não fazia ideia de quanto tempo Black o espreitava, mas, naquele momento, ele brincava com um dos pufosos trazidos pela professora para a aula.

O animal de pelagem roxa se aninhara no colo de Winona Rivers e o outro, cor de rosa, pulara no ombro de Remus, esfregando-se contra a sua orelha. Quando foi flagrado fitando Remus, Sirius se enterrou com o rosto em um livro, fingindo indiferença e frieza como o cuzão que ele parecia ser quando queria.

Mas havia também aqueles momentos em que Remus fitava os seus amigos e era flagrado. O momento em que Sirius e James passaram, exuberantes, em suas roupas de Quadribol era um desses momentos.

Com um desânimo fatalista, Remus pensava que, quando se tinha onze anos, achava-se descolado o uniforme de Quadribol, mas com quinze, a braçadeira, a joelheira e as botas assumiam um maldito ar fetichista para muitos e Remus fazia parte desse grupo dos muitos.

Nos anos 70, como acontecia com a maioria da indumentária, as calças brancas do esporte eram, literalmente, justas pra cacete e que atirasse o primeiro balaço quem não fantasiara ao menos uma vez se pegando com um atleta do Quadribol.

"Precisavam nem tirar a roupa. Podia ser com o uniforme mesmo..." — pensou Remus, fitando o grupo por cima do seu jornal e engolindo em seco.

Mas que desgraça! Ele não podia pensar isso dos seus amigos, principalmente porque eles não estavam se falando em prol da paz mundial! Aqueles desejos deveriam ser afastados porque aqueles beijos não haviam significado nada para Black e para Potter e Remus devia tomar jeito e parar de investir energia naqueles pensamentos canalhas.

Remus ainda fitava os amigos por sobre o jornal e o seu olhar cruzou com o de James, que o encarou. E com Sirius, que parecia emburrado.

Remus ajustou os óculos sobre a vista, demorando o seu olhar em Sirius e o rapaz de cabelos compridos tropeçou porque não olhava para o chão, mas para o rapaz de cabelos castanhos. Foi muito discreto o escorregão de Black e Potter, atrás dele, mordeu os lábios com cumplicidade demais para rir, mas com marotice demais para deixar passar.

Reequilibrando-se, Sirius avançou, com as bochechas em brasas, e desapareceu junto com o time na saída que levava aos gramados.

Lupin voltou a sua atenção para o jornal e enterrava uma colher em seu pudim de chocolate enquanto respirava fundo. Droga, como sentia falta de seus amigos! Passada a chateação pelos maus momentos que pontuara durante a briga, Remus sentia que a lembrança dos bons momentos ganhava força. Quatro anos de amizade não eram quatro dias.

E ainda que Sirius e James pudessem passar bem sem ele, talvez, Remus precisasse admitir que não estava na melhor fase da sua vida porque tinha saudade dos seus amigos.

Tentando voltar a se concentrar no atentado de encapuzados numa área residencial de Bristol que era noticiado no Profeta Diário, Remus ouviu um novo burburinho se elevar no Salão Principal. Olhando por sobre o seu ombro, o rapaz observou o time da Corvinal que cruzava o outro lado do Salão Principal.

Os jogadores-corvos estavam alinhados perfeitamente e, trajando o seu uniforme azul, eles também atraíam a atenção das meninas e dos meninos, que fitavam Rebbecca Liljeberg e Anna Boyd como se estivessem enfeitiçados.

Algumas garotas assoviaram para Michael Carlson, que, como Capitão do time, seguia na frente, segurando a sua vassoura e abrindo o cortejo. Todos rumavam para os gramados também e, possivelmente, seguiriam para o estádio.

Remus ouviu um lufano indagar uma amiga sua:

"Espera aí! É hoje o jogo?!"

"Não! Hoje é dia de treino! Com o horário vago, os dois times solicitaram o estádio e Madame Hooch sugeriu que eles dividissem o campo..."

O menino lufano, um rapaz de cabelos crespos e rosto moreno, comentou com alguma surpresa:

"Leões e corvos no mesmo estádio treinando nas vésperas do jogo? Eles vão é se matar!"

Remus seguiu com o olhar o time e, com alguma surpresa, percebeu que o Capitão dos jogadores lhe sorria. Lupin moveu a cabeça, olhando os corvinos por sobre o seu outro ombro e constatou que Carlson ainda o fitava com o seu rosto bonito e com o olhar vívido que combinava com as cores das vestes de Ravenclaw. Remus sentiu um rubor descer por suas bochechas e um arrepio subir por suas costas.

Após finalizar a sobremesa, Remus não conteve o seu ímpeto de ir assistir ao treino de Quadribol da Torre de Astronomia, que não costumava ser utilizada para as aulas vespertinas.

Logo quando Sirius e James entraram no time da Grifinória, no terceiro ano, eles sempre faziam questão que o rapaz de cabelos castanhos torcesse por eles e se fizesse presente não só durante os jogos, mas também durante os treinos onde as arquibancadas se encontravam vazias.

Certa vez, quando não errara nenhuma goles durante um treino contra a Lufa-Lufa, Sirius, após o encerramento da atividade por Longbottom, atravessara enlameado da cabeça aos pés o gramado, correndo para abraçar Remus na arquibancada e perguntar enquanto fazia festinha na cabeça do amigo:

"Você tava me vendo, lobinho? Me viu acertando as goles?"

Remus, sob a capa de chuva, sorrindo, dizia:

"Eu vi! Você é um ótimo artilheiro! Não errou nenhuma vez, Sirius! É o maior!"

Sirius abraçou Lupin tão apertado que chegou a erguer o amigo do chão e Remus não dava a mínima que o outro rapaz estivesse enlameado.

Também era comum no terceiro ano, Lupin, imitando os jogadores russos de Quadribol, beijar os rostos de Sirius e de James antes das partidas para lhes desejar sorte e os grifinórios, na ocasião, brincavam que esse era o seu talismã perante os adversários.

Mas isso acontecia no terceiro ano. No fim do quarto, essa não era mais uma prática recorrente e se empilhava entre as memórias catalogadas como 'coisas de criança sem importância'.

Remus contemplou da sacada da Torre de Astronomia, os dois times com o uniforme vermelho e azul ocuparem o céu límpido e sem nuvens. Aparentemente, o campo havia sido dividido com uma linha mágica que impedia os dois grupos de se esbarrarem. Os balaços e goles sobrevoavam o estádio e o grifinório de cabelos castanhos conseguia distinguir os gritos e palavrões proferidos pelos jogadores no calor do momento e com a adrenalina a mil.

Daquela distância, Lupin conseguia distinguir a silhueta de Black mirando a goles nos aros e a enterrando com uma violência precisa enquanto driblava Dayal diante das balizas. Conseguia enxergar James se atirando contra o pomo dourado, do qual vira o vislumbre próximo à sua orelha.

Remus respirou fundo.

Ver os amigos jogar trazia uma estranha sensação de necessidade, de nostalgia. O rapaz procurava se lembrar entre os caleidoscópios e mapas astronômicos expostos na sala, da sensação de ter os lábios de Sirius e de James grudados aos seus e se descobria muito frustrado ao constatar que não se recordava.

Os dedos de Remus percorriam o balaústre da sacada enquanto via, de longe, Sirius voar perto de James. Uma libélula, que parecia vir das extensões do Lago de Hogwarts, voou próximo a mão de Remus e se perdeu dentro da Torre, pousando, possivelmente, sobre o telescópio ou a maquete de algum planeta iluminado.

"Querem me beijar agora, senhor Black e senhor Potter!? Se estivéssemos sozinhos, eu não correria..."

Remus deslizou os dedos pelos lábios partidos e se surpreendeu com os seus pensamentos momentâneos. Riu-se, antes de pensar que aqueles dois grifinórios achavam, até então, que tudo o que ele exalava era uma inocência nada forçada ou fingida porque, afinal, ele era só um cdf de quinze anos inexperiente.

Remus observou, sem se entediar, o longo treino. Viu quando James em poucos minutos agarrou o pomo de ouro e, Sirius, na artilharia, depois de marcar pontos, voava em direção ao outro rapaz, abraçando-o por um longo tempo.

Depois, Longbottom obrigou o time a permanecer durante três minutos no Pêndulo Estrela-do-Mar em que os jogadores tinham uma mão e um pé presos no cabo da vassoura e os outros membros esticados no ar em um ângulo perfeito. Isso exigia muita força física e equilíbrio dos bruxos e, apesar dos grifinórios, muito provavelmente xingarem palavrões enquanto mantinham a sua postura, Black e Potter cumpriram o tempo estabelecido naquela posição incômoda. Só na estrelinha.

Remus os amava! Como amigos, certamente. E como amantes talvez. Como ele conseguiria se manter afastado deles, deixando a poeira abaixar? Mesmo sabendo que haviam dito coisas duras entre si, Lupin não seria capaz de sustentar a sua chateação por muito tempo. Ao contrário, ele sentia uma dor profunda em seu coração. Nunca tivera amigos como Black e como Potter.

Remus, mesmo à distância, conseguiu distinguir Sirius tirando a franja mal cortada de seus olhos, antes de ele voltar a se mover novamente sobre o campo. Black e Potter não deveriam ter ideia de que Lupin nutria por eles sentimentos tão complexos no silêncio daquela Torre ou no silêncio do dia a dia daquela Escola, por vezes, tão inclusiva e, por vezes, tão inóspita. Sempre, no silêncio. Para sempre, no silêncio.

E talvez o próprio Lupin não se entendesse completamente, pois ele não era só um garoto de quinze anos. Ele era um licantropo. Um bruxo que arrastaria até o dia da sua morte as sombras como parte indissolúvel de seu ser. A escuridão era parte de si e ela tinha a sua forma de amar que podia ser misteriosa e lúgubre.

Remus secou no rosto uma lágrima rebelde com a manga de suas vestes, antes de partir no instante em que o time da Grifinória desmontava as suas vassouras e juntava as cabeças para cochichar algo a respeito do time corvinense, parecendo um grupo de sete fofoqueiros vestidos de vermelho.

Carlson, ainda no ar, rebatia os balaços com uma fúria ruidosa, usando o seu bastão para proteger Rebbecca Liljeberg, que voava atrás do pomo dourado.

O rapaz de cabelos castanhos deixou, então, a Torre de Astronomia e rumou para o corujal, a fim de enviar a carta que escrevera durante o almoço para os seus avós em Cotswolds e estava dentro da sua mochila.

Remus subia os degraus ruidosos do corujal, pensando ainda sobre os seus sentimentos quando, subitamente, ele sentiu uma tontura como se tudo ao seu redor estivesse se movendo.

As paredes pareciam que iam tombar sobre ele. As vigas oscilaram. Os degraus rangeram como se fossem se desfazer.

Remus sentiu como se alguém o sacudisse com força e ele fosse ser atirado longe, recordando-se das vezes em que os Lupins usavam Chaves de Portal.

"Criaturas das Trevas, reúnam-se!"

A voz sibilante e gelada fez com que os pelos da nuca de Remus se arrepiassem. Apoiando a mão na parede de tijolos, o grifinório se sentou em um degrau, sentindo o mundo vacilar como se ele fosse desaparecer.

"...Eu posso sentir a angústia de vocês!"

Em um gesto sincrônico, as corujas que se encontravam na torre começaram a se agitar em seus poleiros, piando alto e movendo as suas asas.

As aves estavam alarmadas e nervosas.

Remus olhou ao redor, sentindo as suas pernas fracas e ele mesmo sentia vontade de gritar como as aves. Elas se debatiam em desespero.

"...Vai chegar a hora de todos vocês levantarem a cabeça!"

O Lobo em Remus, despertando da sua hibernação, também se agitou. Como era possível que ele acordasse? Eles estavam muito longe da lua cheia!

O animal farejou o ar com a sua respiração pesada e Remus sentiu um arrepio de prazer em seu corpo como se dedos deslizassem por ele. Ou serpentes.

"...Eu posso sentir a sua raiva! O seu ódio! A sua vontade de revidar. Sim, eles merecem morrer! Juntem-se a mim! Levantem a cabeça!"

Remus, tendo em si, ao mesmo tempo, o sentimento de prazer do Lobo e o seu próprio pavor, apertou o seu estômago, embalando-se.

As corujas haviam começado a voar pelo corujal, atordoadas, amedrontadas. Algumas se debatiam contra as vidraças, parecendo não conseguirem encontrar a saída. Todo o corujal se tornou um alarido vivo como se as criaturas ali fossem torturadas.

"...Vamos criar um novo mundo em que não precisarão se esconder. Onde poderão matar! Sigam-me!"

O Lobo em Remus arfava, sentindo vontade de pular nos gramados e seguir a voz. Remus tinha os olhos úmidos e fitava as corujas se debatendo em uma gritaria estridente.

"...Sigam Lorde Voldemort!"

Perante a menção do nome de Você-Sabe-Quem, houve uma explosão nas vidraças e o pio das corujas pareceu se elevar a uma dor agoniada e desesperada como se o peito das próprias aves fosse se arrebentar.

O time da Corvinal havia parado de jogar e os alunos nos gramados se voltavam para ver a comoção que se dava na torre de descanso das aves.

As corujas voaram desordenadas e algumas se arriscaram pelos vidros pontiagudos, caindo trêmulas no gramado, feridas ou mortas.

Remus tinha os ouvidos tapados com as mãos, tentando segurar aquela instância de si que queria pular nos gramados e obedecer à voz de comando.

"Ele está nos recrutando!" — Lupin ouviu o Lobo sussurrar — "O Lorde das Trevas nos quer! Ele nos enxergou!"

Era possível que, assim como alguns insetos eram atraídos pela luz, incendiando-se, algumas criaturas eram atraídas pelas Trevas, consumindo-se.

E no meio disso, havia as corujas. Criaturas dóceis e inocentes, colapsando na escuridão. Havia também Remus.

O bruxo de idade que cuidava das corujas irrompeu pela escada da torre, olhando atordoado o ambiente. Ele fitou as aves agonizando no chão, aturdido e, em seguida, espreitou Remus.

O grifinório estava trêmulo, encolhido e grudado à parede, tão assustado quanto as corujas.

"O que houve?!"

Remus entreabriu os seus lábios, perguntando:

"Você não ouviu Ele falando?"

O bruxo que cuidava do corujal moveu o seu rosto, com confusão, olhando ao redor:

"Escutou quem falando?"

(cut)

Quando Remus foi procurar pela Professora McGonagall para narrar o que acontecera, ele se recordou de que ela não estava na Escola. Fawley lhe informou que o diretor Dumbledore se ausentara também.

Atualmente, era comum os professores parecerem atarefados e deixarem a Escola a todo momento, assim como eram vistos visitantes para o diretor de Hogwarts, caminhando pelos pátios, nos fins de semana.

Remus desistiu de consultar Madame Pomfrey quando soube que a enfermeira fora ajudar o encarregado do corujal no trato dos ferimentos de algumas das corujas.

Sete aves haviam morrido e os alunos se perguntavam o que havia acontecido. As causas se mantinham nebulosas.

Foi, então, que Lupin se sentou sob o freixo da Escola, com abandono. Pensando sozinho. O pátio estava deserto.

Você-Sabe-Quem era um bruxo das Trevas que vinha ganhando força no Reino Unido. Havia um burburinho de que ele estava coletando adeptos de sua causa.

Mas os países da Europa estavam unidos contra ele e o Ministério bruxo inglês era o mais forte em décadas desde a queda de Grindelwald.

Não era surpresa para Remus que o Lobo era uma criatura das trevas vivendo dentro dele. Fora com essa parte que o Lorde das Trevas se conectara, tentando recrutá-lo, assim como o Chapéu Seletor, que queria enviá-lo para Slytherin.

Mas e daí?

Remus não atenderia ao chamado e o Lobo era mantido em cativeiro no período da lua cheia. Ele não ia debandar, seguindo um bruxo das Trevas.

Os professores tinham coisas mais importantes com o que se preocupar do que com os seus temores, refletia Remus. Ele não podia alarmar a todos sempre que sentisse um desconforto.

Fosse negligência ou não, Remus ignorou o chamado e aquele fato, pondo-o de lado. Havia uma determinação sombria em si mesmo em não falar daquilo com mais ninguém.

Como se fosse óbvio o que ele deveria fazer.

E, em alguma instância sua, Remus ouviu uma voz pesada e canina, a voz do Lobo, rosnando antes de voltar a dormir.

"Isso fica só entre a gente..."

"Por enquanto. Se acontecer de novo, Dumbledore vai saber." — convenceu Lupin a si mesmo.

"O que um bruxo de sangue puro e que luta ao lado da Luz sabe sobre nós dois, garoto? Você me faz rir!"

Depois disso, sentindo-se estranhamente leve, Lupin se dirigiu para a Sala Comunal. E ele chegou a julgar que o seu humor melhorara bastante.

Ele seguiu pelos corredores e espaços da Escola.

De cabeça erguida.

E Remus sentiu um orgulho desgraçado de si mesmo por não ter os olhos marejados quando fitou Sirius e James na Sala Comunal porque a outra forma de lidar com as suas crises sem ser fugir, era chorar.

Em sua defesa de ter sido escolhido para a Grifinória pelo Chapéu Seletor, Lupin pontuava para si mesmo que era preciso uma baita coragem para se admitir as próprias fraquezas.

Sirius e James ainda fitavam as costas de Lupin quando Frank Longbottom os puxou pelos ombros como dois prisioneiros em fuga, dizendo:

"A gente calculou errado! A Corvinal tá voando melhor do que pensávamos! Reunião do time de Quadribol urgente! Vocês dois também!"

Lupin não reencontrou mais Black e Potter naquela tarde.

Quando Remus foi jantar, um grupo de colegas mexeu com ele, mas foi freado por um rapaz de olhos esbugalhados e cabelo espetado que Remus não conhecia, mas que estava seguindo para a biblioteca ao lado de Joshua Pride, da Corvinal, e carregando alguns livros de Poções.

"Deixem o Lupin em paz! Ele é um garoto legal! Vocês não têm o que fazer, não, cambada de imbecis?"

"Ele é igual a McKinnon e igual ao Pride!" — comentou um rapaz com um riso desagradável.

Joshua Pride abriu a boca para responder, mas foi o rapaz de olhos esbugalhados que retorquiu com irritação:

"Deixem o Pride e McKinnon em paz também! Hogwarts tá virando uma casa de comadre. É por isso que me inscrevi para o Castelobruxo no Brasil. Preciso de novos ares e de gente com miolos para me inspirar para as minhas poções! Tenho inveja de McKinnon que se mandou para Beauxbatons e não precisa olhar para a cara de nenhum de vocês!"

No Salão Principal, imperava o burburinho ainda sobre o incidente com as corujas e Remus viu, na mesa dos Professores, o mestre de Defesa contra as Artes das Trevas conversando aos cochichos com o Professor Flitwick e a Professora Sprout.

Remus seguia se sentindo bem. E, não pensando mais na questão, conversou com Raven Fraser e Winona Rivers durante o jantar.

Mais tarde, no dormitório, com um rosto sonolento, Pettigrew comentou quando Remus rumava para o banho com a toalha em seu ombro.

"Ei, Remus, aquele monitor da Corvinal tá a fim de ti! Ele me perguntou sobre o teu paradeiro no estádio hoje de tarde! Duas vezes!"

O rapaz de cabelos castanhos se recordou de Carlson e franziu as sobrancelhas com descrença.

"Não tá não!"

"Tá sim! Tô te avisando, cara! Ele tá querendo te enrabar! Vai se abrindo pra ideia, se é que tu entende o que eu quero dizer!"

Remus respondeu com azedume, tendo as bochechas matizadas de vermelho.

"Não fala bobagem, Pettigrew!"

Depois, Pettigrew, com um sorriso malicioso, perguntou:

"Ei, Remus, tu não assistiu ao treino do time da Grifinória mais cedo por quê?!

Remus, endireitando os óculos sobre o nariz, mentiu porque não ia dizer ao amigo que permanecera espreitando tudo da Torre de Astronomia.

"Porque não tinha clima de eu aparecer lá, sendo que a minha amizade com o Black e com o Potter tá em suspenso..."

Pettigrew soltou um estalo mal-humorado com a boca, afofando o travesseiro em que deitaria a sua cabeça.

"Bom, eu tava lá e vi o treino. A gente tá bem, mas o modo sinistro que a Corvinal tá jogando é preocupante..."

Remus franziu o cenho:

"Eles tão voando tão bem assim...?"

Pettigrew cruzou os braços com preocupação e torceu a boca.

"Se o time do Longbottom não der um gás maior, tô com medo de ouvirmos os corvos cantarem no próximo sábado..."

Com aquela previsão nefasta e a lembrança do time da Grifinória observando atentamente os jogadores da Corvinal, Remus seguiu para o chuveiro, pensando que Quadribol e voo nunca foram os seus pontos fortes, mas assistira às últimas partidas de Quadribol e o time de Ravenclaw, apesar de estar bem, não parecia tão superior à Grifinória.

Contudo, o rapaz de cabelos castanhos se lembrava de sua mãe, certa vez, dizendo-lhe que um dos segredos dos corvinos era a estratégia em campo. Hope jogara na posição de artilheira durante o tempo que frequentara Hogwarts, marcando muitos pontos para a Casa de Ravenclaw.

"A gente jogava com a cabeça fria enquanto os lufanos jogavam com as regras; os sonserinos com a vaidade e os grifinórios com a cabeça quente. Daí, os corvos sempre podiam dar um voo rasante e pam!" — disse Hope, na ocasião, narrando uma das partidas em que a Corvinal saíra vitoriosa e derrubando o bule de chá sobre a toalha de linho ao bater a mão espalmada na mesa com empolgação.

Lyall, antecipando-se em fitar a esposa por sobre o jornal, utilizou a sua varinha para erguer o bule e limpar o chá que fora derramado, dizendo:

"Te detesto, Hope! A gente ficou ouvindo a algazarra de corvos o fim de semana inteiro e a Grifinória parecia que tava de luto... Oscar McNee foi parar na ala hospitalar com taquicardia e chorou um oceano no dormitório..."

Hope sorriu, colocando o seu cabelo curto e castanho atrás da orelha e dizendo:

"Você me ama, Lyall! E eu amo você, meu bem! Não se esqueça nunca que foi após essa vitória da Corvinal que saímos juntos e, finalmente, começamos a namorar..."

Lyall piscou para Remus, esticando o braço e tocando a mão da esposa. O menino sorriu ao ver os dedos do pai se entrelaçando nos dedos da mãe. A aliança dela reluzindo.

"Eu tava sofrendo por não termos conquistado a Taça e não tinha mais nada a perder. Se levasse um fora da menina mais incrível de Hogwarts, pelo menos era uma choradeira só. Mas, no fim, me dei bem!" — riu-se Lyall, erguendo a sua mão com a aliança de casamento e fechando o punho com um gesto de vitória.

Remus se demorou um pouco no banheiro, remoendo esses pensamentos. Ao término do banho, limpando o vapor do espelho sobre a pia com a mão porque era uma vergonha um bruxo precisar da varinha para fazer aquilo, o rapaz se fitou. Se demorou, observando a profundidade de seus olhos amarelos no espelho, tentando alcançar o Lobo dentro de si.

"Ei, você tá aí?"

Não. Era lua minguante e o Lobo estava sossegado em hibernação novamente, após o episódio estranho da tarde.

Desde o dia do beijo no Lago, a criatura das Trevas não queria muita conversa com Remus e era demasiadamente rude em suas respostas. Se pudesse responder, a criatura das trevas, talvez, mandasse o garoto de cabelos castanhos ir tomar no cu. Metaforicamente e literalmente.

Então, Remus, encarando a superfície fria do espelho, só se deparava com o seu próprio reflexo de garoto de quinze anos mediano e inteligente. Era só o Lupin que os amigos achavam um pouco babaca agora e que, mais cedo ou mais tarde, precisaria se decidir entre ser inteligente ou ser babaca porque ninguém tinha tudo. Talvez, ele precisasse se tornar meio inteligente e meio babaca, se tornando um mediano completo.

Remus foi para a cama, ouvindo os roncos de Pettigrew, que já dormia há algum tempo, e voltando a refletir sobre as constatações do amigo a respeito do treino dos times e da observação de sua mãe acerca das estratégias da Corvinal.

Remus puxara para Lyall e se saía muito melhor no setor acadêmico do que na área dos esportes, mas ele se lembrava de quando enfrentara a Corvinal na Olimpíada Intelectual das Casas em seu segundo ano.

Os corvinos possuíam, sem dúvida, sangue frio e inteligência para lidarem com a pressão. Afinal, Joshua Pride o vencera, após Remus desmaiar por conta dos ferimentos do seu ciclo lunar. Além disso, o seu adversário aguentara com uma indiferença elegante a pressão dos rugidos de leão que tentavam lhe desestabilizar.

Sentindo-se cansado, Remus fechou, finalmente, os olhos, experimentando o ar fresco da noite adentrar o recinto pela janela entreaberta enquanto relaxava em sua cama. A luz pálida da lua minguante e das estrelas iluminavam o dormitório e a sua mobília pesada. O rapaz de cabelos castanhos foi tomado, então, pela languidez e o terceiro sonho daquela semana o assaltou.

Lupin sentia os raios prateados da lua cheia penetrar a Torre de Astronomia e iluminar, entre aqueles mapas que indicavam a posição de Marte ou Mercúrio em suas confusas legendas, Sirius recostado próximo à sacada enquanto James permanecia no canto oposto, ao lado do telescópio.

Ambos grifinórios trajavam os seus uniformes de Quadribol. Com botas, calças brancas justas, joelheiras, braçadeiras e até a porra dos óculos de proteção sobre as suas cabeças. Que injustiça!

"Querem me beijar agora, senhor Black e senhor Potter!? Se estivéssemos sozinhos, eu não correria..." — murmurou Sirius, sorrindo ao imitar as palavras que o garoto com olhar perdido no centro da Torre dissera horas atrás, naquele mesmo lugar.

Remus ruborizou. Não! Eles não podiam ter escutado tais palavras! Estava sozinho quando as proferira.

James sorriu e aproximou-se de Remus.

"Hoje é noite de lua cheia. Mas o Lobo disse que vocês podiam inverter. Ele fica com os dias e você, com as noites, Remus..."

Lupin, sem conseguir compreender a lógica das palavras que ouvia, olhou para Sirius, que também se aproximava. Sobre uma das mesas da sala, um lampião estava aceso enquanto libélulas circundavam-no, sem descanso.

"A lua cheia não pode te achar se ficar aqui dentro conosco."— declarou Sirius com o seu olhar belo e selvagem.

"Mas Remus não nos quer mais por perto. Acho que ele nos detesta..." — murmurou James com a voz um pouco aborrecida, olhando o garoto de cabelos castanhos, que, por sua vez, não encontrava palavras até aquele momento.

Remus se pôs, então, a falar:

"Não! Eu amo vocês dois! Eu quero vocês sempre perto de mim... Vocês são os meus melhores amigos! Eu só fico com ciúme porque estamos mudando muito rápido e tenho medo de que não precisem mais de mim. Sei que não gostam de mim da forma que eu gosto de vocês, mas não importa! Porque posso ser só o amigo de vocês. Eu só preciso de um tempo pra conseguir ver vocês de outro modo..."

"Querem me beijar agora, senhor Black e senhor Potter!? Se estivéssemos sozinhos, eu não correria..." — murmurou James, emendando também as palavras que Remus dissera mais cedo, quando se encontrava sozinho na Torre de Astronomia — "Você é apaixonado pelo Sirius desde o primeiro ano e tem um tesão desgraçado em mim, Remus. Acha mesmo que vai conseguir tirar a gente da sua cabeça, ficando de mal ou fugindo?"

"Nunca beijou, Remus? Deve ser o único menino na Escola com quinze anos que nunca beijou..."— declarou Sirius, sorrindo-lhe— "Está guardando o seu primeiro beijo para o amor da sua vida? Creio que esse seja eu..."

Remus suava gelo. A lua, as libélulas, eles, todos o atordoavam. Sem pensar, ele assentiu com a cabeça. Já ouvira também aquelas frases antes. Ouvira? Quando as ouvira? Remus ouvia tantas bobagens e tantas coisas boas que não conseguia se lembrar! Talvez, tivesse dito aquilo para si mesmo.

James sorriu, antes de murmurar:

"Então, você deve ir primeiro, Sirius. Depois, é a minha vez. Lembre-se que ele tá apaixonado... Não o faça chorar..."

Sirius se aproximou de Remus, sem tropeçar dessa vez e o rapaz de cabelos castanhos achou assustador aquele adolescente alto que Sirius era indo até a sua direção como um cachorro que avista um coelho. Ou um pufoso.

De repente, Black estava muito perto e James permanecia no canto da sala, olhando-os enquanto as libélulas se tornavam muito barulhentas.

"Vamos fazer as pazes, Remus?"

O garoto não teve tempo de encontrar uma resposta. Sentiu o seu rosto ser puxado por Sirius e um beijo cálido e febril ser depositado em seus lábios úmidos. Queimava! Era doce e quente!

Os lábios de Sirius eram tão doces como imaginava que seriam. Remus hesitou quando Sirius segurou o seu pulso, olhando-o de um modo que o fazia recordar estranhamente do sorriso de Michael Carlson da Corvinal no Salão Principal. As suas mãos eram quentes. Os seus olhos percorriam com interesse o corpo do outro garoto, cujos ossos tremiam ligeiramente ao ouvir as palavras:

"Levanta a cabeça, Remus!"

Remus fechou os olhos quando Sirius voltou a beijá-lo e, dessa vez, por um longo tempo, ele sentiu mãos acalmando com o seu peso suave o tremor de seu corpo enquanto um repentino calor envolvia a sala e as libélulas, que antes adoravam o fogo, sobrevoavam, agora, as cabeças dos grifinórios.

Lupin tentou protestar quando Sirius abriu o seu pijama, mas foi em vão. Era como se o seu pensamento não controlasse as suas ações. O rapaz de cabelos castanhos surpreendeu-se e ruborizou quando experimentou aqueles dedos tatearem os seus mamilos, a sua barriga...

Os dedos de Black eram carícias delicadas descendo pela palidez marmórea de Remus e eles não pararam de descer mais e mais, até que um prazer maior o assolasse. Sem precisar constatar, Remus sabia que, enquanto Sirius lhe tocava por dentro da calça do pijama, as pequenas libélulas pousavam em seus cabelos, em seus ombros.

James se aproximou então. Suas mãos acariciaram o rosto de Sirius, antes que se curvasse para beijar também Remus, que os olhava com perplexidade.

A língua de Potter invadiu a boca do rapaz de cabelos castanhos com volúpia e arrancou um gemido de Remus quando ele percebeu que movia a sua própria língua, arrancando prazer e proporcionando prazer. As bocas dos dois garotos não comportavam mais o erotismo daquele beijo. E Remus sentiu Sirius depositando os lábios no seu pescoço.

O rapaz de cabelos castanhos se manteve entre os dois grifinórios e voltou a beijar um e o outro, tocando com delicadeza os cabelos de James quando ele se curvou sobre o seu ombro para beijar Sirius também.

"É assim que se brinca de beijo, lobinho..." — murmurou-lhe Black, enterrando o rosto em seu pescoço e lhe mordendo a orelha.

Remus permitiu que os seus gemidos fossem proferidos livremente, enquanto sentia James deslizar os dedos por seus ombros nus e por suas costas. Ele sentiu uma mão firme em sua nuca, violenta, movendo-a enquanto beijava um garoto e o outro. A mão invisível repuxava um pouco os fios do seu cabelo.

De quem era aquela mão pesada?

"Vinde a mim! Levanta a cabeça!"

"Remus, abre os olhos ...!"

"Hum..."

"É um sonho..."

"...Um sonho..."— murmurou Remus, enlouquecendo e movendo um pouco os seus quadris, que, no sonho, Black e James tocavam.

"... Acorda, Remus! Acorda!"— falou Sirius, sacudindo de leve o seu ombro.

Então, Remus abriu os olhos. Não havia libélulas, nem a lua cheia. Ele não estava na Torre de Astronomia. E nem havia uma mão invisível em sua nuca.

Ao invés disso, havia somente a luz pálida do dormitório. Mas estavam ainda lá, Sirius, James... e Pettigrew?

"Acorda, cara! Tu tá sonhando!"— falou Peter com o cabelo claro despenteado e usando a sua varinha para iluminar o dormitório.

Remus viu-se, então, em seu quarto em Hogwarts. Os seus três amigos o olhavam com expressões confusas enquanto ele recobrava a consciência. Esfregando os olhos, ele indagou:

"Cadê as libélulas?"

Sirius e James se entreolharam, mordendo os lábios com algum divertimento, antes que Pettigrew indagasse com alguma chateação:

"Esse barulho todo era por causa de libélulas? Achamos que você tava tendo a porra de um colapso e, agora, nos diz que tava sonhado com libélulas?!"

Então, Remus percebeu. Tudo se esvaíra quando abrira os olhos. Apenas a febre delirante e a umidade em seu corpo se mantinham.

"O que aconteceu?"— murmurou o rapaz, ainda sonolento e erguendo um pedaço do seu cobertor, observando o seu estado e voltando a se cobrir, após arregalar discretamente os olhos.

"A gente chegou agora e ouviu você suspirando e falando enrolado. Achamos que devíamos te chamar..."— informou-lhe James.

"E eu tinha ido mijar e, quando voltei, vi esses dois aí te chamando!" — declarou Pettigrew.

"Eu tava tendo um pesadelo..."— mentiu Remus, conjurando os óculos sobre a cômoda para a sua mão e os colocando sobre a vista.

"Pesadelo!?"— caçoou Pettigrew — "Parecia ser um sonho muito bom pela maneira que você tava gemendo e falando enrolado."

Um rubor subiu pelas bochechas de Remus e o fato de Sirius e James o encararem diretamente não ajudava em nada. Black espreitava Remus de cima a baixo com a sua expressão tranquila, que ainda assim, era um pouco feroz. E ele usava um pouco da colônia de Potter. Será que eles desconfiavam do tipo de sonho que Remus estava tendo?

"Então, como foi esse pesadelo?" — indagou Sirius à queima roupa.

Eles sabiam! Os desgraçados sabiam!

"Com a lua cheia..."— falou Remus com o rosto lívido, mas as faces rosadas.

"E que mais?"

Que mais, bonitão?

Remus teve a impressão ligeira de querer morrer e se imaginou nos tranquilos lençóis da enfermaria. Ele precisava parar de fugir dos seus problemas, mas as situações em que ele se colocava, definitivamente, não ajudavam.

"Não lembro..."

Pettigrew interveio, voltando para baixo de suas cobertas.

"Mas você tava murmurando como se estivesse falando com alguém..."

Pettigrew, seu pombo linguarudo...

Sirius, que estava sentado na beirada da cama de Remus, tocou a fronte do rapaz de cabelos castanhos e perguntou, olhando em seus olhos:

"Com quem você sonhou?"

Remus sentia aquela palma quente em seu rosto e sentia a capacidade de falar esvair do seu corpo. Mas, esforçando-se, ele murmurou, fitando aquele mar cinzento dos olhos de Black.

"Com ninguém. Eu tava sozinho..."

Sirius parecia um pouco cansado e com uma expressão sonolenta. Seus lábios estavam um pouco feridos. Qual teria sido a tarefa designada para a sua Detenção naquela noite?

"Quer uma poção calmante?" — ofereceu-lhe James — "Tenho alguns frascos no meu malão para quando sofro a paralisia do sono..."

Remus sacudiu o rosto, mordendo os lábios.

"Eu tô bem. De verdade. Desculpa preocupar vocês..."

Durante alguns segundos, os três amigos se mantiveram fitando-se e parecia que voltariam a se falar normalmente.

Sirius e James estavam com os seus uniformes de Hogwarts; as gravatas frouxas e um ar despreocupado. Havia um quê libertino nas mangas dobradas de suas camisas até os cotovelos e nas barras para fora da calça. Mas o momento de interação passou e Sirius retirou a sua mão da fronte de Remus, levantando-se da cama.

"Certo... Melhor voltar a dormir..." — declarou Black, desabotoando os primeiros botões da sua camisa e seguindo para o banheiro junto com James. O mesmo banheiro.

O rapaz de cabelos castanhos fechou, então, o cortinado de sua cama de dosséis, utilizando a sua varinha para murmurar baixinho um feitiço enquanto levantava, novamente, os seus lençóis:

"Evanesco!"

Imediatamente, os rastros deixados pelo sonho erótico que Remus tivera desapareceram e ele se viu deitado em cobertores limpos. Trajando um pijama e a roupa de baixo higienizados.

O grifinório ouviu o barulho de água corrente e o ruído de Sirius migrando para o outro banheiro, pouco antes da porta se fechar suavemente.

Remus precisava, definitivamente, dar um jeito em si mesmo. Porque mesmo que o Lobo estivesse repousando; mesmo que o rapaz de cabelos castanhos se mantivesse afastado dos seus amigos, aquela sinergia invisível e mágica que rege as vontades, os aproximava, atirando-os em uma dança demasiadamente perigosa.

Em algum momento, Sirius e James perceberiam que o amigo era desejo incandescente e tinha sonhos safados. Muitos safados. Saberiam que ele guardava revistas pornográficas masculinas em seu malão, que fariam o senhor e a senhora Lupin perguntarem a Merlin onde erraram em sua criação. Ele guardava no dormitório material erótico que adquirira ilegalmente de uma banca de jornal trouxa em Londres, como um pirata que guarda ouro em um baú.

Fora através de pornografia explícita que Remus descobrira como dois homens podiam sentir prazer juntos. Às vezes, mais de dois homens juntos. E era essas imagens que povoavam o seu imaginário.

E o pior era que, quando chegasse novamente o período da lua cheia, o Lobo ia jogar tudo aquilo na cara de Remus e tornar evidente, quando ele se olhasse no espelho, que o jovem era um idiota completo perante o Lobo que era um velhaco. E que ele morreria sem saber o que o prazer era.

O Lobo perguntaria em descrença absoluta porque ele tinha que conviver com um idiota reprimido.

Ele perguntaria por que Fenrir Greyback não mordera, afinal, um bruxo com mais potencial, já que os idiotas sempre acabavam se fodendo, agarrados àquele senso de humanidade e regras que as criaturas das trevas desprezavam. Fenrir Greyback, talvez, fosse também outro tonto. Não era à toa que os lobisomens eram todos marginalizados. Só escolhiam hospedeiros fodidos. E pobres! Todos sem um nuque no bolso! Licantropia atraía miséria. Não havia um lobisomem rico sequer.

Eles precisavam mesmo do Lorde das Trevas para erguerem a cabeça.

Remus também precisava erguer a cabeça. Mas não atenderia a chamado nenhum das trevas.

E o Lobo, em retaliação, ia, certamente, arranhar Remus e mordê-lo até o talo no próximo ciclo. Até ele virar várias tiras puídas de pele pálida e anêmica. E uma carcaça de bruxo, sobretudo, pobre!

"Me Fode Logo, Então, Seu Animal Filho De Uma Puta! Acaba Logo Comigo!" — explodiu Remus, retirando os óculos da sua vista com irritação.

"Opa, isso é pesado, cara!" — falou Pettigrew de sua cama, erguendo o rosto e fitando Lupin na escuridão — "Pede com jeito o dia que você pedir isso pra alguém. Não é porque tu gosta de caras que não precisa rolar um por favor..."

Sirius abriu a porta do banheiro, colocando a cabeça para fora do ambiente e perguntou, com os seus cabelos soltos e sem a parte de cima de sua roupa:

"O que houve aí? Precisa de ajuda, Remus?"

Pettigrew sorriu, parecendo ter uma piada pronta, mas Remus se antecipou:

"Eu tava falando de um modo metafórico, Pettigrew! Tá tudo bem, Sirius." — tranquilizou-o Remus, puxando o cobertor até o seu queixo.

Sirius retornou para o banheiro enquanto Peter soltava uma risadinha, antes de se virar de lado e voltar a dormir.

Remus rolou sobre o seu colchão por um tempo. Ele viu os movimentos de Sirius e de James ao se dirigirem para as suas camas.

E, na madrugada alta, o rapaz de cabelos castanhos fechou os olhos e teve o quarto sonho daquela semana. Porque licantropos sonhavam por dois. E isso era outra coisa que não vinha registrada nos livros de Defensa contra as Artes das Trevas.

Remus se viu sobre a colina no terreno íngreme dos gramados de Hogwarts.

No céu, o sol se punha com as primeiras estrelas despontando e, ao seu lado, o grifinório tinha a vitrola da Escola preparada para uma festa de despedida que começaria.

Remus caminhava com as mãos para trás e posicionou a agulha da vitrola sobre o vinil, tocando 'Dream a little dream of me' de Cass Elliot, a música que Lyall e Hope dançavam de rosto colado na sala de estar dos Lupins tarde da noite.

A visão diante de Remus era perturbadora. Ajoelhados, com os pulsos amarrados atrás das costas e com os olhos vendados, todos os veteranos e valentões que perseguiam o rapaz de cabelos castanhos estavam enfileirados.

Eles eram muitos.

Eles choravam e imploravam. Pediam desculpas. Perdão. Outra chance.

Remus procurou, perto do Salgueiro Lutador, a figura que se esgueirava em direção aos gramados. O Lobo salivou. E Remus deu o seu sorriso enviesado.

O grifinório começou, então, a dançar sozinho, colocando as suas mãos sobre a cintura e um ombro de um parceiro imaginário enquanto rodopiava, dançando com graça e entrega. Sem segurar tanto o seu quadril ou os seus braços. Com delicadeza e arriscando até mesmo alguns passos não tão precisos do movimento de ballet en pointe.

Sem se sentir estranho, julgado ou condenado.

Remus fitou o seu rebanho, que, trêmulo, aguardava a sua decisão. O seu veredito. Então, Remus bateu a primeira palma e o Lobo obedeceu ao seu comando.

A criatura das Trevas abateu um veterano que fizera um gesto obsceno para Remus no dia anterior. O rapaz gritou e foi destroçado em minutos.

Depois, enquanto dançava, rodopiava e a noite se tornava mais escura, Remus bateu os seus pés no chão. E o Lobo pulou na próxima vítima. Tyrone implorou por sua vida. Remus sempre achou que ele era do tipo que implorava.

Carter foi o próximo e, saciando aquela sede animal, com dentes e unhas, o lobisomem foi destroçando um a um, rasgando jugulares e tendões.

Remus rodopiou, sentindo-se ligeiramente tonto. E livre.

O rapaz de cabelos castanhos tinha a sua blusa do uniforme aberta até a clavícula de um modo libertino e enquanto se movia ao som de Cass Elliot, ele mantinha os olhos fechados, saboreando algo secreto.

Até que ele abriu, finalmente, os seus olhos e se deparou com o Lobo, ofegante, com os caninos e as patas sujos de sangue. A criatura era uma ilha de membros rasgados, ensanguentados e inertes. Ela estava exultante, arquejante em meio ao cheiro férreo. Feliz.

E Remus também se sentiu feliz.

O grifinório virou as costas com impessoalidade sob o céu escuro salpicado de estrelas e se dirigiu a Sirius Black, James Potter e a Michael Carlson, que, com olhares hipnotizados, mantinham-se servis, trajando os seus uniformes de Quadribol.

"Livrem-se do que sobrou do rebanho. Depois disso, venham até o meu quarto." — dissera uma voz peremptória que emanava de Lupin.

O rapaz partiu em direção ao Castelo e tinha o Lobo, inseparável, caminhando ao seu lado. Fiel e íntimo.

Como uma sombra.

Remus, no dormitório, sonhando, sorriu enquanto dormia, perdido na escuridão aterrorizadora de si mesmo.